Parecer CJ/MPS nº 3.272 de 15/07/2004

Norma Federal - Publicado no DO em 21 jul 2004

Dispõe sobre a isenção previdenciária de entidades que fazem cessão de mão-de-obra.

REFERÊNCIA: INSS/DIRAR/SIPPS CM 10524419. MEMO nº 365/2003/INSS/DIREP/CGFISC. INTERESSADO: Diretoria da Receita Previdenciária do INSS. ASSUNTO: Isenção previdenciária de entidades que fazem cessão de mão-de-obra.

EMENTA: Previdenciário e Assistencial. Isenção das contribuições para a Seguridade Social. Art. 55 da Lei nº 8.212/91. Cessão de mão-de-obra. 1. Somente poderão realizar cessão de mão-de-obra, sem perder a isenção prevista no art. 55 da Lei nº 8.212/91, as entidades que atendam dois critérios, a saber: caráter acidental da cessão onerosa de mão-de-obra em face das atividades desenvolvidas pela entidade beneficente; e mínima representatividade quantitativa de empregados cedidos em relação ao número de empregados da entidade beneficente. 2. As entidades que fazem cessão de mão-de-obra sem atentar para um destes dois critérios, na forma descrita no corpo do presente parecer, violam a exigência do inciso III do art. 55 da Lei nº 8.212/91 e não fazem jus à correspondente isenção.

Trata-se de consulta formulada pela Divisão de Gerenciamento da Isenção Previdenciária acerca da legalidade do Parecer CJ/MPS nº 2.232, aprovado pelo Sr. Ministro da Previdência Social em 17 de dezembro de 2001.

2. O citado parecer tem a seguinte conclusão:

26. Quanto ao caso específico das "guardas mirins" o mesmo entendimento se aplica. Se a cobrança dos serviços prestados visa remunerar as entidades de assistência social e, com os recursos obtidos, garantir a continuidade dos seus serviços de assistência social, conforme art. 203 da Constituição Federal de 1988, e sendo observados os demais requisitos exigidos em lei, não há porque se negar a imunidade destes entes.

27. Veja-se que a finalidade institucional é promover a integração ao mercado de trabalho, nos termos do inciso II do art. 203 da Constituição Federal de 1988. Desta forma, estando presentes os demais requisitos previstos em lei, temos que não há porque se negar a natureza assistencial destas instituições, garantindo-se a imunidade prevista na Constituição Federal.

28. Se há imunidade em relação a estas instituições, temos que não há como se exigir a retenção de que trata o art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, com redação dada pela Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998. Esta retenção exige que haja um contribuinte, que no caso seria a empresa cedente de mão-de-obra. Se as entidades de assistência social não são contribuintes, pois a imunidade afasta a possibilidade de instituição de tributo, revelando-se em proibição expressa contida na própria Constituição, temos que não há como se exigir das empresas que com ela contratam a retenção de 11% sobre o valor da nota fiscal fatura, nos termos do dispositivo acima indicado.

3. O consulente afirma que alguns governos municipais e estaduais estão contratando mão-de-obra por intermédio de entidades beneficentes de assistência social isentas de contribuição para a seguridade social, o que configura nova modalidade de elisão fiscal. Segundo ele, nestes contratos os entes públicos repassam às entidades isentas o total da folha de pagamentos mais encargos (sem o valor da cota patronal do INSS) mais uma taxa de administração de 10%. Cita, nesse sentido, o contrato celebrado entre a Prefeitura de Maringá e a Santa Casa de Misericórdia de Maringá.

4. Afirma, ainda, que tal prática configura burla a exigência constitucional de concurso público para contratação de servidores por parte da Administração Pública, bem como fere o princípio constitucional da livre iniciativa, previsto no art. 170, IV, da Carta da República.

5. A Divisão de Gerenciamento da Isenção Previdenciária do INSS sustenta que a entidade que faz cessão de mão-de-obra, não estando esta atividade prevista em seu estatuto, está violando o disposto no inciso V do art. 55 da Lei nº 8.212/91, que prevê um dos requisitos para a configuração de entidade beneficente de assistência social, motivo pelo qual deve ser cancelada a sua isenção.

6. A partir destes argumentos, o consulente questiona se o Parecer CJ/MPS fere a Constituição Federal de 1988 e se tais contratos de cessão de mão-de-obra, por si só, resultariam no cancelamento da isenção, por descumprimento do disposto no inciso V do art. 55 da Lei nº 8.212/91.

7. A Coordenação Geral de Matéria Tributária da Procuradoria Federal Especializada - INSS manifestou-se sobre o objeto da presente consulta, concluindo da seguinte forma:

3.1. À vista do exposto, por qualquer aspecto que se mire, praticamente insustentável é a imunidade das entidades beneficentes de assistência social que cedem mão-de-obra, a não ser naquelas hipóteses pontuais, isoladas, em que não é objeto social da entidade tal atividade, adotando a entidade tal mister em vista da disponibilidade temporária de mão-de-obra.

Todavia, o art. 55 da Lei nº 8.212/91 não serve de subsídio para o cancelamento da isenção, a não ser que se comprove que, de fato, o objeto social de entidade é a cessão de mão-de-obra, hipótese em que o inciso III do dispositivo seria subsídio, ao que se somaria a representação ao CNAS para o cancelamento do CEBAS, com amparo no art. 3º, X, do Decreto nº 2.536/98, o qual erige como requisito para a obtenção do certificado não constituir a entidade patrimônio de indivíduo ou sociedade sem caráter beneficente de assistência social, pois que, se o fim do dispositivo foi não permitir que os incentivos das entidades beneficentes fossem estendidos às pessoas voltadas ao lucro, aplica-se inteiramente ao caso vertente.

Para as demais hipóteses, em que coexistem a cessão de mão-de-obra e as atividades beneficentes, não vislumbramos supedâneo legal para o cancelamento da isenção. Sem embargo, sendo inegável que a cessão de mão-de-obra pelas entidades beneficentes conduziria a vera evasão fiscal, sugere-se o estudo sobre a viabilidade da edição de lei com vistas a regulamentar a impossibilidade de a imunidade estender-se a essas atividades, o que não significa que se restringirá o comando constitucional, pois que este volta-se exatamente às entidades beneficentes, sendo certo que a cessão de mão-de-obra desonerada privilegia as empresas tomadoras de mão-de-obra. (...)

8. É o relatório.

9. As consultas ao Sr. Ministro da Previdência Social regulam-se pelo disposto no art. 309 do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 9 de junho de 2003. Confira sua redação:

Art. 309. Havendo controvérsia na aplicação de lei ou de ato normativo, entre órgãos do Ministério da Previdência e Assistência Social ou entidades vinculadas, ou ocorrência de questão previdenciária ou de assistência social de relevante interesse público ou social, poderá o órgão interessado, por intermédio de seu dirigente, solicitar ao Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social solução para a controvérsia ou questão.

§ 1º A controvérsia na aplicação de lei ou ato normativo será relatada in abstracto e encaminhada com manifestações fundamentadas dos órgãos interessados, podendo ser instruída com cópias dos documentos que demonstrem sua ocorrência.

§ 2º A Procuradoria Geral Federal Especializada/INSS deverá pronunciar-se em todos os casos previstos neste artigo.

10. In casu, restou demonstrada a ocorrência de questão previdenciária de relevante interesse público, razão pela qual será conhecida a presente consulta.

11. Contudo, antes de adentrar o exame do objeto da consulta, cumpre estabelecer os limites em que se dará a manifestação do Sr. Ministro, tendo em vista a competência material estabelecida pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. Confira o que dispõe o seu art. 27, inciso XVIII:

Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes:

XVIII - Ministério da Previdência Social:

a) previdência social;

b) previdência complementa;

12. O art. 42 da Lei Complementar nº 73/93 determina que os pareceres das Consultorias Jurídicas têm força vinculante para os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas. Confira:

Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.

13. Portanto, considerando as normas contidas nos dispositivos acima indicados, conclui-se que o presente parecer deve ser elaborado com base, exclusivamente, nos aspectos previdenciários da matéria submetida à apreciação do Sr. Ministro, do que decorre a não apreciação dos argumentos relativos à violação dos princípios da livre concorrência e do concurso público.

14. Cabe definir neste estudo apenas um ponto: se a atividade de cessão de mão-de-obra é compatível com a concessão de isenção das contribuições para a seguridade social, em face do que dispõe o art. 55 da Lei nº 8.212/91, posto que esta é a questão previdenciária de relevante interesse público.

15. Iniciando o exame da matéria, convém fazer um breve relato da legislação que regula a isenção das contribuições para a seguridade social. Assim, o primeiro dispositivo a ser citado é o art. 195, § 7º, da Constituição, que tem a seguinte redação:

§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

16. Em cumprimento ao comando constitucional, foi editado o art. 55 da Lei nº 8.212/91, que estabelece as exigências para a caracterização de entidade beneficente de assistência social com direito à isenção das contribuições para a seguridade social. Veja o que dispõe o art. 55, em sua redação vigorante:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:

I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

II - seja portadora do Registro e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, fornecidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.08.2001)

III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;

IV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997)

§ 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.

§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.

17. Esta é a redação que se pode considerar atualmente em vigor, posto que as alterações promovidas pela Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, foram suspensas pelo STF, por meio de decisão liminar proferida nos autos da ADIN nº 2028-5, de 20.11.1998.

18. Incumbe ao INSS receber, analisar e decidir os pedidos de isenção formulados pelas entidades que se julgam beneficentes de assistência social. A análise destes requerimentos corresponde à verificação dos requisitos previstos no art. 55 da Lei nº 8.212/91. O descumprimento de qualquer das exigências resulta no indeferimento do pedido de isenção, na medida que a entidade não poderá ser considerada beneficente de assistência social para o fim de gozar da isenção das contribuições previdenciárias. Nessas hipóteses, restarão desatendidas as exigências estabelecidas em lei, na forma do que determina o § 7º do art. 195 da Constituição.

19. Os requisitos previstos nos incisos I e II do art. 55, que tratam, respectivamente, do título de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal e do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, são estritamente objetivos, cabendo ao INSS, na análise do pedido de isenção, verificar se a entidade tem ou não o título e o certificado. Não pode o INSS recusar a concessão da isenção com base no descumprimento dos incisos I e II se a entidade apresentou o título e o certificado, ficando a sua atuação, neste aspecto, restrita à elaboração de representação aos órgãos competentes, para o respectivo cancelamento.

20. Já o efetivo cumprimento dos demais requisitos deve ser verificado, diretamente, pelo INSS, inclusive com inspeção in loco e todo o tipo de diligência cabível. O INSS é o responsável por verificar se a entidade requerente cumpre de forma efetiva as exigências previstas nos incisos III, IV e V do art. 55, decidindo, fundamentadamente, pela concessão ou não da isenção das contribuições para a seguridade social. Enfim, a constatação do cumprimento ou não dos requisitos previstos nos incisos III, IV e V requer a realização de juízo de valor, de interpretação das normas e, quando pertinente, de diligências por parte do agente do INSS, o que não ocorre em relação ao CEBAS e ao título de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal.

21. Com fulcro nestas afirmações, tem-se que, para o deslinde da consulta, importam as exigências previstas nos incisos III e V do art. 55 da Lei nº 8.212/91, posto que a verificação dos demais incisos pelo INSS não guarda correlação com a realização de cessão de mão-de-obra por parte da entidade que requer a isenção. O inciso IV trata da proibição de se remunerar os diretores. Por sua vez, as exigências para concessão de CEBAS e do título de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal não podem ser julgadas pelo INSS (incisos I e II).

22. Quanto ao inciso V, o consulente entende que a entidade que faz cessão de mão-de-obra, sem que haja tal previsão em seu estatuto, viola o requisito de aplicação integral do eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais (...). Este inciso não veda a realização eventual de cessão de mão-de-obra por parte das entidades beneficentes que não tenham tal previsão em seu estatuto, na medida que, nesta hipótese, de cessão apenas eventual, a entidade estará, tão somente, aproveitando mão-de-obra ociosal para obter receita, e não fazendo aplicação de eventual resultado operacional. Por sua vez, se a cessão de mão-de-obra não for eventual, e sim habitual, aí sim restará violado o inciso V, bem como o inciso III, ambos do art. 55. A violação nesta hipótese, de cessão onerosa habitual, é muito óbvia e será facilmente visualizada com os argumentos que serão delineados sobre a cessão eventual de mão-de-obra.

23. A cessão onerosa de mão-de-obra, em regra, desvirtua a promoção de assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes, violando o disposto no inciso III do art. 55 da Lei nº 8.212/91. Entretanto, quando esta cessão é feita em situações pontuais, de forma eventual, não haverá violação ao inciso III do art. 55, conforme se demonstrará adiante.

25. O Supremo Tribunal Federal, na decisão liminar proferida nos autos da ADIN nº 2028-5, sinalizou no sentido de que as entidades beneficentes de assistência social podem empreender atividades econômicas para reverter os resultados obtidos em suas atividades assistenciais, ou seja, em seus fins institucionais. É o que se obtém da leitura do seguinte trecho da decisão liminar monocrática proferida pelo Excelentíssimo Sr. Ministro Marco Aurélio nos autos da ADIN nº 2028-5, verbis:

(...). Ora, no caso, chegou-se à mitigação do preceito, olvidando-se que nele não se contém a impossibilidade de reconhecimento do benefício quando a prestadora de serviços atua de forma gratuita em relação aos necessitados, procedendo à cobrança junto àqueles que possuam recursos suficientes. (...). As exigências estabelecidas em lei não podem implicar verdadeiro conflito com o sentido, revelado pelos costumes, da expressão "entidades beneficentes de assistência social". Em síntese, a circunstância de a entidade, diante, até mesmo, do princípio isonômico, mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não a descaracteriza, não lhe retira a condição de beneficente.

26. Corroborou este entendimento no âmbito do STF o voto do Excelentíssimo Sr. Ministro Moreira Alves que, aprovado por unanimidade pelo plenário, referendou a decisão monocrática proferida pelo Ministro Marco Aurélio. Veja o trecho pertinente do citado voto, verbis:

Com efeito, a Constituição, ao conceder imunidade às entidades beneficentes de assistência social, o fez para que fossem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios auxiliados nesse terreno de assistência aos carentes por entidades que também dispusessem de recursos para tal atendimento gratuito, estabelecendo que a lei determinaria as exigências necessárias para que se estabelecessem os requisitos necessários para que as entidades pudessem ser consideradas beneficentes de assistência social. É evidente que tais entidades, para serem beneficentes, teriam de ser filantrópicas (por isso, o inciso II do art. 55 da Lei nº 8.212/91 que continua em vigor, exige que a entidade "seja portador do Certificado ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos"), mas não exclusivamente filantrópica, até porque as que o são não o são para o gozo de benefícios fiscais, e esse benefício concedido pelo § 7º do art. 195 não o foi para estimular a criação de entidades exclusivamente filantrópicas, mas, sim, das que, também sendo filantrópicas sem o serem integralmente, atendessem às exigências legais para que se impedisse que qualquer entidade, desde que praticasse atos de assistência filantrópica a carentes, gozasse da imunidade, que é total, de contribuição para a seguridade social, ainda que não fosse reconhecida de utilidade pública, seus dirigentes tivessem remuneração ou vantagens, ou se determinassem elas a fins lucrativos. Aliás, são essas entidades - que, por não serem exclusivamente filantrópicas, têm melhores condições de atendimento aos carentes a quem o prestam - que devem ter sua criação estimulada para o auxílio ao Estado nesse setor, máxime em época em que, como a atual, são escassas as doações para a manutenção das que se dedicam exclusivamente à filantropia.

27. Obviamente, se é facultado às entidades beneficentes de assistência social mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não há como limitar, a priori, a realização de cessão de mão-de-obra por estas entidades, especialmente se considerarmos que grande parte das atividades assistenciais, por sua própria natureza, não suporta cobrança.

28. Contudo, também se revela óbvio que estas atividades extras, alheias às finalidades assistenciais das entidades, não podem assumir proporções, nem formas, que desvirtuem a própria natureza da entidade beneficente de assistência social. È nesse sentido que serão traçadas as soluções possíveis para a presente controvérsia jurídica, a fim de delimitar até onde uma entidade pode ceder mão-de-obra, cobrando por seus serviços, com intuito finalístico, nesta atividade, de obter receita, sem que reste suprimida a sua natureza assistencial necessária para o gozo da isenção das contribuições para a seguridade social.

29. O primeiro ponto a ser esclarecido é o de que a cessão onerosa de mão-de-obra não atende ao objetivo assistencial de promoção ao mercado de trabalho, previsto no art. 203, III, da Constituição.

30. A pessoa cedida pela entidade para prestar serviços ao tomador não está sendo integrada ao mercado de trabalho em razão da cessão de mão-de-obra por um motivo muito simples: ela já é empregada da entidade cessionária, portanto devidamente integrada ao mercado de trabalho.

31. Caso se admitisse que a cessão remunerada de mão-de-obra cumpre o objetivo de integração ao mercado de trabalho, toda e qualquer empresa deste ramo de serviços, mesmo voltada para a obtenção de lucro, teria direito à isenção das contribuições para a seguridade social, o que, certamente, não foi intenção do legislador. Esta situação fere, frontalmente, as regras constitucionais e infraconstitucionais de regência da assistência social.

32. À título ilustrativo, a integração ao mercado de trabalho pode ser promovida por meio da preparação da pessoa para as exigências do mercado, dotando-a de meios para a obtenção de emprego. O ensino de uma profissão, como a de marceneiro ou mecânico, constitui a mais comum forma de promover a integração de alguém ao mercado de trabalho.

33. Convém elucidar que este objetivo da assistência social - integração ao mercado de trabalho - pode assumir outras formas de realização, mas é certo que a cessão de mão-de-obra não configura, em nenhuma hipótese, a promoção de integração ao mercado de trabalho. Mesmo nas hipóteses em que a entidade ensina a pessoa uma determinada profissão e depois faz a cessão remunerada de sua mão-de-obra para terceiros não resta configurada a atividade assistencial de promoção ao mercado do trabalho na cessão de mão-de-obra realizada. Somente poderão ser apropriados como assistenciais, conforme o caso, os gastos despendidos na formação profissional desenvolvida pela entidade, caso tenha sido direcionada a pessoas carentes. A cessão de mão-de-obra feita posteriormente somente pode ser tida como atividade voltada para a obtenção de receita, portanto alheia à atividade assistencial da entidade.

34. A Divisão de Consultoria de Matéria Tributária da Procuradoria Federal Especializada/INSS, por meio do Parecer/CGMT/DCMT nº 18/2003, defendeu bons argumentos no sentido de que a cessão de mão-de-obra não configura atividade assistencial, bem como fixou em que situação a cessão de mão-de-obra não desvirtua a natureza assistencial da instituição. Confira o seguinte trecho do citado parecer, verbis:

No pólo oposto, merece ser afastada a imunidade das entidades cuja atividade predominante é a cessão de mão-de-obra, sobremodo para o exercício de atividades em nada afetas ao objeto declarado da entidade, em função do qual obteve a isenção, muito menos à própria seguridade social. Nesse ponto sugere-se normatização da matéria, até mesmo para que em relação a essas atividades a entidade pague as contribuições pertinentes, pois que a imunidade outorgada pela Constituição Federal, no que toca à contribuição patronal, cingiu-se àquela contribuição relativa às pessoas físicas que prestam serviços à própria entidade, de modo a viabilizar a prestação de suas atividades beneficentes, e não a implementação do objeto de terceiros, alheios à benemerência.

Isso porque, embora não se negue a faculdade amplamente reconhecida pelo STF de as entidades imunes empreenderem atividades econômicas alheias aos fins assistenciais desde que os resultados assim obtidos sejam revertidos para esses fins, no caso vertente a suposta atividade meio é viabilizada na maioria dos casos exatamente porque prescinde de contribuições para a seguridade social.

Tal significa que a entidade, ao ceder trabalhadores desonerados em virtude de esta ser benemerente, não contribui em pecúnia para a seguridade social, tampouco em espécie, porquanto esses trabalhadores fruirão dos benefícios previdenciários, assistenciais e de saúde assegurados pela Constituição Federal sem nada ofertar em contrapartida, senão que uma mão-de-obra barata - como decorrência da desoneração - muita vez atuando em searas como limpeza, vigilância e outras alheias à seguridade, beneficiando efetivamente as empresas tomadoras da mão-de-obra.

Há que se desenhar mentalmente o absurdo da situação para compreender por que os precedentes dos tribunais pátrios aplicam-se com cautela extrema à utilização de cessão de mão-de-obra como forma de angariar fundos para as entidades beneficentes de assistência social, pois não se pode tomar essa máxima para admitir que os recursos para amparar tais entidades decorram de vera evasão fiscal, de burla ao preceito constitucional que atribui a toda a sociedade o custeio da seguridade social, somente desonerando as entidades que beneficentes de assistência social, não as demais, tomadoras da mão-de-obra, o que implicaria prejuízo generalizado e afronta ao critério atuarial imperante na previdência social.

Deveras, nessa hipótese, patente está a evasão fiscal, eis que a atividade fim, ao invés de ser a benemerência, transmuda-se em atividade meio erigida para viabilizar a atividade fim, qual seja, a cessão de mão-de-obra desonerada, clara situação em que se distorce ao propósito da imunidade para permitir que as entidades supostamente imunes impulsionem os negócios de outras empresas através de mão-de-obra barata. Leia-se: o benefício é fruído em verdade pelas cessionárias de mão-de-obra.

3.1. À vista do exposto, por qualquer aspecto que se mire, praticamente insustentável é a imunidade das entidades beneficentes de assistência social que cedem mão-de-obra, a não ser naquelas hipóteses pontuais, isoladas, em que não é objeto social da entidade tal atividade, adotando a entidade tal mister em vista da disponibilidade temporária de mão-de-obra.

35. Ante o exposto até aqui, conclui-se que a cessão onerosa de mão-de-obra não caracteriza, em nenhuma hipótese, atividade assistencial para o fim de obtenção da isenção das contribuições para a seguridade social. Pelo contrário, é a isenção das contribuições para a seguridade social que atrai as empresas tomadoras de serviços a contratar com as entidades beneficentes, em prejuízo das demais empresas do ramo de terceirização de serviços que pagam contribuição para a seguridade social e não podem oferecer o mesmo preço, o que subverte a finalidade da regra de isenção, que é estimular a realização de assistência social pelos particulares.

36. No fim, quem se beneficia da isenção previdenciária, com a prática de cessão de mão-de-obra por entidades beneficentes de assistência social, é a empresa tomadora de serviços, que contrata a cessão a preços menores, e não o público alvo da assistência social. Nesse sentido, a cessão onerosa de mão-de-obra, por parte das entidades isentas de contribuição para a seguridade social, deve ser encarada com mais restrição até do que outras atividades lucrativas que estas entidades venham a realizar, uma vez que o verdadeiro beneficiado nesta operação é a empresa tomadora de serviços, que nada tem de assistencial.

37. A razão de ser do entendimento adotado pelo STF está na necessidade das entidades beneficentes, em face da escassez de doações no Brasil, obterem recurso de alguma outra fonte com vistas ao sustento da atividade beneficente de assistência social.

38. Contudo, a autorização contida na posição da Suprema Corte não é irrestrita a ponto de permitir o desvirtuamento da regra de isenção prevista no art. 195, § 7º, da Constituição. O exame do STF foi muito mais restrito, abarcando aquelas situações bastante comuns de entidades educacionais e de saúde que cobram de alguns alunos e pacientes e prestam serviços gratuitos para outros, em função da situação de carência destes últimos. Não foi autorizada a realização de atividade lucrativa, indiscriminadamente, de forma que as entidades assistenciais pudessem atuar no mercado como qualquer outra empresa com fins lucrativos.

39. Conforme salientado, a cessão onerosa de mão-de-obra é um exemplo de atividade que não pode ser permitida às entidades beneficentes de assistência social que gozem de isenção previdenciária. Ao menos não de forma livre, sob pena de extensão da garantia prevista no art. 195, § 7º, da Constituição, a toda e qualquer empresa que queira contratar mão-de-obra terceirizada das entidades beneficentes de assistência social.

40. Da exposição acima resulta que as entidades que realizam cessão remunerada de mão-de-obra não podem, em regra, serem consideradas beneficentes de assistência social, e, portanto, não fazem jus à isenção prevista no art. 195, § 7º, da Constituição. Entretanto, é possível estabelecer, a partir de um esforço hermenêutico, situações muito especiais em que a cessão onerosa de mão-de-obra pode ser feita sem retirar a natureza beneficente de assistência social da entidade.

41. Tais hipóteses passam necessariamente pela verificação de dois critérios, a saber: caráter acidental da cessão onerosa de mão-de-obra em face das atividades desenvolvidas pela entidade beneficente; e mínima representatividade quantitativa de empregados cedidos em relação ao número de empregados da entidade beneficente.

42. O primeiro critério está em verificar se a entidade realiza contratações com o objetivo precípuo de fazer a cessão onerosa de mão-de-obra. Se a entidade realiza a contratação de empregados com vistas, exclusivamente, a realizar cessão de mão-de-obra destes empregados não fará jus à isenção das contribuições para a seguridade social. Em outras palavras, a entidade beneficente somente pode realizar a cessão de mão-de-obra em situações pontuais, em que os empregados cedidos tenham função dentro de suas próprias atividades - que devem ser assistenciais - mas estejam ociosos por motivos alheios à vontade da instituição. Se um ou alguns empregados são contratados, primordialmente, para prestarem serviços a terceiros, a entidade não pode ser considerada beneficente de assistência social, pois esta atividade não será acidental.

43. O segundo critério - mínima representatividade quantitativa de empregados cedidos em relação ao número de empregados da entidade beneficente - deve ser examinado caso a caso, com atenção aos seguintes fatores: ociosidade eventual, e não provocada, da força de trabalho; existência ou não de prejuízos para as atividades fins da instituição; caráter temporário da cessão onerosa de mão-de-obra; e aspecto subsidiário da atividade de cessão de mão-de-obra.

44. Os empregados eventualmente cedidos, de forma remunerada, devem estar sem função na entidade assistencial em razão de fatores alheios à vontade da própria entidade assistencial, como, por exemplo, no caso de redução da demanda. Caso a entidade contrate empregados sem necessidade, ou seja, sem função em suas atividades normais, e, logo em seguida, faça a cessão remunerada destes empregados, restará caracterizada a ociosidade desejada da força de trabalho. Nessa hipótese, e em outras situações semelhantes, a entidade não fará jus à isenção prevista no art. 55 da Lei nº 8.212/91, por descumprimento do seu inciso III, pois estará visando, primordialmente, a realização de cessão de mão-de-obra como atividade principal.

45. A cessão de mão-de-obra não pode interferir no bom desempenho das atividades fins da entidade, ou seja, a força de trabalho cedida não pode afetar as atividades próprias das entidades beneficentes de assistência social, que não se confundem com a realização de cessão de mão-de-obra. A manutenção das atividades assistenciais no mesmo patamar e qualidade anteriores à cessão onerosa da mão-de-obra deve ser observada, sob pena de restar configurada a prevalência do intuito lucrativo, contido na cessão, em detrimento do fim assistencial exigível da entidade isenta.

46. A atividade de cessão remunerada de mão-de-obra não pode prolongar-se demasiadamente, com a celebração de novos contratos seguidos um do outro. Como afirmado anteriormente, a cessão tem que ser eventual, celebrada em situações pontuais e isoladas. A sedimentação de um patamar mais baixo de demanda da força de trabalho, para as atividades típicas da entidade, deve ser acompanhada da dispensa dos empregados ociosos, e não da perpetuação da cessão de mão-de-obra, na medida que a cessão somente foi autorizada em função da diminuição da quantidade de trabalho nas atividades próprias da entidade.

47. Por fim, devem ser examinados e valorados, no caso concreto, outros fatores quaisquer que indiquem ser a cessão onerosa de mão-de-obra a atividade primordial da entidade. A cessão de mão-de-obra só é permitida às entidades beneficentes num patamar mínimo em relação ao todo das atividades por elas desenvolvidas, de forma a emprestar-lhe sempre um caráter subsidiário na vida da instituição assistencial.

48. Enfim, a realização de cessão de mão-de-obra pelas entidades assistenciais tem que ser eventual, não prejudicial, temporária, subsidiária, acidental e dirigida à manutenção da atividade assistencial da instituição, sob pena de violação do art. 55, III, da Lei nº 8.212/91, e, conseqüentemente, de cancelamento ou indeferimento da isenção das contribuições para a seguridade social.

49. Cumpre esclarecer que o fato do estatuto da entidade prever ou não a cessão de mão-de-obra como atividade fim não tem relevância para o exame do pedido de isenção, pois o que importa é se a entidade faz ou não, efetivamente, a cessão onerosa de mão-de-obra. Ainda que conste do seu estatuto a previsão dessa atividade, a entidade que ceder mão-de-obra fora dos critérios fixados no presente parecer não faz jus à isenção das contribuições para a seguridade social. De outro lado, se constar do estatuto a atividade de cessão de mão-de-obra, mas a entidade não a tiver desenvolvido efetivamente, não pode ter o seu pedido negado com base na previsão estatutária. O que importa e deve ser examinado é se foi feita, de fato, a cessão onerosa de mão-de-obra.

50. Ante o exposto conclui-se que somente poderão realizar cessão de mão-de-obra, sem perder a isenção prevista no art. 55 da Lei nº 8.212/91, as entidades que atendam dois critérios, a saber: caráter acidental da cessão onerosa de mão-de-obra em face das atividades desenvolvidas pela entidade beneficente; e mínima representatividade quantitativa de empregados cedidos em relação ao número de empregados da entidade beneficente. As entidades que fazem cessão de mão-de-obra sem atentar para um destes dois critérios, na forma descrita no corpo do presente parecer, violam a exigência do inciso III do art. 55 da Lei nº 8.212/91 e não fazem jus à correspondente isenção.

À consideração superior.

Brasília, 15 de julho de 2004.

DANIEL DEMONTE MOREIRA

Advogado da União

Coordenador da 2ª Coord. CJ/MPS

Aprovo.

À consideração do Senhor Ministro.

Brasília, 15 de julho de 2004.

ISAAC RAMIRO BENTES

Consultor Jurídico.