Parecer CJ/MPS nº 3.169 de 03/11/2003

Norma Federal - Publicado no DO em 17 nov 2003

Dispõe sobre a natureza jurídica de Pensão decorrente da responsabilidade civil da administração, fixada e imposta judicialmente.

REFERÊNCIA: Processo nº 03090.001338/2003-66 - Comando nº 10897516. INTERESSADA: Vânia Ribeiro Aguiar Sabino e outra. ASSUNTO: Cumprimento de decisão judicial. Órgão da Administração Pública Federal responsável pela instituição e pagamento da pensão mensal fixada pelo Poder Judiciário a título de indenização por danos materiais. Ementa. Responsabilidade pelo cumprimento de decisão judicial proferida contra a União. Pensão decorrente da responsabilidade civil da administração. Indenização que não se confunde com os benefícios previdenciários.

1. A condenação da União ao pagamento de indenização por ato danoso, comissivo ou omissivo, decorre das regras relativas à responsabilidade civil da administração pública.

2. O fato da indenização ser fixada em forma de pensão não tem o condão de transformar a sua natureza indenizatória em previdenciária.

3. O Ministério da Previdência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social não são responsáveis pelo cumprimento de decisões judiciais que fixam indenizações, na forma de renda mensal, baseadas em responsabilidade civil do Estado.

Cuida-se do Ofício nº 1.388/03 - AGU/PU/CE - GOES, por meio do qual a Procuradoria da União no Estado do Ceará solicita o cumprimento da decisão condenatória proferida nos autos da Ação Ordinária nº 00.0032169-9, ajuizada por Vânia Ribeiro de Aguiar Sabino e outra contra a União e a Usina Lindoya Ltda.

0 2. A União foi condenada ao pagamento mensal de 50% de 2/3 (dois terços) de 3,5 (três e meio) salários-mínimos, que deverá ser pago até 19 agosto de 2021, data em que o marido e pai das autoras completaria 65 anos de idade. O genitor e marido das autoras faleceu em 1985 devido à explosão de uma das caldeiras da Usina Lindoya Ltda.

0 3. A pensão foi concedida, em relação à União, com fundamento na responsabilidade civil do Estado, pela qual o Ente Público deve reparar os danos cometidos por seus agentes no exercício da função pública. Na espécie, o dano reconhecido pela sentença transitada em julgado decorreu de omissão da União que deveria, por meio da Delegacia Regional do Trabalho, fiscalizar o cumprimento das normas de segurança e de medicina do trabalho, bem como promover inspeção in loco nas instalações da Usina Lindoya Ltda.

0 4. A Procuradoria da União no Estado do Ceará expediu ofício ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, solicitando providências no sentido de operacionalizar o pagamento da condenação judicial.

0 5. A Coordenação Geral de Procedimentos Judiciais da Secretaria de Recursos Humanos do MPOG manifestou-se no sentido de que incumbe à Diretoria de Benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - providenciar o cumprimento da decisão em apreço.

0 6. A Diretoria de Benefícios, com base na Nota CJ/MPS nº 241/02, manifestou-se no sentido de que cabe à Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Previdência Social - MPS, por intermédio do INSS, dar cumprimento à decisão, nos termos da Lei nº 10.407/02. Em seguida, formulou questionamentos referentes à forma e competência para o pagamento dos valores retroativos fixados na sentença judicial.

0 7. A Coordenação-Geral de Recursos Humanos do Ministério da Previdência Social - MPS, acompanhou o entendimento da Diretoria de Benefícios do INSS e encaminhou os autos a esta CJ/MPS para que responda os questionamentos formulados.

0 8. É o relatório.

0 9. O pagamento de indenização por dano, com base na responsabilidade objetiva do estado, decorrente de decisão judicial, foge do âmbito de atuação desta Pasta Previdenciária.

10. O tema já foi objeto de manifestação desta CJ/MPS, oportunidade na qual foi submetido à apreciação do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União, haja vista a existência de entendimento diverso, manifestado por meio de parecer da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, aprovado pelo Sr. Ministro daquela Pasta.

11. A CJ/MPS tratou da matéria na Nota CJ/MPS nº 306/2003, da qual convém transcrever o seguinte trecho, verbis:

08. Como pode ser observado da cópia acostada aos autos, a posição adotada no Parecer CJ/MJ/RMF nº 027/2002 está fundamentada na Lei nº 10.407, de 10 de janeiro de 2002, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2002, mais precisamente numa parte do Anexo referente ao Detalhamento dos Créditos Orçamentários, a qual prevê o seguinte:

ANEXO (publicado no diário oficial da União, suplemento, de 11.1.02, página 1054)

"Órgão: 33000 - Ministério da Previdência e Assistência Social

Unidade 33201 - Instituto Nacional do Seguro Social

Detalhamento dos Créditos Orçamentários

Func./Programática/Programa/Ação/Subtítulo/Produto

0088 Indenizações e Pensões Especiais de responsabilidade da União, dotação - R$ 592.167.304,00

Operações Especiais

09 274/0088 0536/Pagamento de Benefícios de Legislação Especial

09274/0088 0536 0001/Pagamento de Benefícios de Legislação Especial - Nacional

pessoa beneficiada (unidade) 147867" (Sublinhou-se).

09. A tese defendida no mencionado parecer está equivocada, conforme será demonstrado adiante.

10. As indenizações e pensões especiais de responsabilidade da União, cuja previsão orçamentária foi acima transcrita, correspondem, na realidade, às pensões e indenizações decorrentes de legislação especial, tais como as atribuídas aos anistiados e ex-combatentes. Estas pensões, conquanto sejam operacionalizadas pelo INSS, são de responsabilidade da União, por previsão legal expressa nesse sentido.

11. Pode-se observar que a própria norma orçamentária, ao especificar o conteúdo da rubrica "Indenizações e Pensões Especiais de Responsabilidade da União", utiliza-se do seguinte subtítulo: "Pagamento de Benefícios de Legislação Especial".

12. Restou sedimentado nesta nota que as "indenizações e pensões devidas pela União com fulcro na responsabilidade civil do Estado não se confundem com aquelas devidas em função de legislações especiais. A responsabilidade civil do Estado não decorre de legislação especial, mas da própria Constituição e legislação comum pertinente".

13. O processo em epígrafe também versa acerca do pagamento de indenização por danos materiais, com base na responsabilidade civil do Estado, decorrente de decisão judicial, matéria esta situada fora do âmbito de atuação desta Pasta Previdenciária.

14. A previdência social não se confunde com o dever do Estado de reparar os danos cometidos por seus agentes, no desempenho da função pública. O art. 1º da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, traz as linhas gerais de definição da Previdência Social. Confira sua redação, verbis:

Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

15. Wladimir Novaes Martinez conceitua a Previdência Social "como a técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana - quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte - mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes", in A Seguridade Social na Constituição Federal, 2ª edição, LTr 1992.

16. Segundo Sérgio Pinto Martins, em sua obra Direito da Seguridade Social, 12ª edição, Atlas 1999, "É a Previdência Social a espécie da Seguridade Social, composta de um conjunto de princípios, de normas e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, quando ocorrer certa contingência prevista em lei".

17. Observa-se que a Previdência Social tem por finalidade constituir um sistema de proteção social voltado para a garantia dos meios indispensáveis de subsistência do trabalhador segurado e de sua família. Os benefícios previdenciários asseguram ao trabalhador e seus dependentes meios de subsistência diante de uma contingência social prevista em lei, tal como a velhice, a invalidez, a doença etc. Portanto, na atividade de previdência social, o Estado estabelece por lei contingências sociais que serão objeto de cobertura na forma de benefícios, e exige a participação do segurado e de toda a sociedade no custeio, por meio do pagamento de contribuição social.

18. Ressalte-se que a exigência de participação da sociedade e do segurado no seu financiamento constitui um elemento característico da atividade de previdência social. O participante tem a obrigação de contribuir para a manutenção do regime.

19. Diante das características acima expostas, resta evidente que a responsabilização civil da administração não tem qualquer relação com a atividade de previdência social exercida pelo Estado, por meio do Ministério da Previdência Social e do INSS.

20. O dever do Estado de indenizar, fundamentado na responsabilidade civil, decorre de ato comissivo ilícito ou de omissão ilícita do Poder Público, que gere prejuízo para outrem. A indenização somente se justifica se houver dano efetivo ao administrado, decorrente de ato ilícito, exigência inexistente na atividade previdenciária.

21. A norma que rege a responsabilidade civil por ato ilícito não estabelece os eventos que serão passíveis de indenização, os quais podem assumir as mais variadas formas. Via de regra, basta que o lesado comprove o ato ilícito, o nexo causal e o dano ocorrido para fazer jus à indenização.

22. A finalidade da responsabilização civil do Estado é reparar o dano cometido por seus agentes no exercício da função pública, enquanto o objetivo da previdência social é assegurar ao trabalhador e seus dependentes meios de subsistência diante de uma contingência social revista em lei. Aquela pressupõe a ocorrência de ato ilícito para gerar o direito ao ressarcimento, ao passo que esta exige a ocorrência de um determinado evento previsto em lei para produzir o direito a um determinado benefício. Por fim, a previdência social exige a prévia participação do beneficiário no custeio do sistema, enquanto o dever de indenizar do Estado não requer nenhuma forma de custeamento do lesado.

23. Sob o prisma das competências materiais dos órgãos da Administração, cumpre-nos informar que o Ministério da Previdência Social tem sua área de competência limitada aos assuntos de previdência social e previdência complementar, nos termos da Medida Provisória nº 103, de 1º de janeiro de 2003, que dispõe:

Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes:

XVIII - Ministério da Previdência e Social:

a) previdência social;

b) previdência complementar;

24. Assim, no que toca às atribuições materiais dos ministérios, está demonstrado que o cumprimento da decisão em apreço não constitui responsabilidade do Ministério da Previdência Social.

25. Também sob o ponto de vista das previsões orçamentárias, o cumprimento de decisão proferida contra a União, condenando ao pagamento de indenização sob forma de prestação mensal, não constitui responsabilidade desta Pasta Ministerial ou mesmo do INSS.

26. A Lei nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício de 2003, traz em seu anexo o detalhamento dos créditos orçamentários do Poder Executivo. Nenhuma das rubricas previstas para o Ministério da Previdência Social e para o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, está vinculada ao pagamento de sentença judicial fixando indenização civil contra a União, seja na forma de prestação única, seja na forma de prestações mensais por prazo certo.

27. Ante o exposto, conclui-se que o Ministério da Previdência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, não são responsáveis pelo cumprimento de decisão condenatória proferida contra a União, com fundamento na responsabilidade civil da Administração Pública, ainda que a indenização seja fixada na forma de pensão.

28. Sugere-se, portanto, que os autos retornem ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para as providências cabíveis. À consideração superior.

DANIEL DEMONTE MOREIRA

Advogado da União

Coordenador da 2ª Coord. da CJ/MPS

De acordo.

À consideração do Consultor Jurídico.

DANIEL PULINO

Coordenador-Geral de Direito Previdenciário

Aprovo.

À consideração do Sr. Ministro, para os fins do disposto no art. 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.

JEFFERSON CARÚS GUEDES

Consultor Jurídico