Despacho FUNAI nº 49 de 27/09/2010

Norma Federal - Publicado no DO em 28 set 2010

Aprova as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena PAUKALIRAJAUSU de ocupação do grupo indigena Nambikuára, localizada nos municípios de Nova Lacerda e Vila Bela da Santissima Trindade, Estado do Mato Grosso.

O Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, tendo em vista o que consta no Processo FUNAI/2110/1998, e considerando o Resumo do Relatório de Identificação, de autoria da antropóloga Siglia Zambrotii Doria, que acolhe, face às razões e justificativas apresentadas,

Decide:

Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena PAUKALIRAJAUSU de ocupação do grupo indigena Nambikuára, localizada nos municípios de Nova Lacerda e Vila Bela da Santissima Trindade, Estado do Mato Grosso.

MÁRCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA

ANEXO
RESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA PAUKALIRAJAUSU (REVISÃO DA TI SARARÉ)

Referência: Processo FUNAI/BSB/3137/1981. Terra Indígena: Paukalirajausu. Localização - Municípios: Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade. Estado: Mato Grosso. Superfície: 8.400 ha. Perímetro: 60 km aproximadamente. Sociedade Indígena: Nambikuára, subgrupo Wairatesu. Família lingüística: Nambikuára. População: 121 pessoas (em 2007). Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pela Portaria Presidencial nº 311/PRES, de 21 de abril de 2007, coordenado pela Antropóloga Siglia Zambrotti Doria.

I - DADOS GERAIS

As TIs Paukalirajausu e Sararé são habitadas por subgrupos da etnia Nambikuára, genericamente denominados Katitãulhu, constituídos por remanescentes Qwalitsu, Kaluhwaisu, Waihlatsu e Katitãulhu. Sua população foi recenseada em 2007 em 121 indígenas. A Terra Indígena Sararé deriva seu nome do rio que a corta e assim também são identificados os índios que habitam as cabeceiras desse rio. Os Nambikuára atualmente vivem na Chapada dos Parecis, entre os afluentes dos rios Juruena e Guaporé até as cabeceiras dos rios Ji-Paraná e Roosevelt, uma área que abrange o oeste do Mato Grosso e o sul de Rondônia. Antes do contato com as frentes expansionistas apresentavam-se em mais de trinta grupos locais que se configuravam enquanto unidades interdependentes e que ocupavam vasta área do oeste do Mato Grosso e de Rondônia. Genericamente empregado, o termo Nambikuára, de origem Tupi-Guarani, engloba todos os grupos habitantes das três áreas que compõem atualmente o seu território: Serra do Norte, Chapada dos Parecis e vale do rio Guaporé. Mesmo fazendo parte de um único povo, apresentam diferenciações em alguns aspectos bastante significativas e que estão presentes na mitologia que partilham. A história do contato indica que os Nambikuára habitam o vale do Sararé pelo menos desde o final do século XVIII; fontes coloniais e a etnohistória Kitãulhu indicam que os Nambikuára do cerrado mudaram-se gradualmente para a Chapada dos Parecis desde o Vale do Guaporé nos últimos dois séculos. Os Nambikuára da Serra do Norte em sua maioria encontravam-se nas adjacências das nascentes do rio Roosevelt. Os remanescentes desses subgrupos concentraram-se na Terra Indígena Pyreneus de Souza, no Mato Grosso, na divisa com Rondônia, e são genericamente classificados como Sabanê. Os Hinkatesu (Manduca), formados por quatro subgrupos, ainda vivem no vale do rio Doze de Outubro, no Mato Grosso. Considerados também como pertencentes à área da Serra do Norte, porém mais a sudoeste, entre os rios Cabixi e Piolho, encontram-se os Mamaindê e os Negarotê. A nordeste, no rio Juruena e seus tributários, moram os grupos referidos na bibliografia como 'Nambiquara do cerrado' ou 'Nambiquara do campo'. Na TI Tirecatinga, mais a leste, ficam os Wakalitesu (povo do jacaré) em uma fração do seu antigo território, sendo que uma parcela do grupo migrou para a T.I. Nambiquara. Nos rios Formiga e Juína localizam-se os Halotesu (povo do cerrado); no vale do rio Camararé os Kitãulhu (povo do marmelo); e nas matas a oeste das nascentes do rio Juína, os Sawentesu (povo da floresta). No Vale do Guaporé habitam os Alikkutesu (ou Aikkutesu), Nantesu, Qalisattesu, Yxotxusu, Elahitxansu, Alantesu (povo do pequi), Alakatesu, Waikatesu e Wasusu (povo da flauta). Ao sul, separados dos demais por fazendas e próximos à Vila Bela da Santíssima Trindade, estão os chamados Katitãulhu, que representam quatro grupos locais: Galitsu, Haluhwaisu, Waihlatisu e Sayulikisu, além dos Wairatesu que a eles se agregaram na década de 1960. Os Nambikuára do Sul se auto-identificam pelo seu respectivo grupo originário e consideram Nambikuára somente os indígenas da TI Nambiquara. Muitos subgrupos foram extintos e outros reduzidos a poucos indivíduos embora se verifique um recente crescimento populacional. A grande capacidade de dispersão dos subgrupos, que costumam alternar períodos de vida sedentária nas aldeias durante a estação chuvosa (outubro a março) e períodos de perambulação na estação seca (abril a setembro); a organização social assentada em pequenas unidades sociais que se segmentam quanto atingem um determinado tamanho; a organização política pela qual no passado se dividiam em bandos menores sob a orientação de um chefe, traduziu-se em um problema para todos aqueles que buscaram a identificação mais precisa desses pequenos grupos. Pesquisadores afirmam que a maioria das designações atuais dos grupos indígenas da região teve origem no contato interétnico com os colonizadores brancos, incluindo-se aqui até mesmo as denominações que derivam das línguas Nambikuára. Os indígenas do Vale do Guaporé de modo geral aceitam a denominação Wãnairisu (ou Mãnairisu), termo que faz referência a um tipo de corte de cabelo característico dos grupos desta região. Price (1983) demonstrou que o termo "Cabixi", pela qual foram conhecidos durante séculos os atuais Nambikuára, era como a população não índia da região designava os grupos indígenas não contatados durante a expansão colonial da fronteira brasileira, particularmente a de Vila Bela/MT. Teria sido uma identidade atribuída pelo grupo Paresi aos índios considerados 'selvagens', no sentido de mais guerreiros, mais arredios ao contato. Cândido Mariano Rondon registrou que o nome 'Nambiquara' foi adotado pelos moradores de Diamantino e Cáceres e que seriam os mesmos índios que os habitantes de Vila Bela chamavam de Cabixi. "Cabixi" acabou sendo utilizado para denominar tanto um afluente do médio Guaporé, que marca hoje parte da divisa entre os estados de Mato Grosso e Rondônia, como outro grupo indígena ao norte deste afluente, no vale do rio Branco, em Rondônia.

A família lingüística Nambikuára é independente, não apresenta ligação com quaisquer outras da América do Sul e não pertence a nenhum dos grandes troncos existentes, tais como Tupi, Macro-Jê, Karib e Aruak. É uma família com distribuição geográfica mais restrita, estendendo-se do noroeste de Mato Grosso ao sudeste de Rondônia. Há evidências de vários cognatos entre as línguas Nambikuára e a língua Paresi; estes, porém, parecem ter origem no contato interétnico, não sendo suficientes para estabelecer-se um parentesco lingüístico. A família lingüística constitui-se de três línguas faladas: o Sabanê (dos Nambikuára da Serra do Norte, língua em extinção, com menos de 20 falantes), o Nambikuára do Norte (com cerca de 600 falantes), o Nambikuára do Sul (dos índios do Vale do Guaporé e Chapada dos Parecis, com cerca de 900 falantes). Essas línguas se constituem de vários dialetos regionais, quais sejam: o Sabanê, o Nambikuára do Norte (Tawandê ou Tagnani, Lakondê, Latundê, Mamaindê e Nagarotê) e o Nambikuára do Sul (Manduca, Galera, Kabixí e Nambikuára do Campo). Dentre os Kabixi encontram-se os Nambikuára do Sararé, cujo dialeto é conhecido como Kithãulhu, embora regionalmente atribua-se à língua falada o nome de "língua Sararé". Os grupos Nambikuára do Cerrado - Halotesu, Wakalitesu, Sawentesu e Kithãulhu - falam a mesma língua, embora existam algumas diferenças dialetais, mas que não impedem a compreensão entre esses subgrupos. Os Nambikuára do Sul se autoidentificam pelo seu respectivo grupo originário, considerando Nambikuára apenas os indígenas da TI Nambiquara. Uma análise lingüística comparativa sugeriu o Canoé, uma língua indígena falada em Rondônia, como possível integrante da família lingüística Nambikuára e apresenta a divisão da família lingüística Nambikuára em três línguas, cada uma com vários dialetos regionais, faladas por três grupamentos principais - os do campo, os do vale do rio Guaporé e os do Norte. A todos estes outros subgrupos Nambikuára os índios do Sararé estão estreitamente aparentados culturalmente. A língua Nambikuára do Norte e o Sabanê são completamente distintas da Nambikuára do Sul, na mesma proporção que o Português é distinto do Francês e do Romeno. Entretanto, na perspectiva da auto-identificação étnica os Nambikuára acreditam que todos esses grupos constituem uma unidade maior e até homogênea apesar das diferenças regionais e dialetais.

Os Nambikuára foram encontrados pela primeira vez pelas frentes de penetração no Chapadão do Jatí, no local onde foi construída, na virada do século XX, a estação telegráfica do Juruena, implantada pelo Marechal Cândido Mariano Rondon. À época esses avanços da Comissão abriram as portas para doenças desconhecidas dos índios e em poucas décadas causaram severa depopulação. As informações permitem estimar a extensão do território tradicional dos Nambikuára em cinco milhões e quinhentos mil hectares (5.500.000 ha), aproximadamente. Essas terras eram caracterizadas por vegetações de floresta e campo. A história Nambikuára foi marcada pela violência que seguiu a ocupação do seu território pelos "civilizados" - guarda-fios, telegrafistas, seringalistas e seringueiros, missionários jesuítas, peões de estradas, missionários protestantes e fazendeiros. Não obstante a existência de uma dinâmica própria de permanente inter-relação (aguerrida ou não) com outras sociedades indígenas vizinhas ao seu território. Os Nambikuára foram também denominados na documentação do final do século XVIII até meados do século XX de Camararés, Cavihis, Cabixis, Cabixi-u-a-jurury, Beiços-de-Pau, Maimbarés, Nenê, Orelhudo, Tamarés, Tamararé, Tagnani, Tapanhunas, Uiakoákorê e Uaintaçu. Por volta de 1731, com a descoberta de ouro na região compreendida entre a Chapada dos Parecis e o rio Guaporé, foram fundados quatro arraiais mineiros: Santa Anna, São Francisco Xavier da Chapada, São Vicente e Nossa Senhora do Pilar, localizados entre os rios Sararé e Galera, área de ocupação tradicional dos índios Nambikuára. Para reafirmar o domínio português na região, oficialmente terras da Coroa Espanhola, no ano de 1748 a Coroa Portuguesa criou a capitania de Mato Grosso. Até então as minas do Cuiabá e Mato Grosso faziam parte da Capitania de São Paulo. Vila Bela da Santíssima Trindade foi fundada em 1752, na margem direita do rio Guaporé, e passou a ser o ponto mais avançado na frente oeste de colonização portuguesa na América. No movimento da ocupação mineira uma parcela da população indígena Paresi foi escravizada; no entanto os grupos Nambikuára do Vale do Guaporé, mais próximos aos arraiais e mais aguerridos, continuavam de certa maneira protegidos pelas representações que deles faziam os invasores - selvagens e antropófagos. Os primeiros contatos dos Nambikuára com a sociedade colonial foram registrados por Antônio Pires de Campos por volta de 1723. Os Cabixis mantiveram contatos também com escravos que se refugiavam em quilombos na área do Guaporé. Eram escravos evadidos e sobreviventes das minas que mantinham guerras freqüentes com os índios a fim de raptar as suas mulheres e saquear suas roças. Os textos históricos e a etnohistória indígena indicam que os primeiros representantes da sociedade civilizada que os Nambikuára conheceram eram negros. Nem sempre, no entanto, foram essas relações com os negros aquilombados tão negativas. O efeito dos contatos pode ser visto também na agricultura dos Nambikuára. Produtos como banana e batata-doce foram adquiridos dos quilombolas e cultivados inicialmente pelos Mamaindê e Negarotê, situados na região próxima aos quilombos, e depois passaram a ser cultivados pelos outros grupos Nambikuára. Relatos da região onde se localiza a TI Paukalirajausu, objeto da identificação, também informam intercâmbios pacíficos entre índios e negros escravos. Uma abundante documentação histórica atesta a presença continuada dos Nambikuára nessa região a despeito da sua ocupação pelas frentes colonizadoras, bem como a resistência que opuseram aos invasores. Por um período os Nambikuára foram temporariamente contidos pelo medo das Bandeiras que, por vezes, eram expedidas contra eles. A Diretoria Geral dos Índios foi criada no século XIX e propunha a absorção dos indígenas no sistema de produção nacional, de acordo com a política de colonização que tinha como eixo central do seu discurso a "ocupação dos espaços pouco povoados" (Lei nº 102, de 10 de julho de 1895). Para realizá-la, o governo de Mato Grosso incentivou a indústria extrativa, no caso a poaia (Cephaelis ipecacuanha), a ervamate e o látex. Os Nambikuára não se enquadraram nas expectativas dessa política pela sua sistemática recusa em estabelecer relações amistosas com a população dos arraiais e com outras radicadas em seu território.

Todos os subgrupos Nambikuára na época do contato estavam localizados em áreas de terreno elevado em relação aos seus arredores. Os Yanaliritesu, bem como os Nutantesu e os Kakaluwaitesu viviam nas elevações próximas às vertentes da Chapada dos Parecis, correspondentes às ilhas de cerrado antes dos paredões da chapada, enquanto os três outros subgrupos que se integraram aos Sararé, os Kwalitesu, os Yaliratesu e os Wairatesu viviam nas encostas da serra da Borda e da serra de São Vicente. Enquanto os Kwalitesu e os Yaliratesu dividiam as margens esquerda e direita do médio Sararé, as altas cabeceiras do Sararé eram divididas pelos Yanaliritesu e os Nutantesu, e os Kakaluwaitesu penetraram na região do rio Pindaituba. Os Katitãulhu (nome genérico) que habitam a TI Sararé tinham suas aldeias antigas próximas à serra de São Vicente e mais ao norte, num dos formadores do rio Galera. Em 1981 havia apenas 39 Katitãulhu habitando o Sararé em duas aldeias - Atoleiro e Sararé. Suas aldeias antigas e novas ficam no cerrado onde existem fontes de água mais ou menos permanentes, e próximas a matas apropriadas à lavoura, e que permitem sua permanência durante alguns anos. Nesse quadro socioambiental situa-se a área conhecida como Paukalirajausu ou 'Piscina' topônimo de um dos córregos da região que, descendo precipitadamente da Serra da Borda, vai formando tanques naturais no seu percurso até confluir com o córrego Banhado, nos limites noroeste da TI Sararé. O córrego é um dos braços das altas cabeceiras do Banhado, afluente do rio Galera, e a área inclui tanto as matas de galeria que margeiam esse curso d'água como a região serrana entre a Serra da Borda e a Chapada de São Francisco Xavier, no oeste do Estado do Mato Grosso.

A aldeia Paukalirajensu, na região do Paukalirajausu, floresceu até meados dos anos de 1960, quando seus habitantes, os Yaliratesu e os Wairatesu, ameaçados por seringueiros, poaieiros e os primeiros fazendeiros a fazer incursões no Vale do Guaporé (sobretudo as pressões exercidas pelas fazendas Sapé e Kanãnxuê, cujas áreas englobaram os sítios arqueológicos de antigas aldeias indígenas Nambikuára), viram-se forçados a deixar sua terra e mudar-se para as proximidades da aldeia Nutanjensu, já no interior da atual TI Sararé. Os sobreviventes dos Yaliratesu acabaram por estabelecer sua própria aldeia no médio curso do Banhado. Estima-se que tivessem migrado cerca de 50 pessoas. Estas sofreriam ainda as conseqüências de outra epidemia, agora na área dos Nutantesu, que quase exterminou os subgrupos Wãnairisu da bacia do Sararé. A convivência não foi amigável, uma vez que os grupos eram distintos tradicionalmente, e resultou em desavenças intertribais imediatas. Os índios do Sararé foram contatados em 1968 pela Missão Cristã Brasileira, e muitos dos Sararé encontrados pelos missionários na época pertenciam à aldeia Paukalirajensu. Durante a presença dos missionários entre eles, os índios oriundos do Paukalirajausu procuraram se reaproximar do sítio ancestral, mudando as aldeias para a outra banda do Sararé, a oeste. Desde a migração forçada os índios vinham mantendo certa proximidade da área de origem, fazendo com que houvesse pelo menos duas aldeias instaladas nas imediações dos limites desta com a TI Sararé. A fazenda Kanãnxuê foi responsável pelo desaparecimento dos Yanaliritesu, cuja aldeia ainda pôde ser encontrada em 1965 por Bennet, em uma expedição que fez a um caminho do Nutanjensu desde os Wasuhãntesu (Wasusu). Na época, a aldeia contava com mais de quarenta índios, mas apenas um sobrevivente destes índios, Nilo Sararé, vive atualmente entre os índios Wairatesu na Aldeia Serra da Borda. Os Yanaliritesu ainda tentaram permanecer em sua área tradicional, mas na sua aldeia eclodiu uma epidemia de sarampo, provavelmente levada por moradores da fazenda Sapé (dizem que eles deixaram roupas contaminadas para infectar os índios), que quase dizimou a população do Sararé inteira. Tal situação forçou o estabelecimento de relações intra-étnicas no vale do Sararé um tanto diversas das existentes anteriormente, e os Wairatesu foram levados a se integrar a outros grupos da região (posteriormente, com os Nutanjensu na maior parte). Os missionários da Missão Cristã Brasileira construíram nessa década que circundou os seus primeiros contatos com os índios uma pista de pouso próximo ao local da grande aldeia Nutanjensu, que deve ter agrupado os Wairatesu, os subgrupos Nutanjensu e os sobreviventes dos Yanaliritesu. Os sobreviventes do sarampo juntaram-se novamente próximo ao antigo sítio da grande aldeia, local em que a FUNAI, em meados da década de 1980, veio a construir uma pista de pouso e um posto indígena que se tornou um refúgio também para todos os índios Sararé sobreviventes das constantes epidemias de malária. Na época do contato com os missionários, a relação de parentesco entre os Wairatesu e os Nutanjensu já se havia consolidado. Algumas lideranças importantes dos índios do Nutanjensu eram de origem Wairatesu e haviam nascido na região original deste subgrupo. Em 1987 havia três áreas ocupadas no vale do rio Sararé: o córrego Atoleiro, a aldeia do Posto Indígena Sararé e uma casa indígena nas margens do médio Sararé. Em 1992 as pesquisas constataram que próximo à confluência dos córregos Banhado e Paukalirajausu podia-se encontrar pontas de flechas e outros vestígios da presença de índios no passado; como palmeiras novas no local que descendiam de aticuns e babaçus plantados por índios no passado, uma vez que não cresceriam espontaneamente na várzea do córrego. Outro sítio marcado pela presença das mesmas palmeiras foi indicado pelos índios em terreno mais alto, já a um quilômetro do córrego, que seria o local da antiga aldeia de Alukwirajensu.

II - HABITAÇÃO PERMANENTE

Em 2007 a população que habita a TI Sararé apresentou-se com 121 indígenas, distribuídos em três aldeias: Central, localizada a aproximadamente quatro quilômetros do rio Sararé; Serra da Borda, localizada na encosta da serra homônima no limite oeste da TI Sararé, já ocupando área de vegetação de cerrado, e PIV (que conservou a sigla do nome do antigo Posto Indígena de Vigilância), localizada no extremo sul da terra indígena, próximo ao córrego Água Suja. A localização dessa última aldeia significou uma tentativa do subgrupo Katitãulhu de fiscalizar melhor a área contra a entrada de garimpeiros. Já a localização da Aldeia Serra da Borda obedeceu ao empenho dos remanescentes do subgrupo Wairatesu de retomar a área ancestral, o Paukalirajausu, situando-se próximo a ela, embora permanecendo dentro dos limites da TI Sararé, e fazendo uso dos recursos que ela oferece para a sobrevivência do grupo. A aldeia mais populosa é a Central (55 pessoas), seguida da aldeia Serra da Borda (52 pessoas) que abriga grande parte dos que pretendem retornar ao Paukalirajausu, região da qual são originários. A Aldeia PIV concentra 14 pessoas. Os levantamentos registraram trinta e três construções nas três aldeias. A população atual está se recuperando da grande baixa demográfica ocorrida na década de 1940. A despeito dos mecanismos de controle de natalidade secularmente adotados pelos Nambikuára, essa recuperação pode ser confirmada pela comparação entre os dados obtidos em 1992 (70 indígenas), os obtidos em 2005 (112 indígenas), e os obtidos em 2007 (121 indígenas).

Não obstante as diferenças lingüísticas existentes entre os subgrupos Nambikuára, que falam vários dialetos e contam com traços culturais marcantes e próprios, alterações historicamente compartilhadas e semelhanças socioculturais continuaram a garantir a permanência das trocas econômicas tradicionais. Por outro lado, tais alterações fizeram com que rivalidades do passado fossem atenuadas e modificados padrões de relacionamento entre os subgrupos. As alterações, como a depopulação e a quase extinção, o agrupamento forçado de remanescentes de vários subgrupos, propiciaram o estabelecimento de laços matrimoniais com outros subgrupos, o que não ocorria no passado. Na medida em que os Nambikuára não possuem uma organização política centralizada, essas trocas matrimoniais se dão entre os grupos locais tal como ocorria no passado. Os grupos locais são pequenas unidades políticas independentes e economicamente auto-suficientes. Os subgrupos Nambikuára têm uma área definida para caçar, pescar, colher e plantar, seu "território", onde se situa a aldeia. As aldeias são em geral estabelecidas no cerrado (halotesu), em uma área mais elevada. O cerrado é o lugar apropriado para o estabelecimento de uma aldeia, que deve ser relativamente distante do rio e da mata. O principal critério que permite definir um local como sendo uma 'aldeia' é o fato de lá haver mortos enterrados, e os sítios de muitas aldeias antigas costumam ser lembrados pelos Nambikuára como locais em que residem seus antepassados. Além da aldeia e da casa, a alternância das estações determina a existência de tipos diferenciados de habitação - casas temporárias ou acampamentos. No período da estiagem os acampamentos são comuns e cada situação determina o tempo de permanência nesse tipo de moradia. Esses locais podem também podem ser considerados aldeias quando há mortos enterrados neles e considerados bons locais para o estabelecimento de futuras residências. Assim a aldeia antiga não é simplesmente aldeia extinta. É aldeia futura. As casas temporárias e os acampamentos servem à prática do trabalho artesanal, ao preparo de alimentos e outras atividades relacionadas ao dia-a-dia. São levantadas próximas às roças, onde a família responsável por ela permanece nos períodos de plantio e, depois, no período da colheita, porto pesqueiro ou em locais apropriados às caçadas. O modelo de distribuição populacional tradicional entre os Wãnairisu continha dois tipos de aldeias. As aldeias principais podiam conter de vinte e cinco a quarenta e cinco habitantes, e as aldeias menores, satélites das principais, tinham menos de vinte e cinco habitantes, usualmente por volta de quinze. Quando satélites e aldeias principais se juntavam a população podia chegar aos setenta indivíduos onde a agricultura era mais desenvolvida, e podia apresentar densidade menor onde os subgrupos ainda subsistiam de caça e trocas de caça por produtos agrícolas. Tradicionalmente as aldeias satélites eram (e ainda são) formadas por famílias extensas que moravam em casas isoladas nas cercanias das aldeias principais onde todos tinham em geral parentes próximos. As aldeias satélites filiavam-se às principais e podiam ser consideradas como parte do mesmo grupo local destas, embora mantivessem certo grau de independência política. Aldeias podem se formar também por diferenças intra-étnicas, e aldeias satélites podem mesmo formar-se pelo retorno de pequenos grupos às antigas áreas e que passam a se dedicar mais exclusivamente à caça, à pesca e à coleta e nem sempre iniciam desde o princípio o cultivo de roças no local, fazendo um aproveitamento de roças abandonadas. Há mesmo grupos que mantém sua localização por razões de cunho religioso cultural. Os mecanismos de superação do isolamento estão nas relações comerciais, nas cerimônias coletivas, no rapto de mulheres e, em alguns casos mais específicos, no conflito armado. Entre os índios da TI Sararé observa-se a aceitação de membros de diferentes subgrupos pela via de inter-casamentos, mas também uma forte rejeição a filhos de relações que não sejam intra-étnicas.

III - ATIVIDADES PRODUTIVAS

Os Nambikuára sempre foram classificados como índios caçadores e coletores/extrativistas, de caráter nômade. Conservam seu sistema adaptativo tribal ao se relacionarem com a natureza, de onde retiram seu sustento. Seu território tradicional é caracterizado por extensas matas e manchas ocasionais de cerrado, e sua cultura é em grande parte uma adaptação especializada à vida naquela região. Os subgrupos Nambikuára praticam atividades de caça, de pesca, de coleta, artesanato e atualmente uma agricultura de subsistência de pequena monta, sendo mais significativa em determinadas épocas e locais. Cada subgrupo tem definida uma área na qual exerce essas atividades, e a economia local é a determinante do tamanho de cada subgrupo, ou seja, se a população aumentar além da capacidade de produção de uma determinada área ocorrerá uma cisão, ou se diminuir a ponto de comprometer a segurança econômica e possibilidades de casamentos, ocorrerá uma união com outros subgrupos. Por uma racionalidade essencial no uso dos recursos e em sua transformação, não há coleta, caça ou plantio para além da necessidade do grupo, o que implica em uma relação particular com o trabalho e com o uso do tempo, se comparada a outras tradições culturais. Na medida da necessidade desenvolve-se o trabalho, o que provém de uma relação contínua e relativamente estável com a disponibilidade de recursos.

Outro aspecto relevante no campo da cultura material Nambikuára é a profunda autonomia do grupo familiar. Observa-se no cotidiano das aldeias uma divisão do trabalho altamente simbólica pela qual dois universos distintos se completam, o feminino e o masculino, com suas atribuições próprias. Na manufatura dos equipamentos necessários à sobrevivência dos grupos familiares replica-se a divisão social do trabalho indicada acima. Os Nambikuára são excelentes utilizadores de veneno. Utilizam uma raiz denominada strychnos, além dele, na fabricação do curare para ponta de flechas, utilizam partículas de resinas extraídas de uma árvore do gênero Bombax. A taquara, utilizada para confecção da haste das flechas (e para a confecção dos cestos/balaios), atualmente só é encontrada nas encostas da Chapada, nas cabeceiras do córrego Atoleiro, do Paukalirajausu e do Banhado, onde ainda existe a maior reserva de taquara de toda a bacia do rio Sararé. Os arcos são produzidos de madeira de seriva, outra das inúmeras palmáceas presentes na região.

Os Nambikuára vivem até o presente sob uma dupla economia: de um lado caçadores e horticultores e, de outro, coletores e extratores. A primeira atividade é exercida pelo homem e a segunda pela mulher. Os homens partem o dia inteiro para a caça, enquanto as mulheres exercem a atividade de coleta. No período em que a caça torna-se escassa, é das pequenas coletas que a família deve subsistir. Fazem pequenos roçados, principalmente com mandioca, diversas espécies de milho, fumo, feijão, algodão, amendoim e cabaças. Esses produtos fornecem subsistência durante o período sedentário. Um ano Nambikuára divide-se em dois períodos: estação das chuvas (outubro a março) e a estação seca (abril a setembro). As atividades produtivas permaneceram ligadas ao ciclo anual da seca e das chuvas. Planta-se durante as primeiras chuvas e colhe-se durante elas. O fogo também é usado em menor escala para o reaproveitamento das roças de anos anteriores. No início da estação seca os grupos se dispersam e durante os sete meses em que a estação perdura esses grupos constroem habitações provisórias em locais propícios para a coleta, a pesca e a caça, sobretudo de pequenos animais. Os acampamentos também são constituídos na época das chuvas, mas é na seca que a atividade se intensifica. A dieta alimentar acha-se de acordo com o ecossistema que habitam. A ocupação, a organização e a utilização do espaço territorial consistem em utilizar técnicas para o manejo do solo, sendo possível perceber que suas moradias estão edificadas em locais estratégicos, próximos aos córregos ou rios e de manchas de terras mais férteis propícias ao plantio; várias trilhas interligam as moradias com as diversas aldeias e com nichos de caça, pesca e coleta. A agricultura já se achava presente entre os Nambikuára, embora fosse incipiente em certos grupos onde a ênfase na caça e na coleta eram maiores. A distribuição diferencial da atividade agrícola entre os subgrupos propiciou o desenvolvimento da dependência entre grupos menores que enfatizavam a caça e grupos maiores que tinham uma agricultura mais desenvolvida. Os Nambikuára abandonam o solo em sua exaustão e constroem suas novas moradias em áreas potencialmente produtivas. Nesta sociedade a unidade produtora é a família extensa. A principal fonte alimentar de origem vegetal e de carboidratos provém da roça. Em média, os roçados são utilizados sistematicamente e para o plantio durante três anos. As roças velhas são aproveitadas como banco de mudas e sementes (maniva da mandioca, filhotes de banana e raízes de batata e inhame), ficando em pousio durante dois ou três anos e sendo reaproveitadas posteriormente. A técnica de agricultura itinerante é um elemento importante para o manejo da fauna; um pequeno assentamento em poucos anos pode proporcionar a criação de muitos hectares de mata secundária, repleta de arbustos e gramíneas, habitat preferido para diversas espécies de animais que dificilmente são encontrados na floresta madura. Os Nambikuára utilizam-se, tanto para a caça quanto para a coleta, das áreas de roças antigas e das áreas de antigos assentamentos humanos, como os garimpos ao sul da TI Sararé. A região do Paukalirajausu é uma das principais áreas de caça e pesca para os Nambikuára ainda hoje. Caracterizada por uma zona de transição entre as matas de galeria do Banhado e os pântanos das suas margens, os cerrados das sub-elevações nos contrafortes e os campos de altitude da serra da Borda e da serra de São Vicente, esse recorte de áreas transicionais auxilia na variedade e disponibilidade da caça. A pesca participa da dieta essencial para a sobrevivência das famílias, embora não seja a atividade para obtenção de alimento mais importante. Envolve técnicas tipicamente indígenas e outras aprendidas com não índios. É uma atividade praticada por todos (homens, mulheres, jovens, crianças) localmente, na TI Sararé (rio Sararé) e na TI Paukalirajausu (córrego Paukalirahjausu). Durante o verão a técnica utilizada é o veneno, também conhecido como timbó, um cipó lenhoso cujo habitat são as copa das árvores. O cipó é colhido nas matas de galeria e levado para os poços naturais do córrego Paukalirajausu, o qual é batido com um pau em cima de uma queda d'água. Os poços funcionam como represas, acumulando o timbó que começa a afetar alguns peixes, que são capturados com arco e flecha, ou ainda com arpão ou descem correnteza abaixo para serem capturados pelos balaios das índias, posicionados entre as fendas das rochas (Fiorini, 1998).

Os Wairatesu utilizam as plantas na medicina, na construção de casas e utensílios, na pesca e na alimentação. As espécies servem de alimento para a fauna, para os peixes, para os humanos, construção e cobertura de casas, utensílios, usos medicinais, na pesca e na caça, manufaturas várias, entre tantos outros. As plantas medicinais são coletadas nas matas, no cerrado, nos campos de altitude e principalmente nas cabeceiras dos córregos do Banhado, do Paukalirajausu, do Água Suja e do Longa Vida. Os índios também apresentam um conhecimento da flora relacionado à pesca, que dá indícios de que possuem mais de um sistema de classificação. Também folhas, raízes e cascas de árvore são conhecidas e amplamente empregadas em usos medicinais, além de outras plantas de uso cultural - abortivos e venenos - encontrados nos platôs de altitude nas serras. Coletam vários tipos de cipós e ramagens para confecção de artesanatos, taquara e juçara na área Paukalirajausu para a confecção de cestos e cobertura de casas, além da taboca para confecção de flechas. As larvas de coleópteros entram na dieta alimentar Nambikuára. Elas podem ser eventualmente encontradas em troncos caídos na floresta. A coleta de mel e cera de abelha (utilizada para confecção das flautas) ocorre na floresta, todavia na Aldeia Central já se verifica o cultivo de algumas caixas de abelha com ferrão, cuja responsabilidade é de um índio devidamente preparado. Nos cerrados existentes na área coletam, além dos frutos variados, raízes medicinais. O bambu para entalhar flautas é encontrado no córrego Banhado, e a resina para vedar uma das suas extremidades é obtida na confluência do córrego Paiol com o rio Sararé. Retiram ainda no campo fibra de tucum para a confecção de artefatos. As penas de urubu-rei, utilizadas para a confecção das flechas e adornos, ocorre nos campos de altitude da serra da Borda, na área Paukalirajausu. Os taquarais de hastes para flechas, encontrados nas cabeceiras do Paukalirajausu e do Banhado, representam a maior reserva de taquaras que ainda se encontra intacta na bacia do rio Sararé, já que o grande taquaral de hastes da região foi destruído pela atividade garimpeira no córrego Água Suja em 2002.

IV - MEIO AMBIENTE

O conjunto serrano denominado serra da Borda é o de maior expressão espacial e compreende todo o alinhamento de elevações situado a oeste da cidade de Pontes e Lacerda. A região apresenta duas formações vegetais básicas: floresta e cerrado. Ocorrem as seguintes formações vegetais: floresta estacional semidecidual tropical aluvial, floresta estacional semidecidual tropical submontana, floresta estacional decidual tropical submontana, floresta arbórea densa (cerradão) e floresta arbórea aberta. A área Paukalirajausu está localizada na Microrregião do Alto Guaporé. Circunda os córregos P'au ka lih rah jau su´, Banhado (Wa hi´ra´´yau jau su´ ou rio das Iraras), Água Pequena, Tatu Canastra (Wa luh ´la t´ah li 'yau su´ ou rio da `pedra do tatu-canastra) entre outros, e aproxima-se do córrego Longa Vida (Hotayu jau su´), compreendendo a Serra da Borda até os limites naturais e cabeceiras destes córregos. A topografia da região é variada, com baixadas onduladas e alguns espigões, entre eles a serra de São Vicente e a da Borda, que cortam o município de Nova Lacerda. Do ponto de vista Geomorfológico a Unidade de relevo corresponde aos planaltos e Serras Residuais do Guaporé-Jauru. Os solos encontrados na Unidade Serrana são classificados como Neossolos (solos jovens e/ou em formação). Com relação a sua potencialidade agrícola, as áreas observadas na Unidade Serrana são desaconselháveis à utilização agrícola pela presença de uma ou mais limitações de caráter acentuado, como fertilidade muito baixa e topografia montanhosa e escarpada, aforamentos de rochas e materiais remobilizados resultantes do garimpo. Nos fundos do vale ocorrem solos mais desenvolvidos e férteis com vegetação de porte arbóreo (ECP 1997). A TI Paukalirajausu está inserida no bioma Cerrado, e faz parte de uma das cinco grandes províncias vegetacionais do Brasil. Ela está inserida na região biogeográfica desse bioma savânico, mas apresenta fortes influências do domínio Florestal Amazônico. Segundo alguns autores, a flora amazônica estaria caminhando no sentido sul, partindo de antigos refúgios caracterizados com aproximadamente 15.000 anos. Fica claro que se trata de uma zona de transição de diversos tipos de vegetação, o que lhe atribui uma importância ecológica inquestionável. O Cerrado é visto de um modo geral como uma vegetação savânica cujas particularidades incluem uma grande diversidade de fitofisionomias que englobam formações campestres, savânicas e florestais. Apesar de sua flora ser ainda pouco conhecida, sugere-se uma significativa riqueza florística. A grande variedade de fitofisionomias e riqueza florística proporcionam uma diversidade de alimentos e abrigos naturais a uma fauna ainda desconhecida e adaptada às condições peculiares do bioma. Essa grande variedade tem proporcionado a sobrevivência de muitos povos indígenas, entre eles os Nambikuára. Na TI Paukalirajausu diversas unidades de paisagem destacam-se: serras, campos de altitude, cerrado, córregos, matas ciliares, matas de floresta decidual e áreas de tensão ecológica. Mas a extração e beneficiamento de madeiras nobres sem o devido reflorestamento proporcionam uma rápida devastação. Nas áreas de pasto são comuns as queimadas e o uso de desfolhantes. O acesso às áreas de mata foi facilitado por estradas vicinais clandestinas, sobretudo nas áreas indígenas, propiciando a ocupação por grileiros e madeireiros. A Savana oferece grande quantidade de alimento aos frugívoros. O levantamento da avifauna na TI Paukalirajausu evidencia a presença de espécies ecologicamente importantes por se tratarem de indivíduos indicadores de cadeia alimentar completa, como a Harpia harpyja (Gavião-real), cujo ninho foi observado na Floresta Estacional. Outra espécie que exerce o mesmo papel funcional é Cathartes aura (Urubude-cabeça-vermelha), observado nos campos de altitude. A presença marcante do Lipagus vociferans (Seringueiro ou Poaeiro) vem confirmar a formação florestal, já que este é considerado um indicador de Mata Amazônica. O acompanhamento de caçadas durante o período das pesquisas permite que se observe a predominância de porcos selvagens taiassuídeos, principalmente caititu. Na perspectiva das preferências e tabus alimentares, os animais apontados como preferidos foram o caititu e o veado e as espécies rejeitadas foram os felinos de modo geral (onça, gato etc.), lontra, ariranha, preguiça e cobra. Pelas entrevistas, os peixes evitados pelos Nambikuára foram a arraia e o poraquê. Os crocodilianos também são relatados como animais consumidos e não parecem ter restrição quanto ao consumo. Os Nambikuára relataram ainda a utilização do lagarto denominado teiú (Tupinambis teguixim). Dentre as aves preferidas estão o Mutum e a Jacutinga e dentre os quelônios, o mais consumido foi o jabuti (Geochelone carbonari e G.denticulata).

Toda a TI Paukalirajausu constitui-se em uma área de importância histórica e simbólica para os Nambikuára do Sararé, é cortada por trilhas que descem as encostas da outra vertente da Serra da Borda e percorre a extensa planície do Guaporé; outras trilhas nos campos de altitude estão relacionadas a caminhos de antas e outros animais para seus refúgios naturais. A terra indígena é sítio arqueológico, abrigando os vestígios da antiga aldeia principal dos Wairatesu (que é também um cemitério), Paukalirajensu, localizada às margens de um córrego tributário na margem esquerda do córrego Paukalirajausu antes da confluência deste com o Banhado, e a aldeia satélite Alukwirajensu. Esta aldeia constituía-se numa aldeia satélite próxima da região onde são coletados os peixes oriundos do córrego citado. A área sempre foi e é no presente é uma das principais áreas de caça e pesca para os Nambikuára. Caracterizada por uma zona de transição entre as matas de galeria do Banhado e os pântanos das suas margens, os cerrados das sub-elevações nos contrafortes e os campos de altitude da serra da Borda e da serra de São Vicente, esse recorte de áreas transicionais auxilia na variedade e disponibilidade da caça, a região é importante para a coleta de ervas medicinais e outras plantas de uso geral, bem como penas de aves para adorno e rituais. O córrego Banhado, na altura das suas cabeceiras, se constitui num importante nicho ecológico onde se encontram com facilidades capões de taquara que servem de flechas para caça e a pesca. Os taquarais do P`au ka li ra jau su´ e do alto Waih` rá y au jau´su´ são áreas tradicionais de caça dos índios Wairatesu e demais habitantes atuais da aldeia Serra da Borda e de aldeias adjacentes. As ervas medicinais coletadas nas encostas e no topo da Serra da Borda são de tamanha importância pela sua diversidade que até os dias de hoje os índios do Sararé caminham até quarenta e cinco quilômetros para coletar as plantas nas cabeceiras dos córregos Água Suja, Banhado e P`au ka li ra jau su´. O córrego Longa Vida também se constitui num banco natural de ervas medicinais. Os campos de taquaras e as ervas medicinais de todo tipo e variedade se constituem em marcos culturais importantes dos Wairatesu que, por si só, garantem a sobrevivência e sabedoria desta comunidade indígena. Nas suas altas cabeceiras e nos capões de mata de altitude os córregos são áreas de refúgios de animais e diversos outros tipos de aves, além de serem áreas de berçário natural de peixes. Foram observados rastros de importantes espécies de mamíferos de grande porte, muitas das quais ameaçadas de extinção, o que ressalta tanto a importância deste fragmento florestal como refúgio e nicho para a manutenção gênica, quanto propicia a caça como atividade de subsistência da comunidade Nambikuára.

V - REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL

Em 1999 os Nambikuára somavam 1000 pessoas, fator que contrasta positivamente com as 600 de 1945. Em relação ao subgrupo Wãnairisu (Katitaurlu), em 1981 estes eram 39 indivíduos e em 1992 foram contabilizados 70 indígenas, contingente quase duplicado mais de duas décadas depois, com 112 indígenas, chegando a 121 pessoas recenseadas em 2007. A população atual da TI Sararé está se recuperando da grande baixa demográfica ocorrida na década de 1940, decorrente de uma epidemia de sarampo, a despeito dos mecanismos de controle de natalidade secularmente adotados pelos Nambikuára. Sua população total é formada por dois subgrupos majoritários, um que agregou os sobreviventes de vários subgrupos que imigraram para a aldeia de Nutanjensu (hoje Aldeia Central) desde o início dos anos 60 e que vivem hoje em suas terras tradicionais, e o outro pelos remanescentes dos Wairatesu, que perderam seu território quando da demarcação da TI Sararé. Pelo menos dez famílias nucleares entre os Sararé atuais são descendentes de antepassados que viviam de modo independente no Paukalirajausu no inicio da década de 1960. No início dos anos 60, outras famílias oriundas da área referida contribuíram como líderes importantes para o grupo Sararé como um todo. Em 1992, trinta e duas pessoas eram membros diretos ou indiretos dos Wairatesu, sendo que duas irmãs casadas com um mesmo homem eram de origem Waikisu, uma mulher era de origem Wasusu, e dois irmãos eram originalmente sobreviventes do subgrupo Yaliratesu que se juntaram aos Wairatesu. Diante do que, da população da TI Sararé, 40% podem ser considerados como pertencentes ao subgrupo Wairatesu. Ao analisarmos o período de 1981, onde os Nambikuára do Sararé estavam reduzidos a uma população de 39 pessoas em contraste ao ano de 2005, com 112 pessoas, observa-se um crescimento populacional de 186%, indicando que o processo de genocídio para com essa população foi freado com o reconhecimento das suas terras. Não obstante, por todos os indicadores históricos e da etno-história Nambikuára, os Wairatesu, que ocupavam o Paukalirajausu, devem ser considerados um subgrupo distinto dos outros subgrupos locais que se reuniram no vale do Sararé, embora fossem deles aliados por laços matrimoniais. Nos trabalhos dos pesquisadores sobre os Nambikuára podem ser identificados alguns dos conceitos cosmológicos que participam da visão de mundo desses indígenas que dizem respeito à maneira pela qual eles em geral "possuem" suas terras. Atualmente o padrão milenar de escolha do local de uma aldeia permanece entre todos os subgrupos do Sararé, não apenas entre os Wairatesu e como esses se relacionam ao seu território indígena tradicional. Assim, a ligação entre os subgrupos Nambikuára com determinados sítios encontra respaldo na sua cosmovisão. Partilham a crença em uma vida após a morte que se assemelha à vivida, que é compartilhada com todos aqueles que foram enterrados no mesmo local. Enterrar um índio em território não tradicional é privá-lo do convívio com os de seu grupo, e casos são relatados de grandes expedições carregando o corpo do falecido em estado de putrefação à procura de um lugar onde já existem outros familiares enterrados. Os mortos são enterrados no pátio central da aldeia, ou nas imediações das casas, e após ritos específicos seus nomes são trocados e seus cabelos cortados para que aquele ser invisível, a alma, não os reconheça mais e possa seguir com tranqüilidade os caminhos que conduzem à 'Casa das Almas' (yahaitulakasu) ou às cavernas sagradas, moradia dos espíritos ancestrais.

As pesquisas realizadas sobre as áreas indispensáveis e simbólicas para a reprodução física e cultural dos indígenas, baseadas nas informações fornecidas pelos mais idosos Wairatesu vivos e por remanescentes Yaliritesu, bem como de outros Nambikuára idosos que não eram da região, mas a conheciam e sobre ela detinham um conhecimento perspectival, estão a seguir descritas: (1) - P`au ka lih rah jau su´- o principal córrego da região identificada e delimitada para esse Relatório, cujas cabeceiras são formadas por piscinas naturais que abrigam criadouros de peixes. Na alta cabeceira, um capão de mata de altitude é refúgio de animais como o tamanduá-mirim, a anta, a onça parda, micos e sagüis. Plantas medicinais são coletadas nos altiplanos e penas de urubu-rei são buscadas na beira dos penhascos. Os tanques naturais formados por este córrego originaram a denominação pela qual é conhecido hoje em dia na região, inclusive pelos índios Sararé - córrego 'Piscina'.(2) - Wa hi´ra´ýau jau su´- o "rio das Iraras" (córrego Banhado) é caracterizado pela abundância em várias espécies de peixes, cinco delas ornamentais (exploradas ilegalmente pelos posseiros da região). A cachoeira do Banhado é um dos "cartões postais" da região com uma queda principal de cerca de 50 metros e várias outras corredeiras e pequenas cachoeiras (de 4 a 10 m) que formam diversas piscinas naturais também neste córrego. No seu curso inferior localiza-se a maior mata ciliar da região. As cabeceiras abrigam flores selvagens de grande beleza (inclusive orquídeas não-epífitas), plantas medicinais e caça. O Wa luh ´la t´ah li yau su´, a região entre as cabeceiras deste pequeno córrego e as margens do P'au ka lih rah jau su´ são formadas por um cerrado de grande importância econômica e cultural. Nele abundam espécies animais e se localizam os maiores campos de taquaras para ponta de flecha da bacia do Sararé. (3) - P`au ka lih rah jen su´ - sítio arqueológico e cemitério, marcas físicas da antiga aldeia principal dos Wairatesu, localizada às margens do córrego P'au ka lih rah jau su´. Há presença de palmeiras plantadas pelos índios nos anos 60. No passado este aldeia pode ter abrigado mais de 50 índios, levando ao deslocamento de uma parte da sua população para a aldeia satélite mais próxima, o A`lu kwhi ra ´jen ´su´, localizada mais acima, já numa área de terra firme, às margens do córrego Banhado. (4) - A ´lu khwi ra ´jen´su - sítio arqueológico e cemitério, marcas físicas da aldeia satélite que se situava na região próxima aos locais de apanha do peixe durante as pescarias com o timbó. Nas cercanias deste sítio coletam-se também os cipós do timbó; a mata circunvizinha abriga diversas espécies animais. (5) - Ho ta ýu jau su´ - córrego Longa Vida, que corre em meio às duas cadeias montanhosas na vertente norte da serra da Borda, um dos limites naturais do território Wairatesu, mas não verte suas águas na direção da TI Sararé. Em que pese sua importância cultural e simbólica para os Nambikuára, anteriores senhores de toda a região, seu curso não foi contemplado pela delimitação, na medida em que há muito não o frequentam ou dele dependam para a sobrevivência. No entanto, um cuidado na sua preservação deve ser praticado: diversos grupos de guariba aproveitam para subir as margens arbóreas deste córrego e terem acesso à região indígena. (6)- Ya lu ´la hái jau su´ - córrego Água Suja. Importante região de caça de altitude e coleta de plantas medicinais, a cabeceira do córrego é um oásis de palmeiras de grande beleza natural.

VI - LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO

Grande parte da área proposta para a terra indígena Paukalirajausu encontrava-se registrada pelo Sr. Luiz Carlos R. Lemos, conforme indicado na Matrícula nº 82, de 11.05.2004, no Serviço Registral de MT - Comarca de Vila Bela da Santíssima Trindade - R2 15926. Todavia, a Empresa Santa Elina Desenvolvimento Mineral S/A possuía concessões de lavra na região fornecidas pelo DNPM e datadas de 1982, pelo Pedido de Concessão de Lavra DNPM 860937/82 e pela Portaria de Lavra DNPM 860938/82. Sua presença na região é anterior à criação da TI Sararé em 1982 e é ela que surge como atual proprietária. Não obstante, havia ocorrido a ocupação privada da região do Paukalirajausu por outros ocupantes, principalmente nos anos 1990, redundando na descaracterização e destruição parcial da região com a perda das florestas nativas, agravada pela invasão madeireira na área da TI Sararé. As madeiras nobres da região do córrego P'au ka lih rah jau su´ já haviam sido retiradas em anos anteriores: em 1992, o madeireiro Sebastião Brinsky, de Pontes e Lacerda, colocou nessa região cinco máquinas pesadas e dezessete caminhões. Nesse período a área do médio Banhado foi completamente arrasada por carreadores de madeira. A família Bosok, da cidade de Pontes e Lacerda, MT, possuía a maior parte das terras contíguas ao córrego P`au ka lih rah jau su´. Com a morte de Antônio Bosok as terras foram divididas entre seus filhos, Valter Bosok, Milton Bosok e Miguel Bosok. Parte dessas terras, situada às margens do córrego, foi então vendida a Edentir Nelson Garcia, também da cidade de Pontes e Lacerda. A família Bosok não constituiu muitas benfeitorias em suas terras, apenas deteve seus títulos. Dos irmãos Bosok, apenas Milton Bosok havia construído um barraco e no mesmo ano Edentir Nelson Garcia iniciou um curral e construiu por sua vez um barraco, visando, sobretudo, a retirada de madeira de lei. Em 1993, o agiota e especulador alcunhado 'Carioca' ou com o nome falso 'Flávio Torelli' conseguiu adentrar a TI Sararé sob os auspícios da Associação Ayohaka, criada por madeireiros e índios da região de Comodoro visando a exploração de madeira no vale do Guaporé. O especulador operou na região por seis meses e explorou os índios com a oferta de bens e de algum dinheiro, conseguiu reativar a exploração dos garimpos na TI Sararé e a loteou para a retirada de madeiras nobres, dividindo a área em quarenta e cinco lotes, pelos quais eram pagos doze mil dólares para o direito de exploração. Nos anos que se seguiram, Edentir Nelson Garcia invadiu a TI Sararé e retirou ilegalmente madeira. Outros detentores de títulos de propriedade na região à época eram José Humberto das Silva, conhecido com Zé Botinha, Antônio Albuquerque e Osmar Anagli, cujas terras situavam-se ao norte do córrego P`au ka lih rah jau su´, já na região do córrego, sem denominação nos mapas oficiais, que os índios denominam Wa luh´t´ah li yau su´. O 'Zé Botinha' era o único destes com benfeitorias. Mais ao norte situava-se a propriedade dos posseiros Zezão e de seu irmão, considerados vizinhos amistosos pelos índios por terem impedido em várias ocasiões a entrada de madeireiros na TI Sararé através de suas terras. Essa área não será afetada pela demarcação por não ser de interesses dos índios, já que se encontra fora das áreas de caça do Paukalirajausu e está totalmente desmatada para o plantio de roças de milho duro e feijão. No entanto os índios insistem em reivindicar a região das cabeceiras do Wa luh´la´t'ah li yau su´. A área em questão tem sido objeto de interesse da FUNAI desde 1992, data em que os moradores não índios foram informados sobre a identificação. Parte das terras do Paukalirajausu se encontra ocupada por parceleiro do INCRA, dentro do Projeto de Assentamento, tendo recebido recursos do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar, do Governo Federal), conforme informações dadas pelos parceleiros. No presente são seis (6) ocupantes não índios na área proposta para a TI Paukalirajausu, conforme tabela a seguir:

  Nome do Ocupante   Localidade   Nome do Imóvel   Situação de Ocupação   Área do imóvel há  
1   José Serafim da Silva  CPF:528.788.489-34 PA Sararé   Sitio Olho Dágua   Doc. INCRA   69,20  
2   Ismael Lourenço  CPF:536.171.341-49 PA Sararé   São Gabriel da Serra   Doc. INCRA   71,94  
3   Severina Lourenço  CPF:002.350.811-67 PA Sararé   Raio de Sol   Doc. INCRA   97,95  
4   Edemar Martinoto   PA Sararé   Sitio Águas Claras   Doc. INCRA   96,11  
5   Sandro Lucio Lourenço  CPF: não informou PA Sararé   Não tem   Doc. INCRA   71,55  
6   Mineradora Santa Elina   Serra da Borda   Mineração   Não/Apresenta   8.067,13  

VII - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO

A argumentação desenvolvida pelo presente Relatório visou estabelecer os direitos territoriais do subgrupo Nambikuára Wairatesu, que habita atualmente a TI Sararé, sobre a área Paukalirajausu, adjacente, que se encontrava em processo de regularização originado pela Portaria nº 923/PRES, de 23 de agosto de 1995, com planta de delimitação de sua área em oito mil e quatrocentos hectares (8.400 ha) em 14.01.2002. Para tanto procedeu a uma exegese da constituição da TI Sararé e procurou esclarecer os motivos pelos quais a área de ocupação tradicional do subgrupo Wairatesu ficara fora da demarcação daquela TI, homologada em 1983. Empreendimentos que tinham por objeto a colonização, como assentamentos promovidos pelo INCRA, e a instalação da mineradora aurífera Santa Elina Desenvolvimento Mineral A/A (SEDM) causaram profunda alteração ambiental decorrente dos desmatamentos e da movimentação do solo. Sem a proteção das nascentes dos córregos citados, que vertem suas águas na direção da TI Sararé, a preservação do ecossistema das duas terras indígenas fica comprometida. As nascentes chegam a secar parcialmente em épocas de seca, uma tendência natural que seria bastante agravada se os empreendimentos já existentes os altos da encosta fossem intensificados. A "intenção de reocupação" do território original Wairatesu pelos seus descendentes diz respeito à própria sobrevivência desse grupo familiar. No passado haviam se obrigado a reconstruir suas aldeias e roças no interior da TI Sararé e se adaptarem a uma nova vida fora do seu território original, o Paukalirajausu, a região em que seus antepassados foram encontrados por viajantes e etnólogos. Na perspectiva dos habitantes índios do Sararé, os problemas socioculturais enfrentados ao longo do tempo pelos remanescentes Wairatesu no convívio nem sempre amistoso com os demais subgrupos seriam minimizados se a eles fossem dadas condições para que voltassem a se estabelecer no seu território tradicional, propiciando a manutenção da sua distintividade enquanto subgrupo Nambikuára. Reconhecer o Paukalirajausu como terra indígena contribuiria para preservar este tipo de ecossistema, na medida em que o sul da serra da Borda, área ecologicamente idêntica à citada, já foi praticamente destruída pela atividade garimpeira no baixo curso do córrego Água Suja, o que torna hoje o Paukalirajausu uma região única. As localizações ambientais e simbólicas indispensáveis para a reprodução física e cultural dos Wairatesu são os córregos que banham a TI Paukalirajausu - Paukalirajausu, Wa luh´la´t´ah li yau su, as nascentes do Banhado, do Longa Vida e do Água Suja, as áreas de cerrado entre esses córregos, os campos de altitude ali encontrados, os sítios arqueológicos das três antigas aldeias dos Wairatesu - Paukalirajensu, Alukwirajensu e uma aldeia ainda não nominada, na medida em que são também cemitérios indígenas. A demarcação da TI Paukalirajausu é o instrumento legal para que o Estado brasileiro reconheça o direito constitucionalmente assegurado aos índios da posse de terras tradicionalmente por eles ocupadas. No presente estudo ficou constatado que a ocupação do subgrupo Nambikuára Wairatesu dessa área, em conformidade com o art. 231 da Carta Magna, se dá em caráter permanente, que a utilizam para as suas estratégias de sobrevivência, que a área é imprescindível à preservação de suas bases materiais, que a utilizam em suas atividades produtivas e que se constitui de terras imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários à sua reprodução física e cultural como determina a Constituição Brasileira. Apoiados nos argumentos apresentados pelo presente Relatório é que é proposta a demarcação da Terra Indígena Paukalirajausu, que se fará conforme o Memorial Descritivo e o Mapa correspondente, instrumentos que finalizam o presente Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Paukalirajausu (Revisão da TI Sararé).

SIGLIA ZAMBROTTI DORIA

Antropóloga/CGID/DPT

MEMORIAL DESCRITIVO

Partindo do Ponto P-01, de coordenadas geográficas aproximadas 14º 40'36"S e 59º 40'41"Wgr., localizado no limite do Projeto de Assentamento FUNAI com um córrego sem denominação; deste, segue pela barra da saia da Serra da Borda limitando com o referido projeto até o Ponto P-02 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 43'30"S e 59º 36'54"Wgr.; deste, segue por uma linha reta até o Ponto P-03 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 43'30"S e 59º 36'40"Wgr., localizado na margem esquerda do córrego Banhado, na divisa com a Gleba Sararé e P.A. Funai; deste, segue pelo referido córrego, a montante, pela divisa com a Gleba Sararé até o Ponto SAT-15 de coordenadas geográficas 14º 48'49,45"S e 59º 38'02,96"Wgr., localizado na nascente do referido córrego; deste, segue por uma linha reta até o Ponto M-14 de coordenadas geográficas 14º 48'35,80"S e 59º 37'43,24"Wgr., localizado na nascente do córrego Água Suja; deste, segue pelo referido córrego, a jusante, divisa com a Gleba Sararé até o Ponto P-04 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 50'58"S e 59º 35'29"Wgr., localizado na foz de um córrego sem denominação; deste, segue pela margem esquerda do referido córrego, a montante, até o Ponto P-05 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 49'32"S e 59º 37'54"Wgr., localizado na nascente do referido córrego; deste, segue por uma linha reta até o Ponto P-06 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 49'24"S e 59º 38'18"Wgr., localizado no divisor de águas das bacias do córrego Banhado com o córrego Longa Vida; deste, segue pelo referido divisor de águas até o Ponto P-07 de coordenadas geográficas 14º 46'12"S e 59º 40'50"Wgr.; deste, segue por uma linha reta até o Ponto P-08 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 45'17"S e 59º 40'57"Wgr., localizado na faixa de servidão de um estrada vicinal; deste, segue pela faixa de servidão, sentido noroeste, até o Ponto P-09 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 41'46"S e 59º 41'49"Wgr., localizado na faixa de domínio da estrada vicinal; deste, segue por uma linha reta até o Ponto P-10 de coordenadas geográficas aproximadas 14º 41'09"S e 59º 41'15"Wgr., localizado na nascente de um córrego sem denominação; deste, segue pela margem direita do referido córrego, a jusante, até o Ponto P-01, inicial da descrição deste perímetro. OBS: 1- base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: SD.21-Y-A-IV; Escala 1:100.000. DSG -1976; 2 - Datum horizontal utilizado: Córrego Alegre - Minas Gerais. Responsável Técnico pela Identificação dos Limites: Gilmar Campos Soeiro, Técnico em Agrimensura, CREA 7.734/TD-MT.