Consulta nº 75 DE 09/11/2021

Norma Estadual - Paraná - Publicado no DOE em 09 nov 2021

ICMS. OPERAÇÕES COM SOFTWARES PADRONIZADOS. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO DO STF NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.945 e 5.659.

CONSULENTE: VISÃO RENOVADA BRASIL LTDA. INSCRIÇÕES: CAD/ICMS 90910225-13.

SÚMULA: ICMS. OPERAÇÕES COM SOFTWARES PADRONIZADOS. NÃO INCIDÊNCIA. DECISÃO DO STF NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.945 e 5.659.

RELATORA: Cleonice Stefani Salvador

A consulente, cadastrada com a atividade principal de "desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não-customizáveis" (CNAE 6203-1/00) e com a atividade secundária de comércio varejista especializado de equipamentos e suprimentos de informática (CNAE 4751-2/01), informa que revende programas de computador não personalizados (softwares de prateleira), documentando as operações mediante Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), modelo 55.

Questiona se tal operação ainda é considerada fato gerador do ICMS e como deve realizar operações de transferência desses produtos. Também indaga se essas operações podem ser documentadas por NF-e, modelo 55 e, no caso de ser incorreto esse procedimento, como poderá regularizar vendas que foram realizadas dessa forma.

RESPOSTA

Primeiramente, destaca-se que a tributação de softwares tem sido objeto de discussão por décadas.

Acerca do assunto, o STF - Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 176626/SP, ocorrido em 10 de novembro de 1998, estabeleceu a distinção entre operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" e de circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, os chamados "software de prateleira", concluindo pela incidência de ICMS apenas na segunda hipótese, sob o argumento de que os softwares padronizados e comercializados em larga escala e em meio físico configurariam mercadorias.

Considerando que os softwares passaram a ser adquiridos preponderantemente de forma digital, e não por meio físico, essa distinção foi ficando cada vez mais comprometida, de tal modo que as unidades federadas firmaram o Convênio ICMS 106, de 29 de setembro de 2017, para reafirmar a incidência de ICMS, inclusive sobre as operações com softwares realizadas mediante transferência eletrônica de dados, enquanto os municípios, com fundamento no subitem 1.05 ("Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação") da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, defendem a incidência de ISS.

No Estado do Paraná, as operações com softwares, tanto as internas quanto as interestaduais, deixaram de ser tributadas a partir de 22 de junho de 2007, data de vigência do Decreto nº 986, de 20 de junho de 2007, em razão de introdução de regra de isenção na norma regulamentar do ICMS.

Posteriormente, com a edição do Decreto nº 12.320, de 15 de outubro de 2014, com efeitos a partir de 1º de novembro de 2014, foram excetuadas da regra de isenção as operações com jogos eletrônicos. No atual Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 7.871, de 29 de setembro de 2017, essa regra se encontra prevista no item 163 do Anexo V.

Mais recentemente, em julgamento concluído em 24 de fevereiro de 2021, o STF se manifestou novamente acerca da questão, por ocasião do julgamento da ADI 1.945/MT e da ADI 5.659/MG, reconhecendo, por maioria de votos, que deve incidir ISS nas operações com softwares, nos termos retratados na ementa a seguir transcrita, relativa à ADI 5.659/MG:

"EMENTA

Ação direta de inconstitucionalidade. Direito Tributário. Lei nº 6.763/75-MG e Lei Complementar Federal nº 87/96. Operações com programa de computador (software). Critério objetivo. Subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03. Incidência do ISS. Aquisição por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc). Distinção entre software sob encomenda ou padronizado. Irrelevância. Contrato de licenciamento de uso de programas de computador. Relevância do trabalho humano desenvolvido. Contrato complexo ou híbrido. Dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer.  Insuficiência. Modulação dos efeitos da decisão.

1. A tradicional distinção entre software de prateleira (padronizado) e por encomenda (personalizado) não é mais suficiente para a definição da competência para a tributação dos negócios jurídicos que envolvam programas de computador em suas diversas modalidades. Diversos precedentes da Corte têm superado a velha dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar, notadamente nos contratos tidos por complexos (v.g. leasing financeiro, contratos de franquia).

2. A Corte tem tradicionalmente resolvido as indefinições entre ISS e do ICMS com base em critério objetivo: incide apenas o primeiro se o serviço está definido por lei complementar como tributável por tal imposto, ainda que sua prestação envolva a utilização ou o fornecimento e bens, ressalvadas as exceções previstas na lei; ou incide apenas o segundo se a operação de circulação de mercadorias envolver serviço não definido por aquela lei complementar.

3. O legislador complementar, amparado especialmente nos arts. 146, I, e 156, III, da Constituição Federal, buscou dirimir conflitos de competência em matéria tributária envolvendo softwares. E o fez não se valendo daquele critério que a Corte vinha adotando. Ele elencou, no subitem 1.05 da lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à LC nº 116/03, o licenciamento e a cessão de direito de uso de programas de computação. É certo, ademais, que, conforme a Lei nº 9.609/98, o uso de programa de computador no País é objeto de contrato de licença.

4. Associa-se a esse critério objetivo a noção de que software é produto do engenho humano, é criação intelectual. Ou seja, faz-se imprescindível a existência de esforço humano direcionado para a construção de um programa de computador (obrigação de fazer), não podendo isso ser desconsiderado em qualquer tipo de software. A obrigação de fazer também se encontra presente nos demais serviços prestados ao usuário, como, v.g., o help desk e a disponibilização de manuais, atualizações e outras funcionalidades previstas no contrato de licenciamento.

5. Igualmente há prestação de serviço no modelo denominado Software-as-a-Service (SaaS), o qual se caracteriza pelo acesso do consumidor a aplicativos disponibilizados pelo fornecedor na rede mundial de computadores, ou seja, o aplicativo utilizado pelo consumidor não é armazenado no disco rígido do computador do usuário, permanecendo online em tempo integral, daí por que se diz que o aplicativo está localizado na nuvem, circunstância atrativa da incidência do ISS.

6. Ação direta julgada parcialmente prejudicada, nos termos da fundamentação, e, quanto à parte subsistente, julgada procedente, dando-se ao art. 5º da Lei nº 6.763/75 e ao art. 1º, I e II, do Decreto nº 43.080/02, ambos do Estado de Minas Gerais, bem como ao art. 2º da Lei Complementar Federal nº 87/96, interpretação conforme à Constituição Federal, excluindo-se das hipóteses de incidência do ICMS o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador, tal como previsto no subitem 1.05 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03.

7. Modulam-se os efeitos da decisão nos termos da ata do julgamento.".

Levando em consideração a modificação de seu entendimento sobre o tema, o STF modulou os efeitos dessa decisão, com atribuição de eficácia "ex nunc", a contar da publicação da ata de julgamento do mérito, ocorrida em 3 de março de 2021, para:

a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores, ressalvadas as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e as execuções fiscais, cujo julgamento deverá ser realizado à luz da orientação do STF (incidência do ISS), e as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS;

b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito;

c) definir que incide o ISS, no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS, em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito.

A partir dessa decisão, de que incide ISS na aquisição de softwares, por meio físico ou por meio eletrônico (download, streaming etc.) e independentemente de o software ter sido desenvolvido sob encomenda ou se tratar de produto padronizado (software de prateleira), deve a consulente observar as regras relativas ao ISS, previstas na legislação do município de seu domicílio, para documentar as operações com tais produtos.

Quanto à forma de regularização de operações pretéritas, ocorridas a partir da data de publicação da ata de julgamento do mérito das ADIs antes mencionadas, não há providência a ser tomada no âmbito do ICMS, ainda que as operações tenham sido documentadas mediante emissão de NF-e, no caso de não ter havido destaque e pagamento do imposto. E, na eventualidade de ter havido recolhimento de ICMS em relação a operações com softwares (jogos eletrônicos), realizadas em data posterior à da publicação da ata de julgamento, a consulente poderá pleitear sua restituição, observando para tal as disposições contidas nos artigos 85 a 90 do Regulamento do ICMS.