Consulta SEFAZ nº 389 DE 27/09/1994

Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 27 set 1994

Documento Fiscal - Tradição real/simbólica das Mercadorias


Senhor Secretario:

Os servidores acima nominados, integrantes do Grupo TAF, através do Coordenador ..., solicitam esclarecimentos quanto a correta interpretação do disposto no inciso III do art. 94 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 1.944, de 06.10.89.

De inicio, vale a reprodução do dispositivo questionado, com as alíneas que o complementam:"Art. 94 - A Nota Fiscal será emitida:

(...)

III - antes da tradição real ou simbólica das mercadorias:

a) nos casos de transmissão de propriedade de mercadorias ou de titulo que as represente, quando estas não transitarem pelo estabelecimento do transmitente;

b) nos casos de ulterior transmissão de propriedade de mercadorias que, tendo transitado pelo estabelecimento transmitente, deste tenham saído sem o pagamento do ICMS, em decorrência de locação ou remessas para armazéns gerais ou depósitos fechados.

(...)." .
Convém noticiar que o Regulamento do ICMS mato-grossense nada mais fez do que repetir as disposições contidas no Convênio s/n, de 15 de dezembro de 1970, que criou o Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais - SINIEF (art. 20, inciso III, alíneas "a" e "b").

AURELIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, em seu Novo Dicionário da Língua Portuguesa, anota, entre os significados do vocábulo tradição: "1. Ato de transmitir ou entregar; (...)."¹

O sentido jurídico do termo deve ser emprestado do Direito Privado, que, porém, mantém consonância com o entendimento leigo, acima transcrito.

O Código Civil Brasileiro trata da tradição e seus efeitos nos artigos 620 e seguintes. Vale a reprodução do art. 620:"Art. 620 - O domínio das coisas não se transfere pelos contratos antes da tradição. Mas esta se subentende, quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório."Escorado na citada regra legal, o Professor SÍLVIO RODRIGUES define:

"A tradição é a entrega da coisa do alienante ao alienatário, com animo de transferir o domínio. Trata-se de maneira de aquisição da propriedade móvel, que complementa o contrato.(2)

Não é outro o entendimento de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

"Tradição é a entrega da coisa ao adquirente, o ato pelo qual se transfere a outrem o domínio de uma coisa, em virtude de título translativo da propriedade."(3)

Ambos os Doutrinadores invocados são acordes em classificar a tradição em três modalidades: real, simbólica ou ficta."(4)

Socorre-se da preleção de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO para distingui-las:

"(...) É real, quando caracterizada pela efetiva entrega da coisa, feita pelo alienante ao adquirente, que a recebe e a apreende, ou assinala. Mas a tradição real pode ainda exteriorizar-se pela entrega a um terceiro, por ordem do adquirente, ou pela remessa da coisa a casa deste, ou a lugar por ele designado.

É simbólica, quando traduzida por ato representativo da transferência da coisa; a entrega não é real, substituindo-se por ato equivalente, como a entrega das chaves do lugar onde a coisa se acha. (...).

Finalmente, a tradição é ficta, quando decorrente do constituto possessorio; a tradens continua na posse da coisa, não mais em seu nome, porém, em nome e por conta do adquirente. O constituto possessorio é assim tradição convencional .

Também o Código Comercial, ao tratar da Compra e Venda Mercantil, cuida da tradição:"Art. 199 - A tradição de coisa vendida, na falta de estipulação expressa, deve fazer-se no lugar onde a mesma coisa se achava ao tempo da venda; e pode operar-se pelo fato da entrega real ou simbólica, ou pelo do título, ou pelo modo que estiver em uso comercial no lugar onde deva verificar-se."
O mesmo Código, porem, delimita apenas a tradição simbólica:"Art. 200 - Reputa-se mercantilmente tradição simbólica, salva a prova em contrario, no caso de erro, fraude ou dolo:

1. a entrega das chaves do armazém, loja ou caixa em que se achar a mercadoria ou objeto vendido;

2. o fato de por o comprador a sua marca nas mercadorias compradas, em presença do vendedor ou com o seu consentimento;

3. a remessa e aceitação da fatura, sem oposição imediata do comprador;

4. a clausula - por conta - lançada no conhecimento ou cautela de remessa, não sendo reclamada pelo comprador dentro de 3 (três) dias úteis, achando-se o vendedor no lugar onde se receber a cautela ou conhecimento, ou pelo segundo correio ou navio que levar correspondência para o lugar onde ele se achar;

5. a declaração ou averbação em livros ou despachos das estações publicas a favor do comprador, com o acordo de ambas as partes."
Em que pese a lei elencar as hipóteses constitutivas da tradição simbólica, a boa Doutrina comercialista comenta ser a relação histórica, conquanto alguns eventos contemplados são tidos, hoje, como tradição real.

FRAN MARTINS aponta o caso previsto no nº1 pois, uma vez entregues as chaves do armazém ao comprador, considera-se que este transformou-se em proprietário do armazém.(6)

Perfilha o entendimento do mestre cearense WALDIRIO BULGARELLI que noticia, ainda, ser também o de J. X. CARVALHO DE MENDONÇA e WALDEMAR FERREIRA.(7)

Encerrando os comentários embasados no Direito Privado, importa mencionar que a Doutrina comercialista adota sinomínia na classificação: real ou efetiva; simbólica ou virtual; * e consensual (ou convencional, na qual se inclui o constituto possessório). (8)

Após o estudo dos principais conceitos insertos no comando do inciso III do art. 94 do RICMS, já se pode concluir que emana do preceito a obrigatoriedade de se emitir Nota Fiscal antes da efetiva saída da mercadoria ou da ocorrência de fato que represente tal transferência, nas hipóteses previstas em suas alíneas.

É a informação, S.M.J.

Cuiabá-MT, 23 de setembro de 1994.

Yara Maria Stefano Sgrinholi
FTE De acordo:João Benedito Gonçalves Neto
Assessor de Assuntos Tributários


(1) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. ed., 14. imp, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. p.1394 (sem os destaques no original).
(2) RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito das Coisas, v. 5. 7. ed. São Paulo:Saraiva, 1977—78. p. 181.
(3) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v. 3. 14. ed. São Paulo:Saraiva, 1977-79. p. 201.
(4) Cf. MONTEIRO. Op. cit. p. 202; e RODRIGUES. Op. cit. p. 182.
(5) MONTEIRO. Op. cit. p. 202.
(6) Cf. MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 6. ed. rev. e amm. Rio de janeiro: Forense, 1981. p. 205.
(7) Cf. BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantins. 2. ed. São Paulo: Atlas 1981. p. 180.
(8) Idem,ibidem p. 180-4
*Nota: BULGARELLI chama de ficta a tradição simbólica (Op. cit. p. 180)