Consulta SEFAZ nº 184 DE 22/10/1991

Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 23 out 1991

Fundo de Comércio - Suspensão Imposto

Senhor Secretário:

A empresa acima indicada, através de sua matriz, situada à Rod. .... Km ...., Cuiabá-MT, inscrita no CCE sob o nº .... tendo efetuado venda do estoque e bens do Ativo Imobilizado de sua filial em Sorriso-MT para outra empresa estabelecida naquele município, em virtude da extinção do comércio naquela praça, consulta se é correto seu entendimento de que a operação esta acobertada pela suspensão do ICMS, prevista no art. 9º, inciso III do Decreto nº 1.944/89.

Encaminhado o processo para manifestação do Serviço de Fiscalização, o Sr. ...., FTE lotado em Sorriso-MT, assim resumiu a operação:

1. A .... Ltda, por sua filial de Sorriso-MT, desde de 27.11.87 era concessionária da XXX S/A Ind. e Com. naquela região, contrato que foi rescindido em 17.12.90, após o que a referida concessão foi autorizada à empresa Comercial Agrícola ZZZZZZ Ltda.

2. Afirmando serem as situações independentes entende o FTE ter havido uma triangulação entre as partes, pois há uma reserva de arca para atuação da concessionária que a ZZZZZZ só assumiu após a saída da ....

3. Expõe o representante do Fisco Estadual que a ... vendeu todo o estoque e parte do Imobilizado inclusive fichários da clientela, o que, na sua opinião, significa dizer que os clientes foram juntos na transação, caracterizando a venda de fundo de comércio.

4. Como a ... requereu baixa do seu estabelecimento em Sorriso e considerando que o estoque permaneceu no mesmo município, conclui sua informação defendendo a aplicabilidade da suspensão ao caso.

5. Antes, porém, ressalva não terem sido emitidas as notas fiscais relativas às vendas do imobilizado mas alega que o fato devera ser observado quando da análise do pedido de baixa.

É o relatório.

Examinando as notas fiscais de nºs 6901 a 7047 e 7051 a 7074 anexadas ao processo, todas emitidas em 07.12.90, constata-se que a ... Ltda, filial de Sorriso-MT, vendeu à Comercial ZZZZZZZZZ Ltda itens de seu estoque, sem destaque do ICMS, ressalvando estar o mesmo suspenso com base no art.9º, inciso III, do decreto nº 1.944/89.

A operação fez parte de contrato particular de compra e venda celebrado entre as duas empresas - cópia também integrando o processo - pelo qual, além do estoque elencado nas referidas notas, a ... vende ainda - e tao-somente - todos os seus arquivos, modelo Kardex, poste luminoso e todas as placas de estrada que divulgam o nome XXX no município de Sorriso - MT. Frise-se ser o contrato de 07.12.90.

Pelo Termo de Rescisão de Contrato de Representação Comercial, a XXX e a ... rompem o contrato de representação comercial, em 17.12.90, onde consignam expressamente não se tratar o contrato antes celebrado de concessão.

Reza a cláusula sétima:

"As partes signatárias reafirmam o uso inadequado de expressões como 'Concessão', 'Concessionário', durante a vigência do contrato de representação comercial que ora finda" (sem os grifos no original).

Em 18.12.90, a XXX comunica a inclusão da ZZZZZ na rede de seus concessionários XXX, após terem ambas firmado contrato de representação comercial, com cláusula de não exclusividade.

A ... Ltda - Filial de Sorriso-MT, protocolizou pedido de baixa em 30.01.91.

Eis os fatos que decorrem dos documentos juntados ao processo.

Dispõe o art.9º do Decreto nº 1.944,de 06.10.89 (RICMS):"Artigo 9º - Fica suspenso o lançamento do imposto:

(...)

III - na transferencia de estoque de uma firma ou denominação social para outra, no Estado, em virtude de transformação, fusão, incorporação ou venda de estabelecimento ou fundo de comercio" (grifou-se).
É a regra legal em vigor no Estado.

A dúvida reside em saber se a operação praticada pela consulente constitui, ou não, venda de fundo de comércio, estando então amparada pelo favor do artigo 9º transcrito.

Fundo de Comércio e expressão oriunda do Direito Comercial que a Doutrina tem consagrado como sinônimo de estabelecimento comercial.

Nesse sentido é. A lição de João Eunápio Borges:

"Por influencia do francês, introduziu-se entre nós, como sinônimo de estabelecimento comercial, a expresso fundo de comercio.

Informando que fundo de comércio não se confunde com fundo de negócio, o desaparecido Mestre Mineiro prossegue:

"Não se confunda, pois, uma coisa com outra: fundo de comércio, igual ao fonds de commerce francês, é o estabelecimento comercial, composto de todos os seus elementos; fundo de negócio, correspondente a fonds de boutique, são os restos mortais do estabelecimento em liquidação" (BORGES, João Eunápio Curso de Direito Comercial Terrestre. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1.971. p. 185).

A fim de encerrar sua orientação vale anotar o que antes dissera sobre estabelecimento comercial.

"Para o exercício do comércio, mesmo rudimentar e modesto, três coisas são necessárias ao comerciante: capital, trabalho e organização. Ao conjunto destas coisas que servem ao comerciante para a prática de sua profissão e que se denomina estabelecimento comercial.

E, socorrendo-se de Carvalho de Mendonça, discorre:

"Estabelecimento comercial não é apenas a casa, o local, o cômodo no qual o comerciante exerce sua atividade. Mas é o conjunto, o complexo das varias forças econômicas e dos meios de trabalho que o comerciante consagra ao exercício do comércio, impondo-lhes uma unidade formal, em relação com a unidade do fim, para o qual ele as reuniu e organizou" (op. cit. , p. 184).

Idêntico é o entendimento de Rubens Requião:

"O fundo de comércio ou estabelecimento comercial é o instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de comércio a base física da empresa, constituindo um instrumento da atividade empresarial. (...).

Na nomenclatura jurídica, usada pelos nossos autores, aplicam-se, comumente, as expressões fundo de comércio, por influencia dos escritores franceses (fonds de commerce), e azienda, por inspiração dos juristas italianos, como sinônimos de estabelecimento comercial. Usaremos, pois, indistintamente, os três vocábulos" (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial: 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1.980. v.1, p. 185-6).

Fran Martins é mais um a perfilhar tal corrente Tratando da matéria fundo de comércio, escreve:

"(...). Tem, contudo, a expressão por nós usada o mesmo significado de estabelecimento comercial, preferida pelos autores citados". (MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: Empresa Comercial - Empresários Individuais - Sociedades Comerciais - fundo de comércio. 8. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1.981. p. 459).

O Ilustre Doutrinador, porém, registra sua preferência pela expressão fundo de comércio em vez de estabelecimento comercial (CF MARTINS. Op. cit., p. 182).

Tomadas as expressões como sinônimas cumpre enumerar os elementos integrantes do fundo de comércio.

O fundo de comércio constitui-se de elementos incorpóreos e corpóreos, utilizados pelos comerciantes nas suas atividades. Esses bens conservam sua individualidade singular, mas unidos integram um novo bem (CF REQUIÃO. Op. cit., p. 186).

Não é possível precisar-se qual o elemento preponderante de quantos formam o fundo de comércio. Lembra MARTINS que para uns - como os varejistas - o ponto comercial tem a primazia; ou, a qualidade das mercadorias é que se destaca para o atacadista; para outros, é a exclusividade de determinados produtos ou marcas de mercadorias; ou ainda, a clientela, embora esta não seja o elemento do fundo de comércio, mas sim o direito a uma clientela (CF, MARTINS. Op. cit. p. 460-1).

São bens corpóreos: as mercadorias, as instalações; máquinas e utensílios.

Já os bens incorpóreos são coisas imateriais, que não ocupam espaço no mundo exterior: ponto comercial, nome comercial, título do estabelecimento, expressões ou sinais de propaganda, propriedade industrial, aviamento, clientela.

É importante destacar, ainda, que o "conjunto desses fatores possui um valor patrimonial que é incorporado pelo comerciante e que pode ser realizado em dinheiro, podendo por vezes outros elementos do fundo assumir valor mais alto que as proprias mercadorias" (CF. MARTINS. Op. cit., p.)

Feitas essas considerações de ordem doutrinária, cabe examinar o caso concreto.

A consulente vendeu estoque e parte de seu imobilizado, como já foi descrito, pelo valor total de CR$ 14.000.000,00 (catorze milhões de cruzeiros), conforme Cláusula Terceira do contrato particular firmado.

Nenhum outro valor foi adicionado ao contrato a título de venda do fundo de comércio. E de outra forma nem poderia ser, uma vez que não houve venda de fundo de comércio.

A adquirente já era estabelecida em Sorriso e no seu estabelecimento permaneceu. Não houve aquisição do ponto comercial.

A comercialização com exclusividade dos produtos XXX não foi alienada. A consulente, embora não tenha anexado o contrato original - e sim apenas carta que a autorizava a atuar na área de Sorriso - era, pelo termo de rescisão representante comercial, qualidade de que se desobrigou em 17.12.90. Após a venda das mercadorias.

A condição de representante comercial da XXX adquiriu a ZZZZZ diretamente desta em 18.12.90, sem intervenção da ...

Não é demais transcrever os itens 3 e 6 do Termo de Rescisao:

"3 - O representante comercial compromete-se a devolver à representada, num prazo de 30 (trinta) dias, a contar desta data, todos os materiais de publicidade (livretos, folhetos, luminosos, listas, etc.), listagem de preços, catálogos enfim, tudo o que lhe fora fornecido gratuitamente pela representada, durante o período de representação comercial.

(...)

6 - O representante comercial, neste ato, também compromete-se a devolver à representada todos os talonários de pedidos em seu poder e demais formulários atinentes a representação comercial".

Ora, os materiais referentes à representação comprometeu-se a ... a devolvê-los à representada. Tivesse existido triangulação, com vênia ao Serviço de Fiscalização, e os mesmos teriam sido alienados à ZZZZZZ.

A garantia de área exclusiva não foi negociada. Do contrato de representação firmado pela ZZZZZZ consta que sua área de atuação não é exclusiva.

À afirmação do FTE que alega ter a clientela acompanhado a transação, apresenta-se escusas, mas é de se discordar. Não há provas de vendas quer de fichários (utensílios) quer de fichas dos clientes, conquanto não houve menção no contrato.

As próprias notas fiscais destacadas informaram como natureza da operação "venda" (cópias das 1ªs vias obtidas junto à adquirente - fls. 196 a 366), ainda que constem das 5ªs vias "venda de fundo de comércio", conforme carimbo aposto (documentos de fls. 21 a 191).

Assim, não caracterizou a operação venda de fundo de comércio, sendo, portanto, inaplicável ao caso a suspensão do ICMS prevista no inciso III do art. 9º do RICMS.

Diante do exposto, deve a empresa, no prazo de 15 (quinze) dias, adotar o entendimento aqui propugnado, recolhendo o ICMS devido nos termos do parágrafo 2º do art. 526 do RICMS, sob pena de lavratura de Notificação/Auto de Infração e penalidades cabíveis, de acordo com o contido no art. 528.

É o que cumpria informar, S.M.J.

Assessoria de Assuntos Tributários, em Cuiabá-MT, 22 de outubro de 1991.
YARA MARIA STEFANO SGRINHOLI
FTE

DE ACORDO:
JOÃO BENEDITO GONÇALVES NETO
ASSESSOR DE ASSUNTOS TRIBUTÁRIOS