Solução de Consulta SRE nº 17 DE 14/05/2024

Norma Estadual - Alagoas - Publicado no DOE em 14 mai 2024

ICMS. Decadência. Dolo, fraude ou simulação. 1) Questionamento acerca da forma de contagem do prazo decadencial quando da ocorrência de Fraude Fiscal Estruturada – FFE, assim compreendida como sofisticada engenharia entre pessoas jurídicas e físicas com fito deliberado de causar prejuízo aos cofres públicos através da prática de crimes. 2) Incidência da exceção prevista no art. 150, § 4º, do CTN. 3) Questão que suscita forte divergência na doutrina. 4) A jurisprudência majoritária do STJ alinhou-se no sentido de que a contagem do prazo decadencial, no caso de dolo, fraude ou simulação, é regida pelo art. 173, I, do CTN, tendo como dies a quo o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, o que corresponde ao primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador.

I. RELATÓRIO

Trata-se de processo administrativo tributário iniciado pelo “Parecer Técnico Fiscal no 03/2022” (doc. SEI no 14604054), oriundo da Gerência de Pesquisa e Investigação – GEPI, documento que expõe entendimento jurídico acerca da contagem do prazo decadencial no lançamento tributário na hipótese de fraude fiscal estruturada.

Por conduto do “Memorando no E:59/2022/Gerência de Pesquisa e Investigação” (doc. SEI no 14604199), este Parecer Técnico foi enviado ao Secretário Especial da Receita Estadual com solicitação de posterior encaminhamento à Superintendência de Tributação para análise e pronunciamento, sendo assinalada a necessidade de coesão e alinhamento interno quanto ao tema e “considerando que a atuação da Gerência de Pesquisa e Investigação não é um fim si mesmo” (sic).

Em linhas gerais, o entendimento jurídico esposado no parecer emitido pela GEPI sustenta que, diante da ressalva contida no art. 150, § 4o, do CTN, constatada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, havendo ou não pagamento parcial do imposto, não há que se falar em lançamento por homologação, devendo o lançamento ser efetuado de ofício nos moldes do que prevê o art. 149, VII, do CTN. Contudo, observa que estes dispositivos não delinearam de forma explícita o termo inicial do prazo extintivo para se constituir o crédito tributário.Argumenta que o lançamento tributário é procedimento administrativo exercido nos termos do art. 142 do CTN, que pressupõe o conhecimento da autoridade administrativa sobre a hipótese de incidência tributária, isto é, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Em sendo assim, assevera que se esta ocorrência for dolosamente omitida, não se pode falar em inércia do Fisco em constituir o crédito tributário, não cabendo falar em início do prazo extintivo do direito de lançar (prazo decadencial).

Pondera que “O pressuposto temporal de cinco anos está claramente definido na norma legal (CTN, art. 173, I)”, porém o instituto da decadência se caracteriza pelo transcurso do espaço temporal definido em lei e pela inércia da Fazenda Pública após o conhecimento dos fatos dolosamente omitidos.

Em tal circunstância defende que:

[...] constatada a situação de dolo, fraude ou simulação, mormente diante de Fraudes Fiscais Estruturadas-FFE, só se pode compreender a fluência do prazo decadencial a partir do momento em que a Fazenda toma conhecimento dos atos ilícitos praticados, quer mediante manifestação do Poder Judiciário, quer por compartilhamento da denúncia criminal ofertada pelo Parquet ou da ciência de procedimento investigatório criminal, tal qual o inquérito policial, a partir daí (do conhecimento) e com sua inércia, aplica-se a regra do lapso quinquenal do CTN.

Aponta ainda a existência de relação entre a prescrição da pretensão punitiva na seara penal e o limite temporal para o lançamento do crédito tributário. Nesse sentido, expõe que, nos casos de Fraude Fiscal Estruturada – FFE, há o locupletamento ilícito a partir da prática de crimes conexos com a questão fiscal e, para que haja a responsabilização penal, é mister que haja o prévio lançamento do tributo, conforme Súmula no 24 do STF. Em tal circunstância, lembra que o Código Penal prevê o dever de reparar integralmente o dano sofrido pela vítima (ente federativo lesado), não havendo dúvida de que o Ministério Público necessitará do auxílio do Fisco para levantar os valores indevidamente destacados do Erário. 

Diante desse cenário, argumenta:

Ora, pelo raciocínio lógico, chega-se a seguinte constatação, o limite decadencial do direito de constituir o crédito tributário, no contexto da Fraude Fiscal Estruturada-FFE, acompanha a prescrição penal dos crimes que lhe são conexos.

De sorte que teremos a seguinte quadra: o prazo inicial da fluência do prazo decadencial para lançamento do tributo iniciará a partir da ciência inequívoca da prática da Fraude Fiscal Estruturada-FFE, alcançando os fatos geradores compreendidos no mesmo espaço tempo dos crimes que lhe são conexos, pois, prescrito o crime, prescrito igualmente o direito a reparação indenizatória que lhe é decorrente.

Adicionalmente, menciona circunstâncias que, noutros ramos do Direito (Penal, Civil, Consumidor e Administrativo), os prazos extintivos só passam a correr quando há conhecimento do fato ou, ainda, sequer se sujeitam à extinção por decurso de prazo.

Reproduzindo alguns julgados, aduz que a necessidade de tratamento diferenciado nos casos de dolo, fraude ou simulação já fora considerada pelo STJ, ainda que obter dictum, e que os entendimentos dão suporte à sua tese.Assevera que, diante da ressalva quanto às situações descritas no § 4o do art. 150 do CTN, os contribuintes que fizerem uso de práticas que envolvam dolo, fraude ou simulação não podem ter o mesmo tratamento dispensados aos que agirem de boa-fé, e que também não poderia alegar que o tratamento diferenciado seria aquele previsto no art. 173, I do CTN, pois:

(a) além de ser este o prazo para o Fisco constituir o crédito tributário omitido ou inexato SEM a presença do dolo, fraude ou simulação (CTN, art. 149, V); (b) é ele praticamente o mesmo prazo estabelecido no § 4o do art. 150 do CTN, para se efetuar a homologação expressa, com apenas alguns dias ou meses de acréscimo, dependendo da data de ocorrência do fato gerador do tributo, o que é irrelevante, mormente se estar tratando de dolo, fraude ou simulação arquitetadas no contexto de fraude fiscal estruturada; (c) para se analisar a extinção do direito pelo instituto da decadência é imprescindível levar em consideração a presença dos pressupostos necessários à sua ocorrência, quais sejam, a inércia (a partir do conhecimento efetivo da prática ilícita) e o transcurso do tempo, sem os quais não se pode alegá-la.

Conclui afirmando que:

[...] a exegese adequada da parte final do art. 150, § 4o, CTN, à luz do Ordenamento Jurídico globalmente considerado, permite a aplicação do direito fazendário de lançar todos os créditos sonegados ou reduzidos, abalizados dentro do prazo prescricional da pretensão punitiva dos tipos penais-tributários, a partir do conhecimento da má-fé dos artifícios realizados pelo contribuinte (reitero: por ato do Estado-juiz, Estado-acusação ou Estado-polícia), ou seja, o termo inicial conta-se a partir do conhecimento da fraude (actio nata) e fulmina-se o direito fiscal pelo transcurso do quinquênio subsequente sem haver o lançamento (nos cinco anos posteriores à ciência do ilícito perpetrado). (sem grifo no original).

É o relatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE

Chegam os autos com solicitação de análise e pronunciamento acerca da forma de contagem do prazo decadencial para o lançamento tributário de ofício na hipótese em que for identificada a ocorrência de Fraude Fiscal Estruturada - FFE, definida como sendo uma “sofisticada engenharia entre pessoas jurídicas e físicas com fito deliberado de causar prejuízo aos cofres públicos através da prática de crimes”.

No presente caso, a Gerência de Pesquisa e Investigação – GEPI já emitiu seu posicionamento prévio a respeito do tema em parecer técnico que é peça inaugural deste processo, tendo requerido a manifestação desta Gerência de Tributação para fins de “coesão e alinhamento interno” no âmbito da SEFAZ/AL.

Nada obstante a existência do entendimento jurídico já exposto, impende assinalar que a matéria sob enfoque suscita forte divergência doutrinária, também não havendo pleno consenso na jurisprudência. Nesse contexto, para uma perfeita compreensão do tema, mostra-se indispensável que sejam abordadas as principais linhas de pensamento existentes.

Nessa senda, cumpre inicialmente registrar que o direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento tributário enquadra-se naqueles ditos de natureza potestativa, ou seja, que são exercidos independentemente da vontade de terceiros ou da atuação do judiciário. Por essa razão, é direito que se submete a prazo decadencial, ocorrendo sua extinção ou caducidade se não for exercido tempestivamente.

Ademais, por força do art. 146, III, “b”, da Constituição Federal, a decadência, na seara tributária, é matéria privativa de lei complementar, prevalecendo as regras dispostas no Código Tributário Nacional – CTN, notadamente no art. 150, §§ 1o e 4o, para os tributos lançados por homologação, e art. 173, para os demais casos.

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§1o O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento.

...

§4o Se a lei não fixar prazo à homologação será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. (sem grifo no original)

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.

Como se extrai da leitura do § 4o do art. 150 do CTN, a ocorrência de dolo, fraude ou simulação cria uma exceção à regra de contagem do prazo decadencial com relação aos tributos que seriam originalmente lançados por homologação. Em tal circunstância, o art. 149, VII, do CTN prevê que o lançamento passa a ser efetuado de ofício pela autoridade administrativa:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

...

VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;Sucede que o legislador não se preocupou em indicar expressamente qual seria o prazo decadencial que deveria ser observado pela Fazenda Pública na feitura deste lançamento. Toda a celeuma em torno do tema surge justamente em razão deste silêncio.

Fazendo um diagnóstico de problemas relativos à decadência no Direito Tributário, EURICO DE SANTI descreveu o seguinte cenário:

Os esforços de investigação realizados no “I Fórum de Debates da Delegacia da Receita Federal – DRJ”, que deram frutos ao livro “Decadência no Imposto sobre a Renda” extraíram o seguinte diagnóstico: [...] (vi) lacuna legal nos casos de dolo, fraude ou simulação quanto à definição do prazo decadencial. A qualquer tempo? Cinco anos após o conhecimento da prática dolosa, fraudulenta ou simulada? Cinco anos contados do primeiro dia do exercício àquele em que ocorreu o fato gerador? (sem grifos no original).

(SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. 5a Edição. São Paulo: Editora Max Limonad, 2020. Pág. 20)

Como se vê, as linhas defendidas são as mais diversas, havendo, inclusive, quem sustente que a ocorrência de dolo, fraude ou simulação autorizaria o lançamento do crédito tributário a qualquer tempo. 

Por certo, essa tese é a que recebe maiores críticas, pois acaba por considerar a existência de um direito que se perpetua no tempo, não se sujeitando, na prática, a um prazo decadencial. Esse contexto gera uma evidente insegurança jurídica. Sobre essa questão, vale trazer à baila a lição de RENATA ELAINE SILVA RICETTI MARQUES:

O art. 150, § 4o, do CTN, [...], não estabeleceu a qual prazo estariam submetidos esses lançamentos.

Diante disso, é possível supor que o legislador silenciou-se intencionalmente para que os créditos que não foram constituídos diante dessas condições pudessem ser constituídos a qualquer tempo.

Curiosamente, no anteprojeto do CTN havia a intenção de normatizar que o prazo de decadência apenas teria início com o conhecimento da autoridade administrativa (art. 213, I do anteprojeto do CTN), contudo tal normatização não ocorreu. 

Mesmo porque seria um sem sentido jurídico criar intencionalmente uma causa de incaducabilidade de direito patrimonial, no bojo de normas que protegem justamente o inverso.

Permitir que a autoridade administrativa, a qualquer tempo, possa constituir o crédito tributário é não criar uma norma de decadência. Isso porque a norma de decadência hospeda em seu conteúdo o limite final do tempo da constituição do crédito. Permitir que um crédito possa ser constituído ad eternum não é demarcar o limite do tempo, portanto, não é prazo de decadência. Não limitar o tempo é permitir perpetuação de direito (obrigações, permissões e proibições). É criar um sistema inseguro. Definitivamente, não é o valor que o legislador almeja alcançar com a norma de decadência.  [...]

Portanto, como não havia outro tempo delimitado pelo direito para o prazo de decadência, deslocou-se a exceção estabelecida pelo artigo para o prazo existente (art. 173, I, do CTN), que carrega umperíodo maior para a contagem do prazo decadencial, coadunando com o objetivo de agravar o prazo diante de fatos doloso, fraudulento ou simulado [...].

(MARQUES, Renata Elaine Silva Ricetti. Curso de Decadência de Prescrição no Direito Tributário: Regras do direito e segurança jurídica. 3a edição revista e atualizada. São Paulo: Noeses, 2019.) 

De outra banda, a linha mais conservadora e majoritariamente aceita é a defendida ao final do excerto acima reproduzido: a contagem do prazo decadencial de acordo com o art. 173, I, do CTN, que estipula prazo de cinco anos com dies a quo correspondente ao primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido feito, ou seja, o primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato gerador.

Nesse caso, argumenta-se que, uma vez afastada a contagem do prazo decadencial própria dos tributos lançados por homologação, restaria buscar no próprio CTN a outra regra aplicável, donde se concluiria pela aplicação do referido dispositivo. Ademais, nos termos do art. 149, VII, do CTN, uma vez configurado o dolo, a fraude ou a simulação, o lançamento deve ser feito de ofício pela autoridade administrativa, o que reforça a tese de aplicação do prazo decadencial do art. 173, I, próprio para tributos dessa natureza.

Contudo, esse entendimento, mesmo dentre aqueles que o sustentam, não escapa à crítica que se faz em relação à omissão do legislador, sendo certo que melhor seria a indicação de prazo expresso para os casos da ressalva do § 4o do art. 150 do CTN. Nesse sentido, vale reproduzir a contundente exposição de LUCIANO AMARO:

A segunda questão diz respeito à ressalva dos casos de dolo, fraude ou simulação [...]. Em estudo anterior, concluímos que a solução é aplicar a regra geral do art. 173, I. Essa solução não é boa, mas continuamos não vendo outra, de lege lata. A possibilidade de o lançamento poder ser feito a qualquer tempo é repelida pela interpretação sistemática do Código Tributário Nacional (arts. 156, V, 173, 174, 195, parágrafo único). Tomar de empréstimo prazo do direito privado também não é solução feliz, pois a aplicação supletiva de outra regra deve, em primeiro lugar, ser buscada dentro do próprio subsistema normativo, vale dizer, dentro do Código. Aplicar o prazo geral (5 anos, do art. 173) contado após a descoberta da prática dolosa, fraudulenta ou simulada igualmente não satisfaz, por protrair indefinidamente o início do lapso temporal. Assim, resta aplicar o prazo de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido feito. Melhor seria não se ter criado a ressalva. 

(AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15a edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 409-410)

Prosseguindo na análise da matéria, uma outra proposta de contagem do prazo decadencial nos casos de dolo, fraude ou simulação consiste na aplicação do art. 173, I, do CTN, todavia interpretando-se que o dies a quo (primeiro dia do exercício seguintes àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado) somente ocorre a partir do momento em que a Fazenda Pública tem ciência da infração dolosamente praticada. Alega-se, nesse caso, que antes deste conhecimento, não haveria que se falar em inércia do sujeito ativo, não se iniciando a contagem do prazo decadencial. JOSÉ HABLE, um dos defensores dessa tese, assim explica:

Embora o entendimento majoritário da doutrina, assim como da jurisprudência de nossos tribunais, esteja firmado no sentido de quenestes casos a regra a ser seguida é a disposta no art. 173, I, do CTN, a interpretação que ora defendemos tem amparo também nesse dispositivo legal, diferenciando-se, no entanto, quanto ao momento em que se inicia a contagem do referido prazo decadencial.

A distinção está, então, no momento em que se inicia a contagem do prazo decadencial, que somente poderá ocorrer a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o Fisco tiver a possibilidade de verificar a ocorrência do fato gerador omitida da obrigação tributária, que ocorre com a sua ciência ou conhecimento do fato gerador, elemento que caracteriza sua inércia, pressuposto necessário à sua ocorrência.

A prática dolosa do sujeito passivo de omitir a ocorrência do fato gerador tem como objetivo principal o de impedir ou retardar que a autoridade fazendária tome conhecimento da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, com a intenção de não pagar o tributo devido. Ou seja, estamos diante do delito da sonegação fiscal.

Em sendo, assim, dolosamente omitida a ocorrência do fato gerador, é impossível, em condições normais, ao agente do Fisco VERIFICAR A OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR, do qual surge a obrigação tributária, para, então, poder constituir o crédito tributário sonegado, por meio do lançamento de ofício.

Desse modo, [...] dúvidas não há de que o lançamento de ofício somente poderá ser efetuado pela Fazenda Pública quando esta tiver conhecimento da ocorrência do fato gerador, momento em que se caracteriza sua inércia, se não agir, iniciando-se então o prazo decadencial.

(HABLE, José. A Extinção do Crédito Tributário por Decurso de Prazo: Decadência e Prescrição Tributárias. 4a edição revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Método, 2017). 

dotando outra vertente, EURICO DE SANTI, em seu festejado livro “Decadência e prescrição no direito tributário”, sustenta que a ressalva contida no § 4o do art. 150 do CTN somente surte efeito se a Fazenda Pública, dentro do prazo decadencial dos tributos lançados por homologação (cinco anos contados do fato gerador), notificar o sujeito passivo acerca da ocorrência do ilícito, servindo esse ato de notificação como dies a quo do novo prazo decadencial de cinco anos, computado nos termos do parágrafo único do art. 173 do CTN. Assim expõe o autor:

Regra da decadência do direito de lançar com pagamento antecipado, ilícito e notificação.

Esta regra apresenta na hipótese a seguinte combinação dos quatro primeiros critérios: previsão de pagamento antecipado; ocorrência do pagamento antecipado; ocorrência de dolo, fraude ou simulação, e ocorrência da notificação por parte do Fisco.

Essa notificação não pode ser realizada a qualquer tempo: submete-se também a prazo decadencial de cinco anos, conforme previsto na regra de decadência do direito de lançar com pagamento antecipado. O ato-norma administrativo formalizador do ilícito tributário servirá como dies a quo do novo prazo decadencial de cinco anos, previsto por esta regra. 

Portanto, transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo a indigitada notificação formalizadora do ilícito, operar-se-á ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do Art. 173, parágrafo único do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamento antecipado.

(SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Editora Max Limonad, 2020. Pág. 159 e 160.)

Sem esgotar todo o debate que há em torno do tema, vale finalmente assinalar que parte minoritária da doutrina defende que, diante da ocorrência de crime, a decadência deve ser tratada pelo Código Penal. Seguindo essa linha: [...] a hipótese de decadência tributária do caso maligno (dolo, fraude ou simulação no lançamento fiscal) não mora no artigo 173. 

Jamais morou. Nem pode morar. [...] Dado o crime, qualquer crime, o Código Penal é que há de ser chamado a cuidar da decadência, prescrição, atenuantes, agravantes, dosimetria, etc. [...] a matéria é tributária, mas é também penal; logo, as regras do penal há de ser dadas pelo Código Penal. [...] A maioria dos crimes fiscais (Lei n. 8.137/90, artigo 1o) é contemplada com pena de reclusão de dois a cinco anos. Pelo Código Penal, eis a regra emprestada ao Código Tributário Nacional no aso de dolo, fraude ou simulação no lançamento fiscal: ‘Art. 109. A prescrição... regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: ... III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito.’

(FEITOSA, Francisco José Soares. Prazo para lançar tributos, nos casos de fraude, dolo ou simulação. Revista Dialética de Direito Tributário 134, nov. 2006).

Feito um apanhado de alguns posicionamentos doutrinários que, a nosso sentir, dão uma visão geral sobre os principais pontos suscitados na discussão dessa matéria, cumpre então investigar como os tribunais superiores têm decidido com relação à contagem do prazo decadencial nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação.

De início, vale salientar que a contagem com base no art. 173, I, do CTN, porém considerando o dies e quo a partir do momento em que a Fazenda Pública teve conhecimento do ilícito, é questão que ainda não chegou a ser analisada na situação específica em que esteja presente o dolo, a fraude ou a simulação. Todavia, na definição do Tema Repetitivo 1048, o STJ, ao se debruçar sobre o prazo decadencial na hipótese de doação não oportunamente declarada pelo contribuinte, fixou a seguinte tese:

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCDM, referente a doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial tem início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, observado o fato gerador, em conformidade com os arts. 144 e 173, I, ambos do CTN. (sem grifo no original)

No voto condutor, o Min. Benedito Gonçalves citou vários precedentes da Primeira e Segunda Turma, asseverando que:É juridicamente irrelevante, para fins da averiguação do transcurso do prazo decadencial, a data em que o fisco teve conhecimento da ocorrência do fato gerador, haja vista que o marco inicial para constituição do crédito tributário é o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. 

Convém salientar que o julgado não leva em consideração a ocorrência de Fraude Fiscal Estruturada – FFE, questão central no caso sob enfoque. Todavia, já sinaliza que o mero desconhecimento do fato não é, por si só, razão para protrair o dies a quo para o momento seguinte ao conhecimento do fato pela administração tributária.

Também é relevante a informação trazida por RENATA ELAINE SILVA RICETTI MARQUES, acima citada, segundo a qual, no: “anteprojeto do CTN havia a intenção de normatizar que o prazo de decadência apenas teria início com o conhecimento da autoridade administrativa (art. 213, I do anteprojeto do CTN), contudo tal normatização não ocorreu.” De fato, essa tese não encontra suporte normativo e nem jurisprudencial. 

De mais a mais, a ocorrência de dolo, fraude ou simulação e sua repercussão na definição do prazo decadencial já foi objeto de análise pelo STJ, sendo majoritária a jurisprudência pela contagem de acordo com o art. 173, I, do CTN. Nessa linha, vale colacionar os seguintes julgados:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.

SÚMULA 356/STF.

DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. REGRA DO ARTIGO 150, § 4o, C/C 173, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

IDENTIFICAÇÃO DE DOLO, FRAUDE OU SIMULAÇÃO POR PARTE DO SUJEITO PASSIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO.

...

2. Segundo firme jurisprudência desta Corte, o prazo decadencial nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, caso tenha havido dolo, fraude ou simulação por parte do sujeito passivo, tem início no primeiro dia do ano seguinte ao qual poderia o tributo ter sido lançado. Incidência da Súmula 83/STJ. (sem grifo no original)

...

(STJ. REsp 1.086.798 / PR. Segunda Turma. Relator Ministro CASTRO MEIRA, Julgado em 18/04/2013, DJe de 24/04/2013).

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL. ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4o, e 173, do CTN. IMPOSSIBILIDADE.

...

3. O dies a quo do prazo qüinqüenal da aludida regra decadencial rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente,ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação [...]

...

(STJ. REsp No 973.733/SC. Relator Min. LUIZ FUX. Julgado: 12/08/2009. DJe: 18/09/2009)

Nada obstante, impende mencionar um julgado anterior aos supracitado e que, perfilhando a tese desenvolvida por EURICO DE SANTI (acima reproduzida), esposou o seguinte entendimento diverso sobre a contagem de prazo decadencial nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. ALEGADA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. VALIDADE DA CDA. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA - ISS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE NA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI No 406/68. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. FIXAÇÃO. OBSERVAÇÃO AOS LIMITES DO § 3.o DO ART. 20 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07 DO STJ. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 173, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN.

...

14. A notificação do ilícito tributário, medida indispensável para justificar a realização do ulterior lançamento, afigura-se como dies a quo do prazo decadencial qüinqüenal, em havendo pagamento antecipado efetuado com fraude, dolo ou simulação, regra que configura ampliação do lapso decadencial, in casu, reiniciado. 

Entrementes, "transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo a indigitada notificação formalizadora do ilícito, operar-se-á ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do art. 173, parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamento antecipado" (Eurico Marcos Diniz de Santi, in obra citada, pág. 171).

...

(STJ. REsp 766050 / PR. Primeira Seção. Relator: Ministro LUIZ FUX. Julgado em 28/11/2007. DJ 25/02/2008)

Destarte, constata-se que a jurisprudência mais atual é majoritária no sentido de que o prazo decadencial, na hipótese de dolo, fraude ou simulação, é regulado pelo art. 173, I, do CTN, ou seja, 5 (cinco) anos contados do primeiro dia do exercício seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado, o que corresponde ao primeiro dia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador.

II. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, em que pese a forte divergência doutrinária a respeito do tema, a jurisprudência do STJ é majoritária no sentido de que, nos casos de dolo, fraude ou simulação, o prazo decadencial segue a regra do art. 173, I, do CTN, sendo certo que o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado deve corresponder ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato gerador. 

Contudo, vale ressaltar que o caso que ora se submete à apreciação trata de Fraude Fiscal Estruturada, definida como sendo uma “sofisticada engenharia entre pessoas jurídicas e físicas com fito deliberado de causar prejuízo aos cofres públicos através da prática de crimes”. Em tais casos, conforme informado na peça inaugural, há o “locupletamento ilícito a partir da prática de crimes conexos”. É certo que esse tipo de conduta delituosa não foi especificamente tratada nas decisões judiciais citadas e que, eventualmente, o judiciário pode vir a valorar de maneira diferenciada tais fatos, decidindo pela aplicação de prazo decadencial diferenciado.

Entretanto, uma análise dessa natureza extrapola a competência da Gerência de Tributação, dado que, nos termos do art. 56 da Lei Estadual no 6.771/06, a consulta recai “sobre a interpretação e aplicação da legislação tributária”.

Nessa esteira, sugere-se que a douta PGE/AL seja consultada sobre essa matéria, dada sua missão institucional de “representação judicial [...] do Estado” (art. 4o, I, da Lei Complementar Estadual no 7/1991) e uma vez que a aplicação da tese esposada poderá impactar na ação judicial de execução do crédito tributário.

É como penso. À consideração superior.

José Edson Lima e Silva

Chefe de Análises Tributárias

De acordo:

Aprovo o entendimento exposto no despacho e encaminho os autos à apreciação do Superintendente de Tributação, com recomendação de envio à Superintendência Especial da Receita Estadual.

Elka Gonçalves Lima de Oliveira

Gerente de Tributação