Resposta à Consulta nº 398/2012 DE 04/02/2015

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 04 fev 2015

ITCMD – Distribuição desproporcional de lucros em relação ao percentual de quotas do capital social da empresa que cada um dos sócios possui.

ITCMD – Distribuição desproporcional de lucros em relação ao percentual de quotas do capital social da empresa que cada um dos sócios possui.

I. O artigo 1.007 do Código Civil possibilita aos sócios definirem outra forma de participação nos resultados da empresa que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.

II. O acordo prévio (anterior às distribuições futuras), devidamente registrado no contrato social, estipulando precisamente o percentual que cada sócio receberá, com desproporção à sua participação na empresa, afasta a liberalidade característica da doação, não sendo hipótese de incidência do ITCMD.

III. Já a deliberação de percentual, desproporcional à cota de cada sócio na empresa, realizada a cada distribuição de lucros, quando não se caracterizar como retribuição pelo trabalho do sócio na empresa (o que levaria à incidência de contribuição previdenciária), caracteriza doação, hipótese de incidência do ITCMD, manifesta na liberalidade do sócio, ou sócios, de "transferir de seu patrimônio bens ou vantagens" para outro, que a aceita.

1. A presente consulta, formulada por entidade representativa dos contabilistas e empresas contábeis, encontra-se assim estruturada:

"I. Da hipótese.

Associados da consulente, interessados em criar sociedades empresárias limitadas com capital integralizado em proporções diferentes - como, por exemplo, 90% para um sócio e 10% para o outro - inserem no ato constitutivo cláusula específica prevendo que divisão dos lucros será feita desproporcionalmente à participação de cada sócio. Esse acordo intersócios, feito com amparo no artigo 1.007, do Código Civil, prevê de que os cotistas participarão dos lucros e das perdas em partes iguais, tocando 50% para cada um, independentemente da citada proporção no capital social.

II. Da dúvida que enseja a consulta.

As dúvidas que animam esta entidade a se dirigir a essa D. Consultoria para que seus associados possam interpretar e cumprir a legislação tributária corretamente são as seguintes:

(i) diante da prévia estipulação em cláusula contratual permitindo distribuição desproporcional dos lucros, com precisa indicação de que o sócio minoritário, titular de 10% do capital, receberá 50% dos lucros, haveria incidência de ITCMD, sobre essa diferença, a cada distribuição?

(ii) se o contrato social fizer a previsão da distribuição desproporcional dos lucros, mas relegar para futura deliberação dos sócios a definição do percentual que caberá a cada um, haveria incidência de ITCMD sobre a diferença entre o percentual da participação nas cotas e o percentual dos lucros recebidos a cada distribuição?

III. Consulta.

O Consulente requer sejam examinadas as hipóteses acima suscitadas, com esclarecimentos adicionais que, a critério dessa Consultoria, possam ser expostos para correta interpretação da legislação tributária. A dúvida, como visto, é fundada especialmente diante do artigo 3°, da Lei Estadual 10.705/2000, que assim dispõe:

‘Artigo 3º - Também sujeita-se ao imposto a transmissão de:

I - qualquer título ou direito representativo do patrimônio ou capital de sociedade e companhia, tais como ação, quota, quinhão, participação civil ou comercial, nacional ou estrangeira, bem como, direito societário, debênture, dividendo e crédito de qualquer natureza’.

A distribuição desproporcional cogitada nas duas hipóteses acima descritas estaria compreendida na previsão do artigo 3° mencionado?"

2. De início, convém delimitar o campo de incidência do Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD):

2.1. A Lei 10705/2000, que instituiu o ITCMD, em conformidade com o disposto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, ao se referir às transmissões "inter vivos", dispõe que o imposto incide sobre aquelas decorrentes de doação de quaisquer bens e direitos.

2.2. Assim sendo, a sujeição do ITCMD, no caso em análise, dependerá, necessariamente, da possibilidade de estar caracterizada a hipótese de doação.

3. A doação, vocábulo que se deriva dos termos latinos "donatio" e "donare" que significa "dar", "brindar" ou "presentear", é um ato de "liberalidade" pelo qual o doador transfere algo de seu patrimônio, subtraindo-o, em favor do donatário que, consequentemente, tem seu patrimônio aumentado (artigo 538 do Código Civil).

3.1. De acordo com Silvio de Salvo Venosa "no contrato de doação, destacam-se claramente dois elementos constitutivos: objetivo e subjetivo. Elemento subjetivo é a manifestação de vontade de efetuar liberalidade, o animus donandi. Elemento objetivo é a diminuição de patrimônio do doador que se agrega ao ânimo de doar" ( in Direito Civil – 4ª ed. – São Paulo: Atlas, 2004. – página 117).

3.2. No mesmo sentido, Maria Helena Diniz esclarece que é elemento fundamental que caracteriza a doação "o ânimo do doador de fazer uma liberalidade (‘animus donandi’), proporcionando ao donatário certa vantagem à custa do seu patrimônio. O ato do doador deverá revestir-se de espontaneidade" (in Curso de Direito Civil Brasileiro – 19ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2003 - páginas 221 e 222). (G. N.)

4. Por outro lado, assim estabelecem os artigos 981, 1.007 e 1.008 do Código Civil, que tratam da sociedade empresária de responsabilidade limitada:

"Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados."

"Art. 1.007. Salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas."

"Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas."

"Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.

(...)"

4.1. Como podemos ver, o artigo 981 determina tanto a obrigação dos sócios em contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica de sua empresa como a partilha, entre eles, dos resultados por ela apresentados; sendo nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas (artigo 1.008).

4.2. Já o artigo 1007 firma, como regra geral, que a participação dos sócios nos resultados da empresa será proporcional ao percentual de quotas do capital social que cada um deles possua. No entanto, por meio da frase inicial "salvo estipulação em contrário", esse dispositivo permite a distribuição desproporcional dos resultados da empresa, uma vez que possibilita aos sócios definirem outra forma de participação que não a proporcional ao percentual de quotas do capital que cada um detenha.

4.3. Sobre a questão, Fábio Ulhoa Coelho (in Curso de Direito Comercial. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.29) manifestou-se da seguinte forma:

"A nulidade existe na exclusão de sócio dos lucros da sociedade mas não na participação desproporcionada. Assim, em qualquer limitada pode-se licitamente contratar a incorrespondência entre os percentuais referentes à participação no capital social e nos lucros. Os sócios podem convencionar, por exemplo, que os lucros serão distribuídos de acordo com a receita proporcionada pelos negócios viabilizados por cada um independentemente da contribuição para o capital social. Essa desproporção é incomum no comércio em geral, mas frequente no setor de prestação de serviços profissionais."

5. A petição que originou esta resposta apresenta duas hipóteses diversas: i) "prévia estipulação em cláusula contratual permitindo distribuição desproporcional dos lucros, com precisa indicação de que o sócio minoritário, titular de 10% do capital, receberá 50% dos lucros", e ii) "se o contrato social fizer a previsão da distribuição desproporcional dos lucros, mas relegar para futura deliberação dos sócios a definição do percentual que caberá a cada um".

6. Na primeira situação ( dúvida "i" ), há um acordo prévio (anterior às distribuições futuras), devidamente registrado no contrato social, estipulando precisamente o percentual que cada sócio receberá quando houver as distribuições dos lucros, o que afasta a liberalidade subjetiva do sócio que receberá um percentual menor que sua participação na sociedade em favor de outro, que o receberá em maior proporção, pois houve o acordo prévio, com base em razões negociais (mercantis). Nesse caso, não há a caracterização da doação e, portanto, não há que se falar em hipótese de incidência do ITCMD.

7. Na segunda situação ( dúvida "ii" ), a deliberação do percentual, em desproporção à participação de cada sócio na empresa, é realizada a cada distribuição de lucros e, portanto, à vontade dos sócios. Essa subjetividade, ao contrário da situação anterior, deixa claro a existência da liberalidade que cada sócio terá ao transferir de seu patrimônio bens ou vantagens para outro(s), desde que tais "recebimentos" não se caracterizem como retribuições pelo trabalho do(s) sócio(s) na empresa (o que levaria à incidência de contribuição previdenciária), mas sim como remunerações de capital. Estaremos, assim, diante de doação, no que se refere ao excesso de valor recebido por sócio(s), na apuração de resultado da empresa, em relação àquele que originalmente lhe seria de direito, na proporção do seu percentual de quotas do capital social, configurando-se hipótese de incidência do ITCMD, nos termos do artigo 2º, II, da Lei 10.705/2000, combinado com o artigo 3º da mesma lei.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.