Resposta à Consulta nº 38 DE 08/03/2002

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 08 mar 2002

ReImportação de Aeronaves em Regime Aduaneiro de Admissão Temporária a Título de Arrendamento Mercantil Operacional - Incidência.

CONSULTA Nº 038, DE 08 DE MARÇO DE 2002.

ReImportação de Aeronaves em Regime Aduaneiro de Admissão Temporária a Título de Arrendamento Mercantil Operacional - Incidência.

1. Na inicial, a Consulente, que tem como atividade o transporte aéreo de passageiros, relata que "importou, sob o regime aduaneiro de admissão temporária (leasing operacional), três aeronaves ... para serem utilizadas no transporte aéreo de passageiros". Após referir-se a um dos considerandos da Decisão Normativa CAT-4, de 10/9/2001, qual seja o de que "a incidência do ICMS na importação tem a função essencial de submeter os bens importados ao mesmo tributo que onera os bens fabricados no país, sob pena de tratamento privilegiado aos primeiros", expõe seu ponto de vista em três considerandos, para ao final, formular sua pergunta:

1. "considerando que o bem, objeto do leasing, não possui similar fabricado no país, sendo então a Consulente obrigada a importá-lo para manter sua atividade-fim, desconfigurando então a função essencial em pauta;

2. considerando o artigo 3?, inciso VIII da Lei Complementar 87/96 'o imposto não incide sobre: operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário'; e

3. considerando que o arrendamento mercantil realizado pela Consulente possui cláusula expressa de não-opção de compra do bem ao final do contrato ... não configurando em momento algum a transferência de titularidade, logo, não constituindo fato gerador do imposto ....";

PERGUNTA:

. "há incidência de ICMS no momento do desembaraço aduaneiro da aeronave, objeto do leasing operacional firmado entre a arrendatária, então Consulente, e a arrendadora - ... , mesmo não existindo produtos similares fabricados no Brasil, não havendo então que se falar em função essencial de proteção aos bens fabricados neste país e, ainda, tendo em vista cláusula expressa no contrato, que veda à arrendatária o direito de compra do bem, inexistindo assim qualquer possibilidade de transferência de titularidade, logo, sem probabilidade de ocorrência do fato gerador, mesmo ao término do arrendamento?"

2. Analisando primeiramente o terceiro "considerando", esclarecemos que, no que tange a mercadorias, o ICMS tem como objeto as "operações relativas à circulação de mercadorias". Apoiamo-nos no pensamento de tributaristas como Edvaldo Brito, Alcides Jorge Costa e Hamilton Dias de Souza ("Caderno de pesquisas tributárias" n? 3, Editora Resenha Tributária, São Paulo, 1978), para ressaltar que na expressão acima, o vocábulo "operação", como muito bem explicado por Hamilton Dias de Souza, tem o significado singelo de atividade, ato do contribuinte. Ato que não se confunde com o negócio jurídico propriamente dito, embora possa ser deste decorrente. E mais, atos que põem em curso (relativos à circulação), da produção até o consumo, mercadorias. Segundo o autor (op. cit. p. 247), "a expressão 'operações' não tem sentido jurídico definido, sendo utilizada não só para designar transações mercantis como outros atos que não implicam em transferência de propriedade ou posse.". Quanto à palavra circulação, ela pode apresentar três conotações:

- circulação física: deslocação física da mercadoria de um lugar para outro, independentemente de um substrato econômico (como na compra e venda);

- circulação jurídica: circulação decorrente necessariamente de um negócio jurídico, havendo uma corrente doutrinária que defende ser necessário que o negócio jurídico seja de compra e venda e outra postulando possa ser qualquer negócio jurídico de que irradie a circulação;

- circulação econômica: "circulação econômica da mercadoria vem a ser a série de fenômenos de ordem econômica, que tem por escopo distribuir as riquezas produzidas, no sentido de serem levadas a consumo. Para se dar a circulação econômica, a mercadoria deve mudar de estágio econômico, dentro das fases produção-circulação-consumo, estando pois, sempre ligada a uma das etapas do processo econômico, desde o produtor originário, até o consumidor final. É a movimentação das riquezas ou valores, independentemente da deslocação material do bem ou do negócio jurídico realizado." (Bernardo Ribeiro de Moraes, "operação relativa à circulação de mercadorias" op. cit. pg. 78).

3. Segundo Edvaldo Brito ( op. cit., pg.160): "Se a norma constitucional não restringiu a expressão circulação de mercadorias à significação jurídica, justo não é entender que somente porque é uma palavra inserida numa norma legal passe a ter o significado exclusivo de circulação jurídica. A amplitude do termo será o admissível. Logo, ... circulação traduz o ciclo que a mercadoria desenvolve da fonte de produção até o consumo."

4. Com a Constituição Federal de 1988 e a mudança do ICM para ICMS, mutatis mutandi, a situação continua a mesma. Nada na legislação atual do ICMS nos autoriza a afirmar que, em não havendo transferência de titularidade da mercadoria, não se configura o fato gerador do imposto. Para entendermos os tipos de circulação previstos na Lei Complementar 87/96 (ceteris paribus) deveremos ir ao seu artigo 12, em que estão consignados os fatos que exteriorizam o fato gerador do imposto, fazendo com que nasça a obrigação principal. Tratam-se de hipóteses de "circulação" onde comparecem as três modalidades de circulação supracitadas (física, jurídica e econômica).

5. No caso da "entrada de mercadoria importada do exterior" dá-se uma situação sui generis. As operações internacionais relativas à circulação de mercadorias são oneradas pelo ICMS não pela "atividade" de quem envia a mercadoria mas pela de quem promove a sua entrada em território nacional, importada do exterior. Alteram-se o sujeito passivo e o aspecto temporal do fato gerador. Uma outra distinção é que, se no plano interno temos que considerar a competência dos três entes tributantes - União, Estados e Municípios - no plano do comércio exterior (latu sensu) atuam apenas a União e os Estados.

6. Se analisarmos os contratos de leasing efetuados, de um lado, com bens aqui fabricados e entre contratantes aqui estabelecidos, e de outro, entre arrendatário estabelecido no Brasil e arrendador estabelecido no exterior (e bens de procedência estrangeira) verificamos que na primeira situação: a) há a incidência do IPI na fabricação do produto; b) há a incidência do ICMS na compra do bem pelo arrendador (ou na compra dos insumos, se o arrendador é o fabricante do bem); c) há a incidência do ISS no ato de arrendamento (item 79 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei n? 406/68). Já na segunda situação (bem estrangeiro e arrendador situado no exterior) incidem: a) o Imposto de Importação e, quanto aos tributos internos, incidem apenas o IPI e o ICMS. Não é necessário esclarecer que todos esses impostos, tanto na primeira quanto na segunda situação, refletem-se no valor pago pelo arrendatário. O valor do arrendamento quando efetuado no mercado interno suporta, ainda que indiretamente, o ICMS e, por uma questão de isonomia, assim deve ser no leasing internacional.

7. É interessante lembrarmos que enquanto o artigo 155, inciso II, da CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93, dispõe que "compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre... operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior ", esclarecendo o § 2º , inciso IX , alínea "a", na redação dada pela Emenda Constitucional n? 33, de 11 de dezembro de 2001, que o ICMS incidirá também "sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade ..." (g.n.), o artigo 156, inciso III, afirma que compete aos Municípios instituir impostos sobre "serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar" (g.n.). Portanto, vê-se que, por um lado, o imposto sobre serviços de qualquer natureza tem caráter residual relativamente ao ICMS, e, de outro, é da competência dos Estados (e do Distrito Federal) tributar a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior "qualquer que seja a sua finalidade". Da mesma forma o IVA europeu, que incide sobre o valor agregado de mercadorias e serviços, incide também na entrada de mercadorias importadas do exterior. No Brasil, em respeito à repartição da competência tributária estabelecida pela CF/88, temos a não-incidência do ICMS estabelecida pelo artigo 3?, inciso VIII, da Lei Complementar n? 87/96, mas ela só tem aplicação no âmbito das operações realizadas no país.

8. Note-se que antes, pelo artigo 313 do Regulamento Aduaneiro, os bens importados a título de leasing, em qualquer modalidade, eram despachados a consumo e hoje, com exceção de leasing financeiro, podem ingressar em Regime Aduaneiro de Admissão Temporária (artigo 79 da Lei n? 9.430/96, Decreto n? 2.889/98 e Instrução Normativa 150/99). Mas, como é de conhecimento da Consulente, por meio da Decisão Normativa CAT-4, de 10/9/2001, esta Secretaria se manifestou pela incidência do ICMS nas operações de importação de bens para utilização econômica sob o regime aduaneiro de Admissão Temporária. De fato, tais operações subsumem-se plenamente ao fato gerador do imposto.

9. Com relação à argumentação de que o produto, objeto da importação não possui similar nacional (considerando primeiro), trata-se, ainda que de forma indireta, de solicitação de um benefício, tal qual a isenção. A matéria foge à competência da Consultoria Tributária. Conforme disciplina da Lei Complementar n? 24/75, a concessão de benefícios fiscais depende, para sua efetivação, de convênio celebrado e ratificado por todos os Estados da federação.

10. Concluindo, respondemos que existe a incidência do ICMS na entrada de aeronaves importadas do exterior em decorrência de contrato de leasing operacional firmado entre a Consulente e arrendadora situada no exterior.

Olga Corte Bacaycoa
Consultora Tributária

De acordo

Cirineu do Nascimento Rodrigues
Diretor da Consultoria Tributária .