Resposta à Consulta nº 38 DE 02/03/2001
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 02 mar 2001
Prestação de serviços e fornecimento de informações digitalizadas na forma de dados, áudio e vídeo e distribuição através de redes de computadores 'on line' e serviços correlatos
CONSULTA Nº 038, DE 02 DE MARÇO DE 2001.
Prestação de serviços e fornecimento de informações digitalizadas na forma de dados, áudio e vídeo e distribuição através de redes de computadores 'on line' e serviços correlatos
1. Informa a Consulente, empresa que tem por objeto, entre outros, "prestação de serviços e fornecimento de informações digitalizadas na forma de dados, áudio e vídeo e distribuição através de redes de computadores 'on line' e serviços correlatos" (Cláusula 3ª do Contrato Social), que está oferecendo ao público assinatura de seus serviços consistente em "acesso e uso individual e ilimitado de horas ao acervo de conteúdo ..., em forma de informações, dados, texto, imagens, áudio, vídeo, e banco de dados, bem como o acesso em alta velocidade à rede mundial Internet [...]", e, "como parte do serviço, a ... disponibilizará cinco endereços de Correio Eletrônico ('e-mail') e espaço para 'webpage' pessoal de 1Mb para o Assinante" (item 2 do "Contrato de Prestação de Serviço ... ". Na Consulta questiona a incidência de ICMS sobre o serviço de provimento de acesso à internet, com a seguinte argumentação.
2. Segundo definição do art. 61 da Lei n.º 9.472/97, também usada pela ANATEL, na Resolução n.º 190/99, que regulamenta o uso de redes de serviço de comunicação de massa por assinatura para provimento de serviços de valor adicionado:
"Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§ 1º. Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§ 2º. É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações."
3. A Consulente, argumentando que, "por disposição expressa legal, pode-se afirmar, sem erro, que os serviços de valor adicionado não são considerados serviços de telecomunicação pela legislação aplicável", entende que "não há nenhuma prestação onerosa de serviços de telecomunicação que decorra, diretamente, da prestação de tais serviços ... na medida em que apenas proporciona aos assinantes os meios de 'ingresso' na rede mundial", que "a atividade de determinado assinante na Internet em nada depende da atividade da Consulente, esta apenas lhe possibilita o acesso à Internet", que por estarem "claramente enquadrados na lista de serviços anexa ao Decreto-Lei n.º 406/68, em seu item 22, que trata dos serviços de organização, programação, planejamento, assessoria e processamento de dados", tais serviços estariam sujeitos ao ISS, de competência municipal.
4. Assim, ainda com a apresentação da doutrina de João Vicente Lavieri em seu artigo intitulado "Internet: incidência do ICMS ou do ISS?", publicado na Revista Jurídica Consulex, v. 1, n.º 13, de 31/01/98, e de trecho da decisão do julgamento da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 89.231-5, da 1ª Câmara Cível do TJ do Paraná, justifica a Consulente o questionamento da incidência de ICMS sobre o serviço de provimento de acesso à internet, e pede confirmação desta Consultoria Tributária.
5. O entendimento da Consulente está incorreto. Há incidência de ICMS sobre o serviço de provimento de acesso à internet. Será a seguir resumidamente esclarecido, em resposta a seus argumentos, que: (1) a Lei Geral de Telecomunicações não determina a competência tributária dos Estados, porque (1.i) não tem competência para isso, e (1.ii) ainda que tivesse competência para determinar a competência tributária dos Estados, sua matéria é restrita apenas aos serviços de telecomunicação, sem a abrangência maior dos serviços de comunicação, e (2) o provimento de acesso à internet é serviço de comunicação.
6. Compete à União, segundo o art. 21, inc. XI, da Constituição Federal de 1988, na redação dada pela Emenda Constitucional n.º 8, de 15/08/95: "XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;"
7. Compete-lhe, também, legislar privativamente sobre "águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão" (art. 22, IV, da CF/88).
8. A União exerceu suas competências acima, relativamente às telecomunicações, com a edição da Lei n.º 9.472/97 e demais normas complementares. Essa Lei Geral de Telecomunicações, esclarece sua ementa, "dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional n.º 8, de 1995". Segundo seu art. 1º:
"Art. 1º. Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências."
9. Em contrapartida, dispõe o art. 146 da Constituição Federal que:
"Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas."
10. Ora, se "organizar a exploração dos serviços de telecomunicações", matéria administrativa de competência privativa da União, pudesse refletir em "dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios", modificando as competências constitucionalmente estabelecidas, quando à própria lei complementar cabe nada mais que esclarecer a Constituição, estaria ameaçado o próprio regime federativo, que se funda na autonomia dos Estados-membros.
11. Ademais, a Lei Geral de Telecomunicações, por ser lei ordinária, carece das formalidades legislativas pelas quais são editadas normas gerais em matéria tributária, segundo as quais podem se resolver os eventuais conflitos de competência entre ICMS e ISS, tal como o que suscita a Consulente, e não pode determinar conseqüências reservadas pelo art. 146 da Constituição Federal à lei complementar.
12. É de se observar, também, que a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir o ICMS alcança todas as prestações de serviços de comunicação, ainda que iniciadas no exterior (art. 155, inc. II, da Constituição Federal). Assim, no entendimento do Supremo Tribunal Federal, exarado na ADIn n.º 1.467-6 - DF, "... a esta altura, já está em vigor a Lei Complementar n.º 87, de 13.09.1996, cujo art. 1º reitera a incidência do ICMS sobre todo e qualquer serviço de comunicação, regulando também a forma pela qual os Estados e o Distrito Federal concederão isenções, incentivos e benefícios fiscais" (item 5 da Ementa). Ora, uma lei de telecomunicações, que trata dos serviços de telecomunicações, não é abrangente o suficiente para esgotar o assunto "comunicações", que é o objeto, bem mais amplo, da incidência tributária em questão.
13. Assim é que o Ministério das Comunicações, que é o órgão do poder Executivo Federal encarregado da elaboração e do cumprimento das políticas públicas do setor de comunicações, tem participação, quando não é o único responsável, na elaboração das principais normas administrativas sobre a internet no Brasil.
14. Vejamos como se compõe parte da legislação sobre o assunto. A Portaria Interministerial 147, de 31/05/95, dos Ministérios das Comunicações e da Ciência e da Tecnologia criou o Comitê Gestor da Internet do Brasil. A Portaria 148, de 31/05/98, do Ministério das Comunicações, aprovou a Norma 4/95, que trata dos meios da rede pública de telecomunicações para acesso à internet. A Portaria Interministerial 166, de 29/04/96, dos Ministérios da Educação e do Desporto, da Comunicação e da Ciência e da Tecnologia, tratou de benefício de tarifa especial para aplicação aos serviços de linha dedicada, nos acessos à internet, com vistas à utilização estritamente acadêmica, prevista no Decreto n.º 1.589/95.
15. Os provedores de acesso à internet oferecem, para empresas e para particulares, os seguintes serviços: acesso à internet, correio eletrônico ("e-mail"), hospedagem de páginas pessoais ("home-page") e outros serviços, tais como "extranets". Para que estes serviços sejam executados, é necessária "uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações" (Norma 4/95, aprovada pela Portaria 148, do MC), razão pela qual o acesso à internet é considerado pela lei administrativa um acréscimo "a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde" (art. 61 da Lei 9.472/97). Ou seja, uma vez que a atividade do provedor de acesso à internet não exige que ele próprio instale sua rede de comunicação de cabos e de ondas de rádio, os serviços praticados são considerados "novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações" (art. 61 da Lei 9.472/97), praticados sobre a rede de comunicação preexistente. Daí a classificação dada ao "serviço de valor adicionado". Trata-se apenas de definição com fins de classificação, que não encontra, por exemplo, equivalente no " Telecommunications Act" norte-americano, de 1996, embora esta defina "internet" e outros termos relacionados. Outros serviços de valor adicionado são realizados pelas concessionárias de serviço telefônico, como o disque-despertador, etc., e também por terceiros, como pelos disque-0900, e, como o provimento de acesso à internet, também são serviços de comunicação, tributados pelo ICMS.
16. Em razão do que foi colocado acima, não se pode concordar, com a devida vênia, com a decisão da Egrégia 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, se, conforme informa a Consulente (pág. 9 da Consulta), justificou a não-incidência do serviço prestado pelo provedor de acesso dizendo com as palavras do Des. J. Vidal Coelho, segundo as quais "sabidamente, o serviço de conexão à Internet é um serviço de valor adicionado que possibilita o acesso dos usuários e provedores de informações à rede (Portaria n.º 148/95 do Ministério das Comunicações), viabilizando como intermediário, o provedor, o ingresso do usuário à rede, pelo que não se constitui em serviço de telecomunicação ou de comunicação."
17. A cópia reprográfica do "Contrato de Prestação de Serviços ...", juntado pela Consulente à petição de Consulta, tem por objeto as seguintes atividades, mediante pagamento do assinante, cujas conseqüências jurídico-tributárias passamos a examinar a seguir. A Consulente oferece: "acesso e uso individual e ilimitado de horas ao acervo de conteúdo '...', em forma de informações, dados, texto, imagens, áudio, vídeo, e banco de dados", "acesso em alta velocidade à rede mundial Internet", "cinco endereços de Correio Eletrônico ('e-mail'), e "espaço para 'webpage' pessoal de 1Mb para o Assinante". A utilidade do seu serviço é o de, em linhas gerais, fazer as trocas de pacotes de dados entre redes de computadores, transmitindo-os, emitindo-os, recepcionando-os.
18. A Constituição Federal de 1988 prescreveu que o ICMS incide sobre toda e qualquer prestação de serviço de comunicação. O legislador exemplificou as situações em que pode ocorrer o fato gerador do ICMS, quando disse que o imposto incide sobre "prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza" (art. 2º, inc. III, da LC n.º 87/96).
19. O acesso à rede mundial e as trocas de correio eletrônico constituem as principais atividades dos provedores de acesso. O que os consumidores mais desejam do provedor de acesso é trocar mensagens eletrônicas e acessar a WWW (rede mundial).
20. Antes de 1995, ou seja, antes do aparecimento da WWW e dos navegadores, o uso da internet e o envio de correio eletrônico exigia do usuário conhecimento de comandos de comunicação entre computadores e de protocolos de transferência. Os provedores de acesso apareceram como facilitadores do processo comunicativo, como também apareceram anteriormente como facilitadores do processo comunicativo as empresas telefônicas e as empresas de correio. Antes delas, era possível passar um fio entre dois pontos e falar por telefone, como também já era possível usar um empregado particular para mandar uma carta.
21. Atualmente, a evolução tecnológica trouxe a interface gráfica e a multimídia, e as pessoas não precisam mais conhecer protocolos de comunicação entre computadores, que viabilizam a conexão. Não precisam nem mesmo saber que "http", pelo que o usuário do serviço de acesso à internet pede a conexão com algum site, digitando-o na barra de endereço do navegador, significa "hypertext transfer protocol" (protocolo de transferência de hipertexto). O conjunto de protocolos da internet, que permitem a comunicação das máquinas, o TCP/IP, corresponde às funções das camadas 3 e 4 da arquitetura OSI (Open System Interconnection), desenvolvida pela ISO (International Standards Organizations). Ora, o usuário do serviço, graças ao provedor de acesso, não precisa saber disso, como tampouco precisa saber que sua ligação telefônica depende de centrais comutadoras, ou que seu telefone celular depende de estações radiobase para funcionar, ou da estrutura administrativa necessária para fazer uma carta simples chegar ao destinatário.
22. A facilidade oferecida pelos provedores de acesso à internet é serviço de comunicação. Envolve recepcionar, armazenar temporariamente, retransmitir, e eventualmente filtrar e reorganizar, pacotes de dados entre usuários das redes interligadas.
23. Assim, não falta razão a João Vicente Lavieri, no artigo "Internet: incidência do ICMS ou do ISS?", quando diz que "ao examinarmos as atividades dos Provedores de Acesso Internet, concluímos que tais atividades não são necessárias e muito menos suficientes para possibilitar e efetivamente realizar a transmissão de sinais de telecomunicações" (pág. 7 da Consulta), como também não lhe faltaria razão se dissesse que as atividades de uma transportadora não são necessárias e muito menos suficientes para possibilitar e efetivamente realizar um transporte. Falta-lhe razão, com o devido respeito, ao concluir que "os Provedores de Serviços Internet não realizam ou participam de qualquer serviço de comunicação ou telecomunicação, senão como meros usuários, e, portanto, de modo insofismável, não estão sujeitos ao recolhimento do ICMS", pois efetivamente prestam serviços, proporcionam comunicação e, como qualquer outro prestador de serviço de comunicação, ainda que se necessite de outro serviço de comunicação para prestar o seu, ou que o utilize como insumo, também está sujeito ao ICMS, que não é imposto monofásico.
24. De fato, a doutrina tem se inclinado pela incidência de ICMS sobre o serviço de provimento de acesso à internet. O Prof. Dr. Marco Aurélio Greco, em seu livro "Internet e Direito" (ed. Dialética), analisou, com profundidade teórica, vários aspectos relativos à internet e ao comércio eletrônico, considerando toda a nova realidade econômica e jurídica, e afirmou que "Entendo que o serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet configura um serviço de comunicação, estando abrangido pelo âmbito de incidência do ICMS de competência estadual" (obra citada, item 4.9).
25. Com isso, proporcionar endereços eletrônicos é uma atividade-meio do provedor, tal como cada usuário do sistema de telefonia precisa de um número para ser encontrado. Também o espaço para "webpage" pessoal de 1Mb para o assinante não visa a outro resultado que proporcionar ao mesmo a possibilidade de comunicar-se com os demais usuários da rede, sem necessidade de estar conectado todo o tempo. São serviços básicos e auxiliares de comunicação que se estabelecem sobre o provimento de acesso à internet.
26. Para que haja o acesso ao acervo de conteúdo oferecido aos assinantes do serviço, a Consulente, por suas máquinas, recebe o pedido, filtra o acesso à área de armazenamento e emite os dados para o assinante. A Consulente se obriga contratualmente a comunicar o conteúdo que estiver disponível numa determinada área de armazenamento, e quando o faz, presta serviço de comunicação. A atividade de organizar e processar os dados, que supostamente causaria o enquadramento de todo o serviço prestado no item 22 da Lista de Serviços do ISS, é apenas atividade-meio, sem a qual não ocorre a atividade-fim, a comunicação, que é o que interessa ao assinante. Note-se que, para o usuário do serviço, seu computador, neste momento, está lhe proporcionando um resultado muito semelhante a que proporcionaria se fosse um aparelho de televisão, com o acréscimo da possibilidade de interagir com o servidor, para escolher o que ele deve ser emitir.
27. O acesso do assinante em alta velocidade à rede mundial é apenas um acréscimo comercial, possibilitado em parte pela velocidade de modems e computadores da Consulente.
28. Por fim, em reforço ao entendimento exarado nesta Resposta, leia-se o Parecer PGFN/CAT/Nº 2.042, de 05 de dezembro de 1997, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, emitido mediante provocação da COTEPE/ICMS. O Parecer examina detalhadamente a infra- estrutura física que suporta o acesso à internet, compara detalhadamente a relação comunicativa abstrata com a atividade feita pelo usuário dos serviços viabilizados pelos provedores de acesso e a própria atividade deste provedores, e termina por concluir que “Diante de todo o exposto é forçoso concluir que o serviço prestado pelos provedores de acesso ou informações, desde que tenham caráter oneroso (negocial/comercial), estão incluídos na hipótese descrita no inciso III do art. 2º da Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996, na modalidade de serviço de comunicação.”
Fernando Batlouni Mendroni
Consultor Tributário. De acordo
Cirineu do Nascimento Rodrigues
Diretor da Consultoria Tributária .