Resposta à Consulta nº 30 DE 22/02/2021

Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 22 fev 2021

​ICMS – OBRIGAÇÃO PRINCIPAL – PRODUÇÃO RURAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE DE CARGA PRÓPRIA – COMODATO – NÃO INCIDÊNCIA – EQUIPARADO AO TRANSPORTE EM VEÍCULO PRÓPRIO.​ É considerado transporte realizado em veículo próprio aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal, bem como o veículo operado em regime de locação, inclusive arrendamento mercantil, ou outra forma similar, nos termos do parágrafo único do artigo 232 do RICMS. O transporte de carga própria (transporte de insumos e produtos rurais próprios) efetivado pelo comodatário por meio de veículo objeto de contrato de comodato, para fins do ICMS, é equiparado ao transporte em veículo próprio.

Texto

..., produtor rural, sendo a propriedade situada à ..., s/ nº, ..., em ... – MT, com CPF nº ... e Inscrição Estadual nº ..., formula consulta sobre a correta tributação na prestação de serviço de transporte de insumos e da produção rural de sua propriedade, considerando que esse transporte será realizado por veículos contratados a título de comodato.

A consulente expõe que possui contrato particular com a empresa ..., inscrita no CNPJ sob o nº ..., pelo qual recebe, a título de comodato, veículos para realizar o transporte dos insumos e da produção rural das suas propriedades localizadas no território mato-grossense.

Informa, ainda, que o comodante está cadastrado com a CNAE principal 4110-7/00 – Incorporação ... (...), tendo como sócios ... e a ..., e, ainda, que o contrato em comento possui data de validade indeterminada, podendo os envolvidos rescindir, a qualquer tempo, com prazo mínimo de 30 dias de antecedência.

Explica que a empresa comodante não se trata de empresa transportadora e sim de incorporadora, e, que, não faz uso dos referidos veículos para prestação de serviços de transporte.

Entende que não existe prestação de serviços de transportes na operação descrita e que os veículos recebidos à título de comodato são exclusivamente para transporte da produção rural e dos insumos das propriedades dos sócios da comodante (... e a ...), caracterizando um grupo econômico familiar.

Afirma que, convicto da validade jurídica do contrato de comodato em função da condição de grupo econômico familiar no transporte de insumos e produtos rurais próprios, interpreta que quando do uso dos veículos objeto do comodato, o contribuinte consulente deve emitir NF-e e MDF-e, na condição de transporte próprio e, ainda, que se trata de operação beneficiada com a não incidência do ICMS, por não caracterizar prestação de serviço.

Diante de todo exposto, questiona:

1- Em relação à operação mencionada o consulente poderá emitir a documentação fiscal, por exemplo emitir o MDF-e em seu nome?

2- Tendo em vista que a empresa ... não possui atividade de transportadora e por se tratar de grupo econômico familiar, a operação pode ser considerada transporte próprio?

3- Aplica-se a não incidência do ICMS para a referida operação?

Por fim, declara a Consulente que não se encontra sob procedimento fiscal iniciado ou já instaurado para apurar fatos relacionados com a matéria objeto da presente consulta e que a dúvida suscitada não foi objeto de consulta anterior ou de decisão proferida em processo administrativo já findo, em que tenha sido parte.

É a consulta.

Inicialmente, cumpre informar que, em consulta ao Sistema de Gerenciamento do Cadastro de Contribuintes desta SEFAZ/MT, constata-se que a consulente está cadastrada neste Estado com a CNAE principal 0151-2/01 – Criação de bovinos para corte, e CNAE secundárias: 0115-6/00 – Cultivo de soja; 0151-2/03 – Criação de bovinos, exceto para corte e leite; 0151-2/02 - Criação de bovinos para leite; e 0111-3/02 – Cultivo de milho.

Além disso, verificou-se também que a consulente está enquadrada no regime de apuração normal do ICMS, nos termos do artigo 131 do RICMS/2014.

Em pesquisa no site da Receita Federal, bem como, conforme documentos juntados ao presente processo, e, ainda, consulta no Sistema de Gerenciamento do Cadastro de Contribuintes desta SEFAZ/MT, constam os seguintes sócios da empresa estabelecida no Estado de São Paulo e da empresa consulente:

Inscrição estadual CNPJ/CPF CNAE Sócios
....;..; ..... 4110-7/00 – Incorporação de empreendimentos imobiliários ... e ... (conforme documentos juntados pela consulente)
........ ...... 4930-2/02 – Transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional. ... e ...

A dúvida principal se refere aos contratos de comodatos que a consulente possui com a empresa ....., onde recebe os veículos da frota dessa empresa para transporte de insumos e produção rural das suas propriedades localizadas no território mato-grossense, visando caracterizar tal transporte como frete próprio, por se tratar de grupo econômico familiar e, assim, viabilizar a não incidência de imposto.

No que concerne à prestação de serviço de transporte, cabe esclarecer que para firmar esse gênero de contrato e, portanto, se qualificar como transportador, basta que alguém se obrigue perante outrem a deslocar pessoa ou coisa de um lugar para outro, mediante remuneração.

Por conseguinte, na prestação de serviço de transporte existe, necessariamente, a figura do transportador, o qual presta o serviço a terceiro, assumindo a responsabilidade pelo serviço prestado.

Para análise da matéria, convém trazer à colação o artigo 2º, inciso II do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212, de 20/03/2014, que dispõe sobre a incidência do imposto na prestação de serviço de transporte:

Art. 2° O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incide sobre: (cf. caput do art. 2° da Lei n° 7.098/98)

(...)

II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;

(...).

No que se refere ao fato gerador e ao contribuinte da prestação de serviço de transporte, para efeito de cobrança do imposto, o artigo 3º, inciso V, e o artigo 22, ambos do Regulamento do ICMS, determinam, respectivamente, o que segue:

Art. 3° Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (cf. caput do art. 3° da Lei n° 7.098/98)

(...)

V – do início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;

(...)

Art. 22 Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (cf. caput do art. 16 da Lei n° 7.098/98)

(...).

Infere-se dos dispositivos transcritos que na prestação de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal o imposto é devido ao Estado em que tem início a prestação, assim sendo, as empresas transportadoras, ressalvados os casos em que a legislação admita a substituição tributária, ao serem contratadas para prestarem serviço de transporte, com início em território mato-grossense, devem recolher o ICMS ao erário do Estado de Mato Grosso.

Entretanto, se a remessa da mercadoria é efetuada em veículo próprio do remetente ou do destinatário, sob sua inteira responsabilidade, não há prestação de serviço de transporte, uma vez que ninguém presta serviço a si mesmo.

Em outras palavras, o transporte de carga própria, ou seja, aquele realizado pelo remetente (vendas com cláusula CIF) ou pelo destinatário (vendas com cláusula FOB) da mercadoria, que não caracteriza prestação de serviço de transporte, está fora do campo de incidência do ICMS.

Assim, diante da necessidade de disciplinar o que é considerado transporte de carga própria, para fins de não incidência do imposto estadual, o RICMS/2014, em seu artigo 4º, § 3º, estabelece:

Art. 4° Para os efeitos da aplicação da legislação do imposto:

(...)

III – não se considera prestação de serviço o transporte realizado em veículo próprio, assim entendido aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal.

(...)

§ 3° A exclusão prevista no inciso III do caput deste artigo alcança, ainda, o transporte realizado em veículo operado em regime de locação, inclusive arrendamento mercantil, ou outra forma similar. (v. parágrafo único do art. 10 do Convênio SINIEF 6/89, alterado pelo Ajuste SINIEF 14/89)

(...)

Infere-se do texto colacionado que o Regulamento do ICMS deste Estado excluiu do campo de incidência do imposto o transporte realizado em veículo próprio, ao mesmo tempo em que definiu, para fins da aludida exclusão, o termo “veículo próprio” como sendo apenas aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal ou, ainda, o veículo locado, inclusive por meio de arrendamento mercantil, ou outra forma similar.

Pois bem, aqui se faz necessária a análise do que se consubstancia a expressão “outra forma similar”.

Inevitável recorrer ao Código Civil Brasileiro.

Nos termos do artigo 1.228 do mencionado Código o proprietário da coisa tem sobre ela três poderes, quais sejam, o uso, o gozo (fruição) e a disposição.

Ainda, nos termos do artigo 565, na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.

Já em relação ao comodato, o artigo 579 define que é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. O artigo 581 continua disciplinando o tema estabelecendo que o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, não pode suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado.

Evidente, portanto, que tanto no comodato como na locação ocorre o desmembramento da posse do bem, transferindo-se ao comodatário a posse direta (uso e fruição), permanecendo o comandante com a posse indireta (direito de disposição). Nesse sentido, vejam-se os dispositivos do Código Civil transcritos abaixo:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

(...)

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Desse modo, o comodato tal como a locação transfere ao possuidor o exercício do uso e da fruição da coisa, cristalino, portanto, se tratarem de contratos similares, com a diferença de que um é oneroso e o outro é gratuito, porém ambos transferem a posse direta de coisa a outrem.

Voltando ao RICMS.

Assim, nos termos do § 3° do artigo 4° do RCMS, o transporte efetuado pelo comodatário em veículo objeto de contrato de comodato, do mesmo modo que o transporte efetuado em veículo locado, pelo locatário, não se caracteriza como prestação de serviço de transporte, uma vez que tais operações de transportes, para fins do ICMS, se equiparam ao transporte efetuado em veículo próprio.

Corrobora tal entendimento a falta de elemento fundamental para qualificação da consulente como transportador, qual seja, obrigação perante terceiro por meio de contrato oneroso de prestação de serviço a fim de deslocar pessoa ou coisa de um lugar para outro.

Nesse sentido o parágrafo único do artigo 232 do RICMS estabelece: considera-se veículo próprio, além do que se achar registrado em nome da pessoa, aquele que por ela for operado em regime de locação ou qualquer outra forma.

Dessa forma no transporte de carga própria, não há prestação de serviço, portanto, não há que se falar em recolhimento de ICMS.

Por fim, na hipótese de realização de transporte com veículo recebido a título de comodato, orienta-se ao contribuinte (comodatário) que:

. anote nos respectivos documentos fiscais que acobertam a operação, a circunstância de se tratar de transporte em veículo próprio, recebido a título de contrato de comodato;

. durante todo o trajeto o motorista porte o contrato formal de comodato (ou cópia autenticada deste), lavrado nos termos da alínea a do inciso XV do artigo 5° do RICMS, que comprove a posse direta do veículo;

. o condutor do veículo carregue durante todo o percurso documento que comprove seu vínculo de trabalho, ainda que eventual, com o estabelecimento comodatário do veículo.

Posto isso, passa-se a responder os questionamentos da consulente na ordem em que foram apresentados:

Quesito 1 -

Em relação a operação mencionada o consulente poderá emitir a documentação fiscal, como por exemplo emitir o MDF-e em seu nome?

Esta unidade fazendária não tem competência para responder consulta tributária relativa à obrigação acessória, qual seja, emissão de documentos fiscais.

Assim, nos termos do artigo 995, inciso II e § 3º, do RICMS a consulta será desmembrada para resposta pela área com atribuições regimentais pata tanto, qual seja, a Coordenadoria de Documentos e Declarações Fiscais – CDDF da Superintendência de Informações da Receita Pública – SUIRP.

Quesito 2 -

Tendo em vista que a empresa Costa e Brito Incorporadora LTDA não possui atividade de transportadora e por se tratar de grupo econômico familiar, a operação pode ser considerada transporte próprio?
Sim, mas não pelo motivo arguido no questionamento.

Conforme já visto anteriormente, caracteriza-se transporte de carga própria o transporte realizado em veículo próprio, assim entendido aquele registrado em nome do remetente ou destinatário constante da Nota Fiscal, bem como o veículo operado em regime de locação, inclusive arrendamento mercantil, ou outra forma similar.

Em outras palavras, o transporte de carga efetivado pelo comodatário por meio de veículo objeto de contrato de comodato, para fins do ICMS, é equiparado ao transporte em veículo próprio.

Finalmente, convém esclarecer que o transporte efetuado dentro de um mesmo município está fora do campo de incidência do ICMS. De forma que o ICMS alcança somente o transporte intermunicipal e interestadual.

Quesito 3 -

Aplica-se a não incidência do ICMS para a referida operação?

Sim, o transporte efetivado pelo comodatário por meio de veículo objeto de contrato de comodato está fora do campo de incidência do ICMS.

Por fim, ressalva-se que o entendimento exarado na presente Informação vigorará até que norma superveniente disponha de modo diverso, nos termos do parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS.

Cabe também esclarecer que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.

É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.

Coordenadoria de Divulgação e Consultoria e Normas da Receita Pública da Superintendência de Consultoria Tributária e Outras Receitas, em Cuiabá/MT, 22 de fevereiro de 2021.

Francislaine Cristini Vidal Marquezin Garcia Rúbio

FTE

Damara Braga Almeida dos Santos

FTE

Coordenadora - CDCR/SUCOR

APROVADA.

José Elson Matias dos Santos

Superintendente de Consultoria Tributária e Outras Receitas