Resposta à Consulta nº 25920 DE 22/08/2022

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 23 ago 2022

ICMS – Prestação de serviço de transporte – Contratação por plataforma eletrônica seguida de subcontratação – Incidência do ICMS. I. A empresa responsável por manter plataforma eletrônica que presta a seus clientes o serviço de transporte, executado por terceiros por ela subcontratados, é contribuinte do ICMS e deve emitir documento fiscal, com o destaque do ICMS para cada um dos usuários contratantes do serviço, nos termos previstos na legislação.

ICMS – Prestação de serviço de transporte – Contratação por plataforma eletrônica seguida de subcontratação – Incidência do ICMS.

I. A empresa responsável por manter plataforma eletrônica que presta a seus clientes o serviço de transporte, executado por terceiros por ela subcontratados, é contribuinte do ICMS e deve emitir documento fiscal, com o destaque do ICMS para cada um dos usuários contratantes do serviço, nos termos previstos na legislação.

Relato

1. A Consulente, optante pelo Simples Nacional, que tem como atividade principal a de desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis (CNAE 62.02-3/00), e, dentre as secundárias, a de transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional (CNAE 49.30-2/02), relata que pretende desenvolver um aplicativo (“App”), que disponibilizará uma relação de prestadores de serviço de transportes (transportadores autônomos) a serem contratados pelo usuário, adquirente do serviço (“para fazer uma mudança, por exemplo”), com base em sua localização.

2. Afirma que a Consulente (“empresa do aplicativo”) receberá o pagamento total pela prestação do serviço de transporte e repassará o valor correspondente ao transportador, o qual possui veículo próprio e não mantém vínculo empregatício com a Consulente.

3. Diz que seu papel nesse modelo de negócio será apenas o de intermediário entre o transportador autônomo e a pessoa física, usuária, que solicitou o transporte.

4. Nesse contexto, indaga:

4.1. tendo em visa que não prestará nenhum serviço de transporte, sendo apenas um intermediário, se deverá possuir atividade (CNAE) de prestação de serviço de transporte registrada no cadastro de contribuintes;

4.2. No caso de ser contratado serviço de transporte intermunicipal, se a própria Consulente deverá emitir o CT-e, por ser contribuinte do ICMS, ou se tal obrigação seria do transportador autônomo;

4.3. qual documento fiscal a Consulente deve emitir para o usuário contratante do serviço de transporte pelo aplicativo;

4.4. se poderá ser utilizado “apenas recibo” para repassar o valor referente à prestação do serviço de transporte ao transportador autônomo, já que ele “não emitirá documento fiscal”;

4.5. se existe diferença no tratamento tributário entre os regimes de tributação do Simples Nacional e Lucro Presumido.

Interpretação

5. Inicialmente, tendo em vista as poucas informações trazidas no relato, assumiremos que a Consulente, como detentora da plataforma eletrônica (“App”), será responsável por, em última instância, estabelecer o preço do serviço de transporte e cobrá-lo diretamente dos clientes (ou seja, o pagamento realizado pelo usuário é feito diretamente ao titular da plataforma eletrônica); a Consulente será remunerada pelo valor total por ela cobrado dos clientes, realizando, em momento posterior, repasse ao prestador do serviço de transporte de um percentual do referido valor (sendo o valor do percentual acordado diretamente entre o prestador e a Consulente).

6. Ademais, presume-se que terá total controle sobre o cadastro, verificação do atendimento de requisitos para a prestação de serviço, habilitação/desabilitação e bloqueio/desbloqueio de prestadores de serviços na plataforma, ou seja, a Consulente, de fato, escolherá quais prestadores podem disponibilizar seus serviços na plataforma.

7. Por fim, ressaltamos que, por fugir à competência desta Consultoria Tributária, não serão analisados quaisquer aspectos regulatórios em relação a atividade que a Consulente pretende exercer, sendo analisados exclusivamente os aspectos tributários diante do que estabelece a legislação paulista.

8. Isso posto, salienta-se que na lição de Bernardo Ribeiro de Moraes (Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços. 1ª ed. São Paulo: RT, 1975, págs. 306 e 307):

“Intermediação é palavra indicativa do modo de operar da pessoa. Intermediário é quem exerce a aproximação entre duas ou mais pessoas que desejam negociar. É também conhecida como corretagem, contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, aproximar as partes para a conclusão de um negócio. O intermediário ou corretor não aplica capital próprio para a realização do negócio. É simples intermediário entre as partes contratantes. (...)

A intermediação ou mediação tem certas características, visto a natureza sui generis da atividade, que devem ser lembradas, a fim de melhor a entendermos e a diferenciarmos dos demais contratos. Já dissemos:

a) Na mediação, o objeto do contrato é o resultado útil do serviço prestado, o evento conseguido com o trabalho do mediador. Ao comitente, interessa o resultado da tarefa, ou melhor, que o mediador consiga o terceiro que preencha as condições da opção;

b) Na mediação, há o caráter incerto da remuneração de quem presta o serviço (...);

c) Na mediação, o mediador não se acha preso ao comitente por vínculo de subordinação (...);

d) Na mediação, o mediador não age em nome do comitente, não o representa e nem o substitui. Atua o intermediário em nome próprio, uma vez que a opção não se identifica com a procuração (...);

e) Na mediação, o mediador não é parte no negócio. Não contrata e nada conclui. Simples intermediário, limita-se ele a aproximar as partes e provocar o seu ajuste, conduzindo-as ao fechamento do negócio.”

9. Da lição transcrita, depreende-se que o intermediário não toma parte no negócio, não figura no contrato e não assume responsabilidade pelo bem ou serviço comercializado, restringindo-se a aproximar as partes interessadas.

10. Pela descrição fornecida pela Consulente a respeito das características do serviço, é possível afastar a existência de mera intermediação, pois o detentor da plataforma eletrônica, mais que apenas intermediador, seleciona os prestadores de serviço e estabelece o preço cobrado dos usuários que é repassado aos efetivos prestadores em momento posterior.

11. Em prosseguimento, na dicção do artigo 730 do Código Civil: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.”

12. Em harmonia com a norma transcrita, para fins do ICMS, este órgão Consultivo já se manifestou reiteradas vezes no sentido de que o prestador do serviço de transporte é aquele que assume a responsabilidade pela movimentação de cargas ou pessoas, do momento do embarque ao da entrega, podendo, para tanto, utilizar seus próprios meios ou o serviço de terceiros. Não é sequer necessário que o prestador do serviço de transporte, para ser considerado como tal, detenha os meios de realizar materialmente e por si o transporte a que se veja impelido a prestar por força de vínculo obrigacional. Nesses termos, o essencial para a configuração como transportador é ser o responsável pelo transporte, ainda que não disponha dos meios físicos para a sua execução.

13. Essa lógica é sustentada pela própria legislação do ICMS, cujo regulamento paulista prevê, no inciso II de seu artigo 4º, que a subcontratação do serviço de transporte é “aquela firmada na origem da prestação do serviço, por opção do prestador de serviço de transporte em não realizar o serviço por meio próprio”. Portanto, sua existência já pressupõe a ocorrência de duas prestações de serviço de transporte, cada qual num contrato distinto (item 3 da Decisão Normativa CAT 1, de 26-04-2017).

14. Assim na subcontratação, embora no mundo físico ocorra somente um transporte, diante da existência de duas relações jurídicas distintas, cujo objeto é a prestação de um serviço de transporte, consideram-se existentes, sob o prisma do direito, duas prestações diferentes de serviço de transporte, cada qual com suas consequências jurídicas, inclusive no que tange ao ICMS.

15. A configuração do serviço descrito pela Consulente aponta justamente para esse instituto, com a existência de dois vínculos jurídicos distintos, cujo conteúdo, em ambos os casos, se resume à prestação de um serviço de transporte: um, formado entre cada cliente e o titular da plataforma eletrônica; e outro, formado entre este e o prestador do serviço de transporte (subcontratação).

16. Ante todo o exposto, ao confrontar os contornos fáticos da prestação desse serviço descritos pela Consulente com os aspectos normativos e doutrinários que envolvem a matéria, conclui-se que a prestação habitual de serviço de transporte intermunicipal e interestadual iniciado no estado de São Paulo, contratada por meio de plataforma eletrônica, na forma descrita nesta consulta, configura hipótese de incidência do ICMS. Dessa forma, a pessoa jurídica detentora da plataforma deverá se inscrever no Cadastro de Contribuintes do Estado de São Paulo (CADESP), na condição de contribuinte, e cumprir as obrigações principal e acessórias determinadas pela legislação paulista do imposto (artigo 19, inciso II, do RICMS/2000), referentes a cada prestação de serviço.

17. Ademais, ressalta-se que a responsabilidade pelo pagamento do imposto cabe ao prestador de serviço que promoveu a cobrança integral do preço, nesse caso, a Consulente, detentora da plataforma e subcontratante do serviço de transporte, sendo exigido que a Consulente emita o CT-e com o respectivo destaque do ICMS sobre o preço total cobrado do tomador do serviço (usuário), assumindo, assim, a qualidade de contribuinte substituto tributário, enquanto o subcontratado se reveste da condição de contribuinte substituído.

18. É importante enfatizar que nos termos do artigo 205 do RICMS/2000 a prestação de serviço de transporte por subcontratação deve ser documentada pelo Conhecimento de Transporte Eletrônico (CT-e) emitido pelo transportador contratante, observadas as disposições ali especificadas, ficando a transportadora subcontratada dispensada, nos termos do inciso II desse mesmo artigo, da emissão do conhecimento de transporte na sua prestação.

19. Registre-se que, para fins de controle e para pagamento do frete subcontratado a Consulente deve utilizar documento que preencha as necessidades contábeis, administrativas e jurídicas dos envolvidos e que permita a efetiva identificação da prestação e seu respectivo valor.

20. Em relação ao questionamento sobre os regimes de tributação do Simples Nacional e Lucro Presumido, informa-se que a análise a respeito dessa questão deve ser realizada pela própria Consulente, não cabendo a esta Consultoria Tributária fornecer orientações gerais acerca da legislação tributária paulista, nem tampouco prestar assessoria fiscal e tributária ao particular.

21. Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas formuladas.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.