Resposta à Consulta nº 25642 DE 31/08/2022

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 02 set 2022

ITCMD – Ação de extinção de união estável – Partilha – Excesso de meação. I. A dação em pagamento pressupõe a existência de uma obrigação previamente criada, com valores determinados, e um acordo posterior, em que o credor concorda em aceitar coisa diversa daquela anteriormente contratada. Não existindo dívida prévia, não há que se falar em dação em pagamento. II. Há excesso de meação, configurando a hipótese de doação, se o meeiro receber, graciosamente, uma parcela maior do que a que tem direito (artigo 2º, § 5º, da Lei10.705/2000).

ITCMD – Ação de extinção de união estável – Partilha – Excesso de meação.

I. A dação em pagamento pressupõe a existência de uma obrigação previamente criada, com valores determinados, e um acordo posterior, em que o credor concorda em aceitar coisa diversa daquela anteriormente contratada. Não existindo dívida prévia, não há que se falar em dação em pagamento.

II. Há excesso de meação, configurando a hipótese de doação, se o meeiro receber, graciosamente, uma parcela maior do que a que tem direito (artigo 2º, § 5º, da Lei10.705/2000).

Relato

1. O Consulente, pessoa física, informa que, ele e sua companheira, de comum acordo, propuseram ação de extinção de união estável e partilha de bens perante o Juízo Cível de um município paulista.

2. Registra que consta da inicial da referida ação a transferência de bem imóvel e de quotas societárias de um convivente para o outro, em substituição ao pagamento de pensão e como forma de partilha.

3. Relata que, após regular trâmite da ação e respectiva homologação da dissolução e partilha dos bens, ao se dirigirem ao competente Oficial de Registro de Imóveis para providenciar a averbação junto à matrícula de imóvel, receberam uma nota de devolução informando que é necessária manifestação da Fazenda Estadual quanto à incidência, ou não, do ITCMD.

4. O Consulente manifesta entendimento de que, em virtude de a transferência do imóvel ter ocorrido em substituição ao pagamento de pensão e como forma de partilha, ocorreu uma dação em pagamento, sendo devido no caso o ITBI, mas não o ITCMD, entendendo que não houve doação. Por essa razão, requer pronunciamento deste órgão consultivo a respeito da eventual incidência do ITCMD sobre a transferência do imóvel na situação descrita.

5. Anexa, eletronicamente, cópias de: (i) nota de devolução do Oficial de Registro de Imóveis competente; (ii) petição inicial propondo ação de extinção consensual de união estável e partilha de bens, cumulada com guarda, regulação de visitas e pensão alimentícia; (iii) sentença judicial e formal de partilha; (iv) escritura pública constituindo união estável; (v) registro do imóvel.

Interpretação

6. De início, cabe elucidar que o artigo 538 do Código Civil estabelece que se considera doação “o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Por sua vez, os artigos 356 a 359 do mesmo Código regulam a dação em pagamento, na qual um credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é devida.

7. Na dação em pagamento, conforme concluiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1.138.993/SP, em excerto abaixo transcrito, se traduz a ideia de acordo entre credor e devedor.

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. (...)

II - A origem do instituto da dação em pagamento (datio in solutum ou pro soluto) traduz a ideia de acordo, realizado entre o credor e o devedor, cujo caráter é liberar a obrigação, em que o credor consente na entrega de coisa diversa da avençada, nos termos do que dispõe o art. 356, do Código Civil;

III - Para configuração da dação em pagamento, exige-se uma obrigação previamente criada; um acordo posterior, em que o credor concorda em aceitar coisa diversa daquela anteriormente contratada e, por fim, a entrega da coisa distinta com a finalidade de extinguir a obrigação;” (STJ, REsp 1.138.993/SP, Rel. Min. Massami Uyeda)

8. Assim, pode-se extrair dos dispositivos legais e da decisão proferida no Recurso Especial acima transcrita, que, na dação em pagamento, devem ocorrer: 1º) uma dívida prévia; 2º) a determinação do valor do bem; e 3º) um acordo posterior, no qual o devedor compromete-se a transferir o bem e o credor compromete-se a dar a quitação da dívida, ficando responsável pela evicção. Como tal, configura-se o caráter oneroso da dação em pagamento.

9. Pelos documentos apresentados, não havia dívida prévia constituída a ser quitada com a dação em pagamento do bem imóvel e das quotas societárias. Além disso, não há qualquer indicação de que tenha sido determinado o pagamento de alimentos em favor da ex-companheira do Consulente. Considerando a situação descrita, trata-se de caso no qual houve partilha de bens por ocasião de dissolução de união estável.

10. Nesse ponto, esclareça-se que o §5º do artigo 2º da Lei 10.705/2000 estabelece que estão compreendidos na incidência do ITCMD os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos conviventes acima da respectiva meação.

11. Nessa perspectiva, ocorre o fato gerador do ITCMD quando, em dissolução de união estável, um dos conviventes, que era proprietário de metade do patrimônio comum do casal, recebe, graciosamente, uma parcela maior do que a meação a que tinha direito, configurando transferência não onerosa de bens e/ou direitos (doação).

12. Note-se que não são os bens, individualmente tomados, que deverão ser divididos igualmente, mas sim o valor total do patrimônio.

13. Dessa forma, para saber se ocorre ou não a incidência do ITCMD na divisão do patrimônio comum, deverão ser considerados os valores dos bens e direitos que couberam a cada um dos consortes, em relação ao valor total do patrimônio partilhado e à meação originariamente devida, de forma que, ao final da partilha, a cada um caiba metade do valor atribuído ao patrimônio comum do casal, além do patrimônio particular que eventualmente cada um possua.

14. Se os valores partilhados forem iguais, independentemente da forma como os bens foram divididos, não há excesso de meação (por doação) e, portanto, não haverá incidência do ITCMD.

15. Havendo diferença em favor de um dos cônjuges na partilha de bens do patrimônio comum do casal, se tal diferença ocorreu gratuitamente, por liberalidade do companheiro desfavorecido, haverá a incidência do imposto sobre doação.

16. No caso trazido à análise não há informações a respeito de outros bens e direitos que possam compor o patrimônio comum do casal. Tampouco restou claro se os bens mencionados integravam esse patrimônio comum, ou o patrimônio particular do Consulente, de maneira que não é possível precisar os valores envolvidos na partilha e se houve ou não excesso de meação.

17. Observe-se quedeve ser realizada adequadamente a avaliação de cada bem (atribuição de valores). A esse respeito, ressalta-se que a base de cálculo do ITCMD na transmissão por doação de bem imóvel, de acordo com o disposto no artigo 9º, “caput”, da Lei 10.705/2000, é seu valor venal, o que, conforme reitera o § 1º do mesmo artigo 9º, nada mais é que seu valor de mercado (valor de venda) na data da realização do ato ou contrato de doação (atualizado nos termos do artigo 15, caput, até a data do recolhimento).

18. Isso posto, conclui-se que, caso tenha havido diferença em favor da ex-companheira do Consulente em relação à meação que lhe seria devida pela partilha do patrimônio comum do casal, por liberalidade de seu ex-companheiro, será devido o ITCMD sobre todo o valor que exceder a meação.

19. Cabe registrar, por fim, que a análise quanto à simetria pecuniária de cada quinhão, quando a universalidade do patrimônio se compõe de bens e direitos diversos entre si, foge à competência deste órgão consultivo, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinado com os artigos 31-A da Lei 10.705/2000 e 104, “caput”, da Lei 6.374/1989, estando, a princípio, afeta à área executiva da Administração Tributária (Posto Fiscal), observado o disposto no artigo 11, § 2º, da Lei 10.705/2000 (c/c artigos 14 e 15 da Lei 10.705/2000).

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.