Resposta à Consulta nº 23673 DE 15/06/2021

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 16 jun 2021

ICMS – Incidência – Revenda de veículo originalmente pertencente a não contribuinte do imposto – Consignação mercantil – Tratamento tributário. I. Para fins da legislação tributária estadual, a operação decorrente da venda de veículo de terceiro, promovida por contribuinte do ICMS que o mantém em seu estabelecimento e que se apresenta ao público como dele titular e vendedor, configura verdadeira revenda de mercadoria, na modalidade de consignação mercantil, e sujeita-se à incidência do ICMS, tendo o revendedor como sujeito passivo do imposto. II. Nos casos em que o consignante for pessoa física não contribuinte do ICMS, o procedimento dos artigos 465 a 469 do RICMS/2000 deverá ser seguido com as adaptações necessárias. III. No momento da entrada do veículo no estabelecimento revendedor, este deve emitir Nota Fiscal de entrada sem destaque do imposto e, na venda do veículo ao terceiro comprador, não deve ser emitida a Nota Fiscal de retorno simbólico prevista no artigo 467, inciso I, alínea “b”, do RICMS/2000, mas apenas a Nota Fiscal prevista no artigo 467, inciso I, alínea “a”, do RICMS/2000, com destaque do imposto.

ICMS – Incidência – Revenda de veículo originalmente pertencente a não contribuinte do imposto – Consignação mercantil – Tratamento tributário.

I. Para fins da legislação tributária estadual, a operação decorrente da venda de veículo de terceiro, promovida por contribuinte do ICMS que o mantém em seu estabelecimento e que se apresenta ao público como dele titular e vendedor, configura verdadeira revenda de mercadoria, na modalidade de consignação mercantil, e sujeita-se à incidência do ICMS, tendo o revendedor como sujeito passivo do imposto.

II. Nos casos em que o consignante for pessoa física não contribuinte do ICMS, o procedimento dos artigos 465 a 469 do RICMS/2000 deverá ser seguido com as adaptações necessárias.

III. No momento da entrada do veículo no estabelecimento revendedor, este deve emitir Nota Fiscal de entrada sem destaque do imposto e, na venda do veículo ao terceiro comprador, não deve ser emitida a Nota Fiscal de retorno simbólico prevista no artigo 467, inciso I, alínea “b”, do RICMS/2000, mas apenas a Nota Fiscal prevista no artigo 467, inciso I, alínea “a”, do RICMS/2000, com destaque do imposto.

Relato

1. A Consulente, sociedade empresária que tem como atividade principal o comércio varejista de automóveis, camionetas e utilitários novos (CNAE 45.11-1/01), entre outras atividades secundárias correlatas, tem dúvidas sobre a interpretação e aplicação das normas dos artigos 465 a 467 do Regulamento do ICMS (RICMS/2000) nas operações realizadas no regime de consignação mercantil com veículos pertencentes a pessoas físicas ou jurídicas não contribuintes do ICMS. Solicita a orientação deste órgão consultivo, ora por meio da confirmação de sua interpretação das citadas normas, ora pela resposta a perguntas, conforme colocado a seguir:

1.1. No momento da entrada do veículo no estabelecimento, a Consulente deve emitir Nota Fiscal de entrada com o CFOP 1.917/2.917 (entrada de mercadoria recebida em consignação mercantil ou industrial), sem destaque do ICMS, e, “caso haja desistência”, a devolução deve ser feita com a emissão de Nota Fiscal sem destaque do ICMS e pelo CFOP 5.918/6.918 (devolução de mercadoria recebida em consignação mercantil ou industrial).

1.2 Na entrada do veículo, deve-se emitir a Nota Fiscal de remessa e emitir a Nota Fiscal de entrada pelo CFOP 1.917/2.917, sem destaque do ICMS; se ocorrer a saída do veículo (venda), emite-se a Nota Fiscal de venda de mercadoria recebida em consignação pelo CFOP 5.115/6.115 (venda de mercadoria adquirida ou recebida de terceiros, recebida anteriormente em consignação mercantil), com tributação do ICMS conforme o artigo 11 do Anexo II do RICMS/2000 (redução de base de cálculo do ICMS em operações com veículos usados). Ou, alternativamente a esse procedimento, o correto seria emitir Nota Fiscal de remessa em consignação pelo CFOP 1.917/2.917, sem destaque do ICMS, e, no momento da venda do veículo, emitir Nota Fiscal de devolução simbólica pelo CFOP 5.919/6.919 e Nota Fiscal de compra de mercadoria recebida em consignação, pelo CFOP 1.113/2.113, para só então emitir a Nota Fiscal de venda de mercadoria recebida em consignação, pelo CFOP 5.115/6.115, em operação tributada pelo ICMS conforme o artigo 11 do Anexo II do RICMS/2000?

1.3 A Nota Fiscal relativa ao reajuste de preço, prevista no artigo 466 do RICMS/2000, deve também ser emitida caso haja redução do valor inicialmente acordado entre as partes?

1.4 Tendo em vista que a consignação mercantil é um contrato pelo qual o consignante entrega a mercadoria a outrem (consignatário) sob determinadas condições, como preço e prazo, seria possível tratá-la como uma simples intermediação de venda, sem a necessidade de emitir Notas Fiscais de venda, mas apenas emitir Notas Fiscais “de comissão sobre a operação”?

Interpretação

2. De partida, verifica-se que, em consulta aos dados cadastrais do estabelecimento da Consulente, não há registro de código CNAE (Classificação Nacional Atividades Econômicas) relacionado a atividades de consignação mercantil. O enquadramento na CNAE também deve ser feito em relação às atividades secundárias exercidas pelo estabelecimento (artigo 12, inciso II, alínea “h”, do Anexo III da Portaria CAT-92/1998). Pelo relato contido na consulta, no qual a Consulente declara exercer a venda em consignação de veículos, recomenda-se o seu cadastro seja atualizado por meio da inclusão do código CNAE 45.12-9/02 (comércio sob consignação de veículos automotores), de modo a evitar a imposição de penalidades.

3. O RICMS/2000 disciplina a venda em consignação em seus artigos 465 a 469. Tipicamente, o regime envolve a remessa de mercadoria pelo seu proprietário (consignante) ao estabelecimento revendedor (consignatário), que se encarrega de fazer a divulgação ao público interessado e a venda em seu próprio nome, como se sua fosse.

4. É importante ressaltar que as regras previstas nos artigos 465 a 469 do RICMS/2000 tratam exclusivamente da operação de consignação mercantil em que o consignante é contribuinte do ICMS. Desse modo, no caso em que o consignante é pessoa física ou pessoa jurídica não contribuinte do imposto, como ocorre na situação relatada pela Consulente, o procedimento deve sofrer adaptações, uma vez que a entrada dos veículos não se dá com a emissão de Nota Fiscal pelo consignante.

4.1. Na entrada do veículo recebido de particular (pessoa física) ou de pessoa jurídica não obrigada a emitir documentos fiscais, a Consulente, com fundamento no artigo 136, inciso I, alínea “a” e no artigo 465, inciso I, alíneas “a” e “b”, e inciso II, do RICMS/2000, deverá emitir Nota Fiscal pela entrada do veículo no estabelecimento, com CFOP 1.917/2.917, sem destaque do imposto. Nos Dados Adicionais da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), deverá constar que se trata de operação de consignação mercantil com não contribuinte do ICMS, anotando-se, ainda, os dados do consignante.

4.2. Caso o veículo seja devolvido ao consignante, a Consulente deverá emitir Nota Fiscal de “Devolução de Mercadoria Recebida em Consignação” para o consignante, nos termos do artigo 468, inciso I, do RICMS/2000, com CFOP 5.918/6.918, sem destaque do ICMS, fazendo referência, na NF-e, ao documento fiscal emitido por ocasião da entrada da mercadoria (tratado no item anterior desta resposta).

4.3. Caso o veículo seja vendido a terceiro, a Consulente deverá emitir Nota Fiscal de “Venda de Mercadoria Recebida em Consignação” para o adquirente do veículo, nos termos do artigo 467, inciso I, alínea “a”, do RICMS/2000, com destaque do ICMS, haja vista que a operação é tributada pelo imposto, e pelo CFOP 5.115/6.115. Se o veículo for usado, satisfeitas as condições do artigo 11 do Anexo II do RICMS/2000, será aplicada a redução de base de cálculo prevista nesse artigo. Em virtude de o consignante não ser contribuinte do imposto, não deverá haver emissão da Nota Fiscal de devolução simbólica prevista na alínea “b” do inciso I do artigo 467 do RICMS/2000.

5. Quanto à pergunta sobre a necessidade de emitir Nota Fiscal quando, depois da entrada do veículo no estabelecimento do consignatário, houver diminuição do valor inicialmente acordado entre o consignante e o consignatário – a saber, o valor pelo qual o veículo será vendido ao consignante, imediatamente antes de ser revendido a terceiro –, o artigo 204 do RICMS/2000 veda a emissão de documento fiscal que não corresponda a uma efetiva operação relativa à circulação de mercadorias, exceto nas hipóteses previstas na legislação do próprio ICMS e, ainda, do IPI. Na hipótese de reajuste de preços (para mais), há previsão específica sobre a emissão de Nota Fiscal complementar (artigo 182, inciso III e § 2º, do RICMS/2000 e artigo 466 desse regulamento, para os casos de consignação mercantil). Já no que se refere à diminuição do valor da operação em virtude de renegociação posterior à remessa da mercadoria ao consignatário, a legislação é omissa.

6. Assim, na hipótese de superveniente redução do valor da operação, não deve haver emissão de documentos fiscais para complementar a operação de remessa do veículo ao estabelecimento do consignatário. A alteração do preço de venda será registrada por meio de documentação não fiscal, a ser mantida sob a guarda da Consulente para ser exibida ao Fisco, na eventualidade de uma fiscalização. E, no caso específico da situação relatada, em que o consignante é pessoa física não contribuinte do ICMS, nenhum ajuste adicional é necessário.

7. Sem prejuízo do exposto, se a alteração de preço ocorrer dentro do período (mês) em que tiver ocorrido a remessa, a Consulente deverá, na coluna “Observações” do Livro Registro de Entradas, relativamente ao registro referente à entrada do veículo em seu estabelecimento, anotar a diferença de preço e fazer referência ao documento que tiver formalizado a renegociação entre as partes.

8. Quanto ao questionamento sobre a possibilidade de realizar a transação sob a forma de intermediação, e não como consignação mercantil, algumas considerações preliminares devem ser feitas.

9. A consignação mercantil é um negócio jurídico pelo qual o consignante entrega mercadoria a outro (consignatário) sob determinadas condições preestabelecidas como, por exemplo, o seu preço e prazo, para que o consignatário efetive a venda. O consignatário, por sua vez, disporá da mercadoria e a negociará como se fosse sua. Feita a venda, o consignatário pagará ao consignante o preço previamente ajustado, qualquer que seja o valor alcançado pela venda feita a terceiros, e o consignatário será remunerado pela diferença entre o valor da venda do veículo ao terceiro comprador e o preço pago ao consignante.

10. Sobre o assunto, assim ensina Amilcar de Araújo Falcão:

"Entende-se por consignação mercantil o contrato pelo qual uma pessoa – consignador ou consignante, entrega a outra – consignatário, mercadorias, a fim de que esta última as venda por conta própria e em seu próprio nome, prestando o consignatário ao consignante o preço entre ambos ajustado para a operação, qualquer que seja o valor alcançado pela venda feita a terceiros.

(...)

Há uma maneira de ser íntima, substancial, interior, na consignação mercantil, que lhe dá tipicidade específica. É que nela duas operações de venda transcorrem, quando se completa a operação. No momento em que o consignatário vende a mercadoria a terceiro, automaticamente ele a compra ao consignante." (Resposta à Consulta nº 9.619, de 24/2/1977, publicada no Boletim Tributário nº 130, página 535).

11. Depreende-se do exposto que essa modalidade contratual possui as seguintes características:

11.1. trata-se de uma relação que envolve três partes, quais sejam, o remetente da mercadoria (consignante), o recebedor (consignatário) e o terceiro adquirente;

11.2. o recebedor do objeto da consignação mercantil deve ser comerciante, isto é, irá vender a mercadoria;

11.3. na consignação mercantil, ocorrendo a venda pelo consignatário ao consignante, ocorrerá também, instantânea e simultaneamente, a venda pelo consignante ao terceiro adquirente, quando o negócio estará concluído.

12. Já a intermediação ou corretagem é assim conceituada pelo jurista Bernardo Ribeiro de Moraes, em sua obra “Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços” (1ª edição, Editora RT, p. 306 e 307):

“Intermediação é palavra indicativa do modo de operar da pessoa. Intermediário é quem exerce a aproximação entre duas ou mais pessoas que desejam negociar. É também conhecida como corretagem, contrato pelo qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, aproximar as partes para a conclusão de um negócio. O intermediário ou corretor não aplica capital próprio para a realização do negócio. É simples intermediário entre as partes contratantes. (...)

A intermediação ou mediação tem certas características, visto a natureza sui generis da atividade, que devem ser lembradas, a fim de melhor a entendermos e a diferenciarmos dos demais contratos. Já dissemos:

a) Na mediação, o objeto do contrato é o resultado útil do serviço prestado, o evento conseguido com o trabalho do mediador. Ao comitente, interessa o resultado da tarefa, ou melhor, que o mediador consiga o terceiro que preencha as condições da opção;

b) Na mediação, há o caráter incerto da remuneração de quem presta o serviço. (...)

c) Na mediação, o mediador não se acha preso ao comitente por vínculo de subordinação. (...)

d) Na mediação, o mediador não age em nome do comitente, não o representa e nem o substitui. Atua o intermediário em nome próprio, uma vez que a opção não se identifica com a procuração. (...)

e) Na mediação, o mediador não é parte no negócio. Não contrata e nada conclui. Simples intermediário, limita-se ele a aproximar as partes e provocar o seu ajuste, conduzindo-as ao fechamento do negócio.”

13. O intermediário ou corretor, por agir em nome próprio e sem subordinação ao comitente, não toma parte no negócio, não figura no contrato de compra e venda e não assume responsabilidades pelo bem comercializado, limitando-se a aproximar as partes interessadas em negociar. O corretor é remunerado por comissão, e não pela diferença entre o valor obtido com a venda ao terceiro adquirente e o valor previamente pactuado com o proprietário original do veículo. Presentes esses requisitos, restará caracterizado o serviço de intermediação, previsto no item 10 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, cujas prestações estão sujeitas ao ISSQN, e não ao ICMS.

14. O que se depreende a partir dos elementos fáticos fornecidos é que a Consulente, mais do que mera intermediadora, aparentemente toma parte no negócio jurídico e extrapola a simples intermediação entre as partes. A Consulente: (i) é contribuinte do ICMS e exerce as atividades de comércio de veículos, conforme registro no Cadesp; (ii) recebe fisicamente as mercadorias, documentando tais recebimentos por meio da emissão do documento fiscal próprio; (iii) armazena tais veículos em seu próprio estabelecimento, sendo portanto responsável pela sua guarda; e (iv) assume a responsabilidade pela realização da operação de venda a seus clientes, sem que o então proprietário do veículo tenha participação efetiva no negócio.

15. Para o terceiro adquirente do veículo, a Consulente é a pessoa que se apresenta como vendedora e a responsável pela conclusão do negócio jurídico de compra e venda, com todos os direitos e obrigações que essa situação envolve, seja na seara contratual, perante o adquirente do veículo, seja seara na legal, perante o Fisco, o que se dá também em linha com a teoria da aparência. Com efeito, o negócio jurídico não pode, por mera conveniência das partes, ser exposto ao fisco, parte legalmente interessada no negócio, de modo diverso de seus efeitos práticos emanados para os demais envoltos.

16. Assim, diferentemente do que sugere a pergunta da Consulente, não é possível afastar a tributação pelo ICMS por meio da realização do mesmo negócio jurídico, nas mesmas condições fáticas, mas sob a forma de contrato de intermediação. As convenções particulares não são capazes de alterar a incidência do imposto ao, por exemplo, buscar travestir um fato gerador do ICMS de figurino jurídico que faça aparentar a não incidência do tributo (artigo 123 do Código Tributário Nacional).

17. O que se observa, portanto, é que a operação de venda de veículos realizada pela Consulente é uma verdadeira operação de revenda de mercadoria, tributada normalmente pelo imposto estadual segundo a disciplina prevista para a consignação mercantil, constante dos artigos 465 a 469 do RICMS/2000, com as adaptações aqui já tratadas.

18. Com essas orientações, consideram-se respondidas as dúvidas apresentadas.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.