Resposta à Consulta nº 23662 DE 14/06/2021
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 15 jun 2021
ITCMD – Divórcio consensual – Partilha – Patrimônio comum dividido de maneira desigual – Pagamento de valores a título de pensão alimentícia. I. Havendo excesso de meação em partilha, é necessário se averiguar, para fins de análise de eventual ocorrência de fato gerador do ITCMD, se a desigualdade na divisão ocorreu a título oneroso ou gratuito. II. As prestações pagas pelo cônjuge favorecido na partilha a título de pensão alimentícia não podem ser consideradas compensação financeira pela diferença a maior recebida na divisão do patrimônio comum do casal.
ITCMD – Divórcio consensual – Partilha – Patrimônio comum dividido de maneira desigual – Pagamento de valores a título de pensão alimentícia.
I. Havendo excesso de meação em partilha, é necessário se averiguar, para fins de análise de eventual ocorrência de fato gerador do ITCMD, se a desigualdade na divisão ocorreu a título oneroso ou gratuito.
II. As prestações pagas pelo cônjuge favorecido na partilha a título de pensão alimentícia não podem ser consideradas compensação financeira pela diferença a maior recebida na divisão do patrimônio comum do casal.
Relato
1. A Consulente, pessoa física, ingressa com esta consulta na qual informa que em razão de seu divórcio, feito de forma consensual (“separação judicial consensual”), um dos imóveis do casal foi dividido na proporção de 1/3 para a Consulente e de 2/3 para o cônjuge varão, tendo este realizado a devida compensação pecuniária através do pagamento de valores a título de “pensão alimentícia” pelo recebimento de valores superiores à meação.
2. Informa que, ao tentar realizar a averbação dessa situação (divórcio e partilha) na matrícula do imóvel, foi determinado pelo oficial do registro de imóveis que lhe fosse apontada a incidência ou não do ITCMD na partilha desses bens.
3. Expõe que foi solicitado ao juiz responsável pelo processo de divórcio que reconhecesse a não incidência ou isenção do ITCMD nessa situação. Entretanto, o pedido foi indeferido pelo juízo sob o argumento de que não caberia discussão a respeito de impostos no processo, principalmente por envolver interesse de terceiro (Fazenda Pública), e de que que o processo já estava extinto.
4. Argumenta que poderá ser dada a sentença de divórcio, independentemente da realização da partilha, caso haja incidência do imposto e a Fazenda Pública discorde do valor pelo qual os bens foram avaliados, devendo, nesse caso, ser observada a disciplina do artigo 148 do Código Tributário Nacional - CTN e a Súmula 116 do STF (‘Em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do chamado imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados’)”.
5. Nesse sentido, indaga:
5.1. se será, de fato, reconhecida a não a incidência/isenção do ITCMD no presente caso, tendo em vista a compensação pecuniária realizada pelo marido através do pagamento de “pensão alimentícia” pelo recebimento de valores superiores à meação;
5.2. se já teria ocorrido a prescrição/decadência do ITCMD, uma vez que a transmissão dos bens teria ocorrido com o trânsito em julgado do processo em 28 de agosto de 2007, tendo sido extinto naquela data, sem a intimação da Fazenda Pública;
5.3. caso seja confirmada a incidência do ITCMD, qual o procedimento a ser adotado; deverá ser entregue a declaração do ITCMD; qual prazo e por qual dos cônjuges; e quem será o contribuinte.
6. Por fim, junta, eletronicamente, cópia dos seguintes documentos: (i) carta de sentença de 16 de março de 2016; (ii) solicitação do oficial de registro de imóveis para que a carta de sentença fosse aditada com informações que possibilitasse verifica a incidência ou não do “imposto de transmissão”; (iii) petição ao juízo a respeito do cálculo do contador; (iv) decisão do juízo.
Interpretação
7. Preliminarmente, registre-se que não iremos tratar de questões referentes à ocorrência de decadência ou prescrição, uma vez que essa análise não está sob a competência deste órgão consultivo (artigo 28 da Lei 10.705/2000).
8. Isso posto, por oportuno, reproduz-se o disposto no § 5º do artigo 2º da Lei 10.705/2000, como se lê:
“Artigo 2º- O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:
(...)
§ 5º - Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.”
9. Nessa perspectiva, ocorre o fato gerador do ITCMD quando, em uma separação, um dos cônjuges, que era proprietário de metade do patrimônio da sociedade conjugal, recebe, graciosamente, uma parcela maior do que o quinhão a que tinha direito, configurando transferência não onerosa de bens e/ou direitos (doação).
10. Note-se que não são os bens, individualmente tomados, que deverão ser divididos igualmente, mas sim o valor total do patrimônio.
11. Dessa forma, para saber se ocorre ou não a incidência do ITCMD na divisão do patrimônio comum, deverão ser considerados os valores dos bens e direitos que couberam a cada um dos consortes, em relação ao valor total do patrimônio partilhado e à meação originariamente devida, de forma que, ao final da partilha, a cada um caiba metade do valor atribuído ao patrimônio comum do casal, além do patrimônio particular que eventualmente cada um possua.
12. Se os valores partilhados forem iguais, independentemente da forma como os bens foram divididos, não há excesso de meação (por doação) e, portanto, não haverá incidência do ITCMD.
13. Havendo diferença, em favor de um dos cônjuges, na partilha de bens do patrimônio comum do casal, há que se averiguar se tal diferença ocorreu gratuitamente, por liberalidade do cônjuge desfavorecido, ou de forma onerosa.
14. No caso em exame, depreende-se do relato apresentado que os bens foram partilhados de forma desigual, em favor do marido, caracterizando-se, assim, o excesso de meação.
15. Contudo, ainda segundo o relato, o marido realizou a compensação dessa diferença pelo pagamento de valores mensais a título de “pensão alimentícia”.
16. A esse respeito, convém mencionar que, segundo Flávio Tartuce, “os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo objetivo é a manutenção da sua dignidade (...)” e “(…) devem ser concebidos dentro da ideia de patrimônio mínimo (...)”, estando fundamentado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar (Direito civil, v.5: direito de família – 10ª ed. rev, atual e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2015. pág. 480).
16.1. Ainda segundo o mesmo autor, “[a] obrigação alimentar e o correspondente direito aos alimentos têm características únicas, que os distinguem de todos os outros direitos e obrigações (obrigação sui generis). (...) Não se pode esquecer, ademais, que tal obrigação está mais fundada em direitos existenciais de personalidade do que em direitos patrimoniais.” (Manual de Direito Civil: volume único – 8ª ed. rev, atual e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método. 2018. págs. 1578-1579)
17. Portanto, o pagamento de parcelas a título de pensão alimentícia tem o escopo de garantir um patrimônio mínimo que possibilite a satisfação das necessidades vitais do indivíduo, não o de um meio para saldar outros débitos que o devedor porventura tenha para com o beneficiário. Ressalte-se que a determinação do pagamento de alimentos ao cônjuge, após a separação, independe de qualquer aspecto relacionado à meação dos bens pelo fim da união conjugal, sendo perfeitamente possível a determinação pelo pagamento de alimentos mesmo que não tenha havido excesso de meação na partilha. Note-se, inclusive, que a própria sentença anexada à presente consulta dispõe sobre a partilha dos bens e a prestação de alimentos em tópicos distintos, sem qualquer remissão entre eles.
18. Dessa forma, depreende-se que as prestações pagas a título de pensão alimentícia (obrigação sui generis, fundada em aspecto patrimonial e extra patrimonial) não podem ser consideradas compensação financeira pela diferença a maior recebida na divisão do patrimônio comum do casal (obrigação patrimonial), posto que possuem naturezas jurídicas distintas.
19. Assim, a princípio, fica configurada a gratuidade (doação) em tal ato de disposição ocorrido na partilha do patrimônio comum do casal, hipótese de incidência do ITCMD, nos termos do § 5º do artigo 2º da Lei nº 10.705/2000, sendo o donatário, aquele que recebeu parcela superior à meação a que teria direito, o sujeito passivo da obrigação tributária, observado o disposto no artigo 6º, inciso II, da mesma lei.
20. Observe-se, todavia, que a análise quanto à simetria pecuniária de cada quinhão, quando a universalidade do patrimônio se compõe de bens e direitos diversos entre si, deve ser realizada adequadamente, principalmente no que se refere à avaliação de cada bem (atribuição de valores). E no caso em tela, conforme os documentos apresentados, verifica-se que os bens do casal objeto da partilha não se resumem ao imóvel partilhado na proporção de 1/3 e 2/3.
21. Essa tarefa, que foge à competência deste órgão consultivo, na forma estabelecida pelos artigos 510 e seguintes do RICMS/2000, combinado com os artigos 31-A da Lei 10.705/2000 e 104, “caput”, da Lei 6.374/1989, está, a princípio, afeta à área executiva da Administração Tributária, observado o disposto no artigo 11, § 2º, da Lei 10.705/2000 (c/c artigos 14 e 15 da Lei 10.705/2000). Assim, recomenda-se que a Consulente procure o Posto Fiscal a fim de dirimir eventuais dúvidas sobre os procedimentos para o cálculo ou a conferência do imposto, preenchimento da declaração, etc.
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.