Resposta à Consulta nº 21527 DE 24/09/2020

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 25 set 2020

ICMS – Crédito outorgado – Jerked beef – Charque. I - O benefício de crédito outorgado previsto no artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000 é aplicável às saídas internas de jerked beef, mas não à saída interna de charque, por se tratarem de mercadorias distintas. II - Aplica-se o benefício da redução de base de cálculo previsto no inciso XXII do artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 às operações internas com charque.

ICMS – Crédito outorgado – Jerked beef – Charque.

I - O benefício de crédito outorgado previsto no artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000 é aplicável às saídas internas de jerked beef, mas não à saída interna de charque, por se tratarem de mercadorias distintas.

II - Aplica-se o benefício da redução de base de cálculo previsto no inciso XXII do artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 às operações internas com charque.

Relato

1. A Consulente tem como atividade principal a fabricação de produtos de carne (CNAE 10.13-9/01) e como atividade secundária o comércio atacadista de carnes bovinas e suínas e derivados (CNAE 46.34-6/01).

2. Informa que adquire para a produção de charque e jerked beef embalagens e produtos resultantes do abate de animais, tais como traseiro, dianteiro e ponta de agulha. Menciona que o método de produção do jerked beef é semelhante ao do charque, diferenciando-se em razão de se adicionar ao processo “nitrita” (subentende-se nitrato) e nitrito, além de ser sempre embalado a vácuo para a sua comercialização.

3. Descreve o processo de produção do charque da seguinte maneira: (i) preparação prévia da carne, onde, após a separação e desossa das peças, realiza-se o seu espostejamento, que consiste em reduzir a espessura das proporções musculares, promovendo assim a multiplicação da superfície e a obtenção de peças uniformes, com espessura em volta de 2 cm; (ii) salga úmida, com sal comum em solução a 23,5º Baumé ou 95º salômetros, onde as peças são preparadas em mantas com aproximadamente 5 cm de espessura e colocadas em imersão na salmoura por 40 minutos; (iii) salga seca, com solução de hipoclorito, onde ocorre a remoção das mantas da salmoura e elaboração de pilhas de peças de carne entremeadas de sal grosso a altura de 1,50 a 1,80 metros, para evitar perda de peso, representada pela “purga”; (iv) tombos, onde, após 24 horas da salga seca, ocorre a inversão da posição das mantas nas pilhas, quatro vezes, com intervalos de aproximadamente 48 horas; (v) lavagem prévia, em que as peças são lavadas para a retirada do excesso de sal da superfície; (vi) dessecação, com a exposição das mantas de carne ao sol, de modo que, após o primeiro dia de sol, as mantas são abafadas sob lonas, intercalando-se a secagem em períodos de 1 a 2 dias de abafamento; e (vii) embalagem em fardos ou sacos plásticos a vácuo.

4. Diante do exposto, indaga:

4.1. Considerando-se o inciso I do artigo 4º do Regulamento do RICMS (RICMS/2000), é possível considerar o processo acima descrito como industrialização?

4.2. A atividade por ela empreendida pode ser enquadrada como indústria frigorífica, de modo que possa usufruir do benefício fiscal do crédito outorgado previsto no artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000?

Interpretação

5. De início, destacamos que o conceito de industrialização, no âmbito da interpretação e aplicação da legislação tributária paulista, está positivado no artigo 4º, inciso I, do RICMS/2000, abaixo transcrito:

“Artigo 4º - Para efeito de aplicação da legislação do imposto, considera-se (Convênio SINIEF-6/89, art. 17, § 6º, na redação do Convênio ICMS-125/89, cláusula primeira, I, e Convênio AE-17/72, cláusula primeira, parágrafo único):

I - industrialização, qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:

a) a que, executada sobre matéria-prima ou produto intermediário, resulte na obtenção de espécie nova (transformação);

b) que importe em modificação, aperfeiçoamento ou, de qualquer forma, alteração do funcionamento, da utilização, do acabamento ou da aparência do produto (beneficiamento);

c) que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma (montagem);

d) a que importe em alteração da apresentação do produto pela colocação de embalagem, ainda que em substituição à original, salvo quando a embalagem aplicada destinar-se apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);

e) a que, executada sobre o produto usado ou partes remanescentes de produto deteriorado ou inutilizado, o renove ou restaure para utilização (renovação ou recondicionamento);

(...)”

6. Em decorrência do exposto, a Consulente pode ser considerada indústria e, em tese, poderá optar pelo crédito outorgado disposto no artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000, desde que atendendo às normas pertinentes. Entretanto, a correta aplicação desse benefício deve ser verificada à luz da legislação em análise, principalmente levando em consideração as diferenças existentes entre o charque e o jerked beef.

7. Prosseguindo, colacionamos o teor do artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000:

“Artigo 40 (CARNE - SAÍDA INTERNA) - O estabelecimento abatedor e o estabelecimento industrial frigorífico poderão creditar-se de importância equivalente à aplicação do percentual de 7% (sete por cento) sobre o valor da saída interna de carne e demais produtos comestíveis frescos, resfriados, congelados, salgados, secos ou temperados, resultantes do abate de ave, leporídeo e gado bovino, bufalino, caprino, ovino ou suíno. (Artigo acrescentado pelo Decreto 62.401, de 29-12-2016; DOE 30-12-2016; Efeitos a partir de 1º de abril de 2017)

§ 1º - O benefício previsto neste artigo condiciona-se a que a saída dos mencionados produtos seja tributada.

§ 2º - O crédito, nos termos deste artigo, deverá ser lançado no campo “Outros Créditos” do Livro Registro de Apuração do ICMS - RAICMS, com a expressão “Crédito Outorgado - artigo 40 do Anexo III do RICMS”.

§ 3º - Não se compreende na operação de saída referida no “caput” aquela cujos produtos ou outros deles resultantes sejam objeto de posterior retorno, real ou simbólico.

§ 4º - O crédito de que trata o “caput” substitui o aproveitamento de quaisquer outros créditos, exceto aquele relativo à entrada de gado bovino ou suíno em pé e aqueles relativos aos artigos 27 e 35 do Anexo III deste Regulamento.

§ 5º - O disposto neste artigo também se aplica à saída interna de “jerked beef”.

§ 6º - O disposto neste artigo aplica-se também à saída interna de pescados, exceto os crustáceos e os moluscos, em estado natural, resfriados, congelados, salgados, secos, eviscerados, filetados, postejados ou defumados para conservação, desde que não enlatados ou cozidos, realizada por estabelecimento que tenha como CNAE principal os códigos 1020-1/01 ou 1020-1/02. (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 63.886, de 04-12-2018, DOE 05-12-2018, produzindo efeitos a partir de 1º de dezembro de 2018)”

8. Pela leitura atenta do dispositivo transcrito, percebe-se que o benefício em tela é aplicável às saídas internas de carne e demais produtos comestíveis frescos, resfriados, congelados, salgados, secos ou temperados, resultantes do abate de ave, leporídeo e gado bovino, bufalino, caprino, ovino ou suíno e, também, às saídas internas de jerked beef (esse último, produto industrializado). Contudo, o dispositivo não contempla a saída interna de charque, que, embora seja um produto semelhante ao primeiro, com este não se confunde.

9. Nesse sentido, destacamos, por pertinente, as informações contidas em relatório de pesquisa e resultado disponibilizado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, relatório intitulado “Salsicha em Lata Tipo Viena, Carne Seca (Charque) e Jerked Beef” (disponível em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/salsicha.asp; acesso em 23/09/2020):

“Com relação à carne seca e ao jerked beef, cabem os seguintes esclarecimentos:

Carne bovina salgada e seca, mais conhecida como carne seca, é um produto no qual não é adicionado, durante o processo de fabricação, substâncias químicas. Como o próprio nome refere, é uma carne bovina salgada em salmoura e deixada secar ao sol;

Carne bovina salgada, seca e curada, que recebe o nome de jerked beef, é um produto bastante parecido com a carne seca, tendo como diferença básica a adição de substâncias químicas (nitrito e nitrato) que, além de modificarem a cor da carne, aumentam o tempo de validade do produto.”

10. Ademais, relevante anotar a recente publicação da Instrução Normativa MAPA nº 092/2020, de 18/09/2020 e publicada no Diário Oficial da União em 22/09/2020 (https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-92-de-18-de-setembro-de-2020-278692460, acesso em 23/09/2020), que dispõe sobre a Identidade e os Requisitos de Qualidade do Charque, da Carne Salgada Curada Dessecada, do Miúdo Salgado Dessecado e do Miúdo Salgado Curado Dessecado, tratando de estabelecer as diferenças entre as mercadorias objeto da presente resposta:

“CAPÍTULO I

Charque

Art. 2° Para os fins desta Instrução Normativa, charque é o produto cárneo obtido de carne bovina, com adição de sal e submetido a processo de dessecação.

§ 1° A denominação de venda do produto será ‘charque’ ou ‘carne bovina salgada e dessecada’ seguido de expressões ou denominações que o caracterizem de acordo com sua apresentação para a venda.

§ 2° Poderá ser utilizado adicionalmente à denominação do § 1°, a expressão ‘carne seca’, com mesmo tamanho e realce, para identificação do produto

(...)

CAPÍTULO II

Carne salgada curada dessecada

Art. 14. Para os fins desta Instrução Normativa, carne salgada curada dessecada é o produto cárneo obtido de carne, com adição de sal e de agentes de cura, submetido a processo de dessecação.

§ 1°No caso do produto cárneo de que trata o caput ser obtido da carne bovina, a denominação de venda é ‘carne bovina salgada curada dessecada’ ou ‘jerked beef’, seguida de expressões ou denominações que o caracterizem de acordo com sua apresentação para a venda.

§ 2° Poderá ser utilizado adicionalmente à denominação do §1° a expressão ‘carne seca curada’ após a denominação de venda, com mesmo tamanho e realce, para identificação do produto.” (grifos nossos)

11. Por sua vez, relativamente às operações internas com o produto charque, deve ser obedecida a disciplina disposta no inciso XXII do artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000, abaixo transcrito:

Artigo 3° - (CESTA BÁSICA) - Fica reduzida a base de cálculo do imposto incidente nas operações internas com os produtos a seguir indicados, de forma que a carga tributária resulte no percentual de 7% (sete por cento) (Convênio ICMS-128/94, cláusula primeira): (Redação dada ao artigo pelo Decreto 50.071 de 30-09-2005; DOE 1°-10-2005)

(...)

XXII - farinha de mandioca, charque e sal de cozinha (§ 5° do artigo 5° da Lei 6.374/89, na redação da Lei 12.785/07) (Redação dada ao inciso pelo Decreto 61.589, de 27-10-2015, DOE 28-10-2015; produzindo efeitos a partir de 01-01-2016)” (grifo nosso)

12. Nota-se, dessa forma, que não apenas a legislação federal, editada pelo órgão técnico responsável, estabeleceu as diferenças técnicas e conceituais entre os produtos, como a própria legislação paulista do ICMS tratou de conferir, expressamente, tratamentos tributários distintos ao jerked beef (aplicação do crédito outorgado previsto no § 5º do artigo 40 do Anexo III do RICMS/2000) e ao charque (aplicação da redução da base de cálculo nos termos do inciso XXII do artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000).

13. Com essas informações, consideramos respondidas as dúvidas da Consulente.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.