Resposta à Consulta s/nº DE 17/08/2001
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 17 ago 2001
DIPAM e Arrecadação
CONSULTA Nº ..., DE 17 DE AGOSTO DE 2001.
DIPAM e Arrecadação
1. O presente expediente foi originado em consulta formulada pela Prefeitura Municipal de ..., que, após análise da DIPAM emitida pela ..., não concorda com o fato de não haver participação no ICMS gerado por esse contribuinte, pois possui depósito fechado, que mantém atendimento a clientes com “toda uma infra-estrutura de empresa, só não possui a inscrição estadual” (sic). Informa que a movimentação econômica fica centralizada em ..., informação confirmada pela empresa, nos termos do Regime Especial concedido àquela empresa.
Faz-se necessário tecer comentários de ordem jurídica para esclarecer a situação que ora se depara.
2. A Constituição Federal de 1988 atribuiu competência exclusiva aos Estados e ao Distrito Federal, por meio do artigo 155, II, para instituir e legislar sobre o ICMS, e como conseqüência, o poder de isentar ou diferir o momento do recolhimento desse imposto. Portanto, qualquer exclusão, redução, suspensão ou diferimento do ICMS, são providências exclusivas do Estado, independente de quaisquer limitações ou condicionamentos aos interesses dos municípios. Haja vista, o respaldo do artigo 6º do Código Tributário nacional (CTN), que estabelece a competência legislativa plena, aduzindo o esclarecimento no parágrafo único desse artigo:
“parágrafo único – Os tributos cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público pertencem à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídos”.
3. A Totalidade dos Municípios de um Estado, participam do produto arrecadado do ICMS por determinação do artigo 158, IV e § único, da CF/88, no percentual de 25%, sendo no mínimo de três quartos (3/4) na proporção do valor adicionado das operações e prestações de serviços realizados no respectivo território do município, e até um quarto (1/4) como dispuser lei estadual.
A lei Complementar 63, de 11 de janeiro de 1990, por meio do artigo 3º, § 3º, disciplinou como apurar o valor adicionado que corresponderá, para cada município, ao valor de saída das mercadorias ou serviços, acrescido do valor adicionado na comercialização ou da prestação de serviços, em seu território, deduzido do valor da entrada das mercadorias ou serviços, em cada ano civil.
A Carta Magna concede aos Estados a capacidade tributária para fiscalizar, cobrar e ficar com o produto da arrecadação desse imposto, nos limites estabelecidos.
4. Individualmente, os Municípios participam recebendo seu quinhão do imposto arrecadado, segundo o valor das operações e prestações ocorridos em seus respectivos perímetros. Ou seja, a circulação de mercadorias ou prestação de serviços, seu local e momento da realização e o valor adicionado no negócio jurídico praticado.
Neste momento depara-se com o conceito de fato gerador do ICMS e o local de sua ocorrência.
A regra matriz de incidência do ICMS, pode ser dividida em duas:
a) A hipótese de incidência da norma (o antecedente da norma jurídico-tributária) – prevê hipoteticamente um acontecimento: realizar operações relativas à circulação de mercadorias dentro dos limites geográficos do Estado, considerando-se o momento em que houver a saídas do estabelecimento.
b) O conseqüente da norma de incidência – impõe àquele que realizou o permissivo legal da hipótese, isto é, de realizar operações relativas à circulação de mercadorias, tem obrigação de pagar um percentual sobre o valor da operação à Fazenda do Estado.
Estas duas proposições normativas, possuem critérios que as compõem.
Na hipótese de incidência da norma:
I - o critério material- realizar operações relativas à circulação de mercadorias.
II - o critério espacial- o local é dentro dos limites do Estado.
III - o critério temporal- o momento da saída da mercadoria do estabelecimento.
No conseqüente da norma:
I - pessoal - sujeito ativo - Estado ou Distrito Federal.
sujeito passivo - aquele que realizou o evento, ou seja, a saída de mercadoria do estabelecimento.
II - Quantitativo - base de cálculo é o valor da operação (formação de preço com o valor adicionado).
alíquota - Para operações Internas-(SP) – 18%
Para operações interestaduais – varia conforme Resolução do Senado Federal, considerado o Estado de destino ou tipo de mercadoria.
O entendimento desses critérios facilitam o encaminhamento do mecanismo de aplicação da regra-matriz do ICMS.
5. Resta mencionar o conceito de circulação de mercadorias, que para José Nabantino Ramos é:
“circular nos fenômenos econômicos, compreende sempre e invariavelmente, a idéia de coisa que muda das mãos de uma pessoa para outra pessoa, envolvendo assim, a mudança de propriedade ou, pelo menos, a mudança da posse da coisa que circula” (Revista do Direito Público 2/38).
Destaque-se o caráter negocial e transferência da posse ou titularidade dos bens, que nesse momento aperfeiçoa o objeto do imposto estadual. Perfaz os ditames da hipótese de incidência tributária.
O critério temporal da hipótese de incidência tributária do ICMS, é o momento da saída da mercadoria do estabelecimento. Aí ocorre o fato exteriorizador do negócio jurídico, a ocorrência da materialidade, momento em que inicia a realização da circulação da mercadoria. Nesse momento o fato que ocorreu é o fato gerador do ICMS, que desencadeará o pagamento do imposto por aquele que o praticou, que o realizou.
No âmbito privado, o fato que exterioriza a conclusão da venda e compra mercantil é a tradição do bem.
Vê-se então, que o negócio jurídico que envolve a mudança de titularidade ou posse de mercadoria, se dá no local onde ocorre a circulação dessa mercadoria, ou seja, no território do Estado, no momento em que deixa o estabelecimento onde se encontra armazenada.
Nesse sentido, veja-se decisão do E. Superior Tribunal de Justiça - Embargos de Divergência no R.E. n.º 70.721 - MG.
Considerando-se o caso do ICMS, é fundamental o local onde ele foi materializado, tanto para o Estado que o abriga, como para o município onde está localizado o estabelecimento de onde saiu.
Para fins de compreensão do fenômeno ora questionado pela Prefeitura Municipal de ..., o local do território do município onde ocorreu, no momento de sua saída do estabelecimento, com vistas a realizar a circulação de mercadorias deverão atender aos critérios da hipótese de incidência tributária. Pelos relatos apresentados pela Prefeitura, não se enquadram nos elementos constitucionais aqui entendidos.
6. Fato é, que a fase de pré-negociação, ou seja, aquela em que discute-se preço, condições, etc., pode estar presente o valor adicionado, como na maioria das vezes está, mas este não necessariamente faz parte dos critérios adotados pela Constituição Federal de 1988, como realizador da circulação de mercadorias, em que ocorre a saída da mercadoria do estabelecimento. Até porque pode haver circulação de mercadoria sem valor adicionado.
O valor adicionado é elemento econômico no negócio jurídico. Haja vista, que para apurá-lo (valor adicionado), a Lei Complementar 63/90, pelo artigo 3º, §1º, definiu o mecanismo operacional.
O valor adicionado, em uma determinada fase da cadeia econômica, ao valor da mercadoria, em fase posterior, irá compor a formação do preço e, por conseqüência, o valor da operação.
Mas, não é o fator eleito para determinar critério decisivo para a incidência do ICMS quando praticado seu fato gerador. Se incidisse a norma tributária na fase de negociação, ou seja, antes da circulação de mercadorias, seria uma norma de incidência contratual e não de circulação jurídica da mercadoria. Não basta haver a venda, é preciso que haja a saída da mercadoria do estabelecimento onde se encontra ou a sua tradição. Em outras palavras, não basta adicionar-se um valor à mercadoria para realizar-se a incidência da norma tributária do ICMS, é preciso que a mercadoria circule. Encontram-se exemplos dos mais variados, como mercadorias sob encomenda, entrega futura ou contratos de longa maturação.
Ademais, o limite imposto pela Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 161, não abre espaço para o legislador estadual promover qualquer alteração, e garante ao município onde o ICMS é gerado sua parte da receita. É este um limite vedatório absoluto na busca de saídas que afetem a vontade do legislador constituinte. Portanto, em âmbito estadual, nada há que se fazer em termos de inovação legislativa.
Quanto ao critério adotado para a partilha de receitas tributárias na Constituição Federal de 1988, não há que se comentar se é justo ou não, não cabendo como já dito, qualquer procedimento para o legislador ordinário mudá-lo. Se o constituinte considerou que o critério do território do local onde ocorreu a operação é aquele que deva ser utilizado para a partilha da receita, entre os diferentes municípios que concorrem na cadeia econômica, não é dado a dispor sobre maneiras tendentes ao seu deslocamento pré-ordenado.
Neste ponto, há que se ressaltar, que o Termo de Regime Especial, nada inova, tampouco, desloca qualquer situação prevista na norma constitucional. Existe apenas para facilitar, tornar ágil as normas de deveres instrumentais, as chamadas obrigações acessórias ao contribuinte, em razão de situação singular, operacional, etc. Lembre-se, que pelo permissivo constitucional da competência plena para o legislar e administrar o ICMS (art. 155, II), e o artigo 6º do CTN, fica o Estado soberano para fazê-lo.
7. O ponto central de toda a questão onde seria a localização da mercadoria produzida e/ou armazenada para realizar o fato gerador que incidirá a norma tributária. Casos como depósito fechado ou “show-room” e similares, que compõem per si parte da formação do preço, não são estabelecimentos onde se realizam as saídas de mercadorias, não aperfeiçoando todos os critérios simultaneamente da hipótese de incidência, não haverá o porquê da sua indicação na DIPAM, mesmo sendo de um só contribuinte.
O depósito fechado e o “show-room” são locais onde se pratica o gerenciamento ou a negociação entre pessoas de direito privado. Cada qual possui sua independência (princípio da independência do estabelecimento), para promover suas atividades. O depósito fechado tem como atividade armazenar mercadoria de um único contribuinte, e o “show-room” a de exibir amostras de mercadorias e promover a negociação da venda, sem a entrega imediata de mercadorias, que seguirão de outro estabelecimento.
Apenas para argumentar, poderia ser levantada a hipótese em que um “show-room”, mesmo apenas com mercadorias expostas, viesse a ter um valor adicionado pelo pagamento de aluguéis, mão de obra, energia elétrica, etc., e a partir daí, fazer valer a norma que contém o valor adicionado. Seria uma intervenção direta na administração do contribuinte, dizendo-lhe em que fase deveriam ser levantados os custos médios e marginais de uma mercadoria.
Determinando-lhe onde deveria ser implantado um centro de custos ou administrativo, se por cada unidade de venda ou de armazenamento, estabelecimento ou no centro administrativo. Como deveriam ser procedidas a logística de suas entregas, ou a mercadologia de vendas. Essa é uma decisão gerencial que não cabe ao Estado.
Além disso, caso ocorresse a divisão da receita para outro município, não para aquele que promoveu a circulação de mercadorias, haveria dano de difícil ou impossível reparação, na medida em que se transfiguraria a regra-matriz tributária, ora vigente, com conseqüências financeiras e constitucionais.
8. Destarte, não há que se falar em participação de Município de ...na receita do ICMS, dos produtos da ... armazenados em seu território. O estabelecimento que realiza a circulação de mercadorias é o de ..., que deverá continuar apontando em sua DIPAM, o valor agregado até essa etapa no ICMS, para fins de participação do total arrecadado. 9. Assim informado, submetemos à apreciação superior.
José Márcio Rielli e Alfredo Portinari Maranca,
De Acordo.
Cirineu do Nascimento Rodrigues
Diretor da Consultoria Tributária