Resposta à Consulta nº 19436 DE 23/07/2019

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 10 set 2019

ICMS – Isenção das operações com produtos hortifrutigranjeiros – Operações com alho – Produtos integrantes da Cesta Básica – Lei estadual nº 16.887/2018. I. O conteúdo normativo da Lei paulista nº 16.887/2018 corresponde à concessão de isenção do ICMS às operações com produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados, não englobando a alteração do rol de produtos previsto na redação atual do Convênio ICM nº 44/1975 e do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000. II. Às operações com produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados, aplicam-se as regras do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000, em especial a isenção do ICMS inclusive nas importações e a manutenção do crédito relativo às operações anteriores. III. As operações com alho estão sujeitas ao regime tributário de redução de base de cálculo previsto no artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 ("cesta básica"), mesmo após a edição da Lei nº 16.887/2018.

Ementa

ICMS – Isenção das operações com produtos hortifrutigranjeiros – Operações com alho – Produtos integrantes da Cesta Básica – Lei estadual nº 16.887/2018.

I. O conteúdo normativo da Lei paulista nº 16.887/2018 corresponde à concessão de isenção do ICMS às operações com produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados, não englobando a alteração do rol de produtos previsto na redação atual do Convênio ICM nº 44/1975 e do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000.

II. Às operações com produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados, aplicam-se as regras do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000, em especial a isenção do ICMS inclusive nas importações e a manutenção do crédito relativo às operações anteriores.

III. As operações com alho estão sujeitas ao regime tributário de redução de base de cálculo previsto no artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 ("cesta básica"), mesmo após a edição da Lei nº 16.887/2018.

Relato

1. A Consulente, associação representativa do segmento econômico hortifrutigranjeiro, informa que seus associados possuem como atividade empresarial principal a comercialização e distribuição de produtos hortifrutigranjeiros importados, em especial de alho em estado natural.

2.  Relata dúvida acerca do tratamento tributário das operações com alho em face da edição da Lei estadual nº 16.887/2018, que entrou em vigor em 01/01/2019.

3. Menciona que as operações com um amplo rol de produtos hortifrutigranjeiros gozam de isenção do ICMS, sendo tal benefício previsto no artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000. e autorizado pelo Convênio ICM nº 44/1975. Com a celebração do Convênio ICMS nº 21/2015, que acrescentou os §§ 4º e 5º à cláusula primeira do Convênio ICM nº 44/1975, as Unidades Federadas foram autorizadas a estender a isenção do imposto às operações com os produtos hortifrutícolas "ralados, exceto coco seco, cortados, picados, fatiados, torneados, descascados, desfolhados, lavados, higienizados, embalados ou resfriados, desde que não cozidos e não tenham adição de quaisquer outros produtos que não os relacionados, mesmo que simplesmente para conservação" (para evitar a repetição dessa lista de adjetivos, utilizaremos nessa Resposta a Consulta o termo "minimamente processados" nas próximas referências aos produtos com essas características).

4. Observa que o alho não está no rol de produtos hortifrutigranjeiros sujeitos à isenção de que trata o artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000. No Estado de São Paulo, o alho é produto integrante da Cesta Básica, estando sujeito à redução de base de cálculo prevista no artigo 3º do Anexo II do RICMS e autorizada pelo Convênio ICMS nº 128/1994.

5. Registra que a Lei estadual nº 16.887/2018 veio a estender a isenção do ICMS aos produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados no Estado de São Paulo, conforme autorizado pelo Convênio ICM nº 44/1975. Ocorre que, embora o alho não esteja abarcado pela isenção prevista no artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000, o produto consta no rol de hortifrutigranjeiros que estariam sob o alcance da isenção listados no texto da Lei estadual nº 16.887/2018. Além disso, diferentemente do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000, a lei estadual em tela: (i) não possui cláusula prevendo a manutenção do crédito relativo às operações anteriores; e (ii) no dispositivo que prevê a isenção, utiliza a expressão "saídas internas e interestaduais" ao invés do termo "operações" o que, pelo menos em uma interpretação literal, exclui as importações.

6. A Consulente afirma, ainda, que eventual concessão de isenção às saídas de alho sem a manutenção do crédito relativo às operações anteriores e não inclusas as importações, nas hipóteses em que o contribuinte paulista importa o alho ou o adquire de outra unidade federada, tem como consequência o aumento da carga tributária incidente sobre o produto. Nesses casos, o regime da redução de base de cálculo previsto no artigo 3º do Anexo II do RICMS (cesta básica) – que inclui o alho no rol de produtos beneficiados – seria menos oneroso do que o regime de isenção sem manutenção de créditos e não extensível às importações.

7. Manifesta a Consulente o seu entendimento de que as operações com alho estão isentas e se aplicam todos os efeitos do artigo 36, inciso I, RICMS/2000, notadamente a isenção para entradas, saídas e manutenção de crédito do ICMS de aquisições tributadas.

8. Por fim, questiona se:

8.1. a aplicação das regras fiscais do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 tem o condão de garantir eficiência à integralidade do conteúdo da norma veiculada pela Lei nº 16.887/2018;

8.2. pela intenção da Lei nº 16.887/2018, a sua aplicação é restrita à extensão da isenção aos produtos minimamente processados;

8.3. o artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 é aplicável em sua integralidade às operações com alho em estado natural;

8.4. caso se considere que o referido dispositivo do RICMS/2000 reduziu os efeitos da Lei nº 16.887/2018 tornando-a parcialmente ineficaz, se o artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 tem aplicação supletiva às operações com alho em estado natural;

8.5. mesmo com o advento da Lei nº 16.887/2018, as normas do artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 não sofreram qualquer alteração e são aplicáveis às operações com alho; e

8.6. não seria o caso de se incluir o alho no rol de produtos do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000.

Interpretação
9. A Constituição Federal (CF/1988) estabelece, no artigo 155, § 2º, XII, "g", que cabe à lei complementar "regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais [do ICMS] serão concedidos e revogados". Foi recepcionada pela Carta Magna nos termos desse dispositivo a Lei Complementar nº 24/1975, assim como os convênios celebrados em conformidade com esse diploma legal. É o caso do Convênio ICM nº 44/1975, que autoriza as unidades federadas a conceder isenção do imposto às operações com os produtos hortifrutigranjeiros nele especificados.

10. O Convênio ICM nº 44/1975 sofreu diversas alterações desde a sua celebração até hoje, tendo sido incluídos e excluídos diversos produtos do rol de hortifrutigranjeiros que podem ser beneficiados com isenção do imposto. O alho estava previsto no Convênio ICM nº 44/1975 em sua redação original, mas com a celebração do Convênio ICM nº 7/1980, o produto veio a ser excluído. Por esse motivo, o alho não consta – nem nunca constou – no rol de produtos hortifrutigranjeiros do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000, que normatiza a implementação desse benefício no Estado de São Paulo.

11.  É entendimento consolidado desta Consultoria Tributária que produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados não se enquadram no conceito de "produtos em estado natural", conforme explicitado na Decisão Normativa CAT nº 16/2009. Em 2015, com a celebração do Convênio ICMS nº 21/2015, passou a haver autorização expressa para a concessão de isenção às operações com produtos minimamente processados. Contudo, até a edição da Lei estadual nº 16.887/2018, o Estado de São Paulo não havia implementado essa extensão da norma isentiva, permanecendo a isenção restrita aos produtos enquadrados como "em estado natural" nos termos da Decisão Normativa CAT nº 16/2009.

12. A Lei estadual nº 16.887/2018 teve sua origem no Projeto de Lei nº 787/2017. No Parecer nº 954/2018 da Reunião Conjunta das Comissões de Constituição, Justiça e Redação e de Finanças, Orçamento e Planejamento da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo - ALESP sobre o projeto de lei em questão, é mencionado com clareza que a medida tem a intenção de incorporar à legislação paulista a alteração do Convênio ICM nº 44/1975 realizada pelo Convênio ICMS nº 21/2015, de forma a estender a isenção do ICMS às operações com produtos hortifrutícolas minimamente processados.

13. Ocorre que o rol de produtos hortifrutícolas constante no texto da Lei nº 16.887/2018 é diferente daquele do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000. O rol de produtos listados na Lei nº 16.887/2018 é exatamente o mesmo rol que constava na redação original do Convênio ICM nº 44/1975, desconsideradas todas as suas alterações. É evidente que a Casa Legislativa paulista não teve a intenção de delimitar a norma isentiva de forma idêntica àquela que vigorava em 1975 – mais de quatro décadas atrás. A cognição de que ocorreu um equívoco na redação do texto da lei não pode ser desconsiderado em sua exegese.

14. O dilema hermenêutico que se apresenta oferece ao intérprete duas possibilidades: (i) prestigiar o texto da lei em detrimento da vontade do legislador, em uma interpretação puramente gramatical, considerando assim que o rol de produtos de 1975 integra o conteúdo do antecedente normativo de um comando legal válido e eficaz; ou (ii) prestigiar a vontade do legislador em detrimento do texto da lei, em uma interpretação histórica e teleológica, adotando o entendimento de que o conteúdo normativo da lei é, tão somente, a concessão de isenção às operações com produtos minimamente processados – e não a alteração do rol de produtos previsto na redação atual do Convênio ICM nº 44/1975 e do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000.

15. É um princípio fundamental da hermenêutica jurídica que a Constituição Federal – norma que constitui o fundamento último de validade de todas as demais – deve pautar a interpretação de todos os atos normativos pertencentes ao ordenamento jurídico. À luz desse princípio, não há como a primeira possibilidade interpretativa prevalecer, pelos motivos a seguir expostos.

16. O rol de produtos constante no texto da Lei nº 16.887/2018, que é idêntico ao da redação original do Convênio ICM nº 44/1975, inclui diversos produtos que não constam na redação atual do referido Convênio, entre eles o alho. A consequência lógica dessa constatação é evidente: a opção por prestigiar o texto da lei em detrimento da mens legislatoris implica no reconhecimento de que o legislador paulista concedeu uma isenção em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, XII, "g", da Constituição Federal.

17. Há ainda outro ponto. As operações com alho estão beneficiadas pelo regime tributário de redução de base de cálculo previsto no artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 ("cesta básica"). Conforme a disciplina desse dispositivo, tal regime abrange as importações e, no caso do alho, não exige o estorno de crédito relativo às operações anteriores. No âmbito desse tratamento tributário, as cadeias de circulação de alho possuem a mesma carga de ICMS, quer seja o produto adquirido pelo contribuinte paulista do exterior, de outra unidade federada ou de outro contribuinte paulista. Caso se reconheça a isenção do alho nos termos literais da Lei nº 16.887/2018 – que não possui cláusula prevendo a manutenção do crédito e utiliza a expressão "saídas internas e interestaduais" ao invés do termo "operações" (o que não abrangeria as exportações) – ter-se-á uma carga tributária distinta na circulação do alho a depender de sua origem, o que é vedado pelo artigo 152 da CF/88:

"Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino".

18. Optar o exegeta por reconhecer eventual inconstitucionalidade de lei – mesmo que, claramente, esta não tenha sido a intenção dos membros da Casa Legislativa – por apego à literalidade do texto legal não parece ser o melhor caminho hermenêutico a ser trilhado. Deve-se, como em toda e qualquer aplicação do Direito, interpretar as normas conforme a Constituição. Nesse caso, os métodos de interpretação histórico e teleológico devem prevalecer sobre o gramatical.

19. Não podemos, contudo, deixar de considerar o que dispõe o artigo 111 do Código Tributário Nacional – CTN, que determina a interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção.

20. Conforme o artigo 96 do mesmo diploma legal de normas gerais, a expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Conforme já foi exposto, sabemos que há diversas antinomias entre o Convênio ICM nº 44/1975, o artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 e a Lei paulista nº 16.887/2018. Todos esses diplomas normativos, inequivocamente, se enquadram no conceito de legislação tributária. A interpretação literal de todos esses textos, por óbvio, inviabiliza a solução das antinomias existentes, motivo pelo qual a solução dessas antinomias deve ser feita sob o prisma da Constituição Federal, que é o fundamento de validade de toda a legislação tributária, e não pela interpretação isolada do disposto no artigo 111 do CTN.

21. Ante todo o exposto, manifestamos o entendimento desta Consultoria Tributária de que o conteúdo normativo da Lei estadual nº 16.887/2018 – interpretado conforme a Constituição – é, tão somente, a concessão de isenção às operações com produtos minimamente processados (e não alteração do rol de produtos previsto na redação atual do Convênio ICM nº 44/1975 e do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000). O Decreto nº 64.098/2019, que regulamentou a referida lei, está em total consonância com essa interpretação.

22. Com base nesse entendimento, passamos a responder os questionamentos formulados pela Consulente relatados no item 8:

22.1. Sim. A aplicação das regras fiscais previstas no artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 garante a eficácia integral do conteúdo normativo da Lei nº 16.887/2018. Não pretendeu o legislador afastar dos produtos hortifrutigranjeiros minimamente processados o tratamento tributário previsto no Regulamento, que inclui a isenção das importações e a manutenção do crédito relativo às operações anteriores, motivo pelo qual o Decreto nº 64.098/2019 incluiu os §§ 4º e 5º ao referido artigo do RICMS/2000. Todavia, as operações com alho – assim como com os demais produtos não constantes no artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 e no Convênio ICM nº 44/1975 – não são alcançadas pela isenção (questionamento contido no subitem 8.1);

22.2. Sim. Da interpretação da Lei nº 16.887/2018 conforme a Constituição, conclui-se que deve prevalecer a vontade do legislador em detrimento do texto legal. Assim sendo, entendemos que o conteúdo normativo da referida lei restringe-se à concessão de isenção às operações com produtos minimamente processados (questionamento contido no subitem 8.2);

22.3. Não. O artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 não se aplica às operações com alho em estado natural porque este produto não está isento do ICMS (questionamento contido no subitem 8.3);

22.4. Questionamento prejudicado em face do entendimento manifestado por esta Consultoria Tributária na presente Resposta a Consulta (questionamento contido no subitem 8.4);

22.5. Sim. As operações com alho estão sujeitas ao regime tributário de redução de base de cálculo previsto no artigo 3º do Anexo II do RICMS/2000 ("cesta básica"), mesmo após a edição da Lei nº 16.887/2018 (questionamento contido no subitem 8.5);

22.6. Não. Como a Lei nº 16.887/2018 não tem o condão de isentar as operações com alho do ICMS, o Decreto nº 64.098/2019, que regulamentou a referida lei, não incluiu este produto no rol do artigo 36 do Anexo I do RICMS/2000 (questionamento contido no subitem 8.6);

23. Feitos esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas apresentadas na Consulta.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.