Resposta à Consulta nº 17872 DE 20/12/2018
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 16 jan 2019
ICMS – Crédito – Material secundário – Produção de peças do setor automobilístico – Solvente utilizado para três finalidades distintas na pintura das peças (troca de cor da pintura, na troca de turnos e na manutenção preventiva das ferramentas, equipamentos e máquinas). I – Para ser caracterizada como material secundário, determinada mercadoria deve ser integral e instantaneamente consumida durante o processo industrial propriamente dito, sem se integrar fisicamente ao produto fabricado. II – A limpeza de ferramentas, equipamentos e máquinas em que se desenvolve o processo industrial propriamente considerado são verdadeiros pré-requisitos desse processo, mas não se confundem com ele. III – O solvente utilizado para limpeza das ferramentas, máquinas e equipamentos de produção (seja na troca de cor, na troca de turnos ou na manutenção preventiva) classifica-se como material de uso e consumo do estabelecimento e não há, no momento, direito ao aproveitamento de crédito do ICMS em sua aquisição.
Ementa
ICMS – Crédito – Material secundário – Produção de peças do setor automobilístico – Solvente utilizado para três finalidades distintas na pintura das peças (troca de cor da pintura, na troca de turnos e na manutenção preventiva das ferramentas, equipamentos e máquinas).
I – Para ser caracterizada como material secundário, determinada mercadoria deve ser integral e instantaneamente consumida durante o processo industrial propriamente dito, sem se integrar fisicamente ao produto fabricado.
II – A limpeza de ferramentas, equipamentos e máquinas em que se desenvolve o processo industrial propriamente considerado são verdadeiros pré-requisitos desse processo, mas não se confundem com ele.
III – O solvente utilizado para limpeza das ferramentas, máquinas e equipamentos de produção (seja na troca de cor, na troca de turnos ou na manutenção preventiva) classifica-se como material de uso e consumo do estabelecimento e não há, no momento, direito ao aproveitamento de crédito do ICMS em sua aquisição.
Relato
1.A Consulente, cuja CNAE principal corresponde a “fabricação de artefatos de material plástico para usos industriais” (22.29-3/02), e CNAEs secundárias de “serviços de engenharia” (71.12-0/00) e “testes e análises técnicas” (71.20-1/00), informa fabricar componentes para a indústria automobilística. Explica que, em seu processo produtivo, efetua a pintura das peças e utiliza, por mês, aproximadamente 30.000 litros de um solvente de uso industrial incolor, não solúvel em água, classificado sob o código 3814.00.90 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).
2.Em resumo, 93% da quantidade total de solvente é utilizada na troca de cor da pintura das peças (23%) e na troca de turno (70%), afirmando ser imprescindível e integralmente consumido no processo produtivo. Outros 7% do solvente são utilizados para a limpeza das cubas, ferramentas, filtros, latas, baldes, circuitos e tanques de armazenamento, semanal ou mensalmente.
3.Transcreve parte da Decisão Normativa CAT-01/2001, das respostas às consultas 1706/2013 e 4740/2015, de julgados do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), cita acórdão do STJ e colaciona o artigo 59 do Regulamento do ICMS – RICMS/2000, para então indagar: (i) “Se está correto o seu entendimento de que o solvente de uso industrial, incolor e não solúvel em água (NCM 3814.00.90), utilizado em sua unidade fabril, tem sua utilização caracterizada como sendo parte integrante e indispensável do seu processo produtivo industrial, seja na produção propriamente dita (etapa de pintura), seja para garantir a durabilidade e integridade dos equipamentos (árvore e pistolas de pintura), tubulações, tanques, filtros e ferramentais utilizados no processo de pintura, ou seja, para garantir a qualidade da própria pintura, sendo imprescindível pois viabiliza a sua atividade-fim e, por isso, caracteriza-se como insumo diretamente consumido no processo industrial cuja saída é regularmente tributada, de modo que a sua entrada ou aquisição gera direito a crédito de ICMS, conforme Decisão Normativa CAT nº 01/2001 e demais normas reguladoras pertinentes?”; (ii)“Considerando uma resposta positiva ao item (i), a Consulente tem direito a crédito de ICMS no percentual de 100% sobre o uso do solvente (caracterizado pela consumação no processo produtivo e aplicação na manutenção preventiva), ou de 93% (caracterizado apenas pela consumação no processo produtivo)?”
Interpretação
4.Inicialmente, verifica-se que o cerne da questão apresentada é a definição de material secundário ou intermediário, espécies de insumo de produção. Nesse quesito, esta Consultoria Tributária tem tradicionalmente adotado o conceito constante da Decisão Normativa CAT-2/1982, não somente quanto ao significado da expressão “material (ou produto) secundário”, mas também quanto aos conceitos de “matéria-prima” e de “material (ou produto) intermediário”, que vale a pena transcrever:
"Assim é que,
1 – Matéria-prima é, em geral, toda a substância com que se fabrica alguma cousa e da qual é obrigatoriamente parte integrante. Exemplos: o minério de ferro, na siderurgia, integrante do ferro-gusa; o calcário, na industrialização do cimento, parte integrante do novo produto cimento; o bambu ou o eucalipto, na indústria da autora, integrantes do novo produto – papel etc.
2 – Produto Intermediário (assim denominado porque proveniente de indústria intermediária própria ou não) é aquele que compõe ou integra a estrutura físico-química do novo produto, via de regra sem sofrer qualquer alteração em sua estrutura intrínseca. Exemplos: pneumáticos na indústria automobilística e dobradiças, na marcenaria, compondo ambos os respectivos produtos novos (sem que sofram qualquer alteração em suas estruturas intrínsecas) – o automóvel e o mobiliário; a cola, ainda na marcenaria, que, muito embora alterada em sua estrutura intrínseca, vai integrar o novo produto – mobiliário.
3 - Produto secundário é aquele que, consumido no processo de industrialização, não se integra no novo produto. Exemplos: calcário CaCo3 (que na indústria do cimento é matéria-prima), na siderurgia é "produto secundário", porquanto somente usado para extração das impurezas do minério de ferro, com as quais se transforma em escória e consome se no processo industrial sem integrar o novo produto: o ferro gusa; o óleo de linhaça, usado na cerâmica (para o melhor desprendimento da argila na prensa), depois de consumido na queima, não vai integrar o novo produto telha; qualquer material líquido, usado na indústria da autora, que consumido na operação de secagem, deixa de integrar o novo produto papel." (G.N.)
5.Para caracterizar determinada mercadoria como insumo de produção do tipo “material secundário”, não basta simplesmente constatar que ela é utilizada diretamente na atividade produtiva, pois há muitas mercadorias que também são utilizadas diretamente no processo produtivo, porém são classificadas como material de uso e consumo do estabelecimento (levando em conta o disposto no artigo 66, V, do RICMS/2000) ou bens do ativo imobilizado.
6.Assim, consideramos imprescindível partir de critério técnico e objetivo para classificar determinada mercadoria nesta ou naquela categoria, baseado nos conceitos definidos na referida Decisão Normativa, aplicáveis aos processos industriais, de forma geral.
7.Do conceito extraído da Decisão Normativa CAT-2/1982, conclui-se que, para ser caracterizada como material secundário, determinada mercadoria deve ser integral e instantaneamente consumida durante o processo industrial propriamente dito, sem se integrar fisicamente ao produto fabricado. Por outro lado, processos industriais propriamente ditos são somente aqueles apontados no artigo 4º, I, do RICMS/2000, ou seja, a transformação, o beneficiamento, a montagem, o acondicionamento ou reacondicionamento e a renovação ou recondicionamento.
8.Pode-se observar também que, seguindo o critério que adotamos, normalmente o consumo das mercadorias classificadas como material secundário em determinado processo industrial é quantitativamente proporcional ao das matérias-primas e demais insumos e à fabricação do produto final.
9.O exemplo mais flagrante de material secundário segundo esse critério – ou seja, mercadoria que se esgota de maneira instantânea e integral no processo industrial estritamente considerado e que não se insere fisicamente no produto fabricado - é o da energia elétrica consumida no processo industrial.
10.Na situação sob exame, não se discute a importância do solvente na atividade da Consulente.
11.Porém, não poderia ser considerado material secundário o solvente utilizado para a limpeza das máquinas quando da troca de cor da pintura dos componentes que fabrica, tampouco aquele utilizado nas trocas de turno e na manutenção preventiva, tendo em vista que, além de terem a finalidade de limpeza, seu consumo não se perfaz durante o processo industrial propriamente dito, e sim nos momentos anterior e posterior a ele. A higiene e limpeza das ferramentas, máquinas e equipamentos industriais e dos recintos em que se desenvolve o processo industrial propriamente considerado são verdadeiros pré-requisitos desse processo, mas não se confundem com ele.
12.Releva aqui salientar que a Decisão Normativa CAT-2/1982 está em harmonia com o disposto no subitem 3.1 da Decisão Normativa CAT-1/2001. Esse dispositivo, ao empregar a expressão “entre outros, têm-se ainda, a título de exemplo, os seguintes insumos que se desintegram totalmente no processo produtivo de uma mercadoria ou são utilizados nesse mesmo processo produtivo para limpeza, identificação, desbaste, solda...”, quis, inequivocamente, referir-se aos materiais usados na limpeza do produto industrializado, não de máquinas, equipamentos e instalações industriais, como entende a Consulente.
13.Insistimos que, para considerar determinada mercadoria como insumo de produção, não basta simplesmente levar em conta o fato de ser utilizada na área produtiva, pois outras mercadorias que não podem ser assim classificadas (materiais de uso e consumo utilizados na área industrial e bens do ativo imobilizado) também o são. Portanto, é necessário valer-se de critério técnico e objetivo para essa classificação e o critério da Decisão Normativa CAT-2/1982, conquanto restritivo, tanto no tocante ao momento quanto ao âmbito de utilização da mercadoria, é perfeitamente válido.
14.Verificamos que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento ainda mais restrito, no sentido de que os produtos aplicados no processo produtivo que não integrem o produto final não geram direito a crédito, pois o adquirente figura como consumidor final:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CREDITAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. AQUISIÇÃO DE
PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS. CONSUMIDOR FINAL. DIREITO AO CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. (...).
(...)
2. A aquisição de produtos intermediários aplicados no processo produtivo que não integram fisicamente o produto final não gera direito ao crédito de ICMS, uma vez que a adquirente, nesse caso, mostra-se como consumidora final. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido.”
(RE 540588 AgR, Relator: Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 5/2/2013, publicado em 21/3/2013)
“TRIBUTÁRIO. ICMS. CREDITAMENTO. (...) AQUISIÇÕES DE PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS. CONSUMIDOR FINAL. DIREITO
AO CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
II - A aquisição de produtos intermediários aplicados no processo produtivo que não integram fisicamente o produto final não gera direito ao crédito de ICMS, uma vez que a adquirente, nesse caso, mostra-se como consumidora final. Precedentes.
III - Agravo regimental improvido.”
(RE 503877 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 1/6/2010, publicado em 6/8/2010)
15.Desse modo, em resposta aos questionamentos da Consulente, o solvente utilizado tanto para a limpeza das máquinas, as trocas de cor da pintura e as trocas de turno, quanto para a manutenção preventiva é considerado material de uso e consumo do estabelecimento. Portanto, atualmente, o imposto pago na sua aquisição não gera direito a crédito.
16.Por fim, informamos que, segundo o disposto no artigo 33, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996 (com alteração da Lei Complementar nº 138/2010), “somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2020.”
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.