Resposta à Consulta nº 172 DE 07/08/2020
Norma Estadual - Mato Grosso - Publicado no DOE em 07 ago 2020
ICMS – OBRIGAÇÃO PRINCIPAL – PREFEITURA MUNICIPAL – MATO GROSSO – AQUISIÇÃO INTERNA DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS – PRODUTOS DA AGRICULTURA FAMILIAR – USO NA MERENDA ESCOLAR – PREVISÃO DE ISENÇÃO. A operação de fornecimento de produtos da agricultura familiar para Prefeituras de Mato Grosso é hipótese de incidência do ICMS. O artigo 12 do Anexo IV do RICMS prevê isenção do imposto nas operações internas com gêneros alimentícios regionais, destinados à merenda escolar, fornecida gratuitamente pela rede pública de ensino, considerando-se como gênero alimentício regional o produto primário de origem mato-grossense. Os produtos como biscoitos caseiros, pão caseiro, pamonha e doces, adquiridos pela rede pública de ensino municipal, junto a produtor familiar, por não serem considerados produtos primários, não estão albergados pela isenção.
..., cuja Prefeitura situa-se no Paço Municipal ... – ..., em .../MT, formula consulta a respeito do tratamento aplicável na aquisição de gêneros alimentícios provenientes da agricultura familiar para uso na merenda escolar, bem como se as aquisições de produtos junto ao agricultor familiar, tais como biscoito caseiro, pão caseiro, pamonha, doces e outros similares, estão amparadas pela isenção contida no artigo 12 do Anexo IV do RICMS/2014.
Para tanto, expõe que:
a) a agricultura familiar vem se destacando dentro dos municípios como sendo um dos grandes impulsionadores da economia local, geração de renda, inclusão social e econômica do homem no campo e dinamizador do ciclo virtuoso do desenvolvimento local;
b) para aumentar esse potencial os entes públicos realizam processos de aquisições de gêneros alimentícios diretamente do agricultor familiar, por meio de chamamento público em atendimento ao Programa de Alimentação Escolar – PNAE e ao Programa de Aquisição de Alimentos – PAA;
c) no município, os agricultores já fornecem para a Assistência Social (doação de cestas para as famílias em estado de insegurança alimentar), para a Saúde (atendimento ao hospital) e para a Educação (alimentação escolar);
d) o agricultor familiar que tem interesse em participar desses programas deve comprovar as seguintes características: não possuir área maior que 4 módulos fiscais; utilizar mão de obra da família; gerenciamento próprio e mais de 50% da sua renda financeira ser proveniente de sua propriedade;
e) essas características são comprovadas por meio da Declaração de Aptidão ao Pronaf – DAP, além de possuir a inscrição estadual;
f) com o objetivo de ampliar as compras da agricultura e impulsionar esse desenvolvimento local, a prefeitura tem interesse de incluir outros itens nos cardápios como: biscoitos caseiros, pão caseiro, pamonhas, doces e demais derivados para aquisição exclusiva do agricultor familiar local.
Ao final, apresenta os seguintes questionamentos:
1 – Se há algum óbice para o agricultor emitir Nota Fiscal Eletrônica-NF-e com tipos de produtos caseiros (pães, biscoitos, doces, etc...), utilizando a sua inscrição estadual bem como o número de sua DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf)?
2 – Nas saídas de suas mercadorias descritas acima, a emissão de NF-e conforme o art. 205 do RICMS/MT, onde o produtor está devidamente enquadrado no art. 57, inciso VI, do RICMS/MT, qual a tributação que incidirá?
3 – As saídas destinadas à merenda escolar poderão ser enquadradas como isentas do imposto, com base no Convênio ICMS 55/2011, juntamente com o Anexo IV, Seção III, art. 12 do RICMS/MT?
É a consulta.
De plano, incumbe informar que, regra geral, as saídas de mercadorias, efetuadas por contribuintes do imposto, estão sujeitas à tributação do ICMS. A hipótese de incidência e o fato gerador estão previstos, respectivamente, nos artigos 2°, inciso I, e artigo 3°, inciso I, do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto n° 2.212/2014 (RICMS/2014), a saber:
Art. 2° O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incide sobre: (cf. caput do art. 2° da Lei n° 7.098/98)
I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
(...)
Art. 3° Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (cf. caput do art. 3° da Lei n° 7.098/98)
I – da saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
(...)
Nota-se que, de acordo com o transcrito inciso I do artigo 3°, o fato gerador do imposto ocorre no momento da saída da mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte do imposto.
Logo, no presente caso, em princípio, o fornecimento de produtos da agricultura familiar para a Prefeitura está sujeito à tributação do ICMS.
Por outro lado, como já adiantou a consulente, o RICMS/2014, no artigo 12 do Anexo IV, prevê isenção do imposto nas operações internas com gêneros alimentícios regionais, destinados à merenda escolar, nos seguintes termos:
Art. 12 Operações internas com gêneros alimentícios regionais, destinados à merenda escolar, fornecida gratuitamente pela rede pública de ensino. (cf. Convênio ICMS 55/2011)
§ 1° O benefício fiscal previsto neste artigo somente se aplica às pessoas físicas produtores rurais, às cooperativas de produtores ou às associações que as representem.
§ 2° Para fins do preconizado neste artigo, considera-se gênero alimentício regional o produto primário de origem mato-grossense.
§ 3° O contribuinte que promover saída de mercadoria com isenção, na hipótese prevista no caput deste artigo, deverá efetuar o estorno do crédito de que tratam os incisos I e II do caput do artigo 123 das disposições permanentes.
(...)
Importante frisar que a legislação tributária que versa sobre a outorga de isenção deve ser interpretada de forma literal, como determina o artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN):
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
(...)
II – outorga de isenção;
(...)
Assim, pela leitura que se faz do transcrito artigo 12 do Anexo IV do RICMS/2014, o benefício somente se aplica às pessoas físicas produtores rurais, às cooperativas de produtores ou às associações que as representem, nas operações internas com gêneros alimentícios regionais.
Também, de acordo com a norma, considera-se gênero alimentício regional o produto primário de origem mato-grossense.
Neste contexto, torna-se necessário definir com clareza o que é considerado produto primário para efeito de ICMS.
Em que pese a legislação estadual não contemplar de forma expressa a definição de produto primário, traz, em seu artigo 4°, inciso II, alínea c, a definição de industrialização, e, na alínea d do mesmo inciso, a definição de produto em estado natural. Eis a transcrição de trechos:
Art. 4° Para os efeitos da aplicação da legislação do imposto:
(...)
II – considera-se, ainda:
(...)
c) industrialização, qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para consumo, tal como:
1) a que, executada sobre matéria-prima ou produto intermediário, resulte na obtenção de espécie nova (transformação);
2) a que importe em modificação, aperfeiçoamento ou, de qualquer forma, alteração do funcionamento, da utilização, do acabamento ou da aparência do produto (beneficiamento);
3) a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma (montagem);
4) a que importe em alteração da apresentação do produto pela colocação de embalagem, ainda que em substituição à original, salvo quando a embalagem aplicada destinar-se apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento);
5) a que, executada sobre o produto usado ou partes remanescentes de produto deteriorado ou inutilizado, o renove ou restaure para utilização (renovação ou recondicionamento);
d) em estado natural, o produto tal como se encontra na natureza, que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização referido na alínea c deste inciso, não perdendo essa condição o que apenas tiver sido submetido a resfriamento, congelamento, secagem natural, acondicionamento rudimentar ou que, para ser comercializado, dependa necessariamente de beneficiamento ou acondicionamento;
(...)
§ 2° Relativamente ao disposto na alínea c do inciso II do caput deste artigo, não perde a natureza de primário o produto que apenas tiver sido submetido a processo de beneficiamento, acondicionamento ou reacondicionamento.
(...)
Conforme a legislação transcrita, caracteriza-se como industrialização o processo que importe em modificar a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo.
Também de acordo com a norma, considera-se em estado natural o produto tal como se encontra na natureza, ou seja, aquele que não tenha sido submetido a nenhum processo de industrialização, não perdendo essa condição o que apenas tiver sido submetido a resfriamento, congelamento, secagem natural, acondicionamento rudimentar ou que, para ser comercializado, dependa necessariamente de beneficiamento ou acondicionamento.
Embora não haja definição expressa na norma, é possível concluir que os produtos primários provenientes da agropecuária são aqueles que não são submetidos a nenhum processo de industrialização, ou seja, são aqueles que estão em estado natural.
Assim, à luz da legislação acima reproduzida, conclui-se que os produtos citados pela consulente, tais como: biscoitos, pão, pamonha, doces e outros correlatos, são considerados como resultantes de processo de industrialização, por consequência, não são considerados produtos primários.
Ainda nessa linha, na definição de estabelecimento, o artigo 57, inciso VI, do RICMS/2014, dispõe que:
Art. 57 Para todos os efeitos, é considerado:
(...)
III – industrial, o estabelecimento produtor que industrializar a sua produção agropecuária ou extrativa;
(...)
VI – produtor primário, a pessoa física que se dedique à produção agrícola ou extrativa, em estado natural.
(...)
Conforme os dispositivos acima reproduzidos, produtor primário é a pessoa física que se dedique à produção agrícola ou extrativa, em estado natural.
Já, o industrial é o estabelecimento produtor que industrializa a sua produção agrícola ou extrativa.
Portanto, por se tratar de produtos que não são considerados primários e sim industrializados, biscoito caseiro, pão caseiro, pamonhas, doces e produtos correlatos, citados pela consulente, ainda que sejam adquiridos pelo Município para uso na merenda escolar, não são alcançados pelo benefício da isenção previsto no artigo 12 do Anexo IV do RICMS/2014.
De acordo com o referido dispositivo, o benefício aplica-se tão somente a produtos primários nas operações internas com gêneros alimentícios regionais, destinados à merenda escolar, sendo considerado com tal o produto primário de origem mato-grossense.
Por fim, ante todo o exposto, em resposta às questões apresentadas pela consulente, tem-se a informar o que segue:
Questão 1 – Se há algum óbice para o agricultor emitir Nota Fiscal Eletrônica – NF-e com tipos de produtos caseiros (pães, biscoitos, doces, etc...), utilizando a sua inscrição estadual bem como o número de sua DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf)?
Por se tratar de obrigação acessória, a consulta será desmembrada para que unidade responsável responda à questão.
Questão 2 – Nas saídas de suas mercadorias descritas acima, a emissão de NF-e conforme o art. 205 do RICMS/MT, onde o produtor está devidamente enquadrado no art. 57, inciso VI, do RICMS/MT, qual a tributação que incidirá?
O fornecimento dos produtos citados pela consulente (pães, biscoitos, doces, etc...) será tributado pelo ICMS com base nos artigos 2°, inciso I, e 3°, inciso I, do RICMS/2014. A alíquota a ser aplicada na operação é de 17%, conforme determina o artigo 95, inciso I, do RICMS/2014, exceto no caso do pão, que é produto integrante da “cesta básica” e, nesse caso, a alíquota é de 12%, conforme dispõe o artigo 95, inciso II, alínea c, item 9, do RICMS.
Ainda em relação às operações com pão, destaca-se ser a respectiva base de cálculo reduzida a 58,33%, conforme artigo 1°, inciso II, alínea i, do Anexo V do mesmo Regulamento, de forma que a carga tributária pertinente fica reduzida a 7% do valor da operação.
Também as operações com biscoitos poderão ser contempladas com a mesma carga tributária, mediante redução de base de cálculo a 41,17% do valor da operação, desde que possam ser enquadrados nas disposições da alínea f do inciso I do artigo 1° do invocado Anexo V do Estatuto regulamentar.
Questão 3 – As saídas destinadas à merenda escolar poderão ser enquadradas como isentas do imposto, com base no Convênio ICMS 55/2011, juntamente com o Anexo IV, Seção III, art. 12 do RICMS/MT?
A resposta é afirmativa, desde que atendidas as condições preconizadas no referido artigo 12. Conforme se infere da norma, o benefício aplica-se somente aos produtos primários, não alcançando os industrializados.
E, nesse caso, os produtos citados pela consulente (biscoitos caseiros, pão caseiro, pamonha, e doces), adquiridos de produtor familiar não são considerados produtos primários, logo, não estão albergados pela isenção.
Por último, tendo em vista que a consulta se refere, também, ao cumprimento de obrigação acessória, qual seja, emissão de Nota Fiscal, informa-se à interessada que a consulta será desmembrada para complementação da resposta às questões pertinentes pela área com atribuições regimentais específicas.
Com isso, o presente processo será encaminhado para análise pela Coordenadoria de Documentos e Declarações Fiscais da Superintendência de Informações da Receita Pública – CDDF/SUIRP, nos termos do artigo 995, inciso II, e § 3º, do RICMS/MT.
Cabe ressalvar que o entendimento exarado na presente Informação vigorará até que norma superveniente disponha de modo diverso, nos termos do parágrafo único do artigo 1.005 do RICMS/2014.
Cumpre ainda registrar que não produzirá os efeitos legais previstos no artigo 1.002 e no parágrafo único do artigo 1.005 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 2.212/2014, a consulta respondida sobre matéria que esteja enquadrada em qualquer das situações previstas nos incisos do caput do artigo 1.008 do mesmo Regulamento.
É a informação, ora submetida à superior consideração, com a ressalva de que os destaques apostos nos dispositivos da legislação transcrita não existem nos originais.
Coordenadoria de Redação, Divulgação e Interpretação de Normas da Receita Pública da Superintendência de Normas da Receita Pública, em Cuiabá – MT, 7 de agosto de 2020.
Antonio Alves da Silva
FTE
DE ACORDO:
Yara Maria Stefano Sgrinholi
FTE
Coordenadora – CRDI/SUNOR
APROVADA.
Miguelângelo Luis Cancian
Superintendente de Normas da Receita Pública – em exercício