Resposta à Consulta nº 15131 DE 29/03/2017

Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 17 jan 2018

ICMS – Industrialização por conta de terceiro – Incidência do ICMS. I. A atividade de transformação ou de beneficiamento, se executada sobre mercadorias de terceiro, destinadas a posterior comercialização ou industrialização pelo autor da encomenda, caracteriza-se como industrialização por conta de terceiro e se sujeita à incidência somente do imposto estadual.

Ementa

ICMS – Industrialização por conta de terceiro – Incidência do ICMS.

I. A atividade de transformação ou de beneficiamento, se executada sobre mercadorias de terceiro, destinadas a posterior comercialização ou industrialização pelo autor da encomenda, caracteriza-se como industrialização por conta de terceiro e se sujeita à incidência somente do imposto estadual.

Relato

1. A Consulente, que exerce a atividade principal de fabricação de produtos de metal não especificados (CNAE 25.99-3/99), relata que opera no ramo de industrialização de perfis dobrados e chapas cortadas, conforme desenho técnico de seus clientes.

2. Informa que realiza suas atividades de três formas distintas:

2.1. “Venda mercantil”: é utilizada a matéria prima (chapas metálicas) do estoque da própria Consulente.

2.2. “Beneficiamento por conta de terceiros”: o cliente envia a matéria prima para a Consulente (emitindo uma Nota Fiscal de Remessa para Industrialização) e após realizada a transformação da chapa metálica em perfil dobrado sob medida, conforme especificação de seu cliente, retorna a mercadoria (emitindo uma Nota Fiscal de retorno da mercadoria).

2.3. “Operação triangular”: operação semelhante à descrita no subitem anterior, mas nesse caso o cliente adquire as chapas metálicas de distribuidores e solicita a entrega diretamente no estabelecimento da Consulente (a distribuidora emite uma Nota Fiscal de Venda para o cliente e outra de Remessa para Industrialização para acompanhar a mercadoria até o estabelecimento da Consulente), que por sua vez enviará a chapa metálica para seu cliente após a realização do serviço, conforme especificações de seu cliente.

2.4. Adicionalmente, informa que o serviço realizado sempre segue especificações fornecidas por seus clientes, e que as mercadorias serão utilizadas em seus respectivos processos de industrialização na fabricação de seus produtos finais, posteriormente comercializados no mercado.

3. Expõe seu entendimento de que sua atividade se caracteriza como industrialização por encomenda, sujeita à incidência do ICMS. Entretanto, informa que fisco municipal deseja enquadrar sua atividade no item 14.05 da Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 (“Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e congêneres de objetos quaisquer”), sob a alegação de se tratar de serviço de beneficiamento, sujeito à incidência do ISS.

4. Questiona, portanto, se sua atividade está sujeita à incidência do imposto estadual ou municipal.

Interpretação

5. Preliminarmente, esclarecemos que a presente resposta ater-se-á à questão específica da hipótese de incidência tributária nas operações em tela, objeto do questionamento da Consulente. Desse modo, não os manifestaremos a respeito do cumprimento das obrigações acessórias correspondentes, citadas de modo apenas superficial no relato e não estando compreendidas no questionamento propriamente dito.

6. Ressaltamos, também, que a presente resposta toma como pressuposto que a Consulente não presta um serviço sobre bem pertencente a usuário ou consumidor final, mas realiza industrialização em mercadoria de contribuinte do ICMS, por sua conta e ordem, e o produto resultante dessa industrialização é objeto de posterior comercialização pelo autor da encomenda.

6.1. A exceção, por óbvio, refere-se à situação apresentada no subitem 2.1 desta resposta (serviço realizado em matéria prima do estoque da própria Consulente), pois nesse caso não pode haver qualquer dúvida quanto ao tratamento tributário conferido à operação: tratando-se de fabricação de mercadoria própria da Consulente para posterior comercialização, há por óbvio a configuração da hipótese de incidência prevista no inciso I do artigo 2º do RICMS/2000, sujeitando-a à incidência do ICMS.

7. Isso posto, salienta-se que a matéria em questão já foi analisada por esta Consultoria Tributária em diversas ocasiões, como nas Respostas às Consultas 705/2009, 177/2012, 189/2012, 204/2012, 238/2012 e 2467/2013, todas publicadas no sítio desta Secretaria da Fazenda (www.fazenda.sp.gov.br), módulos “legislação”/”tributária”/”Respostas Publicadas”.

8. Nesse sentido, reitera-se o posicionamento desta Consultoria de que a transformação ou o beneficiamento executado sobre mercadorias de terceiro, destinadas a posterior comercialização ou industrialização, é considerado industrialização, nos termos do artigo 4º, I, “a” e “b”, do RICMS/2000, mais especificamente, industrialização por conta de terceiro. E, em sendo industrialização por conta de terceiro, o ICMS incide sobre essa atividade na medida em que essa está inserida no ciclo de produção e comercialização da mercadoria, (ou seja, a atividade é efetuada sobre mercadoria destinada a posterior comercialização pelo autor da encomenda e não prestação de serviço a consumidor usuário final).

9. Com efeito, é notório que a Constituição Federal, em linhas gerais, repartiu entre os entes federativos a competência da tributação sobre o consumo em função da etapa do ciclo econômico em que a atividade se encontra: industrial (União); comercial (Estados e Distrito Federal); e prestação de serviços (Municípios e Distrito Federal).

10. Nesse contexto, especificamente no que tange ao ICMS, ele incide sobre as “operações relativas à circulação de mercadorias”, que fundamentalmente são aquelas operações que impulsionam a mercadoria da fonte produtora ao consumidor final. Tais operações implicam a obrigação de dar (a mercadoria), mas, no entanto, em algum momento da cadeia produtiva, pode surgir, concomitantemente ou não, uma “obrigação de fazer”, sem que isso altere a natureza da operação.

11. Diante disso, a mesma atividade realizada - com ou sem emprego de materiais - pode constituir-se uma operação de industrialização voltada à mercancia (ICMS) ou uma prestação de serviço (ISS). Com efeito, o fato de a atividade constar na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03, como prestação de serviço sujeita ao ISS, por si só, não inviabiliza que essa atividade seja, de fato e de direito, apenas uma etapa do ciclo de produção e comercialização da mercadoria e, dessa forma, estar sob a incidência do ICMS (art. 2º, III, “a”, do RICMS/2000).

12. Negar essa constatação e querer tributar por ISS o fornecimento de uma atividade, ainda que imaterial, envolta no ciclo produtivo é ofender a não cumulatividade. Isso porque o imposto pago sobre o serviço seria agregado ao custo de produção e de comercialização subsequentes, onerando-o, sem a possibilidade de compensação, portanto, em nítido descompasso com o objetivo constitucional.

13. Além disso, não é razoável, ante as complexidades técnicas encontradas no ciclo produtivo, querer-se entender que a simples preponderância da atividade imaterial/intelectual, ou mesmo a produção personalíssima sob encomenda, seja um critério finito e único para a conceituação e definição de serviço para fins de incidência do ISS.

14. Sendo assim, a destinação da mercadoria sobre a qual é executada a atividade é elemento determinante para identificar a etapa do ciclo econômico em que essa atividade se localiza e, desse modo, é também um dos elementos fundamentais para se estabelecer a incidência do imposto competente.

15. Essa mesma linha de entendimento é atualmente seguida pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões sobre o tema de industrialização por encomenda, como pode ser observado das seguintes decisões: (i) ADI nº 4.389/DF-MC; (ii) AI nº 803.296/SP-AgR; e (iii) RE nº 606.960/ES-AgR – essas duas últimas de ementas bastante elucidativas, motivo pelo qual seguem excertos abaixo:

“1. Em precedente da Corte consubstanciado na ADI nº 4.389/DF-MC, restou definida a incidência de ICMS “sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria.

2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i) verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização.

(...)

4. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar.” (AI nº 803.296/SP-AgR)

“3. Na industrialização por encomenda, se o bem retorna à circulação, tal processo industrial representa apenas uma fase do ciclo produtivo da encomendante, não estando essa atividade, portanto, sujeita ao ISSQN, como é o caso dos presentes autos.” (RE nº 606.960/ES-AgR)

16. Com efeito, na industrialização por conta de terceiro, sequer é necessário analisar a preponderância entre o dar e o fazer, já que a industrialização por conta de terceiro é uma etapa do processo produtivo em que terceiro executa atividade em mercadoria alheia que posteriormente será comercializada ou se submeterá a outro processo de industrialização. Dessa feita, a industrialização por conta de terceiro se configura como etapa do processo de circulação de mercadoria e deve ser tributada pelo ICMS.

17. Nesse contexto, e a contrário senso, para se constituir fato gerador do ISS, o serviço prestado ("obrigação de fazer") deve estar elencado na lista de serviço anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e ser executado sobre bem pertencente a usuário ou consumidor final. E, tanto assim, que se observa que o subitem 14.05 da Lista de Serviços sujeitos ao ISS, anexa à Lei Complementar nº 116/2003 ("Restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, polimento, plastificação e congêneres, de objetos quaisquer"), está contido no item 14, que trata de "Serviços relativos a bens de terceiros”. Portanto, é pressuposto, para a incidência do ISS, tratar-se de bem de terceiro, ou seja, bem de propriedade de usuário ou consumidor final.

18. Do exposto, é possível concluir que a Consulente, quando contratada para executar a atividade supramencionada (transformação de matéria-prima em produto acabado a ser utilizado como insumo na produção de novo produto ou produto intermediário a ser comercializado pelo autor da encomenda, conforme procedimentos indicados nos subitens 2.2 e 2.3 desta resposta), estará executando uma etapa do respectivo processo produtivo, ou seja, uma forma de industrialização por conta de terceiro, na modalidade de transformação ou de beneficiamento (art. 4º, I, “a” e "b", do RICMS/2000), de modo que tais serviços sujeitam-se à incidência do ICMS.

A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.