Resposta à Consulta nº 1013 DE 01/01/1999
Norma Estadual - São Paulo - Publicado no DOE em 01 jan 1999
Cooperativa – Artesanato – Produto confeccionado na residência do próprio artesão sem utilização de trabalho assalariado, não caracterizado como típico regional – Falta de requisito essencial para a isenção do artigo 8º, Anexo I, Tabela I, item 36 (RICMS) – Inaplicabilidade do diferimento previsto no artigo 294 do RICMS – Enquadramento no regime tributário simplificado da Lei 10086/98 – Considerações. , de 30 de junho de 2000.
CONSULTA Nº 1013,DE 1999
Cooperativa – Artesanato – Produto confeccionado na residência do próprio artesão sem utilização de trabalho assalariado, não caracterizado como típico regional – Falta de requisito essencial para a isenção do artigo 8º, Anexo I, Tabela I, item 36 (RICMS) – Inaplicabilidade do diferimento previsto no artigo 294 do RICMS – Enquadramento no regime tributário simplificado da Lei 10086/98 – Considerações. , de 30 de junho de 2000.
1. A Consulente – cooperativa de produção e trabalho - informa ter como objeto social a confecção em comum dos produtos de artesanatos, bordados artesanais e industriais, a venda em comum dos produtos fabricados e a compra da matéria prima para fabricação de tais produtos.
Relata que deverá praticar com habitualidade operações relativas à circulação de mercadorias de produtos confeccionados de maneira artesanal (manual) – bordados, crochês, sapatilhas, e pinturas em toalhas, tecidos, panos de prato, etc. - no âmbito residencial de cada cooperado. Tais operações serão destinadas ao varejo, realizadas na sede da cooperativa, e futuramente “à lojas para revenda”.
E, assim exposto, pergunta:
“A) Estas operações poderão gozar de isenção do ICMS para saída interna ou interestadual de produto típico de artesanato regional quando confeccionado na própria residência do artesão (art. 8º, Anexo I, Tab. I, item 36 do RICMS/SP)?
B) Caso esta operação não se enquadre no art. 8º, Anexo I, Tab. I, item 36, fica o lançamento do imposto diferido com base no artigo 294 do RICMS?
C) Pode a cooperativa optar pelo regime especial de apuração do imposto conforme artigo 12 da Lei nº 10.086, de 19.11.98, regime tributário simplificado da microempresa e da empresa de pequeno porte?”
2. De início registre-se que a Lei 5764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, entre outras providências, dispõe que “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro” (artigo 3º). E estabelece, no seu artigo 4º e incisos, as características que distinguem as cooperativas das demais sociedades (a variabilidade do capital representado por quotas-partes, a incessibilidade dessas quotas a terceiros, a singularidade de voto, etc.).
Para De Plácido e Silva, tecnicamente, a sociedade cooperativa “possui forma jurídica sui generis, e se classifica como sociedade de pessoas e não de capitais” (in Vocabulário Jurídico, 15ª edição, atualizada por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, Ed. Forense, 1998, pág. 222).
Assim, a cooperativa - que depende de autorização concedida por órgão competente para o seu funcionamento - pode ser definida como uma sociedade auxiliar, instrumental, utilizada para exercer, no interesse de seus cooperados/associados, aquelas atividades que cada um destes, isoladamente, realizaria em condições mais onerosas, com maior dificuldade, ou não teria possibilidade de executar.
Observe-se, nesse ponto, que não foi esclarecido na consulta sob exame se a Consulente possui a devida autorização do órgão competente para atuar como cooperativa.
3. Por ser dotada de personalidade jurídica, a cooperativa que realiza, de modo habitual ou em volume que caracterize intuito comercial, operações relativas à circulação de mercadorias ou prestações de serviço de transporte interestadual, intermunicipal ou de comunicação, como qualquer outra pessoa natural ou jurídica, se configura como contribuinte do ICMS e, como tal, está sujeita às regras tributárias pertinentes a este imposto (artigo 9º do Regulamento do ICMS).
Apesar da Constituição Federal (artigo 146, inciso III, alínea “c”) dispor que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente sobre “o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas” não há, no âmbito da legislação do ICMS nenhuma disposição específica a respeito do referido ato.
Como o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, alcança, inclusive, a entrega da mercadoria pelo associado à cooperativa, que é apenas uma etapa do encaminhamento da mercadoria da fonte de produção até o consumidor. Essa entrega habitual, efetuada por uma pessoa (física ou jurídica) a outra pessoa (jurídica) para que esta coloque determinada mercadoria no comércio, assemelha-se, em certa forma, à consignação de mercadorias.
4. O Regulamento do ICMS – aprovado pelo Decreto 33118/91, pelo item 36 da Tabela I, do seu Anexo I (artigo 8º), prevê a isenção do ICMS para a saída, interna ou interestadual, “de produto típico de artesanato regional, quando confeccionado na própria residência do artesão, sem utilização de trabalho assalariado”.
Assim, para o benefício isentivo desse dispositivo é necessário que o produto atenda a três requisitos essenciais: 1) ser artesanato típico de uma região; 2) ser confeccionado na própria residência do artesão; e 3) não ter sido utilizado, na sua confecção, mão-de-obra assalariada.
Os dois últimos requisitos são bastante objetivos e não demandam maiores esclarecimentos. No entanto, quanto ao requisito principal - caracterização/definição de “produto típico de artesanato regional” - a questão não é tranqüila.
4.1 A isenção submete-se à previsão expressa de lei (artigo 150, §6º, c/c artigo 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal e artigo 176 do Código Tributário Nacional). O Código Tributário Nacional - CTN, no seu artigo 111, inciso II, determina que deve ser interpretada “literalmente a legislação tributária que disponha sobre (...) outorga de isenção...”.
4.2 A palavra “artesanato” designa, principalmente, “a técnica, o tirocínio ou a arte do artesão” e, por extensão, “o produto do trabalho do artesão”, “objeto feito por ele” (artesão), enquanto “típico” é o “que serve de tipo”, “característico”, e “regional” diz respeito aquilo que é “relativo a, ou próprio de uma região; local” (Aurélio B. de H. Ferreira, in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Forense, 1ª edição).
Em virtude da diversidade cultural brasileira e pela constante interação regional proporcionada pela migração de pessoas e costumes, pelo menos no Estado de São Paulo existe uma grande dificuldade para se estabelecer a efetiva “tipicidade” regional de um produto de artesanato, principalmente nos centros mais evoluídos, devido a essa miscigenação cultural e à influência de todos os meios de comunicação disponíveis (televisão, revistas, internet, etc.).
Apenas algumas poucas regiões mantêm seu artesanato tradicional, como ocorre em Apiaí, no Vale do Ribeira, com sua cerâmica rústica. Um exemplo típico de artesanato regional é o produzido no litoral pelos remanescentes dos índios guaranis, que têm o artesanato como parte integrante de sua cultura e tradição, onde se destaca a cestaria (executada com taboa, taboca, cipó, bambu e palha de milho), além de instrumentos indígenas de percussão, arco e flecha, entre outros trabalhos manuais (fonte: Um mundo chamado São Paulo – Arte – Artesanato – www.saopaulo.sp.gov.br).
Apesar de Saul Alves Martins esclarecer que “o fato artesanal não coincide necessariamente com o regional”, salientando que se existem padrões locais, também existem aqueles que ultrapassam os limites da área geográfica a que se convencionou chamar região (in folclore.art – Artesanato Nordestino – www.folclore.art.br), para os efeitos da isenção sob análise, fundamental é a vinculação da tradição técnica da produção artesanal com a região onde esta é desenvolvida. Essa “tipicidade regionalista” deve ter relevância sociocultural e ser efetivamente reconhecida como tal.
O produto tutelado pelo benefício isentivo implementado por meio dos Convênios ICM 32/75 e ICMS 151/94, cláusula primeira, VI, “h”, celebrado entre os Estados, e acolhido pelo RICMS/SP no item 36 da Tabela I do Anexo I, é o “típico de artesanato regional”, ou seja, aquele que se identifique, por suas características histórico-culturais, com uma determinada área geográfica, e nela se desenvolva.
Vale relembrar que, além da tipicidade regional do produto, o benefício também enfatiza a figura do artesão enfocando a forma de produção do seu artesanato que deve ser realizada na sua própria residência e sem utilização de mão-de-obra assalariada.
Dessa forma, tanto o chamado “artesanato industrial” – peças produzidas e reproduzidas em elevada quantidade (mesmo que manualmente) sem qualquer identidade cultural com a localidade de sua produção e sua tradição, encontradas repetidamente em diversos locais de exposição, como o “artesanato urbano” – em que o artesão/artista, reciclando, cria objetos singulares, não fazem jus ao benefício isentivo do dispositivo sob análise, sendo a saída de tais produtos normalmente tributadas pelo ICMS.
5. Isso assinalado, passa-se a responder objetivamente às indagações apresentadas e relatadas no item 1 desta consulta:
A) Os produtos descritos pela Consulente não se caracterizam como típicos de artesanato regional (bordados, crochês, sapatilhas, pinturas, em toalhas, tecidos, panos de prato, etc.) e, portanto, não poderão gozar do benefício isentivo previsto no artigo 8º, Anexo I, Tabela I, item 36 do RICMS.
B) A previsão do artigo 294 do Regulamento do ICMS também não se aplica à hipótese consultada, sob qualquer forma, pois, apesar do vocábulo “produtor” ter significado bastante amplo (entre outros: “aquele que produz”; “autor”; “elaborador” - Aurélio B. de H. Ferreira, in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Ed. Forense, 1ª edição) a legislação paulista do ICMS o elegeu para designar o produtor rural, o que facilmente se conclui pela análise sistemática dos dispositivos que cuidam da matéria no RICMS/SP (por exemplo: artigos 10, 34 e 36). Assim, o diferimento do imposto previsto nesse dispositivo não se aplica aos produtos elaborados por produtor/artesão, mas sim, e exclusivamente, aos produtos resultantes da atividade do produtor rural, extrator ou pescador (artigo 10 do RICMS).
C) O regime tributário simplificado da Lei 10086/98 (regulamentado pelo Decreto 43738/98) destina-se às empresas que realizam exclusivamente operações com consumidor ou prestações a usuário final, e que, cumulativamente, auferem receita bruta anual de até R$ 720.000,00. Dessa forma, desde que atenda a esses e aos demais requisitos previstos na legislação pertinente, não existe óbice para que a Consulente , por ser uma cooperativa, se enquadre em uma das modalidades do regime tributário simplificado, conforme a previsão de sua receita bruta anual (microempresa, empresa de pequeno porte classe “A” ou “B”).
Alerte-se, contudo, que a Consulente informou expressamente ter intenção de, “futuramente”, comercializar os respectivos produtos com “lojas para revenda”, situação incompatível, conforme explanado acima, com o regime tutelado pela Lei 10086/98.
Elaise Ellen Leopoldi
Consultora Tributária
De acordo
Cirineu do Nascimento Rodrigue
Diretor da Consultoria Tributária