Resolução PGE nº 281 DE 28/07/2025
Norma Estadual - Rio Grande do Sul - Publicado no DOE em 31 jul 2025
Define os procedimentos para negociação, celebração e acompanhamento dos acordos de leniência, no âmbito do Poder Executivo, conforme disposto na Lei Federal Nº 12846/2013, na Lei Nº 15228/2018, e no Decreto Nº 55631/2020, com o objetivo de incentivar a colaboração de pessoas jurídicas na identificação de ilícitos, obtenção célere de informações e documentos comprobatórios, visando à responsabilização dos envolvidos na prática de atos lesivos e a recuperação de danos ao erário.
O PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL , no uso das atribuições que lhe conferem o artigo 12, inciso III, da Lei Complementar nº 11.742, de 17 de janeiro de 2002, e tendo em vista o disposto na Lei nº 15.228, de 25 de setembro de 2018, e no Decreto nº 55.631, de 9 de dezembro de 2020,
Considerando o disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação;
Considerando o disposto nos artigos 3º, §§ 2º e 3º, 4º e 190 da Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), que estabelecem caber ao Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, inclusive no curso do processo judicial, bem como que, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo;
Considerando o disposto nos artigos 26 e 27, §2º, do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, com redação dada pela Lei Federal nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, e pela Lei Federal nº 13.655, de 25 de abril de 2018 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro);
Considerando as disposições sobre acordos de leniência de que tratam a Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013; a Lei nº 15.228, de 25 de setembro de 2018; e o Decreto nº 55.631, de 9 de dezembro de 2020;
Considerando a Lei nº 14.794, de 17 de dezembro de 2015, que institui o Sistema Administrativo de Conciliação e Mediação, regulamentado pelo Decreto nº 55.551, de 20 de outubro de 2020, e a Lei nº 15.612, de 6 de maio de 2021, que dispõe sobre o processo administrativo no Estado do Rio Grande do Sul, e, no seu artigo 2º, introduz a consensualidade administrativa como um dos princípios informadores do processo administrativo estadual;
Considerando os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, que regem a atuação da Administração Pública e norteiam a celebração de acordos administrativos com pessoas jurídicas;
Considerando o dever da Administração Pública de proteger o patrimônio público, prevenir a corrupção e garantir a responsabilização efetiva de entes privados por atos lesivos, em conformidade com os princípios da supremacia do interesse público, da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica;
Considerando que os acordos de leniência constituem instrumento legítimo e eficaz para a obtenção de provas, a elucidação de infrações, a identificação de demais envolvidos e a reparação célere e integral dos danos causados ao erário;
Considerando a necessidade de conferir transparência, segurança jurídica, padronização e controle institucional aos procedimentos de negociação e acompanhamento dos acordos de leniência, resguardando o interesse público e a integridade da atuação estatal; e
Considerando o interesse público na efetiva implementação de programas de integridade e de mecanismos de governança corporativa nas pessoas jurídicas que celebrem acordo com a Administração.
RESOLVE :
CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Resolução define os procedimentos para negociação, celebração e acompanhamento dos acordos de leniência de que tratam a Lei Federal nº 12.846/2013 e a Lei n° 15.228/2018, cuja competência para celebração é atribuída ao Procurador-Geral do Estado, no âmbito do Poder Executivo, conforme o artigo 64 do Decreto n° 55.631/2020.
Art. 2º O acordo de leniência visa à isenção ou atenuação das sanções administrativas aplicáveis às pessoas jurídicas responsáveis pela prática de atos lesivos contra a administração pública estadual, previstos na Lei Federal nº 12.846/2013 e na Lei nº 15.228/2018, bem como de ilícitos previstos na Lei Federal nº 14.133/2021 (e na Lei Federal nº 8.666/1993, quando aplicável), na Lei Federal nº 8.429/1992 e em outras normas de licitações e contratos, desde que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo.
Art. 3º A colaboração da pessoa jurídica deve resultar na identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber, e na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
CAPÍTULO II - DA PROPOSTA DE ACORDO DE LENIÊNCIA
Art. 4º A pessoa jurídica interessada em celebrar acordo de leniência deverá apresentar proposta por escrito, dirigida ao Procurador-Geral do Estado, mediante protocolo na sede da Procuradoria-Geral do Estado, em envelope lacrado e identificado com os dizeres "Proposta de Acordo de Leniência" e "Confidencial".
Art. 5º A proposta deverá ser apresentada pelo representante legal da pessoa jurídica, na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes específicos, e conterá, no mínimo:
I - a qualificação completa da pessoa jurídica e de seus representantes, devidamente documentada;
II - a descrição detalhada dos atos ilícitos de que tem conhecimento, com a identificação dos demais envolvidos, se houver;
III - o resumo da prática supostamente ilícita e a descrição das provas e documentos a serem apresentados;
IV - declaração expressa de que foi orientada sobre seus direitos, garantias e deveres legais, e de que o não atendimento às solicitações da Comissão de Negociação importará em desistência da proposta;
V - declaração de que cessou ou cessará completamente seu envolvimento no ilícito a partir da data da propositura do acordo;
VI - declaração de que admite sua participação na infração administrativa;
VII - o compromisso de implementar ou melhorar mecanismos internos de integridade (Programa de Integridade).
Art. 6º A proposta não será admitida nem processada:
I - após a assinatura do relatório final pela Comissão Processante no âmbito do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) na esfera administrativa;
II - caso já tenha sido proferida sentença na esfera judicial envolvendo os mesmos fatos e sanções examinados no Processo Administrativo de Responsabilização (PAR).
Art. 7º A proposta receberá tratamento sigiloso, nos termos do § 5º do artigo 30 da Lei nº 15.228/2018, tramitando em autos apartados do PAR ou do procedimento apuratório.
Parágrafo único. O acesso será restrito às autoridades e servidores envolvidos na negociação, salvo autorização expressa da proponente e anuência do Procurador-Geral do Estado, ou no interesse das investigações.
CAPÍTULO III - DA NEGOCIAÇÃO DO ACORDO
Art. 8º Recebida a proposta, o Procurador-Geral do Estado designará uma Comissão de Negociação, composta por, no mínimo, 3 (três) Procuradores do Estado, indicando seu Presidente.
§ 1º Os membros da Comissão de Negociação não podem ter participado do PAR referente aos fatos.
§ 2º A Comissão de Negociação poderá requisitar apoio técnico de outros órgãos ou entidades da administração pública estadual, inclusive da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (CAGE), para avaliação de programas de integridade e quantificação de danos.
§ 3º Os membros da Comissão de Negociação e os eventuais servidores auxiliares assinarão termo de sigilo.
§ 4º A Comissão de Negociação será integrada por, ao menos, um Procurador do Estado com atuação na Procuradoria Disciplinar e de Probidade Administrativa (PDPA).
Art. 9º Compete à Comissão de Negociação:
I - esclarecer ao proponente os requisitos legais para a celebração do acordo;
II - avaliar o preenchimento das condições legais e a efetividade da colaboração ofertada;
III - propor a assinatura de Memorando de Entendimentos, se cabível;
IV - avaliar o Programa de Integridade da proponente, podendo solicitar o apoio da CAGE;
V - negociar as cláusulas do acordo, incluindo a reparação do dano, a multa e os benefícios aplicáveis;
VI - propor cláusulas que assegurem a efetividade da colaboração, o resultado útil do processo, o comprometimento com a governança e a integridade, e o monitoramento eficaz;
VII - elaborar relatório conclusivo sobre as negociações.
Art. 10. Poderá ser firmado Memorando de Entendimentos entre a proponente e a Comissão de Negociação, para definir os parâmetros base da negociação.
Art. 11. A negociação deverá ser concluída no prazo de 180 (cento e oitenta) dias úteis, prorrogáveis por iguais períodos, mediante ato do Procurador-Geral do Estado.
Art. 12. A qualquer momento antes da celebração do acordo, a proposta poderá ser objeto de desistência pela proponente ou rejeitada pelo Procurador-Geral do Estado.
§ 1º A desistência ou rejeição não importa em reconhecimento da prática do ilícito e os documentos apresentados serão devolvidos, vedado seu uso para fins responsabilização, ressalvados os casos em que sejam conhecidos por outros meios.
§ 2º O não atendimento às solicitações da Comissão de Negociação importará em desistência tácita da proposta, devendo a pessoa jurídica ser notificada do encerramento da negociação.
CAPÍTULO IV - DA CELEBRAÇÃO E CONTEÚDO DO ACORDO
Art. 13. Concluída a negociação, a Comissão de Negociação elaborará relatório conclusivo e submeterá a minuta do acordo ao Procurador-Geral do Estado para decisão sobre a sua celebração.
Art. 14. O acordo de leniência conterá, no mínimo, as cláusulas previstas no artigo 77 do Decreto nº 55.631/2020.
Art. 15. A celebração do acordo de leniência:
I - isentará a pessoa jurídica da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória;
II - isentará a pessoa jurídica da sanção de proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos;
III - reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 1º O percentual de redução da multa, limitado a dois terços, e a isenção ou o grau de atenuação das demais sanções serão estabelecidos na fase de negociação e fixados no acordo, levando-se em consideração, de forma motivada e proporcional, os critérios cumulativos previstos no § 3º do artigo 76 do Decreto nº 55.631/2020, relativamente aos quais deve ser considerado:
I - grau de cooperação plena e permanente: Avalia-se a profundidade, a agilidade, a proatividade e a consistência da colaboração da pessoa jurídica com as investigações e com o processo administrativo, incluindo o detalhamento das práticas ilícitas, a espontaneidade na entrega de informações e a disposição em comparecer aos atos necessários. Maior grau de cooperação justifica maior redução/atenuação;
II - identificação dos demais envolvidos: Considera-se a relevância e a efetividade das informações fornecidas para identificar outros participantes da infração, especialmente agentes públicos ou outras pessoas jurídicas. A identificação de participantes de maior relevância ou a completa elucidação da cadeia de envolvidos pode justificar maior benefício;
III - qualidade e ineditismo das provas apresentadas: Avalia-se a utilidade, a suficiência e o caráter inédito dos documentos e elementos probatórios fornecidos pela colaboradora para comprovar os ilícitos. Provas robustas, de difícil obtenção por outros meios e que efetivamente comprovem os fatos tendem a justificar maior redução/atenuação;
IV - condições propostas para o ressarcimento do dano: Considera-se a celeridade, a integralidade e a forma de pagamento propostas pela pessoa jurídica para reparar o dano causado. Propostas que garantam a reparação rápida e efetiva do prejuízo ao erário podem influenciar positivamente na concessão de benefícios.
§ 2º Os benefícios do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas, nos termos do artigo 30, § 4º, da Lei nº 15.228/2018.
§ 3º A celebração do acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
Art. 16. A celebração do acordo interrompe o prazo prescricional das infrações objeto do acordo.
Art. 17. Após a celebração, dar-se-á publicidade ao acordo, ressalvadas informações sigilosas, e cópia será enviada ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas do Estado e à CAGE.
CAPÍTULO V - DO ACOMPANHAMENTO E DO DESCUMPRIMENTO
Art. 18. O Procurador-Geral do Estado designará uma Equipe de Acompanhamento e Fiscalização do Acordo de Leniência, composta por, no mínimo, dois Procuradores do Estado, sendo um integrante da PDPA, podendo contar com o apoio de outros servidores da Procuradoria-Geral do Estado ou requisitar apoio técnico da CAGE ou de outros órgãos e entidades estaduais, quando necessário.
§ 1º Na ausência de designação específica de Procuradores do Estado para compor a Equipe de Acompanhamento e Fiscalização, esta será integrada pelos membros da Comissão de Negociação do acordo de leniência.
§ 2º Compete à Equipe de Acompanhamento e Fiscalização:
I - receber e analisar os relatórios e documentos apresentados pela pessoa jurídica colaboradora;
II - verificar o cumprimento tempestivo e integral das obrigações financeiras, de colaboração e relativas ao Programa de Integridade;
III - requisitar informações e documentos adicionais à colaboradora;
IV - realizar diligências e entrevistas, se necessário, para aferir o cumprimento do acordo;
V - comunicar-se com outros órgãos (CAGE, MP, TCE) para troca de informações relevantes ao acompanhamento;
VI - elaborar relatórios periódicos ao Procurador-Geral do Estado sobre o andamento do cumprimento do acordo;
VII - instruir e opinar nos incidentes relativos ao cumprimento do acordo;
VIII - comunicar imediatamente ao Procurador-Geral do Estado eventuais indícios de descumprimento; IX - emitir parecer final sobre o cumprimento integral do acordo.
§ 3º A pessoa jurídica colaboradora deverá demonstrar à Equipe de Acompanhamento e Fiscalização o cumprimento das obrigações, mediante a apresentação de relatórios instruídos com a documentação comprobatória pertinente, na periodicidade definida no acordo.
Art. 19. O descumprimento do acordo pela pessoa jurídica acarretará:
I - a perda dos benefícios pactuados;
II - a impossibilidade de celebrar novo acordo por 3 (três) anos;
III - o vencimento antecipado das parcelas não pagas e a execução do valor integral da multa, descontado o já pago, e da reparação do dano;
IV - a instauração ou retomada do PAR referente aos fatos;
V - o registro do descumprimento no Cadastro Estadual de Empresas Punidas (CEEP) e Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP).
Art. 20. Constatado o descumprimento, a equipe de acompanhamento comunicará ao Procurador-Geral do Estado, que, após oportunizar a manifestação da pessoa jurídica, declarará o descumprimento e adotará as medidas cabíveis.
CAPÍTULO VI - DA CONCLUSÃO DO ACORDO
Art. 21. Cumpridas integralmente todas as obrigações e atestado o adimplemento pela equipe de acompanhamento, o Procurador-Geral do Estado declarará o cumprimento definitivo do acordo de leniência, com o registro nos autos pertinentes.
Art. 22. O cumprimento definitivo ensejará a extinção do PAR ou de procedimento apuratório/sancionatório de natureza similar em relação à pessoa jurídica signatária, nos limites do acordo, sem prejuízo do prosseguimento em relação a outros fatos ou envolvidos.
CAPÍTULO VII - DA ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL
Art. 23. A Procuradoria-Geral do Estado buscará a articulação com o Ministério Público para, sempre que possível e pertinente, celebrar acordos de forma conjunta, conforme previsto no artigo 31 da Lei nº 15.228/2018 e artigo 65 do Decreto nº 55.631/2020.
Art. 24. A Procuradoria-Geral do Estado manterá comunicação e colaboração com a CAGE e com o Tribunal de Contas do Estado, respeitadas as competências institucionais, visando à eficiência e à segurança jurídica dos procedimentos relacionados a acordos de leniência e à responsabilização de pessoas jurídicas.
§ 1º A comunicação com a CAGE observará, no que couber, os procedimentos definidos em Instrução Normativa Conjunta ou outro ato normativo específico, abrangendo, entre outros:
I - compartilhamento de informações sobre fatos, investigações e processos em andamento;
II - solicitação e fornecimento de apoio técnico para avaliação de Programas de Integridade e quantificação de danos;
III - troca de informações sobre o monitoramento e cumprimento dos acordos.
§ 2º A comunicação com o Ministério Público buscará, além da celebração conjunta de acordos, o intercâmbio de informações e elementos probatórios, respeitados os sigilos legais e os trâmites de cada instituição, visando à atuação coordenada nas esferas administrativa, cível e criminal.
§ 3º A comunicação com o Tribunal de Contas do Estado visará ao alinhamento de informações sobre a apuração e reparação de danos ao erário, respeitadas as competências constitucionais de cada órgão.
CAPÍTULO VIII - DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 25. Os casos omissos nesta Resolução serão resolvidos pelo Procurador-Geral do Estado.
Art. 26. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Eduardo Cunha da Costa,
Procurador-Geral do Estado.
Registre-se e publique-se.
Gustavo Petry,
Procurador-Geral Adjunto para Assuntos Jurídicos, em exercício.