Portaria SEPM nº 85 de 10/08/2010
Norma Federal - Publicado no DO em 13 ago 2010
Institui as Diretrizes de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta.
A Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 22 da Lei 10.683, de 28 de maio de 2003,
Resolve:
Art. 1º Ficam instituídas as Diretrizes de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta que se seguem, compreendidas no âmbito do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, da Política e do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, e referendadas pelo Fórum Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, conforme disposto:
I - Garantir condições para o cumprimento, no campo e na floresta, das recomendações previstas nos tratados internacionais na área de violência contra as mulheres (em especial aquelas contidas na Convenção de Belém do Pará - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as mulheres (1994); na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres (CEDAW, 1981) e na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças - Protocolo de Palermo (2000);
II - Garantir e proteger os direitos das mulheres em situação de violência, considerando as questões étnico-raciais, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social e econômica, as diferenças regionais e territoriais;
III - Implementar ações que desconstruam os estereótipos de gênero e que modifiquem os padrões sexistas, perpetuadores das desigualdades de poder entre homens e mulheres e da violência de gênero, considerando as diversidades existentes entre as mulheres (em especial no que tange à territorialidade), de forma a contemplar as especificidades do campo e da floresta;
IV - Criar condições para a implementação da Lei Maria da Penha no campo e na floresta;
V - Garantir o acesso das mulheres do campo e da floresta ao sistema de justiça e de segurança pública;
VI - Estabelecer ações de combate ao tráfico de mulheres e à exploração comercial de mulheres adolescentes/jovens, no campo e na floresta;
VII - Garantir às mulheres do campo e da floresta acesso à educação e promover a oferta de escolarização adequada às especificidades territoriais e ao trabalho exercido por elas;
VIII - Proporcionar às mulheres do campo e da floresta o atendimento humanizado, integral e qualificado na rede de atendimento às mulheres em situação de violência;
IX - Garantir o acesso das mulheres do campo e floresta a todos os serviços da rede de atendimento;
X - Ampliar a capilaridade do atendimento às mulheres do campo e da floresta, por meio da capacitação dos serviços especializados e não-especializados da rede de atendimento à mulher em situação de violência (em especial, os da rede de saúde e da rede sócio-assistencial);
XI - Garantir às mulheres do campo e da floresta o acesso às informações sobre seus direitos;
XII - Garantir às mulheres do campo e da floresta o direito de acesso à terra, à habitação e às políticas públicas de apoio à produção e comercialização;
XIII - Criar condições para implementação de dados oficiais sobre a violência contra as mulheres do campo e da floresta.
Art. 2º As Diretrizes estabelecidas por meio desta Portaria têm como base os seguintes conceitos:
I - Violência contra as mulheres: adotado pela Política Nacional, fundamenta-se na definição da Convenção de Belém do Pará (1994), segundo a qual a violência contra as mulheres constitui "qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado". A definição é, portanto, ampla e abarca diferentes formas de violência contra as mulheres, tais como:
a) a violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que as mulheres e que compreende, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (Lei 11.340/2006);
b) a violência ocorrida na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar;
c) a violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (violência institucional).
II - Enfrentamento: diz respeito à implementação de políticas públicas amplas e articuladas, que procurem dar conta da complexidade da violência contra todas as mulheres, em todas as suas expressões. O enfrentamento requer a ação conjunta dos diversos setores envolvidos com a questão (saúde, segurança pública, justiça, educação, assistência social, entre outros), no sentido de propor ações que: desconstruam as desigualdades e combatam as discriminações de gênero e a violência contra as mulheres; interfiram nos padrões sexistas/machistas ainda presentes na sociedade brasileira; promovam o empoderamento das mulheres; e garantam um atendimento qualificado e humanizado às mulheres em situação de violência;
III - Territorialidade: fator que marca fortemente a vida das mulheres, no que tange à desigualdade de gênero e à vivência da violência doméstica. As mulheres do campo e da floresta tem sua vida fortemente marcada pelas características dos lugares em que vivem. Estes são isolados, sem acesso rápido a quaisquer recursos oferecidos pela vida urbana, afastados dos serviços e socorros oferecidos pelos Governos Municipal, Estadual e Federal, propiciando ainda maiores condições de reprodução do machismo e, portanto, altíssimos índices de violência contras mulheres, impunidade dos agressores e dificuldades de acesso aos serviços nos quais as mulheres recebem a atenção adequada. A territorialidade também passa pela ação dos grupos sociais, a interação das pessoas com o ambiente e com as demais pessoas com as quais convivem. No caso das mulheres, isso é ainda mais plausível: são vários os movimentos de mulheres do campo e da floresta nascidos da luta pelo fim das desigualdades de gênero, enfrentamento à violência e pelo fim da impunidade dos agressores;
IV - Mulheres do campo e da floresta: são as mulheres trabalhadoras rurais, mulheres que vivem no campo, na ruralidade e na floresta, agricultoras familiares, as extrativistas, catadoras de coco, de babaçu e as seringueiras;
V - Âmbito preventivo: a Política Nacional buscará implementar ações que desconstruam os mitos e estereótipos de gênero e que modifiquem os padrões sexistas, perpetuadores das desigualdade de poder entre homens e mulheres e da violência contra as mulheres. A prevenção inclui não somente ações educativas, mas também culturais que disseminem atitudes igualitárias e valores éticos de irrestrito respeito às diversidades de gênero, raça/etnia, geracionais e de valorização da paz. As ações preventivas incluirão campanhas que visibilizem as diferentes expressões de violência de gênero sofridas pelas mulheres e que rompam com a tolerância da sociedade frente ao fenômeno. No tocante à violência doméstica, a prevenção deverá focar a mudança de valores, em especial no que tange à cultura do silêncio quanto à violência contra as mulheres no espaço doméstico e à banalização do problema pela sociedade;
VI - Combate à violência contra as mulheres: inclui o estabelecimento e cumprimento de normas penais que garantam a punição e a responsabilização dos agressores/autores de violência contra as mulheres. No âmbito do combate, a Política Nacional proporá ações que garantam a implementação da Lei Maria da Penha, em especial nos seus aspectos processuais/penais e no que tange à criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as mulheres. A Política também buscará fortalecer ações de combate ao tráfico de mulheres e à exploração comercial de mulheres adolescentes/jovens;
VII - Direitos humanos das mulheres: a Política deverá cumprir as recomendações previstas nos tratados internacionais na área de violência contra as mulheres (em especial aquelas contidas na Convenção de Belém do Pará - Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra as mulheres - 1994 e na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as mulheres - CEDAW - 1981). No eixo da garantia de direitos, deverão ser implementadas iniciativas que promovam o empoderamento das mulheres, o acesso à justiça e a o resgate das mulheres como sujeito de direitos;
VIII - Assistência: a Política Nacional deverá garantir o atendimento humanizado e qualificado às mulheres em situação de violência por meio da formação continuada de agentes públicos e comunitários; da criação de serviços especializados (Casas-Abrigo, Centros de Referência, Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as mulheres, Defensorias das mulheres); e da constituição/fortalecimento da Rede de Atendimento (articulação dos governos - Federal, Estadual, Municipal, Distrital - e da sociedade civil para o estabelecimento de uma rede de parcerias para o enfrentamento.
Art. 3º As diretrizes de enfrentamento à violência contra as mulheres do campo e da floresta têm por base os princípios da Política Nacional para as Mulheres, aprovadas na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres e ratificadas pela II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres.
Art. 4º As políticas públicas e ações destinadas a promover o enfrentamento à violência contra as mulheres do campo e da floresta elaboradas e implementadas pelo Governo Federal devem considerar os conceitos e diretrizes definidas por meio desta Portaria, na sua construção, criação e aplicação.
Art. 5º As ações a serem implementadas em decorrência das diretrizes e conceitos instituídos serão incluídas no âmbito do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
NILCÉA FREIRE