Portaria SCTIE nº 70 de 01/11/2006
Norma Federal - Publicado no DO em 06 nov 2006
Aprova o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS HEPATITE AUTOIMUNE.
O Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, no uso de suas atribuições legais,
Considerando a necessidade de estabelecer o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o tratamento da Hepatite Autoimune, que contenha critérios de diagnóstico e tratamento, racionalize a dispensação dos medicamentos preconizados para o tratamento da doença, regulamente suas indicações e seus esquemas terapêuticos e estabeleça mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;
Considerando a Consulta Pública GM/MS nº 14, de 04 de novembro de 2004, a que foi submetido o Protocolo Clínico e Diretrizes TerapêuticasHepatite Autoimune, que promoveu ampla discussão e possibilitou a participação efetiva da comunidade técnico científica, sociedades médicas, profissionais de saúde e gestores do Sistema Único de Saúde na sua formulação, resolve:
Art. 1º Aprovar o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICASHEPATITE AUTOIMUNE, na forma do Anexo desta Portaria.
§ 1º Este Protocolo, que contém o conceito geral da doença, os critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliação deste tratamento, é de caráter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na regulação da dispensação dos medicamentos nele previstos.
§ 2º As Secretarias de Saúde que já tenham definido Protocolo próprio com a mesma finalidade, deverão adequá-lo de forma a observar a totalidade dos critérios técnicos estabelecidos no Protocolo aprovado pela presente Portaria;
§ 3º É obrigatória a observância deste Protocolo para fins de autorização e dispensação dos medicamentos nele previstos;
§ 4º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento da Hepatite Autoimune, o que deverá ser formalizado através da assinatura do respectivo Termo de Consentimento Informado, conforme o modelo integrante do Protocolo.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
MOISÉS GOLDBAUM
ANEXOPROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
HEPATITE AUTOIMUNE
AZATIOPRINA
1. INTRODUÇÃO
Em 1950 foi descrita por Waldenström uma série de casos de mulheres jovens com uma forma de hepatite grave, associada a "rash" acneiforme, aranhas vasculares, amenorréia e uma elevação marcada das concentrações séricas de gama-globulina. Após ter se estabelecido a origem imunológica da doença, ela passou a ser conhecida por "hepatite lupóide" ou "hepatite autoimune crônica ativa". Em dois encontros internacionais de especialistas, em 1992 em Brighton no Reino Unido e em 1994 em Los Angeles nos Estados Unidos, foi reconhecido que os termos crônica e ativa eram desnecessários, pois a doença é a priori crônica e nem sempre é ativa, devido ao seu caráter flutuante. Desse modo foi recomendada a utilização do termo "Hepatite autoimune" para a sua designação.1
A prevalência dessa doença, baseada em estatísticas internacionais realizadas na Europa setentrional, situa-se em cerca de 17 casos por 100.000 habitantes, com uma incidência anual de 1,9 casos por 100.000 habitantes.1,2 No Brasil a incidência não é plenamente conhecida. Em um Inquérito Nacional sobre Hepatite Autoimune, apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Hepatologia em 2001, dentre as causas de hepatopatia crônica, sua prevalência foi de 3,3%.3 As principais características da hepatite autoimune são um quadro histológico de hepatite de interface (periportal e/ou periseptal), a hipergamaglobulinemia, a presença de autoanticorpos tissulares e a responsividade a terapia imunossupressora na maioria dos casos.1 Dentre os principais anticorpos estão o fator antinuclear (FAN), o anti-músculo liso (AML) e o os anticorpos microssomais expressos no fígado e nos rins (anti-LKM1). Outros anticorpos também foram caracterizados, principalmente do grupo anti-actina, sendo um dos principais o anti-SLA/LP3, contudo os anticorpos desse grupo são considerados investigacionais, não são normalmente disponíveis e seus métodos de identificação ainda não foram padronizados. A positividade do FAN e/ou do AML caracterizam a hepatite autoimune tipo 1, o anti-LKM1 a tipo 2 e o anti-SLA/LP a tipo 3. Pacientes com hepatite autoimune tipo 1 têm maiores chances de sucesso com o tratamento e maiores chances de remissão do que pacientes com hepatite autoimune tipo 24, embora a importância prática para o tratamento ou para o prognóstico da utilização dessa classificação ainda não esteja determinada.1
Em cerca de 50% dos casos o início da doença é insidioso, com os pacientes apresentando fadiga, náuseas, anorexia, perda de peso, dor ou desconforto abdominais, icterícia, rash cutâneo, artralgias e mialgias. No exame físico podem estar presentes hepatoesplenomegalia, ascite, eritema palmar, aranhas vasculares, edema periférico e encefalopatia.1,5 Cerca de 30% dos pacientes apresentam-se com um quadro agudo, com icterícia marcada, sendo essencial a identificação precoce e tratamento adequado para evitar-se progressão para insuficiência hepática. O restante dos casos são assintomáticos e são identificados pelo achado incidental de aumento de transaminases.1
A história natural e o prognóstico da hepatite autoimune dependem do grau de atividade da doença e da presença ou não de cirrose. Elevação sustentada de aminotransferases séricas (ALT ou AST) acima de 10 vezes o limite superior da normalidade ou elevação de 5 vezes das mesmas enzimas associada a elevação de 2 vezes o normal nos valores de gamaglobulina, associam-se com aumento na mortalidade, que pode chegar a 90% em 10 anos.6,7 A mortalidade chega a 40% nos primeiros seis meses para pacientes com doença grave que não recebem terapia imunossupressora.7 A mortalidade em pacientes com cirrose não tratados é de 58% em cinco anos, sendo que a presença de cirrose parece não influenciar na resposta terapêutica.8
Três ensaios clínicos clássicos avaliaram a utilidade da terapia imunossupressora na Hepatite autoimune. O primeiro, publicado em 1971, avaliou 49 pacientes com o diagnóstico de "Hepatite Crônica Ativa". Os pacientes foram randomizados para receberem 15mg de prednisolona ou permanecerem em acompanhamento sem tratamento.
Houve diminuição significativa na bilirrubina sérica e globulinas totais com aumento na albumina sérica dos pacientes recebendo prednisolona em relação aos controles. Após 6 anos de acompanhamento, 3 (13,6%) dos 22 pacientes do grupo prednisolona morreram em comparação com 15 (55,6%) dos 27 pacientes no grupo controle (p 3,0