Portaria FEPAM nº 68 DE 08/07/2019

Norma Estadual - Rio Grande do Sul - Publicado no DOE em 15 jul 2019

Dispõe sobre os critérios para disposição final de efluentes líquidos sanitários e efluentes líquidos industriais em solo no Estado do Rio Grande do Sul.

A Diretora-Presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler - FEPAM, no uso das atribuições conforme disposto na Lei nº 9.077, de 04 de junho de 1990 e no art. 15 do Decreto 51.761/2014, bem como tendo em vista o disposto no seu Regimento Interno;

Considerando o Decreto Estadual nº 37.033/1996, que estabelece que compete à FEPAM definir os critérios para a gestão da qualidade das águas subterrâneas;

Considerando o Decreto Estadual nº 42.047/2002, que estabelece que a implantação ou ampliação de empreendimentos que apresentem riscos de poluição das águas subterrâneas deverão conter medidas de proteção, controle e monitoramento a serem aprovadas pela FEPAM;

Considerando a Res. CONAMA nº 396/2008, que estabelece que o órgão ambiental definirá os critérios e exigências para aplicação e disposição de efluentes no solo;

Considerando a Lei Federal nº 11445/2007, que estabelece que a autoridade ambiental competente estabelecerá procedimentos simplificados para o licenciamento de atividades de tratamento de esgotos sanitários, em função do porte das unidades e dos impactos ambientais esperados;

Considerando a necessidade de regramento da disposição de efluentes líquidos em solo;

Resolve:

Art. 1º Esta Portaria dispõe sobre os critérios para disposição final de efluentes líquidos sanitários e efluentes líquidos industriais em solo.

§ 1º As medidas desta portaria se aplicam à disposição de efluentes líquidos por meio de sumidouros, bacias, valas e lotes de infiltração e evapotranspiração.

§ 2º Os efluentes líquidos industriais contemplados por esta Portaria são somente aqueles gerados em empreendimentos do ramo alimentício ou outros ramos cujo efluente seja predominantemente composto de carga orgânica.

§ 3º Não são contemplados por esta Portaria:

a) o reúso, seja para fins agrícolas ou não, os quais deverão atender critérios específicos a serem estabelecidos pelo órgão ambiental competente; ou

b) os efluentes líquidos de postos de combustíveis, que devem respeitar regramento específico.

CAPÍTULO I - DAS DEFINIÇÕES

Art. 2º Para os efeitos desta Portaria, entende-se por:

I - Água subterrânea: água que ocorre em subsuperfície, no solo e/ou subsolo, de forma natural ou a partir de intervenção antrópica;

II - Alternância de uso: intermitência de uso entre as bacias e valas de infiltração estabelecida a partir de intervalos de aplicação que permitam períodos de secagem e aeração do solo;

III - Aquífero: unidade hidrogeológica com capacidade de acumular e transmitir água através dos seus poros, fissuras ou espaços resultantes da dissolução e carreamento de materiais rochosos;

IV - Bacia de infiltração: estrutura de área prismática destinada à disposição final do efluente na subsuperfície do solo;

V - Bacia piloto: volume prismático com área superficial mínima de 9 m² destinado à realização de ensaios de infiltração, em condições saturadas, devendo possuir características construtivas semelhantes às das bacias ou valas de infiltração projetada;

VI - Disposição final em solo: aplicação em solo de efluente em taxa controlada em sistema projetado para essa finalidade;

VII - Efeito de borda: comportamento observado em ensaios de infiltração desenvolvidos em pequenas escalas em decorrência da capilaridade do solo, a exemplo do Anexo A da ABNT NBR 13969/1997, provocando um incremento na taxa de infiltração observada;

VIII - Efluente líquido industrial: despejo líquido resultante de qualquer atividade produtiva, oriunda prioritariamente de áreas de transformação de matérias primas em produtos acabados;

IX - Efluente líquido sanitário: despejo líquido resultante do uso da água para higiene e necessidades fisiológicas humanas;

X - Horizonte C do solo: mistura de solo pouco denso com rocha-matriz pouco alterada;

XI - Índice PST: Percentual de Sódio Trocável, índice que indica o grau de saturação do complexo de troca do solo com o íon sódio;

XII - Índice SMP: Acidez potencial do solo estimada pelo método desenvolvido por SHOEMAKER, McLEAN & PRATT- SMP que considera o poder tampão do solo, utilizado para recomendação da correção da acidez dos solos;

XIII - Infiltrômetro de anéis concêntricos: método para determinação da taxa de infiltração por meio da aplicação de par de anéis concêntricos no solo em profundidade de até 150 mm, no qual ocorre saturação do anel externo de maneira a minimizar o fluxo lateral, sendo medida a taxa de infiltração do anel interno;

XIV - Lotes de infiltração e evapotranspiração: área com cobertura vegetal destinada à disposição final do efluente, em que ocorrem processos de infiltração, percolação e evapotranspiração, associados à remoção biológica na matriz solo/planta;

XV - Nível da água subterrânea: indicador da energia total disponível para o fluxo da água subterrânea através de um aquífero, medido pela altura em que uma coluna de água ficará acima de uma elevação de referência (ou "datum"), como o nível médio do mar;

XVI - Núcleo populacional: local constituído por um conjunto de edificações adjacentes, com características de permanência e não vinculados a um único proprietário do solo;

XVII - Padrão de emissão: valor máximo permitido, atribuído a cada parâmetro passível de controle, para disposição de efluentes no solo;

XVIII - Poço de monitoramento: poço projetado e instalado conforme normas vigentes de modo a se obter amostra representativa da qualidade da água subterrânea;

XIX - Poços de monitoramento de jusante: conjunto de poços de monitoramento situados à jusante da área de disposição de efluentes líquidos em relação ao fluxo preferencial das águas subterrâneas;

XX - Poços de monitoramento de montante: conjunto de poços de monitoramento situados à montante da área de disposição de efluentes líquidos em relação ao fluxo preferencial das águas subterrâneas de modo a indicar a qualidade das águas subterrâneas do local sem a interferência da disposição avaliada;

XXI - População flutuante: conjunto de indivíduos presentes no território por um período de curta duração, por motivos recreativos, de turismo, visita a familiares ou de negócios;

XXII - Reúso: utilização do efluente tratado para diversas finalidades, tal como irrigação, recuperação de áreas degradadas, entre outras;

XXIII - Sistema local de tratamento de esgoto sanitário: sistema de saneamento onde as distâncias entre as fontes geradoras de esgotos, seu tratamento e disposição final são próximas entre si, não necessitando normalmente de rede coletora extensa, coletor-tronco, poços de visita, emissários, elevatórias etc;

XXIV - Sumidouro: solução local de disposição final de esgotos sanitários contemplada pela ABNT NBR 13969/1997 constituída por poço escavado no solo;

XXV - Taxa de aplicação hidráulica: fator utilizado para dimensionamento das unidades de disposição de efluente em solo expresso na relação da vazão de efluente por área de aplicação;

XXVI - Taxa de infiltração: taxa em que a água ingressa no solo determinada conforme método reconhecido;

XXVII - Usos preponderantes: principais usos das águas subterrâneas que incluem consumo humano, dessedentação de animais, irrigação e recreação;

XXVIII - Vala de infiltração: vala escavada no solo, destinada à depuração e disposição final do efluente na subsuperfície do solo sob condição essencialmente aeróbia, contendo tubulação de distribuição e meios de filtração no seu interior;

XXIX - Valores de background do solo: concentrações de diferentes elementos no solo observadas em uma região anteriormente à disposição de efluentes líquidos no solo;

XXX - Valor de Prevenção: concentração de valor limite de determinada substância no solo, tal que ele seja capaz de sustentar as suas funções principais conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente;

XXXI - Valor de Investigação: concentração de determinada substância no solo ou na água subterrânea acima da qual existem riscos potenciais, diretos ou indiretos, à saúde humana, considerando um cenário de exposição padronizado conforme estabelecido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente;

XXXI - Valor de Referência de Qualidade: concentração de determinada substância que define a qualidade natural do solo conforme estabelecido pelo órgão ambiental estadual;

XXXII - Vulnerabilidade de aquífero: conjunto de características intrínsecas dos estratos que separam o aquífero saturado da superfície do solo, o que determina sua suscetibilidade a sofrer os efeitos adversos de uma carga contaminante aplicada em superfície;

XXXIII - Zona-alvo de monitoramento: camada onde existe uma razoável expectativa de um poço instalado verticalmente interceptar os contaminantes em migração oriundos da disposição de efluentes em solo.

CAPÍTULO II - DAS CONDIÇÕES E PADRÕES DE DISPOSIÇÃO DE EFLUENTES EM SOLO

Art. 3º A disposição final de efluente sanitário oriundo de sistemas locais de tratamento de esgotos em vazão de até 20 m³/dia deverá atender às condições de projeto e operação determinadas pelas normas técnicas ABNT NBR 7229:1993 e NBR 13969:1997, ficando dispensada do atendimento das demais disposições desta Portaria.

Parágrafo único. É vedado o uso de sumidouros para disposição final de efluente sanitário em vazão superior a 20 m³/dia.

Art. 4º O efluente não poderá conferir às águas subterrâneas características em desacordo com o seu enquadramento.

Parágrafo único. Enquanto não aprovados os respectivos enquadramentos, as águas subterrâneas serão consideradas classe 3 conforme Resolução CONAMA nº 396/2008 .

Art. 5º As concentrações de substâncias químicas no solo deverão respeitar o estabelecido nos valores de referência de qualidade, de prevenção e de investigação da Resolução CONAMA nº 420/2009 e Portaria FEPAM nº 85/2014 e suas atualizações.

Art. 6º Não será permitida a disposição de efluente em solo:

I - em um raio mínimo de 100 m de poços e outras captações subterrâneas;

II - em um raio mínimo de 60 m de núcleos populacionais em casos de disposição em lotes de infiltração e evapotranspiração com utilização de sprinklers;

III - em áreas com declividade acima de 20%;

IV - em áreas com solo com menos de 1,5 m de espessura até o horizonte C;

V - em áreas com existência de fraturas e descontinuidades que possam causar a rápida migração do efluente infiltrado;

VI - em áreas sujeitas à inundação antes de tomadas as medidas de controle;

VII - em áreas de preservação permanente, salvo em casos de utilidade pública quando comprovada a ausência de alternativas locacionais;

VIII - em aquíferos com elevada vulnerabilidade em casos de disposição de efluentes industriais.

Art. 7º A disposição de efluentes em solo está condicionada à realização de estudos que comprovem sua viabilidade ambiental, contendo caracterização hidrogeológica da área de abrangência do projeto e avaliação dos possíveis impactos quali-quantitativos no solo e água subterrânea, contemplando:

I - caracterização da textura e profundidade do solo;

II - caracterização dos valores de background do solo para disposição de efluentes industriais;

III - caracterização do nível máximo sazonal da água subterrânea;

IV - caracterização da direção do fluxo preferencial da água subterrânea a partir de mapa potenciométrico;

V - identificação dos usos preponderantes da água subterrânea na localidade;

VI - identificação dos cursos hídricos superficiais existentes na área;

VII - determinação da taxa de infiltração a partir de ensaios de infiltração na mesma localidade e camada de solo prevista para o local de disposição do efluente.

Parágrafo único. A determinação da taxa de infiltração visando à instalação de bacias e valas de infiltração deverá ser feita com base em ensaio em escala piloto (bacia piloto), infiltrômetro de anéis concêntricos, ou outro método que contabilize os efeitos de borda oriundos de ensaios desenvolvidos em menor escala.

Art. 8º No processo de licenciamento ambiental, o empreendedor deve informar as substâncias típicas que podem estar presentes nos efluentes líquidos, com base nas matérias-primas e insumos característicos de suas atividades.

Art. 9º A disposição de efluentes em solo deverá atender aos seguintes padrões de qualidade:

Faixa de vazão do efluente (m³/d) DBO DQO SST pH Óleos e graxas mineral Óleos e graxas vegetal ou animal
(1) Q < 200 120 mg/L 330 mg/L 140 mg/L 6 a 9 10 mg/L 30 mg/L
(2) 200 < = Q < 500 100 mg/L 300 mg/L 100 mg/L
(3) 500 < = Q < 1.000 80 mg/L 260 mg/L 80 mg/L
(4) 1.000 < = Q < 2.000 70 mg/L 200 mg/L 70 mg/L
(5) 2.000 < = Q < 10.000 60 mg/L 180 mg/L 60 mg/L
(6) 10.000 < = Q 40 mg/L 150 mg/L 40 mg/L

§ 1º Em lotes de infiltração e evapotranspiração, a densidade de coliformes termotolerantes não deverá exceder 104 NMP/100 mL e a concentração de nitrogênio total será determinada com base no balanço de nitrogênio estabelecido em projeto técnico;

§ 2º Em bacias e valas de infiltração, a densidade de coliformes termotolerantes não deverá exceder 10³ NMP/100 mL e a concentração de nitrogênio total não deverá exceder 25 mg/L;

§ 3º Poderão ser fixados padrões de emissão para outros parâmetros de qualidade, além dos previstos no caput, em função das características dos efluentes líquidos;

§ 4º Os Sistemas de Esgotamento Sanitário de porte mínimo conforme Res. CONSEMA nº 372/2018 e suas atualizações são dispensados do atendimento dos padrões estabelecidos no § 2º deste artigo.

Art. 10. O dimensionamento e projeto dos lotes de infiltração e evapotranspiração deverá se dar no mínimo a partir dos seguintes critérios:

I - definição da cultura aplicada na área;

II - determinação da taxa de aplicação hidráulica (TAH) com base no balanço hídrico da área considerando a evapotranspiração da cultura (Etc), as chuvas (P) e a taxa de infiltração (Ti).

TAH = Etc - P + Ti

Art. 11. O dimensionamento e projeto das bacias e valas de infiltração deverá se dar no mínimo a partir dos seguintes critérios:

I - determinação da taxa de aplicação hidráulica com base nos seguintes percentuais da taxa de infiltração, garantindo a alternância de uso nas bacias e valas de infiltração:

a) 10% da taxa de infiltração obtida a partir de ensaios efetuados em bacias pilotos;

b) 5% da taxa de infiltração obtida a partir de ensaios efetuados em infiltrômetro de anéis concêntricos.

II - manutenção de distância mínima de 1,5 m entre o fundo da bacia e o nível máximo sazonal do lençol freático.

Parágrafo único. Em casos de necessidade de aterro para construção das bacias e valas de infiltração, a taxa de aplicação hidráulica deverá considerar os efeitos hidráulicos do material de aterro na infiltração do efluente, adotando-se o valor da camada mais restritiva.

Art. 12. Em casos de Sistemas de Esgotamento Sanitário, a alternância de uso poderá ser dispensada nos períodos de maior população flutuante, desde que observados os seguintes requisitos:

I - comprovação da inexistência de alternativas locacionais e técnicas sustentáveis;

II - atendimento dos critérios dispostos no art. 11 para a vazão média do sistema de esgotamento sanitário, excluídos os períodos de maior população flutuante;

III - vazão passível de infiltração e armazenamento nas bacias de infiltração sem a alternância de uso;

IV - diagnóstico das soluções de esgotamento sanitário adotadas pelas sub-bacias que serão abrangidas pelo sistema e os impactos ambientais na qualidade da água subterrânea decorrente da situação vigente.

CAPÍTULO III - DIRETRIZES PARA GESTÃO DE EFLUENTES

Art. 13. A disposição de efluentes em solo dependerá de monitoramento do sistema, contemplando:

§ 1º Em caso de disposição de efluentes em lotes de infiltração e evapotranspiração:

I - Volumes de efluente aplicados;

II - Monitoramento da qualidade do solo contemplando pH, Condutividade Elétrica, índice SMP e PST, micronutrientes, macronutrientes e contaminantes definidos com base nas características do efluente;

III - Monitoramento da qualidade do efluente.

§ 2º Em caso de disposição de efluentes em bacias e valas de infiltração:

I - Volumes de efluente aplicado;

II - Taxa de infiltração ao longo das operações e a quantidade total infiltrada;

III - Monitoramento da qualidade do efluente e da água subterrânea;

IV - Monitoramento da variação do nível da água subterrânea.

Art. 14. O monitoramento da qualidade da água subterrânea deverá ocorrer conforme plano específico que contemple:

I - Caracterização hidrogeológica para definição da zona-alvo de monitoramento e projeto dos poços de monitoramento em atendimento à NBR 15495;

II - Distribuição de poços de monitoramento de montante e poços de monitoramento de jusante de modo a caracterizar as possíveis alterações da qualidade da água subterrânea;

III - Procedimento de coleta em atendimento à NBR 15847.

§ 1º O monitoramento da qualidade da água subterrânea deverá contemplar minimamente os seguintes parâmetros: nitrogênio amoniacal, nitrito, nitrato, coliformes termotolerantes, sólidos totais dissolvidos, sulfato, pH e condutividade elétrica;

§ 2º A qualidade da água subterrânea deverá ser analisada conforme a frequência do quadro a seguir:

Faixa de vazão do efluente (m³/d) Frequência de Monitoramento
(1) 20 < = Q < 500 Semestral
(2) 500 < = Q < 2.000 Trimestral
(3) Q > = 2.000 Mensal

§ 3º A exigência ou dispensa do monitoramento da qualidade da água subterrânea em locais de disposição de efluentes líquidos industriais em solo em vazões inferiores a 20 m³/dia será definida nos processos de licenciamento ambiental, considerando as peculiaridades do processo industrial e as características hidrogeológica da área de abrangência do projeto.

CAPÍTULO IV - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 15. O parâmetro E. coli poderá ser utilizado em substituição a Coliformes termotolerantes.

Art. 16. O órgão ambiental competente poderá definir critérios e informações adicionais mediante justificativa técnica.

Art. 17. Os empreendimentos e atividades que possuam licença ambiental expedida na data de publicação desta Portaria e que não atendam ao disposto por ela deverão apresentar cronograma das medidas para as adequações necessárias.

Art. 18. O não cumprimento do disposto nesta Portaria sujeitará os infratores, entre outras, às sanções previstas no Decreto Estadual nº 53202, de 27 de setembro de 2016.

Art. 19. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições contrárias.

Porto Alegre, 08 de julho de 2019.

Engª. Ftal Marjorie Kauffmann

Diretora-Presidente