Portaria SAS nº 377 de 10/11/2009
Norma Federal - Publicado no DO em 11 nov 2009
Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Espasticidade.
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a espasticidade no Brasil e diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas são resultados de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS/MS nº 2, de 13 de setembro de 2007;
Considerando a Portaria SAS/MS nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS; e
Considerando a avaliação da Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada,
Resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - ESPASTICIDADE.
§ 1º O Protocolo objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral de espasticidade, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes;
§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação do medicamento nele previsto;
§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado para o tratamento da Espasticidade, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo;
§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Portaria SAS/MS nº 1.013, de 20 de dezembro de 2002, publicada no Diário Oficial da União nº 248, de 24 de dezembro de 2002, seção 1, pág. 237.
ALBERTO BELTRAME
ANEXOPROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
ESPASTICIDADE
TOXINA BOTULÍNICA TIPO A
1. METODOLOGIA DE BUSCA DE LITERATURA
A busca de literatura foi realizada em julho de 2009 no MEDLINE/PUBMED focada no tratamento, utilizando os termos toxina botulínica e espasticidade ("Botulinum Toxin Type A"[Mesh] AND "Muscle Spasticity"[Mesh]) e limitando para Ensaios Clínicos Randomizados - ECR, Revisões e Metanálises, publicados nos últimos 5 anos, em inglês ou espanhol. A partir de 51 publicações encontradas, foram selecionados 22 artigos (ECR e Metanálises) que foram considerados os mais relevantes.
2. INTRODUÇÃO
A espasticidade é uma condição clínica multicausal, parte da Síndrome do Motoneurônio Superior (SMS), que acomete milhões de pessoas em todo o mundo. Incidência e prevalência apresentam taxas variadas e estão intimamente relacionadas com as doenças correspondentes. Não há dados epidemiológicos oficiais no Brasil. Na Tabela 1 são apresentados os dados da literatura internacional.1
É definida como um distúrbio motor caracterizado pelo aumento do tônus muscular, dependente da velocidade, associado à exacerbação do reflexo miotático.1 As principais causas de espasticidade são Acidente Vascular Cerebral (AVC), Traumatismo Cranioencefálico (TCE) e Traumatismo Raquimedular (TRM), em adultos, e, Paralisia Cerebral (PC) em crianças. Está associada à redução da capacidade funcional, limitação da amplitude do movimento articular, desencadeamento de dor, aumento do gasto energético metabólico e prejuízo nas tarefas de vida diária, como: alimentação, locomoção, transferências (mobilidade) e cuidados de higiene. Pode causar contraturas, rigidez, luxações e deformidades articulares. Por outro lado, o aumento do tônus muscular pode contribuir como a estabilização articular, melhora postural, facilitação das trocas de decúbito e transferências. Portanto, é uma situação clínica a ser modulada e não completamente eliminada. 2,3
O médico deve conhecer os princípios da reabilitação, pois o manejo da espasticidade é multifatorial. Pode requerer outros tratamentos medicamentosos (quimiodenervação fenólica, baclofeno intratecal), não-medicamentosos (manobras de manutenção da amplitude do movimento articular, treino funcional, órteses de posicionamento, afastamento de fatores de exacerbação - vestuário inadequado, frio, posicionamento corporal inadequado) ou cirúrgicos (alongamentos músculotendinosos, tenotomias, neurotomias, rizotomias) dependendo da sua magnitude e do comprometimento clínico-funcional do paciente. Assim não são recomendadas medidas isoladas para alcançar os objetivos estabelecidos. 1,4
Tabela 1. Epidemiologia da espasticidade1
Doença | Prevalência | % espasticidade na doença |
Traumatismo Cranioencefálico (moderado a grave) | 1-2/1.000 habitantes | 13-20% |
Acidente Vascular Cerebral | 2-3/100 habitantes | 20-30% |
Traumatismo Raquimedular | 27/100.000 habitantes | 60-78% |
Paralisia Cerebral | 2/1.000 nascidos vivos | 70-80% |
Há pouco mais de duas décadas foram descritos na literatura os primeiros estudos de Toxina Botulínica tipo A (TBA) na redução do tônus muscular. É uma proteína produzida pelo Clostridium botulinum (bacilo anaeróbio causador do botulismo - intoxicação alimentar sistêmica que provoca entre outros sintomas a paralisia muscular flácida). Os primeiros relatos sobre esse microorganismo datam do século XIX e somente nos anos 20 foram descritas a primeiras tentativas de purificação da TBA. Atualmente, a TBA é parte integrante do arsenal terapêutico de condições espásticas, distonias, estrabismo, entre outras, com segurança e eficácia.5
3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
- G04.1 Paraplagia Espástica Tropical
- G80.0 Paralisia cerebral espástica
- G80.1 Diplegia espástica
- G80.2 Hemiplegia Infantil
- G81.1 Hemiplegia espástica
- G82.1 Paraplegia espástica
- G82.4 Tetraplegia espástica
- I69.0 Seqüelas de hemorragia subaracnóidea
-I69.1 Seqüelas de hemorragia intracerebral
- I69.2 Seqüelas de outras hemorragias intracranianas não traumáticas
- I69.3 Seqüelas de infarto cerebral
- I69.4 Seqüelas de acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico
- I69.8 Seqüelas de outras doenças cerebrovasculares e das não especificadas - T90.5 Seqüelas de traumatismo intracraniano
- T90.8 Seqüelas de outros traumatismos especificados da cabeça
4. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é clínico e no exame físico do paciente o médico gradua o tônus muscular segundo a Escala de Ashworth Modificada (EAM), instrumento mais utilizado nos desfechos clínicos da literatura. Ela apresenta cinco categorias que variam do tônus normal à rigidez (Tabela 2), conforme a resistência muscular contra a movimentação passiva do(s) segmento(s) afetado(s).6,7,8
Em situações excepcionais, a critério médico, a confirmação dos grupos musculares espásticos pode ser feita através do estudo eletroneuromiográfico dinâmico.9
Tão importante quanto o diagnóstico da espasticidade é avaliar seu impacto na função motora global, dor, desenvolvimento de contraturas e deformidades osteomioarticulares, autocuidados ou assistência do cuidador. E, a partir dessas informações, o plano terapêutico deve ser estabelecido. 1,10
Tabela 2. Escala de Ashworth Modificada
Grau | Descrição |
0 | Tônus normal |
1 | Leve aumento tônus muscular com mínima resistência no fim do movimento |
1+ | Leve aumento do tônus muscular com mínima resistência em menos da metade do movimento |
2 | Aumento mais marcado do tônus muscular na maior parte do movimento, mas a mobilização passiva é efetuada com facilidade |
3 | Considerável aumento do tônus muscular, o movimento passivo é difícil |
4 | Segmento afetado rígido em flexão ou extensão |
Esta escala serve para avaliar a intensidade da hipertonia e da resposta terapêutica sendo, a partir do nível 1, um indicador que associado à disfunção, dor e necessidades de assistência pode indicar o tratamento.
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO11
Os critérios para inclusão dos pacientes portadores de espasticidade no presente protocolo são:
- Apresentar um dos diagnósticos codificados no item 3 acima;
- Ter comprometimento funcional, dor ou risco de estabelecimento de deformidades osteomusculoarticulares, devidamente informados por laudo médico, e;
- Estar inserido em programa de reabilitação onde o paciente, familiar ou cuidador seja capaz de assegurar o seguimento do tratamento, monitorização dos efeitos adversos e adesão às medidas instituídas.
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO11
São critérios para a exclusão do protocolo, os pacientes espásticos que apresentarem pelo menos uma das situações abaixo listadas:
- Hipersensibilidade a um ou mais componentes da formulação das apresentações de TBA;
- Perda definitiva da mobilidade articular por contratura fixa ou anquilose com EAM grau 4;
- Doenças da junção neuromuscular (miastenia gravis, Eaton-Lambert);
- Desenvolvimento de anticorpos contra TBA;
- Infecção no local de aplicação;
- Gestação ou amamentação;
- Uso concomitante de antibióticos aminoglicosídeos ou espectinomicina;
- Impossibilidade de seguimento do acompanhamento médico e manutenção dos cuidados de reabilitação propostos;
7. CASOS ESPECIAIS
Consideram-se casos especiais àqueles que apresentam situações não previstas ou que estejam em desacordo com esse protocolo.
As divergências mais freqüentes estão relacionadas ao CID - 10, freqüência de aplicação, dose total preconizada, indicação e falha terapêutica.12 Nesses casos, recomenda-se a avaliação individual e presencial do paciente por um Comitê de Especialistas.
8. COMITÊ DE ESPECIALISTAS
O Comitê de Especialistas tem o objetivo de assessorar o Gestor Estadual avaliando os casos especiais relacionadas ao tratamento com TBA. Deve ser constituído por, no mínimo, dois médicos especialistas em Medicina Física e Reabilitação, Neurologia/Neurocirurgia ou Ortopedia, e estar inserido no Centro de Referência em Espasticidade. Quando não for possível ou a critério do gestor, deve contar com profissionais vinculados a instituições de excelência no ensino médico, credenciadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).
9. CENTRO DE REFERÊNCIA (CR)
O Centro de Referência em Espasticidade tem o objetivo de praticar o uso racional da TBA no tratamento da espasticidade através da prescrição da menor dose eficaz, compartilhamento de frascos nos casos de doses fracionadas, monitorização dos eventos adversos e de falhas terapêuticas, armazenamento e dispensação e prestação de assistência multidisciplinar para o manejo da espasticidade. Devem realizar avaliação, planejamento, administração de TBA e acompanhamento do tratamento.10 Sugere-se que o CR esteja vinculado a um Serviço de Medicina Física e Reabilitação credenciado ao SUS. Quando não for possível, deve estar vinculado a instituições de excelência no ensino médico, credenciadas ao SUS com equipe multidisciplinar constituída de médico especialista (Medicina Física e Reabilitação - Fisiatria, Neurologia, Neurocirurgia ou Ortopedia) com experiência em avaliação clínica e funcional da espasticidade, terapeuta ocupacional e fisioterapeuta.11 A escolha das instituições que abrigarão os CR deve ser realizada pelos gestores estaduais seguindo critérios técnicos, geográficos e científicos por eles estabelecidos.
A experiência com a criação de Centros de Referência em Espasticidade e implantação dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde na assistência farmacêutica tem demonstrado redução nos gastos públicos com TBA, além de permitir uma comunicação ativa e informativa entre a classe médica, contribuindo para o uso racional de medicamentos.12
10. TRATAMENTO 1,4,10
O tratamento da espasticidade é parte do tratamento reabilitador e o uso da TBA em quadros de espasticidade generalizada não é recomendado. Para o uso de TBA como modalidade terapêutica o paciente deve estar inserido em um programa da reabilitação ou no mínimo realizando atendimento de fisioterapia e os fatores de exacerbação do tônus muscular como infecções, úlceras de pressão, órteses mal-adaptadas ou complicações clínicas devem ser afastadas ou manejadas concomitantemente.
O planejamento do tratamento requer os seguintes questionamentos:
- O uso da TBA será capaz de reduzir a espasticidade do(s) segmento(s) afetado(s) na magnitude desejada?
- O uso da TBA, através da redução espasticidade, será capaz de tratar ou prevenir alterações osteomioarticulares ou dor?
- O uso da TBA é seguro, sem risco de perda da funcionalidade preexistente?
Se todas as respostas forem afirmativas, o médico será capaz de realizar o correto planejamento terapêutico.
10.1. FÁRMACO
A TBA é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Age bloqueando a liberação de acetilcolina, o principal neurotransmissor da placa motora, interrompendo a transmissão neuronal e conseqüente bloqueio neuromuscular.5
Existem três apresentações comerciais de TBA aprovadas para a espasticidade pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Serão utilizadas as nomenclaturas toxina botulínica tipo A 1 -TBA1, toxina botulínica tipo A 2 - TBA-2 e toxina botulínica tipo A 3 -TBA-3. (Tabela 3). Cabe ao médico prescritor conhecer as similaridades e as diferenças entre elas, pois são produtos biológicos que apresentam mecanismo de ação idêntico (efeito de classe), mas que diferem em seu comportamento farmacocinético. As formulações não possuem a mesma potência e as unidades das formulações de toxina não são unidades-padrão internacionais. Cada preparação não é diretamente intercambiável com outra e deve ser realizado ajuste de dose conforme a apresentação utilizada. Com base na literatura, considerando o efeito de classe, sugere-se a seguinte para conversão aproximada de doses:13-15
- 01U de TBA 1 = 01U de TBA 3
- 01U TBA 1 e TBA 3 = 03-04U de TBA 2
A revisão da literatura demonstrou em sete estudos com adultos, totalizando 2.103 indivíduos e seis com 3.098 indivíduos de 02 a 19 anos de idade, que a TBA é segura e eficaz na redução da espasticidade através de metanálises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados duplo-cegos controlados. Os eventos adversos mais freqüentes são sintomas locais como dor, hematoma, infecção local, atrofia e fraqueza muscular, alterações da sudorese. Os relatos de efeitos sistêmicos mais comuns são cansaço, fraqueza generalizada, prurido e reações alérgicas. Normalmente esses efeitos não são intensos e na maioria dos casos autolimitado. 13,16-28
Tabela 3. Apresentações de TBA
TBA-1 | TBA-2 | TBA-3 | |
Forma farmacêutica | Pó seco a vácuo | Pó liofilizado injetável | Pó liofilizado injetável |
Número de Unidades por frasco | 100 U | 500 U | 100 U |
Composição | 0,5mg de albumina humana e 0,9mg de NaCl | 0,125mg de albumina humana e 2,5mg de lactose | 5 mg de gelatina, 25 mg de dextrano e 25 mg de sacarose |
Armazenagem pré-reconstituição |