Portaria MS nº 2.607 de 10/12/2004
Norma Federal - Publicado no DO em 13 dez 2004
Aprova o Plano Nacional de Saúde/PNS - Um Pacto pela Saúde no Brasil.
O Ministro de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições, e
Considerando os dispositivos da Lei nº 8.080/90, relativos a planejamento, entre os quais o art. 15 que, em seu inciso VIII, estabelece como atribuições comuns das três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde - SUS a elaboração e atualização periódica do Plano de Saúde;
Considerando a necessidade de se dispor do Plano Nacional de Saúde - PNS como instrumento de referência indispensável à atuação das esferas de direção do SUS;
Considerando a contribuição do PNS na redução das desigualdades em saúde, mediante a pactuação de metas estratégicas para a melhoria das condições de saúde da população e para a resolubilidade do SUS;
Considerando a importância do PNS para a participação e o controle social das ações e dos serviços de saúde desenvolvidas no País;
Considerando o processo empreendido na construção do PNS, que mobilizou diferentes áreas do setor e segmentos da sociedade, possibilitando a elaboração de um Plano Nacional com capacidade para responder a demandas e necessidades prioritárias de saúde no País; e
Considerando a aprovação do PNS pelo Conselho Nacional de Saúde, em sua reunião do dia 4 de agosto de 2004, resolve:
Art. 1º Aprovar o Plano Nacional de Saúde/PNS - Um Pacto pela Saúde no Brasil, na forma do Anexo desta Portaria.
§ 1º O PNS será objeto de revisão sistemática, na conformidade das necessidades indicadas pelo respectivo processo de monitoramento e avaliação.
§ 2º A íntegra do PNS estará disponível na página do Ministério da Saúde/MS na internet, endereço www.saude.gov.br.
Art. 2º Atribuir à Secretaria-Executiva, do Ministério da Saúde, a responsabilidade pelo processo de gestão, monitoramento e avaliação do PNS.
Parágrafo único. A Secretaria-Executiva promoverá a identificação e a implementação de mecanismos e estratégias necessários ao cumprimento da responsabilidade de que trata este artigo, contando, para tanto, com a participação dos órgãos e das entidades do Ministério.
Art. 3º Estabelecer que os órgãos e entidades do MS procedam, no que couber e segundo os prazos legais estabelecidos, à elaboração e/ou à readequação de seus programas, atividades e projetos, segundo os objetivos, as diretrizes e as metas estabelecidas no PNS.
Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
HUMBERTO COSTA
ANEXOPLANO NACIONAL DE SAÚDE - UM PACTO PELA SAÚDE NO BRASIL
Ao concluir a elaboração do Plano Plurianual/PPA 2004-2007, no âmbito da Saúde, o Ministério da Saúde/MS decidiu, mantendo e ampliando a mobilização alcançada neste processo, iniciar a construção do Plano Nacional de Saúde/PNS, uma iniciativa até então inédita no âmbito federal do Sistema Único de Saúde/SUS, embora o arcabouço legal do Sistema trate também, de forma específica, deste instrumento de gestão.
A Lei nº 8.080/90 estabelece como atribuição comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios "a elaboração e atualização periódica do plano de saúde" (art. 15), indicando ainda que, de conformidade com o plano, deve ser elaborada a proposta orçamentária do SUS. Nesse mesmo artigo, é atribuída às três esferas de gestão do Sistema a responsabilidade de "promover a articulação da política e dos planos de saúde". No capítulo III, relativo ao Planejamento e ao Orçamento, o § 1º do art. 36 define que "os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do SUS e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária".
Já a Lei nº 8.142/90 fixa que os recursos federais destinados à cobertura das ações e serviços de saúde, para serem recebidos pelos municípios, os estados e o Distrito Federal, deverão ter por base o Plano de Saúde (art. 4º). Igualmente, o Decreto nº 1.232/94, concernente à transferência de recursos fundo a fundo, também se refere ao plano de saúde ao tratar da distribuição de recursos segundo estimativas populacionais e do acompanhamento da "conformidade da aplicação dos recursos transferidos".
Quanto à formulação, a referência existente é a Portaria nº 548/2001, que aprova as "Orientações Federais para a Elaboração e Aplicação da Agenda de Saúde, do Plano de Saúde, dos Quadros de Metas e do Relatório de Gestão como Instrumentos de Gestão do SUS". Especificamente em relação ao plano de saúde, as orientações aprovadas pela mencionada Portaria definem, entre outros aspectos, que: (1) os planos devem corresponder, em relação ao seu período, ao horizonte de tempo da gestão em cada esfera; (2) os planos são documentos de intenções políticas, de diagnóstico, de estratégias, de prioridades e de metas, vistos sob uma ótica analítica, devendo ser submetidos, na íntegra, aos respectivos Conselhos de Saúde; e (3) a formulação e o encaminhamento do Plano Nacional de Saúde são competência exclusiva do MS, cabendo ao Conselho Nacional de Saúde/CNS apreciá-lo e propor as modificações julgadas necessárias.
O processo de planejamento, no contexto da saúde, deve considerar que a decisão de um gestor sobre quais ações desenvolver é fruto da interação entre a percepção do governo e os interesses da sociedade. Dessa interação - motivada pela busca de soluções para os problemas de uma população - resulta a implementação de um plano capaz de modificar o quadro atual, de modo a alcançar-se uma nova situação em que haja melhor qualidade de vida, maiores níveis de saúde e bem-estar e apoio ao desenvolvimento social dessa mesma população. Nesse sentido, o planejamento das ações de saúde necessárias a uma comunidade - por intermédio do plano - concretiza a responsabilização dos gestores pela saúde da população.
O Plano de Saúde é operacionalizado mediante programas e/ou projetos, nos quais são definidas as ações e atividades específicas, bem como o cronograma e os recursos necessários. Tais instrumentos expressam, assim, a direcionabilidade das políticas de saúde do SUS no âmbito federal, estadual ou municipal. A elaboração, tanto do plano quanto dos instrumentos que o operacionalizam, é entendida como um processo dinâmico que permite, assim, a revisão periódica de objetivos, prioridades e estratégias, seja em função dos avanços registrados ou em decorrência da mudança de cenários, seja de obstáculos que eventualmente venham a ser defrontados. Dessa forma, o plano requer, como estratégia básica de sua implementação, a gestão compartilhada entre as três esferas de governo que, aliada ao sistema de monitoramento e avaliação correspondente, possibilita aos quadros técnicos e à sociedade acompanhar a execução das ações, de sua eficácia, efetividade e, desse modo, indicar rearranjos em torno dos parâmetros iniciais traçados.
PROCESSO
No enfrentamento do desafio de construir um plano estratégico para a saúde no Brasil, o Ministério da Saúde tratou de catalogar, inicialmente, o máximo de elementos constitutivos deste processo e, ao mesmo tempo, envolver todos os atores que buscaram e buscam, na implementação do SUS, entender o Brasil em suas diversidades e potencialidades. Com o apoio da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/ABRASCO e da Fundação Oswaldo Cruz/FIOCRUZ, foi formulada uma agenda de trabalho, cujo desenvolvimento teve início em meados do segundo semestre de 2003.
Uma das etapas iniciais dessa agenda consistiu na realização do Seminário sobre Plano Nacional de Saúde, em novembro de 2003, com o objetivo de afinar conceitos e colher subsídios sobre estrutura/conteúdo; processo de acompanhamento, monitoramento e avaliação do PNS; e definição de atores para a realização de consulta e participação na construção do Plano. Desse Seminário participaram dirigentes e técnicos do MS, representantes do Conselho Nacional de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e de outros setores do governo federal.
No ano passado, também aproveitando a mobilização da 12a Conferência Nacional de Saúde, foi realizada pesquisa junto aos seus participantes visando a levantar opiniões e sugestões de prioridades a serem contempladas no Plano Nacional.
O referencial e o processo de formulação do PNS foram objeto de discussão e aperfeiçoamento em diferentes eventos específicos, nos colegiados e fóruns internos do Ministério da Saúde, na Comissão Intergestores Tripartite e no Conselho Nacional de Saúde. Para agilizar o processo e imprimir-lhe a necessária racionalidade, estabeleceu-se que as discussões e a escuta de diferentes atores e segmentos seriam realizadas a partir de uma pré-proposta do Plano, elaborada com base:
a) nas deliberações da 12ª Conferência Nacional de Saúde/12ª CNS;
b) no Projeto Saúde 2004 - contribuição aos debates da 12ª CNS, desenvolvido pela Subsecretaria de Planejamento e Orçamento/SE/MS, a Secretaria de Gestão Participativa/MS, a Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ e a Organização Pan-Americana da Saúde, que consistiu no levantamento e na análise de problemas relacionados ao acesso às ações e serviços de saúde com diferentes atores sociais; e
c) no Plano Plurianual/PPA 2004-2007, instrumento do governo federal, estabelecido no art. 156 da Constituição de 1988, aprovado mediante lei específica do Poder Executivo.
Essa pré-proposta foi novamente discutida no âmbito dos colegiados dos órgãos e entidades do MS, os quais indicaram uma série de sugestões e ajustes. Daí resultou a proposta do Plano Nacional de Saúde que embasou a Oficina de Trabalho Macrorregional, realizada em junho de 2004, reunindo técnicos e gestores das três esferas de direção do SUS, os quais apontaram as diretrizes e metas prioritárias do PNS, segundo as peculiaridades e o perfil epidemiológico de suas respectivas áreas de abrangência. Essas prioridades configuram insumos básicos no estabelecimento dos pactos estaduais e regionais, a partir da implementação do PNS. A proposta do PNS, encaminhada previamente aos conselheiros do Conselho Nacional de Saúde, foi analisada e aprovada na reunião plenária do dia 4 de agosto de 2004.
ESTRUTURA
O presente Plano Nacional de Saúde está expresso de modo a apresentar, objetivamente, as intenções e os resultados a serem buscados no período de 2004 a 2007. É importante ressaltar que, ao se pensar em formatos, métodos e informações a serem colocadas à disposição de gestores, de profissionais de saúde e da sociedade em geral, observou-se que as possibilidades poderiam ser infinitas. No entanto, o importante foi o amadurecimento de desenhos iniciais que serviram como guias para conferir ao Plano Nacional a necessária clareza e precisão, aliadas à imprescindível racionalidade na sua conformação, traduzidas em objetivos, diretrizes e metas que respondessem às necessidades apontadas pela 12ª Conferência Nacional de Saúde e que se constituíssem em referência para os gestores e para o controle social do SUS.
Assim, o presente Plano Nacional de Saúde está estruturado em quatro partes, a saber: (1) princípios que orientam o PNS; (2) síntese da análise situacional da saúde no Brasil; (3) objetivos e diretrizes, com as respectivas metas para o período 2004-2007; e (4) gestão, monitoramento e avaliação do PNS.
Considerando que esses elementos essenciais que conformam o PNS - em especial os objetivos, as diretrizes e as metas - guardam uma estreita inter-relação, foi necessária a adoção de recortes comuns buscando assegurar, ao mesmo tempo, a interdependência e especificidade desses elementos. Com isso, procurou-se, também, resguardar uma simetria mínima, mas necessária, entre esses elementos essenciais. Dessa forma, os objetivos, as diretrizes e as metas correspondentes são apresentadas segundo os seguintes recortes: (1) linhas de atenção à saúde; (2) condições de saúde da população; (3) setor Saúde; (4) gestão em saúde; e (5) investimento em saúde.
Os objetivos a serem alcançados com o PNS são os mesmos do Plano Plurianual 2004-2007 da Saúde, estabelecidos também em processo que envolveu ampla e diversificada mobilização. Ao todo, são 22 objetivos específicos e um geral, que se refere ao PNS como um todo.
Os objetivos, as diretrizes e as metas, como assinalado anteriormente, norteiam a definição das ações a serem implementadas, as quais não são objeto do PNS. As ações que dão conseqüência prática ao Plano Nacional de Saúde são detalhadas nos instrumentos operacionais em que se desdobra o PNS, ou seja, os programas e/ou projetos específicos. As diretrizes - como formulações que indicam as linhas de ação a serem seguidas - são expressas sob a forma de um enunciado-síntese, seguido de uma breve contextualização, na qual se busca delimitar a prioridade e/ou estratégia geral a ser adotada. Para cada diretriz é apresentado o rol de metas a serem alcançadas. A propósito, vale assinalar que, por ocasião das mudanças e ajustes indicados pelo CNS, procedeu-se também à revisão de algumas diretrizes e metas, tendo em conta sugestões formuladas por consultores e colegiados do MS. Tal revisão resultou na junção de algumas metas ou no deslocamento de outras para o âmbito das diretrizes, considerando o caráter operacional que encerram. Isso conferiu maior racionalidade ao instrumento, favorecendo, certamente, o monitoramento e a avaliação do Plano.
É importante ressaltar, de outra parte, os limites que devem ser levados em conta tanto na definição quanto no acompanhamento de algumas metas. Diversas metas estabelecidas neste Plano são baseadas nos dados existentes nos sistemas de informação de base nacional, tais como o Sistema de Informações sobre Mortalidade/SIM, o Sistema de Informações de Nascidos Vivos/SINASC e o Sistema de Informações de Agravos de Notificação/SINAN, dentre outros. É fundamental que se considere - seja na avaliação das linhas de base dos indicadores, seja no acompanhamento das metas definidas - a heterogeneidade na cobertura e a qualidade das informações desses sistemas nas diferentes regiões e estados brasileiros.
As metas que envolvem informações de mortalidade, por exemplo, podem ser influenciadas pelos problemas existentes na captação de óbitos e pelo elevado percentual de mortes por causas mal definidas em algumas regiões, especialmente no Norte e no Nordeste. Estados com melhor acurácia desse Sistema podem apresentar maiores taxas de mortalidade na linha de base ora avaliada. Por outro lado, eventuais elevações das taxas acompanhadas - quer na esfera local/regional, quer nas metas nacionais - poderão ocorrer pelo desejado aprimoramento dos sistemas de informação, sem representar, todavia, uma pior situação de saúde.
Cabe ressaltar também que, na sua operacionalização, o Plano Nacional deve estar fortemente articulado com a agenda estratégica para a melhoria da saúde no País, a qual compreende: (1) a revisão do modelo atual de financiamento; (2) uma política de investimento direcionada para a redução das desigualdades no Brasil; e (3) a efetivação de um pacto de gestão junto aos gestores das três esferas. Esse pacto requer inicialmente a qualificação dos processos de gestão do SUS, que viabilizem, de fato, decisões tripartites em torno dessa agenda estratégica. Nesse sentido, são fundamentais a definição e a explicitação das responsabilidades sanitárias de cada ente governamental, de cada nível do Sistema e de cada serviço, de modo a se produzirem ações integrais de acordo com as necessidades das respectivas populações e de promoção da eqüidade social.
Antecipando algumas orientações contidas em capítulo específico a seguir, é oportuno assinalar que o processo de gestão, monitoramento e avaliação deste Plano deverá considerar a capacidade de alcance da condição explicitada nos objetivos estabelecidos, evidenciando os cenários intermediários, mas prováveis, apontados nas diretrizes políticas do SUS. De outro lado, as metas servirão de parâmetro para a avaliação da distância entre a situação atual, definida na análise realizada, e a desejada. Portanto, somente o conjunto de objetivos, diretrizes e metas pode trazer o sentido das ações planejadas, servindo como elementos básicos para a elaboração dos programas e/ou projetos e a sua revisão permanente.
Por fim, cabe informar que todo referencial de construção do Plano, inclusive a íntegra da análise de situação de saúde, foi sistematizado e organizado em disco compacto (CD), estando disponível a gestores, a profissionais de saúde e a segmentos sociais interessados.
I - PRINCÍPIOS ORIENTADORES
O processo de formulação do Plano Nacional de Saúde/PNS teve seus fundamentos no Plano Plurianual/PPA do governo federal, que definiu como orientação estratégica: (1) a inclusão social e a desconcentração de renda, com vigoroso crescimento do produto e do emprego; (2) o crescimento ambientalmente sustentável, redutor das disparidades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massa, por investimentos e por elevação da produtividade; (3) a redução da vulnerabilidade externa por meio da expansão das atividades competitivas que viabilizam o crescimento sustentado; e (4) o fortalecimento da cidadania e da democracia.
Essa orientação envolve cinco dimensões - a social, a econômica, a regional, a ambiental e a democrática - contempladas nos três megaobjetivos do PPA, a saber: (1) "inclusão social e redução das desigualdades sociais"; (2) "crescimento com geração de emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais"; e (3) "promoção e expansão da cidadania e fortalecimento da democracia".
Articulando o planejamento do Ministério da Saúde a esse processo, foram definidos os objetivos voltados à implementação do Sistema Único de Saúde/SUS, materializados nos programas e nas ações do PPA no âmbito da Saúde. O SUS, apesar de se configurar como uma proposta bem-sucedida, vem evidenciando um conjunto de desafios para o alcance dos princípios e diretrizes assegurados no seu arcabouço jurídico-legal, quais sejam: universalidade, integralidade, eqüidade, descentralização da gestão, hierarquização da atenção, financiamento das três esferas e controle social.
O Plano Nacional de Saúde vem ocupar uma lacuna existente entre as ferramentas de gestão de cada esfera de governo, principalmente o PPA e o orçamento, insuficientes para articular as ações das várias esferas de governo em busca da integralidade da atenção e da efetividade e eficiência dessas ações. Os desafios a serem enfrentados - e evidenciados na análise situacional procedida - integram o rol de dimensões do desenvolvimento de um sistema de grande envergadura e vitalidade. Tais dimensões, talvez, não tenham a possibilidade de estar plenamente contempladas num plano estratégico, mas são, certamente, objeto de articulação no conjunto de propostas em desenvolvimento por municípios, estados e União, no esforço em direção à melhoria do acesso e da qualidade dos serviços oferecidos e à garantia de direitos previstos na Constituição brasileira. Nesse sentido, o grande objetivo proposto para o presente Plano Nacional de Saúde - e contemplado no PPA do governo federal - é:
Promover o cumprimento do direito constitucional à saúde, visando à redução do risco de agravos e ao acesso universal e igualitário às ações para sua promoção, proteção e recuperação, assegurando a eqüidade na atenção, aprimorando os mecanismos de financiamento, diminuindo as desigualdades regionais.
A partir das diretrizes estabelecidas neste Plano - e dos programas, ações ou projetos dirigidos ao alcance de suas metas - caberá à gestão desse processo assegurar, de maneira sistemática, a plena articulação das etapas de implementação, com a superação dos desafios levantados. Essa articulação deverá ser realizada por intermédio do acompanhamento de indicadores, da criação de espaços de diálogo com a sociedade civil e da combinação destas com as ferramentas de gestão de cada esfera de governo.
Para a discussão das prioridades nas esferas municipal, estadual e regional, a partir dos objetivos, diretrizes e metas do Plano, são propostos os seguintes eixos de orientação: (1) a redução das desigualdades em saúde; (2) a ampliação do acesso com a qualificação e humanização da atenção; (3) a redução dos riscos e agravos; (4) a reforma do modelo de atenção; e (5) o aprimoramento dos mecanismos de gestão, financiamento e controle social.
Essa definição de prioridades, que deverá indicar, entre outras, responsabilidades de cada esfera e necessidades de recursos, somente poderá ocorrer num ambiente de efetiva pactuação entre União, estados e municípios, ou seja, na lógica do estabelecimento de um Pacto de Gestão, no qual esteja sendo revisto o processo de gestão e da relação intergestores, permitindo, assim, o avanço na afirmação de compromissos segundo os conceitos de responsabilidade sanitária. Está clara a necessidade de se superar a fragmentação do processo de planejamento e programação, atendendo à necessidade de uma construção ascendente e articulada da institucionalização de processos de avaliação do Sistema. Da mesma forma, está a estratégia da regionalização articulada, da qual emergem, como elementos essenciais do referido Pacto, a política de gestão do trabalho em saúde, a revisão do modelo de financiamento - tanto para o custeio das ações quanto para os investimentos - e o fortalecimento da gestão participativa.
Nesse contexto, o PNS constitui elemento fundamental para esse novo Pacto, revelando, a partir de uma avaliação situacional, aquilo que é o principal propósito e um dos grandes desafios do SUS: a desigualdade. Essa avaliação - construída com base num conjunto de dados e informações disponíveis no tocante às condições de saúde, à gestão, à atenção à saúde, ao setor Saúde e aos investimentos - tem como foco a desigualdade, problemática que é, ao mesmo tempo, determinante e resultado do processo de organização dos sistemas locais, regionais e nacional de saúde.
Assim, no seu âmbito de gestão, o Ministério da Saúde definiu iniciativas prioritárias que, a cada ano, passam por uma avaliação, de acordo com as metas alcançadas e o processo de gestão de restrições e revisões das estratégias mais gerais de governo. São elas: (1) ampliação do acesso a medicamentos, com ênfase na implantação do projeto de farmácias populares; (2) qualificação da atenção à saúde (QUALISUS); (3) saúde bucal; (4) saúde mental; (5) saúde da mulher; (6) controle da hanseníase e tuberculose; (7) incremento do sistema de transplantes; (8) implantação do serviço civil profissional em saúde; (9) investimentos em saneamento; (10) garantia de maior suficiência do SUS na produção de hemoderivados, imunobiológicos e fármacos; (11) saúde indígena; (12) monitoramento, avaliação e controle das ações de saúde e dos recursos financeiros transferidos a estados, municípios e instituições no âmbito do SUS; (13) regulamentação da Emenda Constitucional nº 29; (14) aprovação do Plano Nacional de Saúde; (15) qualificação da gestão e regionalização no SUS; e (16) aprimoramento da qualidade da assistência prestada pelos planos de saúde privados.
Essas iniciativas, validadas pelo Conselho Nacional de Saúde e pela Comissão Intergestores Tripartite, têm servido como referência para todo o planejamento do Ministério no desenho das estratégias de ação e na definição da alocação de recursos, instituindo, desse modo, processo de permanente interlocução com os atores centrais do Sistema, quais sejam, os gestores e conselheiros de saúde.
II - ANÁLISE SITUACIONAL
Conforme assinalado na introdução, a análise situacional e as diretrizes são formuladas segundo cinco recortes, a saber: (1) as linhas de atenção à saúde; (2) as condições de saúde da população; (3) a gestão em saúde; (4) o setor Saúde; e (5) o investimento em saúde.
Ao iniciar essa análise, é importante considerar preliminarmente o padrão de desigualdade em saúde no Brasil, caracterizado pela polarização dos dados nacionais e intra-regionais, com a Região Sul apresentando, em geral, indicadores mais favoráveis que as demais regiões (Duarte, et al., 2002). Essa região, também, é a que revela resultados com alto grau de homogeneidade, enquanto as demais mostram estruturas polarizadas: a Norte e a Nordeste, com indicadores predominantemente desfavoráveis, a Sudeste e a Centro-Oeste, com indicadores predominantemente favoráveis. Esse padrão de desigualdade parece atravessar os vários recortes de análise, tanto em relação à morbimortalidade quanto em relação à organização dos serviços de saúde.
A despeito das limitações para as análises de desigualdades em saúde, relativas à qualidade e à amplitude das informações de saúde disponível, é possível afirmar que o Estado brasileiro está frente a um grande desafio: combater simultaneamente a exposição aos fatores de risco das doenças do "atraso" e do "desenvolvimento". Isso implica a intervenção tanto por meio de políticas de redistribuição de riqueza, ampliação de infra-estrutura e extensão do acesso aos serviços públicos, quanto maior eficiência na regulação da composição dos produtos de consumo doméstico e de uso na produção, bem como nas políticas de combate à violência e de detecção e tratamento precoce das doenças crônico-degenerativas.
1 - ANÁLISE DE ASPECTOS DEMOGRÁFICOS E SOCIOECONÔMICOS
O Brasil ocupa uma área de 8,5 milhões de km², sendo o maior País em extensão territorial da América Latina e o 5º do mundo. A sua organização político-administrativa compreende a União, 26 estados, 5.560 municípios e o Distrito Federal, distribuídos em cinco regiões geopolíticas (Brasil, 2002c).
O atual quadro demográfico brasileiro é resultado de várias transformações, tais como a queda da fecundidade, a redução da natalidade, o aumento da esperança de vida e o progressivo envelhecimento da população (Brasil, 2001b).
Conforme o último censo populacional realizado no País, a taxa de crescimento populacional no Brasil foi da ordem de 1,6 % ao ano, no período de 1991 a 2000 (Brasil, 2000a). A taxa de fecundidade total passou de 2,6 filhos por mulher, em 1991, para 2,2 filhos, em 2000, representando uma redução de 15,4%. A taxa de natalidade reduziu-se de 23,6, em 1990, para 21,2, em 1999, um decréscimo de 10,2%. A esperança de vida ao nascer, em 1990, era de 60,7 anos, passando para 68,5 anos, em 2000, correspondendo a um aumento de quase oito anos. A comparação das pirâmides etárias da população brasileira entre 1980 e 2000 mostra progressivo estreitamento da base, revelando acentuada diminuição da proporção de jovens e expressivo envelhecimento da população.
No Brasil, observa-se a passagem - característica da transição demográfica - de uma situação de alta mortalidade e alta fecundidade, com uma população predominantemente jovem e em franca expansão, para uma de baixa mortalidade e, gradualmente, baixa fecundidade, com um crescimento progressivo da população idosa. Assim, a comparação das pirâmides etárias da população brasileira entre 1980 e 2000 mostra progressivo estreitamento da base, revelando acentuada diminuição da proporção de jovens e expressivo envelhecimento da população. Segundo as projeções estatísticas da OMS, entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá 16 vezes contra cinco vezes a população total. Isso colocará o País como a sexta população de idosos do mundo, com mais de 32 milhões de pessoas de 60 anos e mais de idade. As projeções estatísticas demonstram que a proporção de idosos no País passará de 7,3%, em 1991, para quase 15%, em 2025, que é a atual proporção de idosos da maioria dos países europeus. Em 2000, o índice de envelhecimento - número de pessoas idosas para cada 100 indivíduos jovens - no Brasil, foi de 19,77, variando de 9,77, na Região Norte, a 22,88, na Sudeste. A Região Sul apresentou um índice de 22,60; a Nordeste, de 17,73; e a Centro-Oeste, de 14,29.
Em 2000, o Brasil possuía uma população de 169,9 milhões de habitantes: 42,6%, na Região Sudeste; 27,9%, na Nordeste; 14,7%, na Sul; 7,8%, na Norte; e 7,0%, na Centro-Oeste (Brasil, 2000a). Por outro lado, 52,1% da população brasileira está concentrada nos 239 municípios brasileiros com mais de 100.000 habitantes (4,3%). Nos municípios com população de até 20.000 habitantes (72,3%), moram 18,7% do total da população. As 26 regiões metropolitanas brasileiras concentram 413 municípios (7,4%), onde residem aproximadamente 40% da população. A população urbana corresponde a 81,3% do total. Do total da população, 50,8% são mulheres e 49,2% são homens. Além disso, 54,3% dos habitantes se declararam de raça branca, 44,7% de raça preta e parda, e apenas 1% nos demais grupos (amarela, indígena ou sem declaração).
Os dados sobre razão de renda, proporção de pobres, desemprego e analfabetismo, entre outros indicadores, traçam o perfil socio-econômico da população brasileira, caracterizado por profundas desigualdades regionais e entre os diferentes grupos no interior da sociedade (Brasil, 2001b). A porcentagem da população, em 2001, com renda familiar mensal de até meio salário mínimo per capita, e que declararam não ter rendimentos, registrou a razão de 43,5%. Na Região Nordeste, chegou a 52,7% e, na Região Norte, a 47,6%; na Região Sudeste, atingiu 39,5%, seguida da Região Sul, com 37,7%, e a Centro-Oeste, com 41,3% (Brasil, 2001a).
A taxa de desemprego, nos últimos anos, tem registrado um valor percentual de cerca de 10% a 12% da população economicamente ativa/PEA. Entre as regiões, o maior desemprego ocorreu na Sudeste, onde se concentram a população e a produção brasileira. Nas áreas metropolitanas, em dezembro de 2003, a taxa de desocupação foi de 10,9%, conforme Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. O analfabetismo diminuiu no Brasil, passando de 20%, em 1991, para 14%, em 2000, com queda em todas as regiões e grupos de idade. Contudo, observam-se desigualdades regionais desse indicador, que se mantém elevado principalmente no Norte e no Nordeste. O censo de 2000 registrou variações entre 26%, no Nordeste, e 8%, no Sul.
Deve-se ressaltar que as desigualdades entre os diferentes segmentos da população brasileira serão tratadas no item 3, destacando-se aqueles mais vulneráveis como as mulheres, os negros e os índios, dentre outros.
2 - ANÁLISE EM RELAÇÃO ÀS LINHAS DE ATENÇÃO À SAÚDE
Nessa análise, serão consideradas cinco linhas de atenção à saúde, incluindo: (1) a atenção básica; (2) a atenção ambulatorial especializada; (3) a atenção hospitalar; (4) os serviços de urgência e emergência; e (5) o transplante de órgãos e tecidos.
Cabe destacar, inicialmente, dois aspectos que perpassam todas essas linhas de atenção, constituindo-se em importantes eixos estruturantes das ações com vistas à superação das desigualdades em saúde: a reorganização da prática assistencial e a qualificação das ações e serviços oferecidos. Em relação ao primeiro, ressaltam-se o fortalecimento da atenção básica, a desinstitucionalização das práticas sanitárias - com o desenvolvimento de modalidades assistenciais alternativas à prática hospitalar - e a racionalização da utilização das tecnologias médicas, sobretudo a atenção ambulatorial especializada e a alta complexidade. Em relação ao segundo eixo, enfatiza-se a humanização do atendimento, promovendo-se um maior acolhimento dos pacientes nos serviços de saúde.
No Brasil, historicamente, a atenção básica ocupou um segundo plano, com o desenvolvimento de um modelo de atenção à saúde centrado no hospital, nas especialidades médicas e na utilização de alta tecnologia. Esse modelo revelou-se caro e pouco eficaz para resolver os problemas sanitários da população brasileira. Por isso, a consolidação do SUS exige não apenas a ampliação do acesso aos serviços de saúde, mas uma reestruturação da prática assistencial focada na organização de serviços básicos de qualidade e eficientes, capazes de solucionar cerca de 80% dos problemas de saúde. Nessa perspectiva, o fortalecimento da atenção básica vem ocorrendo por intermédio da expansão da estratégia de saúde da família que, mediante o Programa de Expansão e Consolidação do Saúde da Família, busca-se estender essa estratégia para os grandes centros urbanos, assegurando-se atenção integral e qualificada, com investimentos nos vários níveis assistenciais.
Os gastos totais com procedimentos na atenção ambulatorial especializada no SUS são muito maiores que os gastos com os procedimentos de alta complexidade, embora os custos unitários destes últimos sejam mais altos. Assim, os gastos com os procedimentos de média complexidade atingiram, em 2003, o valor de cerca de R$ 3,8 bilhões, apresentando um crescimento de 25,4% em relação a 2002. Uma nova política de organização desse nível da atenção deve considerar uma série de problemas de diferentes ordens, a saber: (1) em relação à oferta: sistema com base na lógica de procedimentos que desconsidera as necessidades da população; incorporação tecnológica acrítica; (2) em relação à demanda: acesso aos procedimentos baseado na oferta, com conseqüente concentração em determinadas áreas geográficas; e (3) em relação a serviços: serviços com baixa resolubilidade; (4) falta de qualificação profissional; (5) inadequada coresponsabilidade dos profissionais especializados pela saúde integral do paciente; e (6) falta de articulação entre os diferentes níveis assistenciais, gerando superposição de ações.
No tocante à atenção hospitalar, conforme o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde/CNES, existiam, em abril de 2004, 6.012 estabelecimentos de saúde no Brasil com potencial de realizar internações, com seus 451.320 leitos hospitalares cadastrados. Desses leitos, 86,5% estão destinados ao SUS. Entre esses estabelecimentos, 70% são do tipo geral. Em 2003, foram realizados cerca de 12,1 milhões de internações no valor de aproximadamente R$5,8 bilhões. Em 2002, o País possuía 2,7 leitos por 1000 habitantes, considerado razoável em relação às recomendações da OMS (Brasil, 2002c). Há, porém, alta predominância de oferta em áreas urbanas e vazios assistenciais em áreas de menor densidade populacional, com concentração dos leitos na esfera privada e nas regiões mais desenvolvidas do País.
No Brasil, existe uma significativa pulverização de leitos em pequenos hospitais, com 10% destes localizados em estabelecimentos de saúde com menos de 30 leitos, representando 43% da rede hospitalar e consumindo mais de R$ 300 milhões/ano. A maioria desses hospitais - 70% - está localizada em municípios com menos de 30 mil habitantes e, com freqüência, representam a única possibilidade de internação local.
A qualificação da assistência de urgência e emergência tem como desafios a melhoria da resolubilidade, o acolhimento adequado - com triagem classificatória de risco - e a humanização do atendimento, com a conseqüente satisfação da população. Assim, devem-se equacionar os seguintes problemas: (1) estrutura física e tecnológica: prontos-socorros com áreas físicas inadequadas, insuficiência de equipamentos e insumos e inadequada retaguarda de recursos diagnósticos e terapêuticos; (2) recursos humanos: equipe profissional insuficiente, com capacitação inadequada para atuar nas urgências; (3) atendimento pré-hospitalar móvel, com regulação médica de urgências, instalado em pouquíssimas cidades do País, sobretudo nas capitais, resultando em desperdício de recursos públicos em decorrência do paralelismo de ação entre os serviços existentes; (4) unidades de pronto atendimento não-hospitalares em número insuficiente e com baixíssima resolubilidade, trabalhando com recursos físicos e humanos inadequados e/ou insuficientes; (5) insuficiente retaguarda de transporte para a adequada transferência de pacientes que necessitam de intervenções que o serviço que prestou o primeiro atendimento não tenha complexidade para oferecer; (6) ausência de assistência nas estradas, exceto em algumas grandes rodovias concedidas ao setor privado, onde a assistência ocorre, via de regra, fora dos padrões técnicos recomendados pela legislação vigente; (7) insuficiente estruturação, pactuação e regulação das internações para garantir acesso aos serviços de maior complexidade em urgências dos pacientes de municípios de pequeno e médio portes; (8) inadequação nas tabelas de procedimentos SIH e SIA/SUS, com prejuízo financeiro e de registro de informações sobre a assistência prestada; e (9) inadequação do cadastramento das unidades de urgência, com enorme dificuldade de levantar dados sobre a atenção oferecida.
A atividade de transplante de órgãos e tecidos no Brasil iniciou-se na década de 60, tendo, desde então, uma evolução considerável, sobretudo a partir da criação do Sistema Nacional de Transplantes/SNT, em 1997. Enquanto em 1996 realizaram-se 3.979 transplantes, em 2002 foram efetuados 7.981 transplantes pagos pelo SUS, representando um crescimento de mais de 100%. O Brasil figura hoje em segundo lugar em número absoluto de transplantes realizados ao ano em todo o mundo, o que demonstra claramente os investimentos realizados nessa área.
Contudo, alguns problemas são identificados no processo de transplantação no Brasil, destacando-se: a insuficiente participação do Ministério da Saúde na articulação e no acompanhamento do processo doação/transplantes no País; a defasagem da legislação em face da realidade; a carência de controle sobre a qualidade dos transplantes realizados; o aumento dos gastos não-proporcionais ao aumento do número de transplantes; o amplo crescimento de serviços privados de transplantes, desarticulados dos serviços de suporte necessários (laboratórios específicos e de histocompatibilidade, bancos de sangue, etc.), em detrimento de um real estímulo ao desenvolvimento de serviços públicos municipais, estaduais e federais de transplante de órgãos e tecidos; a inexistência de um sistema informatizado que atenda ao gerenciamento nacional da lista de espera de órgãos e tecidos; a carência de recursos humanos no SNT e na coordenação nacional.
3 - ANÁLISE EM RELAÇÃO ÀS CONDIÇÕES DE SAÚDE
A análise das condições de saúde da população brasileira é aqui realizada em três dimensões: (1) uma visão geral da morbimortalidade; (2) a situação sanitária dos grupos mais vulneráveis; e (3) uma abordagem focalizada em algumas áreas de intervenção particularmente importantes no campo da saúde pública.
Em relação à primeira dimensão, devem-se destacar as diferenças observadas na mortalidade, segundo faixa etária, sexo e regiões do Brasil, considerando o ano de 2001. O principal grupo de causas de morte, em todas as regiões e para ambos os sexos, foram as doenças do aparelho circulatório. Em seguida, vêm as causas externas nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e as neoplasias, na Região Sul. O risco de morte por causas externas difere segundo o sexo, sendo o segundo grupo de causas de morte para os homens nas Regiões Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Na Região Sul, o segundo grupo de causas de morte para os homens foi o das neoplasias. Para as mulheres, as neoplasias foram o segundo grupo de causas de morte em todas as regiões. As causas externas apresentaram-se como o quinto grupo de causas de morte para as mulheres em todas as regiões, com exceção da Região Sul, onde é o quarto grupo de causas. Os homens morreram mais precocemente que as mulheres. Por exemplo: entre os óbitos masculinos, 23% ocorreram na faixa etária de 15 a 44 anos de idade, enquanto que, para as mulheres, este percentual foi de 11%. O risco de morrer por causas externas - na faixa etária de 15 a 44 anos de idade - e por doenças do aparelho circulatório - na faixa etária de 25 a 44 anos - é maior entre os homens que entre as mulheres.
Por outro lado, o risco de morte por câncer foi maior entre as mulheres, quando comparadas aos homens, na faixa etária de 25 a 44 anos de idade. A partir dos 45 anos de idade, as doenças do aparelho circulatório são o principal grupo de causas de morte, seguido das neoplasias e. depois, das causas externas. Para os homens, o risco de morrer é maior que o risco das mulheres, tanto para as doenças do aparelho circulatório quanto para as neoplasias.
Uma análise importante refere-se aos anos de vida perdidos por morte prematura (YLL). Segundo Schramm et al. (2004), o estudo da carga de doença por meio de seu indicador, o Daly (Disability Adjusted Life Years - Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade) procura medir simultaneamente o impacto da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida dos indivíduos.
O Daly para uma doença ou condição de saúde é calculado como a soma dos anos de vida perdidos devidos à morte prematura (YLL - Years of Life Lost) e anos vividos com incapacidade (YLD - Years Lived with Disability).
Para o Brasil, em ambos os sexos, essa análise mostra que 27% dos YLL pertencem ao grupo I (doenças infecciosas e parasitárias, condições maternas, condições perinatais e deficiências nutricionais); 58% pertencem ao grupo II (doenças não-transmissíveis) e 15% pertencem ao grupo III (causas externas) (SCHRAMM et. al., 2004). As maiores proporções de YLL para o grupo I ocorreram nas Regiões Norte e Nordeste, e um gradiente mais elevado para os agravos do grupo II, nas Regiões Sul e Sudeste. Para o grupo III, as proporções mais elevadas ficaram para as Regiões Centro-Oeste e Sudeste. As principais causas responsáveis pela expressiva perda de anos de vida foi o grupo de doenças cardiovasculares, com 24% dos YLL, e os cânceres, com 12%, apesar de as doenças infecciosas e parasitárias, com 10% dos YLL, ainda ocuparem uma posição relevante.
Em relação à morbidade, merecem destaque as doenças infecciosas e transmissíveis e o câncer.
A situação das doenças transmissíveis no Brasil apresenta um quadro complexo, que pode ser resumido em três grandes tendências: (1) doenças transmissíveis com tendência declinante ou erradicadas; (2) doenças transmissíveis com quadro de persistência; e (3) doenças transmissíveis emergentes e reemergentes.
Entre as doenças transmissíveis com tendência declinante ou erradicadas incluem-se a varíola, o sarampo, a raiva humana, o tétano neonatal, a difteria, a coqueluche e o tétano acidental, a doença de Chagas, a hanseníase, a febre tifóide, a rubéola, a oncocercose, a filariose e a peste. Algumas doenças transmissíveis apresentam um quadro de persistência ou de redução em período ainda recente, incluindo-se a malária, a tuberculose, as meningites, a leishmaniose e a febre amarela. Em relação às doenças transmissíveis emergentes e reemergentes, ressalta-se o surgimento da aids, no início da década de 80, a reintrodução da cólera, a partir do Peru, em 1991, e a epidemia de dengue, que passou a constituir-se, no final dos anos 90, em uma das prioridades de saúde pública no País.
Foram estimados, pelo Ministério da Saúde, para 2003, em todo o Brasil, 402.190 casos novos e 126.960 óbitos por câncer. Para o sexo masculino, foram esperados 186.155 casos novos e 68.350 óbitos, enquanto que, para o sexo feminino, estimaram-se 216.035 casos novos e 58.610 óbitos. Os principais cânceres a acometer a população brasileira seriam: mama feminina (41.610 casos novos), próstata (35.240 casos novos), pulmão (22.085 casos novos) e estômago (20.640 casos novos).
Considerando que a conclusão das análises de mortalidade só é feita a partir da validação dos dados do Sistema Nacional de Informações de Mortalidade/SIM, que ocorre com uma defasagem de dois anos, podem ser traçadas estimativas, para o ano de 2003, em relação à taxa de mortalidade por câncer. Assim, para cada 100 mil homens, 13% teriam câncer de pulmão, 9,47% de próstata, 8,45% de estômago, 4,97% de esôfago e 4,24% de cólon e reto. Para cada 100 mil mulheres, 10,40% teriam câncer de mama, 5,45% de pulmão, 4,73% de cólon e reto, 4,58% de colo de útero e 4,27% de estômago.
Uma vertente de estudo para análise das desigualdades é a carga de doença. Assim, no Brasil, a maior parte dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD, que corresponde à expressão inglesa Years Lived with Disability) provém das doenças não transmissíveis (grupo II), tanto para homens quanto para mulheres. Destaca-se que, enquanto no sexo masculino 7,7% dos YLD são do grupo III (causas externas), apenas 3,5% dos YLD calculados entre as mulheres também estão nesse grupo. Dentro do grupo II, verifica-se um excesso de 15% de morbidade para o sexo feminino, em relação ao masculino, para as doenças neuro-psiquiátricas, e de 40% para as doenças músculo-esqueléticas. Em contraste, identifica-se um excesso de morbidade de 40% para o sexo masculino para as doenças respiratórias crônicas.
A segunda dimensão de análise focaliza-se nas condições de saúde dos grupos vulneráveis no interior da sociedade brasileira, incluindo a população do campo, os negros, os índios, as crianças, os adolescentes e jovens, as mulheres, os idosos, os trabalhadores, os portadores de deficiências e os presidiários.
No âmbito da população do campo, estão compreendidos os agricultores, os familiares, os trabalhadores rurais assalariados e os em regime de trabalho temporário, os trabalhadores rurais assentados, os trabalhadores rurais que não têm acesso à terra e residem em acampamentos rurais, populações que residem em comunidades remanescentes de quilombos, populações que moram em reservas extrativistas, população ribeirinha, populações atingidas por barragens e trabalhadores que moram na periferia das cidades e que trabalham no campo. Os dados abaixo mostram a dimensão dessa população no Brasil.
Dados oficiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Incra, de julho de 2003, informam que existem 6.044 assentamentos no País, distribuídos em 1.857 municípios, com capacidade para cerca de 760 mil famílias. Os acampamentos informados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura/CONTAG somam 419, com cerca de 43 mil famílias distribuídas em 297 municípios. Os acampamentos do MST são 595, com cerca de 87 mil famílias. As comunidades remanescentes de quilombos são 743, distribuídas em 315 municípios, ocupando cerca de 30 milhões de hectares e com uma população estimada de dois milhões de pessoas. Entre as populações que moram em reservas extrativistas, estima-se a existência de cerca de 100 mil seringueiros, 60 mil pessoas vivendo da extração da castanha e 400 mil garimpeiros. As quebradeiras de coco de babaçu, na sua grande maioria mulheres, comporiam um universo de cerca de 300 mil pessoas, distribuídas pelos Estados do Tocantins, do Maranhão, do Pará e do Piauí. Estima-se, ainda, para a Região Amazônica, a existência de cerca de 700 mil agricultores familiares, com distintas situações de domínio da terra. As populações ribeirinhas habitam, principalmente, os Estados do Amazonas, de Rondônia, do Acre, do Pará, de Mato Grosso, do Amapá e de São Paulo, estimando-se, para toda a Região Amazônica, mais de 600 mil pessoas, das quais cerca de 300 mil no Estado do Amazonas. Os atingidos por barragens correspondem a uma população estimada em 10.000 famílias, sendo que, até o ano de 2006, com as novas obras previstas, calcula-se que sejam atingidas mais de 70.000 famílias.
A população rural brasileira representa 19% da população geral, sendo que 15 milhões de agricultores - 37% das famílias rurais - vivem abaixo da linha da pobreza, 11% vivem somente da aposentadoria rural e 4,8 milhões de famílias são agricultores sem terra. A iniqüidade na distribuição da riqueza é apresentada em números: apenas 600 dos 850 milhões de hectares de superfície do território brasileiro foram registrados pelo Incra. Desses, 250 milhões de hectares estão classificados como terras devolutas e 285 milhões como latifúndios. Associada à elevada concentração da terra, há uma imensa desigualdade no acesso à renda. De acordo com os dados do censo de 2000, cinco milhões de famílias rurais vivem com menos de dois salários mínimos mensais, cifra esta que, com pequenas variações, é verificada em todas as regiões do País. No campo brasileiro, são encontrados os maiores índices de mortalidade infantil, de incidência de endemias, de insalubridade e de analfabetismo, caracterizando uma situação de enorme pobreza, decorrente das restrições ao acesso aos bens e serviços indispensáveis à vida.
A desagregação do Índice de Desenvolvimento Humano/IDH, que envolve a alfabetização, a expectativa de vida e a renda per capita, considerando a raça, para o ano de 1999, resultou que o IDH da população negra coloca o Brasil na 108a posição, em contraponto ao da população branca, que ocupa a 49a (trabalho desenvolvido pelos pesquisadores Wânia de Jesus Sant'Anna e Marcelo Paixão).
A expectativa de vida na população negra é de 64 anos, enquanto na população branca é de 70 anos (Oliveira, 2003). Mulheres afro-descendentes têm uma expectativa de vida de 66 anos, três anos abaixo da dos homens brancos, contrariando a tendência mundial de que as mulheres vivem mais do que os homens, e cinco anos abaixo da expectativa das mulheres brancas. As mulheres negras têm 25% a menos de chance de chegar aos 75 anos de idade do que as mulheres brancas.
Em 2001, 17,5% dos domicílios com chefia afro-descendente não tinham acesso à água tratada, contra 7,1% com chefia branca. Além disso, 35% entre os chefiados por afro-descendentes, contra 16,5% chefiados por brancos, não tinham esgoto sanitário (Sant'Anna, 2003).
A taxa de analfabetismo dos afro-descendentes de 10 a 14 anos de idade é quase quatro vezes maior que a dos brancos da mesma faixa etária. As taxas de analfabetismo para pessoas de 15 anos ou mais de idade ainda eram, em 2001, duas vezes mais elevadas para negros (18%) que para brancos (8%). O analfabetismo funcional - pessoas com menos de quatro anos de estudos -, em 2001, atingia cerca de 44% das pessoas de 25 anos e mais de idade da população negra, enquanto incidia sobre 25% da população branca da mesma faixa etária.
Depara-se com uma desigualdade ainda maior quando se compara a proporção de pessoas de 25 anos e mais de idade que possui entre 11 e 14 anos de estudo (superior incompleto): 22% dos brancos está nesta categoria e apenas 14% dos negros. Por fim, para pessoas com 15 a 17 anos de estudo, que possuem nível superior e/ou outro estudo adicional, como o mestrado, os brancos ficam no patamar de 10% enquanto os negros atingem 2,5% (Shicasho, 2002).
A diferença entre a mortalidade infantil entre as crianças negras e as brancas, no Brasil, tem aumentado muito a despeito de a mortalidade infantil no País vir caindo consideravelmente. No período de 1993-1994, a taxa de mortalidade infantil das crianças afro-descendentes foi de 62,3 por 1000 nascidos vivos, enquanto para as crianças brancas foi de 37,3 por 1000. Em 1996, a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos de idade foi de 76,1 por 1000 nascidos vivos para afro-descendentes e 45,7 por 1000 nascidos vivos para as brancas (Sant'Anna, 2003).
Atualmente, os povos indígenas compreendem aproximadamente 410 mil pessoas, ocupando cerca de 12% do território nacional (Brasil, 2002e). Perto de 60% dos índios vivem nas Regiões Centro-Oeste e Norte, onde estão concentradas 98,7% das terras indígenas.
O perfil epidemiológico da população indígena é marcado por altas taxas de incidência por doenças respiratórias e gastrintestinais agudas, doenças sexualmente transmissíveis, desnutrição, doenças imunopreveníveis, malária e tuberculose. Além disso, tornam-se cada vez mais freqüentes problemas tais como hipertensão arterial, diabetes, câncer, alcoolismo, depressão e suicídio. No tocante à saúde indígena, assinale-se que os dados mostram que a mortalidade infantil vem declinando a uma média de 10,6% ao ano, em relação a 1998, quando era de 96,8 por 1000 nascidos vivos, chegando, em 2002, a um coeficiente de 55,7 por 1000 nascidos vivos. Vale ressaltar que, em 2000, o coeficiente de mortalidade infantil para as crianças não indígenas foi de 29,6 por 1000 nascidos vivos.
A imunização destaca-se como uma das principais ações para a prevenção de doenças, havendo um esquema vacinal especial para as áreas indígenas, com ampliação de imunobiológicos disponíveis e de categorias de idade elegíveis. Contudo, a sua operacionalização é complexa e não tem sido efetivamente executada pelas equipes de saúde, devido, em parte, a algumas dificuldades, como: (a) transporte dos imunobiológicos e seus respectivos insumos; (b) insuficiência de veículos e a sua inadequação para o transporte dos imunobiológicos; (c) falta de pontos de apoio com energia para a conservação das vacinas; e (d) necessidade de acondicionamento, conservação e transporte, em condições especiais, dos imunobiológicos, principalmente nas áreas indígenas da Amazônia Legal, onde se encontram 54,2% da população.
Em relação à saúde da criança, foi observado nas últimas décadas, no Brasil, um declínio de 67% do coeficiente de mortalidade infantil, que passou de 85,6 óbitos por 1000 nascidos vivos, em 1980, para 27,8 por 1000 nascidos vivos, em 2002. Essa redução ocorreu principalmente em razão da diminuição da mortalidade pós-neonatal - 28 dias a um ano de vida -, embora a sífilis congênita, agravo considerado um verdadeiro marcador da qualidade de assistência obstétrica, tenha se mantido ao longo das décadas com elevadas taxas de mortalidade, em especial na Região Nordeste do País (Lima, 2002).
Contudo, a mortalidade infantil continua elevada, decorrente da estagnação da mortalidade neonatal no Brasil (0 a 27 dias de vida) - principal componente da mortalidade infantil desde a década de 90 - e uma concentração nas regiões e populações mais pobres do País, refletindo as desigualdades sociais. Em 2001, as causas perinatais foram a principal causa de mortalidade infantil, em todas as regiões, seguida das malformações e das doenças infecciosas. A chance de uma criança morrer por causas perinatais é seis vezes maior do que morrer por doença infecciosa no primeiro ano de vida. A mortalidade proporcional de menores de um ano de idade foi maior nas Regiões Nordeste e Norte, sendo nesta última três vezes maior que na Sul (13,2% e 4,5%, respectivamente).
A trajetória da desnutrição infantil tem apresentado tendências expressivas de declínio nestas duas últimas décadas. No Brasil, o déficit de peso para a idade reduziu-se em 20,8% no período de 1989 a 1996. Contudo, na população de crianças que vivem na zona rural, a redução foi de apenas 14%. Entre as regiões brasileiras, a maior redução no déficit de peso para a idade, nesse mesmo período, ocorreu na Região Nordeste, com um declínio de 35,1%. Apesar de não se dispor de dados nacionais recentes e precisos sobre as carências nutricionais e o excesso de peso, sabe-se, no entanto, que ambos constituem problemas de saúde pública.
A juventude brasileira, composta por indivíduos de 10 a 24 anos de idade, representa aproximadamente um terço da população, mais de 51 milhões de jovens. Em 1970, o País contava com 18,3 milhões de jovens de 15 a 24 anos de idade e, em 2000, com mais de 32 milhões nesta mesma faixa etária. O aumento populacional desse segmento, ocorrido nas últimas três décadas, resulta de uma transformação na estrutura etária da população brasileira, em razão da queda da fecundidade, do declínio da mortalidade infantil e do aumento da esperança de vida ao nascer.
Entre os agravos à saúde que afligem esse grupo populacional no Brasil, destacam-se a violência, a gravidez na adolescência, as doenças sexualmente transmissíveis e aids, o envolvimento com drogas e seu tráfico, o desemprego, dentre outros. Dados relacionados à morbidade hospitalar do SUS por causas externas revelam que, em 2003, 16% das internações por essas causas ocorreram na faixa etária dos 10 aos 19 anos de idade, tendo sido registrados 1.835 óbitos. Segundo dados SIH/SUS, das 121.433 internações nessa faixa etária, 67% decorreram de outras causas externas de traumatismos acidentais, tais como quedas, afogamentos, envenenamentos e lesões provocadas por armas de fogo. No período de 1993-2002, a taxa de homicídios da população negra é superior a da branca: 34 em 100 mil e 20,6, em 100 mil, respectivamente. Além disso, "a proporção de vítimas de homicídios entre a população parda ou preta é 65,3% superior à branca" (Waiselfisz, 2004).
A fecundidade das mulheres de 15 a 19 anos de idade, em 1980, representava 9,14% da fecundidade total do País, alcançando 19,38%, em 2000. Nas Regiões Norte e Centro-Oeste, as participações são, respectivamente, de 22,55% e 23,56%. Em 2001, o Sistema de Informação de Nascidos Vivos - SINASC registrou um total de 3.106.525 nascidos vivos no País, sendo 23,3% filhos de mães adolescentes, entre 10 e 19 anos de idade. A maior proporção foi observada na Região Norte (30,3%) e, a menor, na Região Sudeste (19,8%).
Em 2001, no Brasil, ocorreram 42.937 óbitos na população entre 10 e 24 anos de idade, sendo 21.371 mortes entre os homens e 11.566 entre as mulheres. Segundo o SIM, os acidentes de transporte foram a causa de morte mais incidente na faixa etária de 10 a 14 anos de idade, com uma taxa de mortalidade de 7,3 por 100.000 habitantes para os homens e de 3,3 para as mulheres.
As principais causas de morte da população feminina no Brasil são as doenças cardiovasculares, destacando-se o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral; as neoplasias, principalmente o câncer de mama, de pulmão e o de colo do útero; as doenças do aparelho respiratório, marcadamente as pneumonias; e as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, em especial a diabetes e as causas externas (Brasil, 2000b).
A queda da mortalidade materna de 1999 a 2001 pode estar associada a uma melhoria na qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar. A partir do ano de 1998, diminuíram os óbitos em internações obstétricas no SUS: de 34,8 óbitos por 100.000 internações, em 1997, para 28,6 óbitos por 100.000 internações, em 2001 (Brasil, 2003e). Nas capitais brasileiras, para o ano de 2002, a razão de mortalidade materna corrigida foi de 75 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos. As principais causas da mortalidade materna são a hipertensão arterial, as hemorragias, a infecção puerperal e o aborto, todas evitáveis (Brasil, 2003). Os números atestam que a situação atual está aquém do aceitável, pois, em países desenvolvidos, a razão de mortalidade materna corrigida oscila de seis a 20 óbitos maternos por 100.000 nascidos vivos (Brasil, 2003e).
O atendimento às mulheres em processo de abortamento no SUS apresenta uma tendência de estabilização na última década, conseqüência possível do aumento de mulheres usando métodos anticoncepcionais e da elevada prevalência de laqueadura tubária, especialmente nos estados do Nordeste e do Centro-Oeste. A prevalência da ligadura tubária é maior nas regiões onde as mulheres têm condições socioeconômicas mais precárias.
O acesso à assistência pré-natal é um problema significativo, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste, embora desde a implantação do Sistema de Informação Ambulatorial se registre uma tendência do aumento do número de consultas de pré-natal, passando de 1,2 consultas para cada parto realizado no SUS, em 1995, para 4,4 consultas, em dezembro de 2002 (Tabnet SIA-Datasus e Tabwin AIHDatasus, 2003). Apesar disso, a qualidade dessa assistência é precária, observando-se uma alta incidência de sífilis congênita, estimada em 12 casos/1.000 nascidos vivos no SUS (Brasil, 2002h); a hipertensão arterial é a causa mais freqüente de morte materna.
A maioria dos partos no Brasil é realizada em ambiente hospitalar, mas, em várias regiões, especialmente nas zonas rurais, muitas mulheres têm acesso apenas ao parto domiciliar, realizado em condições precárias. Ao lado disso, destaca-se que a atenção ao parto e nascimento é marcada pela intensa medicalização, pelas intervenções desnecessárias e potencialmente iatrogênicas e pela prática abusiva da cesariana. Ocorre ainda o isolamento da gestante de seus familiares, a falta de privacidade e o desrespeito a sua autonomia. Tudo isso contribui para o aumento dos riscos maternos e perinatais (Brasil, 2004g).
Estudos com base populacional têm demonstrado que, no Brasil, a grande maioria dos idosos - mais de 85% - apresenta pelo menos uma enfermidade crônica e, cerca de 15%, pelo menos cinco, sendo a hipertensão arterial a mais prevalente, atingindo quase 60% deste contingente populacional. Esses mesmos estudos populacionais, embora ainda limitados em número, demonstram que 4% a 6% dos idosos apresentam formas graves de dependência funcional; 7% a 10%, formas moderadas; 25% a 30%, formas leves. Somente 50% a 60% dos idosos seriam completamente independentes.
Assinala-se a participação desproporcional dos idosos na demanda por serviços de saúde, principalmente hospitalares. Ao se analisarem os dados de internação hospitalar pelo SUS, no ano de 2001, constata-se que os idosos, que representavam 8,5% da população, consumiram R$1,2 bilhão em hospitalizações, contra R$ 922 milhões do grupo de zero a 14 anos de idade, que correspondia a 29,6% da população brasileira.
Em relação ao trabalhador, observa-se que no Brasil, em 2001, a população economicamente ativa - PEA era de cerca de 83 milhões de pessoas, das quais 75,4 milhões foram consideradas ocupadas. Os trabalhadores remunerados representavam 66,8 milhões de pessoas, sendo 5,9 milhões em atividades domésticas e 60,9 milhões na produção de bens e serviços. Desses, 40,9 milhões estavam empregados, 16,8 milhões trabalhavam por conta própria e 3,2 milhões eram empregadores. Entre os empregados, apenas 22,2 milhões trabalhavam com carteira assinada, com a cobertura da legislação trabalhista e do Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT da Previdência Social. Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho - OIT, cerca de 60 milhões de trabalhadores brasileiros estão inseridos no mercado de trabalho informal e/ou "precarizado", descobertos da proteção da legislação trabalhista e do SAT. Cumpre ainda assinalar a existência de 5,7 milhões de crianças e adolescentes, entre cinco a 17 anos de idade, inseridos em atividades produtivas.
No período de 1996 a 2000, a Previdência Social registrou 22 milhões de trabalhadores formais (com vínculo de trabalho regido pela CLT e cobertos pelo Seguro de Acidente do Trabalho - SAT) - 35% da PEA, entre os quais verificou-se um total de cerca de 1,9 milhão de acidentes de trabalho, sendo 102 mil com óbitos ou incapacidade permanente (http://www.mte.gov.br/Temas/SegSau/estatísticas), com uma média de 3,7 mil óbitos/ano. O coeficiente médio de mortalidade, entre 1997 e 2001, foi de 17,39 por 100.000 trabalhadores (MS, 2002).
Em relação às pessoas portadoras de deficiência, as principais causas de deficiência são os transtornos congênitos e perinatais, decorrentes da falta de assistência ou assistência inadequada às mulheres na fase reprodutiva, as doenças transmissíveis e crônicas não-transmissíveis, as perturbações psiquiátricas, o abuso de álcool e de outras drogas, a desnutrição, os traumas e lesões decorrentes dos elevados índices de violências e de acidentes de trânsito.
O Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde - OMS apoiaram a realização de estudos de prevalência de deficiências, incapacidades e desvantagem, realizados em 11 cidades de diferentes regiões do País, entre os anos de 1992 e 2002. Esses estudos indicaram percentuais de pessoas portadoras de deficiência que variam de 2,81%, em Brasília, a 9,60%, em Feira de Santana/BA. Os resultados dos estudos de prevalência permitem afirmar que as incapacidades motoras são a maioria dos casos de deficiências encontrados nas localidades estudadas, seguidas pelas deficiências mentais. Quanto maior o número de idosos na amostra da pesquisa, maior é a prevalência de incapacidades da visão e da audição. Por outro lado, é elevado o número de casos de deficiência múltipla nos municípios de menor renda per capita, entre os estudados.
A assistência à pessoa portadora de deficiência no Brasil caracteriza-se pela baixa cobertura, com centralização, desarticulação e descontinuidade das ações nas esferas pública e privada. Todos os leitos de reabilitação, segundo o código da tabela do Sistema de Informações Hospitalares - SIH-SUS, estão concentrados nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste - os Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro detêm 80% do total -, e pertencem quase que exclusivamente ao setor privado. Podem ser destacados como os mais prováveis fatores causais dessa situação a falta de investimento na criação dos leitos e centros hospitalares e a remuneração insuficiente do leito de reabilitação.
A população prisional está estimada em cerca de 210.150 indivíduos, distribuídos nos presídios das 26 unidades federadas e no Distrito Federal (SISPEN - Sistema de Informações Penitenciárias/Depen/Ministério da Justiça, agosto/2003). Pesquisas sobre o sistema prisional indicam que mais da metade dos presos têm menos de 30 anos de idade; 95% são pobres; 95% são do sexo masculino; dois terços não completaram o primeiro grau; e cerca de 12% são analfabetos (HRW, 1998).
Não existem estudos de abrangência nacional que revelem o perfil epidemiológico da população presidiária brasileira. No entanto, é possível, apesar da inexistência de dados, estimar um padrão nosológico para a população presidiária, considerando as precárias condições carcerárias. As Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids - DST/Aids, a tuberculose, as pneumonias, as dermatoses agudas, os agravos à saúde mental, as hepatites, os traumas, as diarréias infecciosas certamente apresentam magnitude significativa. Ademais, outros problemas prevalentes na população adulta brasileira também estão presentes, a exemplo da hipertensão arterial sistêmica e da diabetes mellitus.
Na terceira dimensão de análise, serão abordadas três áreas de intervenção particularmente importantes no campo da saúde: a alimentação e nutrição, a saúde mental, a saúde bucal e os acidentes e violência.
No Brasil, são inúmeros os problemas inerentes à alimentação e à nutrição inadequadas (Brasil, 2003g). As deficiências de micronutrientes, sobretudo as carências relativas à vitamina A, ao ferro, ao iodo e ao acido fólico, evidenciam um quadro preocupante. Em 1996, 10,5% das crianças brasileiras apresentavam déficit de altura (