Portaria SAS nº 227 de 10/05/2010

Norma Federal - Publicado no DO em 11 mai 2010

Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Aplasia Pura Adquirida Crônica da Séria Vermelha.

O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,

Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a aplasia pura adquirida crônica da séria vermelha no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;

Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;

Considerando a Consulta Pública SAS Nº 14, de 31 de março de 2010;

Considerando a Portaria SAS/MS Nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS; e

Considerando a avaliação da Secretaria de Atenção à Saúde - Departamento de Atenção Especializada,

Resolve:

Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - APLASIA PURA ADQUIRIDA CRÔNICA DA SÉRIA VERMELHA.

§ 1º O Protocolo, objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral da Aplasia Pura Adquirida Crônica da Séria Vermelha, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes.

§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação de medicamento nele previsto.

§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso de medicamento preconizado para o tratamento da Aplasia Pura Adquirida Crônica da Séria Vermelha, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.

§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.

Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALBERTO BELTRAME

ANEXO
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
APLASIA PURA ADQUIRIDA CRÔNICA DA SÉRIE VERMELHA

1. METODOLOGIA DE BUSCA DE LITERATURA

Foram realizadas buscas nas bases de dados do Medline/Pubmed, Embase e Cochrane na data de 22 de fevereiro de 2010.

Na base de dados Medline/Pubmed foi utilizada a estratégia: "Red-Cell Aplasia, Pure"[Mesh] AND "Therapeutics"[Mesh], sem limite de data, limitada para estudos em humanos. A busca resultou em 149 artigos. Nenhum ensaio clínico randomizado foi encontrado nesta busca. Os artigos identificados como relatos de casos foram excluídos, sendo que a maioria das recomendações deste protocolo deriva de estudos observacionais e recomendações de especialistas. Na base de dados Embase foi repetida a mesma busca acima e não foram identificados estudos relevantes que não haviam sido encontrados na busca do Medline/Pubmed. Na biblioteca Cochrane, não foram localizadas revisões sistemáticas relacionadas ao tema.

Também foram consultados livros textos de hematologia, e o UpToDate 17.3, através do site http://www.uptodateonline.com/online/index.do.

2. INTRODUÇÃO

A aplasia pura adquirida crônica da série vermelha (APASV) é uma síndrome clínica rara, caracterizada por anemia grave, hipoproliferativa (caracterizada por reticulocitopenia importante) e marcada diminuição ou até inexistência de eritroblastos em medula óssea apresentando presença normal de precursores das outras séries celulares (1-3).

A APASV pode ocorrer como doença primária (também chamada de idiopática) ou secundária a diversas outras doenças. Dentre as causas secundárias destacam-se as doenças auto-imunes, neoplasias, linfoproliferações, infecções virais, após transplante de células tronco hematopoéticas alogênico ABO-incompatível e uso de medicamentos(1, 2) (Quadro 1).

A APASV pode se manifestar de maneira aguda e autolimitada, freqüentemente observada em crianças, e de maneira crônica, mais freqüente em adultos(2).

Estudos observacionais apontam uma sobrevida média superior a 10 anos para os casos de APASV idiopática, podendo ser significativamente menor nos casos de doença secundária, conforme a doença de base(1, 3). Não foram localizados estudos de prevalência de APASV.

Postula-se que um mecanismo envolvendo auto-imunidade (auto-anticorpos da classe IgG) e ativação de linfócitos T citotóxicos e Natural Killers estejam envolvidos no desenvolvimento da aplasia, com destruição dos precursores eritróides ainda na medula óssea(1, 2).

Quadro 1: Causas secundárias de Aplasia Pura da Série Vermelha

Medicamentos 
Fenitoína, carbamazepina, ácido valpróico, fenobarbital, sulfametoxazol-trimetoprim, zidovudina, cloranfenicol, linezolida, dapsona, penicilina, rifampicina, lamivudina, clorpropamida, estimulantes da eritropoese, micofenolato de mofetila, azatioprina, tacrolimo, fludarabina, cladribina, alopurinol e metildopa. 
Infecções 
Parvovírus B19, HIV, Hepatites Virais. 
Causas Auto-imunes 
Anemia hemolítica auto-imune, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatóide, Transplante de medula óssea ABO incompatível. 
Neoplasias Linfóides 
Leucemia Linfocítica Crônica, Leucemia de grandes linfócitos granulares, Doença de Hodgkin, Linfoma não-Hodgkin, Mieloma Múltiplo. 
Neoplasias Mieolóides 
Leucemia mieolóide crônica, Metaplasia mieolóide agnogênica com mielofibrose, prodromo de síndrome mielodisplásica. 
Outras causas 
Timoma, gestação. 

Fonte: Referências 1 e 2.

3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)

- D60.0 Aplasia pura adquirida crônica da série vermelha

4. DIAGNÓSTICO

4.1 DIAGNÓSTICO CLÍNICO

As manifestações clínicas da doença são aquelas em conseqüência da anemia ou da doença de base causadora, quando esta estiver presente. Como a anemia tem início insidioso, é comum que os pacientes tenham sintomatologia leve ou ausente no diagnóstico.

Para investigação das causas secundárias de APASV deve-se pesquisar na anamnese o uso de medicamentos, exposição a fármacos e infecções. No exame físico devem ser pesquisados sinais clínicos indicativos de alguma doença de base.

4.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

O diagnóstico laboratorial é realizado na presença de todos os achados abaixo (1-3):

a) anemia normocítica e normocrômica, com série vermelha com morfologia normal na periferia;

b) reticulocitopenia importante (reticulócitos < 10.000/microL);

c) contagens normais de plaquetas e leucócitos;

d) medula óssea com megacariopoese, linfopoese e mielopoese normais com ausência ou redução significativa de precursores eritróides.

Para a investigação e exclusão de causas secundárias da APASV, os seguintes exames iniciais devem ser solicitados:

- Hemograma completo, com análise de esfregaço periférico e contagem de reticulócitos;

- Tomografia computadorizada de tórax para investigação de timoma;

- Anti-HIV, anti-HCV;

- Biópsia e aspirado de medula óssea;

- Anticorpo antinuclear.

5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Deverão ser incluídos nesse protocolo todos os pacientes com diagnóstico de APASV idiopática que não entrarem em remissão em 1 mês e em caso de APASV secundária, que não tenham respondido ao tratamento da doença de base ou após suspensão do medicamento causador por um mês.

6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Não deverão ser incluídos os pacientes com intolerância ou hipersensibilidade aos medicamentos constantes neste Protocolo.

7. CASOS ESPECIAIS

7.1 PACIENTES COM TIMOMA

Pacientes que tiverem o diagnóstico de timoma tem uma incidência de desenvolvimento de APASV de 5%. Atualmente, recomenda-se a realização de timectomia nestes casos com taxas de resposta descritas na literatura de 25%-30%(3). Apesar disso, alguns trabalhos mais recentes mostraram que somente a realização da timectomia não é suficiente para o tratamento, necessitando do uso de medicamentos imunosupressores(4,5). Em relação ao uso destes medicamentos, um estudo com 41 pacientes com timoma e APASV, sugeriu que a resposta a esquemas terapêuticos contendo ciclosporina seria maior e mais sustentada(4). Apesar da limitação dos estudos recomenda-se o uso de medicamentos imunossupressores nesses casos.

7.2 PACIENTES COM INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS B19

Pacientes com infecção crônica pelo Parvovírus B19 estabelecida (presença de um pequeno número de proeritroblastos vacuolados gigantes na biópsia de medula; presença de anticorpos anti-B19 IgM no soro ou detecção do DNA viral soro por técnicas de biologia molecular), alguns estudos sugerem a utilização da imunoglobulina intravenosa nos casos de anemia importante e infecção crônica em pacientes imunossuprimidos, aparentemente com boas taxas de remissão, porém com muitas recidivas(6-8). Estes estudos são todos observacionais (séries de casos e relatos de caso). Pela gravidade da desta condição clínica, sugere-se o uso deste medicamento, apesar da fragilidade evidência encontrada na literatura.

7.3 APASV SECUNDÁRIA AO USO DE ALFAEPOETINA HUMANA

Os pacientes que desenvolvem APASV secundária ao uso de alfaepoetina humana devem ter seu atendimento inicial centrado na suspensão deste medicamento. Como o mecanismo de desenvolvimento desta complicação é a formação de anticorpos, está indicado o uso dos medicamentos imunossupressores neste cenário clínico. Recentemente, um peptídeo agonista do receptor da eritropoetina foi utilizado em 14 pacientes com insuficiência renal crônica e APASV, com diminuição da necessidade de transfusões e melhora dos níveis de hemoglobina (9). Por ainda não haverem estudos com maior número de pacientes e com delineamentos mais rigorosos, este medicamento precisa ter sua utilidade comprovada e ainda não podendo ser recomendado na prática médica.

8. TRATAMENTO

O tratamento da aplasia pura adquirida da série vermelha varia de acordo com a etiologia estabelecida da doença. Durante a avaliação inicial do paciente, um suporte transfusional adequado deverá ser oferecido de acordo com os sintomas apresentados secundários à anemia. Nos casos de APASV secundária a outras doenças e medicamentos, o tratamento primário será dirigido à doença de base e suspensão das possíveis fármacos relacionados ao desenvolvimento da aplasia.

Em cerca de 10% a 12% dos casos de aplasia pura adquirida da série vermelha idiopática pode ocorrer remissão espontânea da doença em curto espaço de tempo e recomenda-se aguardar pelo menos 1 mês antes de iniciar tratamento imunossupressor específico3.

Naqueles pacientes em que não houver melhora com o tratamento da doença de base, a APASV deve ser tratada como uma doença imunológica e então medicamentos imunossupressores são recomendados. Dentre estes medicamentos diversos esquemas terapêuticos já foram descritos. Uma abordagem sugerida é uso da prednisona com medicamento inicial, seguido de adição de ciclofosfamida. Nos pacientes resistentes a estes dois medicamentos, pode ser utilizada a ciclosporina(1, 3).

A resposta a todos os medicamentos atualmente disponíveis para o tratamento da APASV é semelhante e não existem estudos comparativos que permitam a comparação entre eles. Portanto a seleção entre estes medicamentos é baseada nos seus perfis de efeitos adversos.

Nos pacientes com infecção crônica pelo Parvovírus B19 e imunosupressão recomenda-se o uso de imunoglobulina intravenosa (vide item casos especiais).

PREDNISONA

A prednisona foi o primeiro medicamento a ser utilizado para o tratamento da APASV e atualmente permanece como a primeira escolha no tratamento destes pacientes(1-3). Em uma série de pacientes descrita por Clark e colaboradores em 1984, 10/27 (37%) pacientes responderam ao tratamento, com um período médio de resposta de 2,5 semanas(10). Outro estudo retrospectivo com 25 pacientes mostrou taxas semelhantes de resposta com estes medicamentos (36%) e as taxas descritas na literatura variam de 30 a 62%(3). A taxa de remissão nos pacientes que usaram corticosteróides em um estudo retrospectivo proveniente de um registro nacional japonês que incluiu 185 pacientes foi de 60%(11).

Apesar da boa resposta, uma das limitações ao uso desta classe de medicamentos é alta taxa de reicidiva: até 80% quando o medicamento é diminuído nos dois primeiros anos de tratamento(3, 10). Uma segunda limitação é o grande índice de morbidade causado pelo uso crônico desta classe de medicamentos como miopatia, infecções, hiperglicemia e osteoporose (3). No mesmo estudo de Clark, os pacientes com recidiva que recebiam novamente o tratamento com corticosteróides apresentavam novamente uma boa taxa de resposta (10/13, 77%) (10). É recomendado que o fármaco iniciado seja retirado gradualmente, em uma tentativa de diminuir a incidência de recidiva e atingir uma dose mínima necessária para manter o paciente em remissão.

CICLOFOSFAMIDA

A ciclofosfamida é um agente alquilante que pode ser utilizado no tratamento da APASV isoladamente ou em associação aos corticosteróides nos casos em que a resposta aos últimos não for adequada(1). O uso deste medicamento isoladamente tem taxas de resposta descritas na literatura entre 7% e 20%, enquanto que a sua utilização em combinação com corticosteróides pode atingir 40%-60%, sendo atualmente recomendado seu uso somente desta maneira(2). O tempo médio para resposta é de 11 a 12 semanas. Após atingir a resposta adequada, o tratamento com corticosteróides deve ser diminuído e, após, o tratamento com ciclofosfamida deve ser reduzido até a sua suspensão após a normalização do hematócrito (3).

A remissão obtida com esquemas que utilizam ciclofosfamida parece ser maior quando comparada com esquemas utilizando somente corticosteróides ou mesmo ciclosporina(3). Porém, cabe salientar que o uso crônico de agentes alquilantes pode trazer complicações importantes, como neoplasias secundárias e infertilidade relacionadas à dose cumulativa e tempo de tratamento. Por estes efeitos adversos graves, não é recomendado o uso de ciclofosfamida por mais de 6 meses.

CICLOSPORINA

Estudos que avaliaram a utilização da ciclosporina no tratamento da APASV mostraram taxas de resposta entre 65%-87% (3). Em um estudo com 150 pacientes, dentre os quais 38 receberam ciclosporina, a taxa de resposta foi de 82%, sendo de 87% nos pacientes com APASV primária e 73% naqueles com causas secundárias(12).

Um estudo retrospectivo proveniente de um registro nacional japonês que incluiu 185 pacientes, sendo que destes 62 pacientes com APASV primária, mostrou uma taxa de remissão de 74% nos pacientes que usaram ciclosporina. Os pacientes tratados somente com ciclosporina (n=23) ficaram livres de transfusão em média 82 dias após o início do tratamento(11). Em pacientes que necessitam de tratamento de manutenção, o uso deste medicamento parece aumentar o tempo livre de recidiva: 103 meses nos pacientes em uso de terapia combinada de ciclosporina com corticosteróides e 33 meses nos pacientes somente em uso de corticosteróides (p