Portaria SAS nº 144 de 31/03/2010
Norma Federal
Aprova o protocolo clínico e diretrizes terapêuticas - endometriose.
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a endometriose no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando a necessidade de atualizar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Endometriose, estabelecido pela Portaria SCTIE/MS Nº 69, de 06 de novembro de 2006 ;
Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS Nº 15, de 23 de dezembro de 2009;
Considerando a Portaria SAS/MS Nº 375, de 10 de novembro de 2009 , que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS; e
Considerando a avaliação do Departamento de Atenção Especializada - Secretaria de Atenção à Saúde,
Resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - ENDOMETRIOSE.
§ 1º O Protocolo, objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral da endometriose, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do cedimentos correspondentes;
§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação do medicamento nele previsto;
§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado para o tratamento da endometriose, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.
§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
ALBERTO BELTRAME
ANEXOPROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
ENDOMETRIOSE
1. METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Foi realizada pesquisa no Medline/PubMed usando a estratégia de busca endometriose e terapia medicamentosa, a partir da Consulta Pública GM/MS de 2003, considerando meta-análises e ensaios clínicos randomizados: ("1999"[Publication Date]: "3000"[Publication Date]) AND ("Endometriosis/drug therapy"[Mesh]). Foram encontradas 4 meta-análises e 82 ensaios clínicos randomizados (ECR). Como a sintomatologia relacionada à endometriose é dor pélvica e infertilidade, e como pacientes somente com infertilidade serão consideradas como "Casos Especiais", foram incluídas nesta atualização 4 meta-análises e 44 ECR onde pelo menos um dos desfechos avaliados foi melhora de dor com o tratamento. Foram excluídos 27 estudos nos quais o desfecho avaliado não incluía avaliação de sintomatologia dolorosa e 12 ECR em outros idiomas que não o inglês, português e espanhol.
2. INTRODUÇÃO
A endometriose é uma doença ginecológica definida pelo desenvolvimento e crescimento de estroma e glândulas endometriais fora da cavidade uterina (1) que induzem uma reação inflamatória crônica.(1) É diagnosticada quase que exclusivamente em mulheres em idade reprodutiva, mulheres pós-menopáusicas representam somente 2% a 4% de todos os casos que vão à laparoscopia por suspeita de endometriose.(2) Como não há correlação entre sintomatologia e grau de doença, e como para confirmação diagnóstica é necessário a realização de um procedimento invasivo - laparoscopia - a determinação da prevalência é difícil.(3,4) Estima-se uma prevalência em torno de 10%, sendo que em mulheres inférteis estes valores podem chegar a índices tão altos quanto 30% a 60%.5 As localizações mais comumente envolvidas são os ovários, fundo de saco posterior e anterior, folheto posterior do ligamento largo, ligamentos uterossacros, útero, tubas uterinas, cólon sigmóide, apêndice e ligamentos redondos.(6)
A patogênese da endometriose tem sido explicada por diversas teorias que apontam para a multicausalidade associando fatores genéticos, anormalidades imunológicas e disfunção endometrial. (4,6)
- teoria da implantação: através de menstruação retrógrada, tecido endometrial ganharia acesso a estruturas pélvicas através das tubas uterinas implantando-se na superfície peritonial, estabelecendo fluxo sanguíneo e gerando resposta inflamatória; (7)
- teoria da metaplasia celômica: propõe que células indiferenciadas do peritônio pélvico teriam capacidade de se diferenciar em tecido endometrial;
- teoria do transplante direto explicaria o desenvolvimento de endometriose em episiotomia, cicatriz de cesareana e em outras cicatrizes cirúrgicas;
- disseminação de células ou tecido endometriais através de vasos sanguíneos e linfáticos explica as localizações fora da cavidade pélvica.
As apresentações clínicas mais comuns são infertilidade e dor pélvica - dismenorréia, dispareunia, dor pélvica cíclica.(8,9) Podem ser encontrados sintomas relacionados a localizações atípicas do tecido endometrial - dor pleurítica, hemoptise, cefaléias ou convulsões, lesões em cicatrizes cirúrgicas com dor, edema e sangramento local.(2) O exame físico proporciona pouco auxílio ao diagnóstico não havendo nenhum achado patognomônico. Dor a palpação de fundo de saco e de ligamentos uterossacros, palpação de nódulos ou massas anexiais, útero ou anexos fixos em posição retrovertida podem ser alguns dos achados ao exame físico.(1,2)
O estadiamento mais comumente usado é a classificação revisada da American Society of Reproductive Medicine (ASRM)(10,11) que leva em consideração o tamanho, a profundidade e a localização dos implantes endometrióticos e gravidade das aderências. Consiste de quatro estágios, sendo o estágio 4 o de doença mais extensa. Não há, entretanto, correlação entre o estágio da doença com prognóstico e nível de dor.(3,4) A dor é influenciada pela profundidade do implante endometriótico e sua localização em áreas com maior inervação.(12,13)
- Estágio 1 (doença mínima): implantes isolados e sem aderências significantes;
- Estágio 2 (doença leve): implantes superficiais com menos de 5cm, sem aderências significantes;
- Estágio 3 (doença moderada): múltiplos implantes, aderências peritubárias e periovarianas evidentes;
- Estágio 4 (doença grave): múltiplos implantes superficiais e profundos, incluindo endometriomas, aderências densas e firmes.
3. CLASSIFICAÇAO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
N80.0 Endometriose do útero
N80.1 Endometriose do ovário
N80.2 Endometriose da trompa de Falópio
N80.3 Endometriose do peritônio pélvico
N80.4 Endometriose do septo retovaginal e da vagina
N80.5 Endometriose do intestino
N80.8 Outra endometriose
4. DIAGNÓSTICO
Segundo consenso da European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) e da American Society for Reproductive Medicine (ASRM), o padrão-ouro para diagnóstico de endometriose é a laparoscopia com inspeção direta da cavidade e visualização dos implantes, não necessitando de biópsia para confirmação histopatológica.1,11 Embora alguns autores recomendem que todas as áreas de lesões suspeitas devam ser biopsiadas para correlação histológica, outros discordam, mostrando que as correlações dos achados laparoscópicos com histológicos são extremamente altas (97-99%)14 não necessitando de comprovação histológica, o que oneraria de maneira desnecessária a investigação destas pacientes. A discrepância entre os estudos ocorre devido aos diferentes delineamentos e número de casos estudados. Paciente com peritônio visualmente normal pode ter o diagnóstico descartado.15
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Para tratamento com danazol ou análogos de GnRH serão incluídas pacientes que apresentarem todos os critérios abaixo:
- dor pélvica como manifestação clínica a ser tratada;
- tratamento prévio com contraceptivos orais ou progestágenos sem resposta ao tratamento por 6 meses ou com recidiva de sintomatologia de dor relacionada a endometriose;
- comprovação diagnóstica de endometriose por laparoscopia/laparotomia com laudo descritivo seguindo a classificação revisada da ASRM ou resultado de anatomopatológico de biópsia peritoneal.
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídas deste protocolo de tratamento pacientes que apresentarem pelo menos um dos critérios abaixo:
Para tratamento com Danazol:
- gestação (possibilidade de efeitos androgênicos no feto de sexo feminino);
- lactação;
- sangramento genital de origem desconhecida;
- disfunção hepática grave;
- hipersensibilidade ao fármaco.
Para tratamento com análogos do GnRH:
- gestação;
- lactação;
- hipersensibilidade ao fármaco.
7. CASOS ESPECIAIS
- Uso de danazol por doentes de porfiria (por causar exacerbações desta doença) ou por doente com história de evento tromboembólico.
- Uso de anticoncepcionais orais por mulher tabagista com mais de 35 anos de idade (maior risco de tromboembolismo).
- Indicação de retratamento ou de tratamento por período mais prolongado.
8. TRATAMENTO
O foco principal do tratamento medicamentoso é a manipulação hormonal com intenção de produzir uma pseudogravidez, pseudomenopausa ou anovulação crônica, criando um ambiente inadequado para o crescimento e manutenção dos implantes da endometriose. (4)
A escolha do tratamento vai depender da gravidade dos sintomas, da extensão e localização da doença, do desejo de gravidez e da idade da paciente. Pode ser medicamentoso ou cirúrgico, ou ainda a combinação destes.(5) A eficácia dos tratamentos tem sido medida por avaliações de melhora da dor e taxas de fertilidade.(5) Todos os tratamentos hormonais reduzem a dor atribuída a endometriose comparados com placebo e são igualmente efetivos quando comparados entre eles.(9)
Para o grupo de mulheres com infertilidade não se justifica o tratamento hormonal com supressão da ovulação.(4) Não há indicação para uso de tratamento clínico na paciente com infertilidade relacionada a endometriose pois os estudos demonstram que nenhum dos medicamentos comumente usadas para o tratamento da endometriose são efetivos no tratamento da infertilidade.(16,17) O tratamento cirúrgico, com cauterização dos focos mostrou-se eficaz para o tratamento de infertilidade secundária à endometriose nos estadiamentos I e II. Um estudo multicêntrico que avaliou 241 mulheres inférteis com endometriose mínima a moderada, mostrou taxas de gravidez significantemente mais altas no grupo onde foi realizada a laparoscopia com ressecção/ablação dos focos de endometriose.(18) Desta forma, após a cauterização dos focos este grupo de mulheres poderá ser submetido ao tratamento de sua infertilidade.
Várias condutas clínicas e cirúrgicas foram testadas até o momento para tratamento da endometriose. Na escolha do tratamento deve-se levar em conta a apresentação clínica - se dor ou infertilidade -, idade e história reprodutiva da doente e localização e extensão da doença. Sendo que nos casos em que a laparoscopia for indicada, durante o ato cirúrgico deve ser feita excisão e ablação da maior quantidade de focos possível de endometriose.(19)
8.1 TRATAMENTO CLÍNICO
ANTICONCEPCIONAIS ORAIS (ACO) devem ser considerados no tratamento empírico da endometriose em mulheres com sintomas e exame físico sugestivos onde foram descartadas outras doenças relacionadas à dor pélvica.(1) Este tratamento produz retardo na progressão da doença além da proteção nos casos de não haver desejo de gravidez.(20) Em estudo comparando ACO (etinilestradiol, 0.035 mg + noretisterona 1mg) com placebo (21) houve diminuição significativa dos escores de dismenorréia e dor não menstrual avaliados por escala verbal e EAV em ambos os grupos, no entanto, a redução foi significativamente mais alta no grupo ACO (-2) que no grupo placebo (-0,6). O volume dos endometriomas diminuiu de maneira significativa no grupo ACO, mas não no grupo placebo. Não foram observados efeitos adversos graves no grupo tratamento onde ocorreu maior incidência de náuseas e sangramento irregular. Um importante potencial viés neste estudo é que somente 10 das mulheres no grupo ACO e 7 no grupo placebo tinham diagnóstico por laparoscopia. Diagnóstico por ultrassonografia não tem valor para endometriose peritoneal,(1) podendo ter acontecido mais paciente com endometriose peritoneal profunda no grupo placebo e permanência de dor.
Os ACO, usados de maneira cíclica, foram comparados com agonistas do GnRH, sendo os agonistas do GnRH mais efetivos para o alívio da dismenorréia; ambos os medicamentos foram semelhantes em relação à diminuição da dispareunia e igualmente eficazes no alívio de dor pélvica não específica.(22) Um ensaio clínico randomizado comparando ACO com goserrelina mostrou esta ser superior na melhora da dispareunia e os ACO obtiveram melhor resposta no controle da dismenorréia.(23) Ensaio clínico multicêntrico aberto demonstrou que ambos os tratamentos melhoram dismenorréia e dor pélvica não menstrual sem diferença de resposta entre eles.(24)
DANAZOL produz uma pseudomenopausa, inibe a liberação de GnRH e o pico de LH, (25) aumenta os níveis androgênios (testosterona livre) e diminui os estrogênios (inibe produção de esteróides no ovário com diminuição de produção de estrogênios) o que causa atrofia dos implantes endometrióticos.(26) Uma meta-análise de 2007 demonstrou diminuição significativa de dor pélvica, dor lombar, dor para evacuar e no escore total de dor em relação ao placebo em 3 e 6 meses de tratamento e também manutenção da melhora por até seis meses após descontinuação do tratamento.(26) Nesta meta-análise não houve melhora da dispareunia nas pacientes tratadas com danazol em relação ao placebo. Não demonstraram, entretanto, melhora nas taxas de fertilidade. Ensaio clínico randomizado avaliando medroxiprogesterona 100mg/dia e danazol 600mg/dia, mostrou que ambos os medicamentos reduziram de forma semelhante escores de dor em relação ao placebo, mantendo efeito até seis meses após a descontinuação do tratamento. (4) Estudo comparando danazol 800mg/dia e análogos do GnRH (vários representantes), demonstrou vantagem estatisticamente significativa para o grupo do danazol ao avaliar tempo de recorrência após tratamento.(27) Em ensaio clínico aberto comparando danazol 200mg 3 vezes ao dia comparado a triptorrelina 3,75mg de 6 em 6 semanas houve diminuição de escores de dor em ambos os tratamentos, sem diferença significativa entre o grupo danazol e o grupo tratado com triptorrelina. Mais pacientes no grupo do danazol não terminaram o estudo devido a efeitos adversos, sendo os mais comuns ganho de peso, acne, seguido por rouquidão e edema. No grupo triptorrelina as queixa mais comuns foram sintomas vasomotores, alterações de humor, insônia e pesadelos.(28) O danazol associou-se a efeitos androgênicos, alguns irreversíveis, alterações lipídicas, dano hepático,(5) diminuição de volume das mamas, câimbras, aumento do apetite,(29) acne, edema.(26)
PROGESTÁGENOS causam inibição do crescimento do tecido endometriótico diretamente através de decidualização e atrofia. Também inibem secreção de gonadotropina hipofisária e produção de hormônios ovarianos. O acetato de medroxiprogesterona (AMP) ocasiona melhora da dor e resolução dos implantes de maneira comparável ao danazol e superior ao placebo, com efeitos adversos que se resolvem após a descontinuação do medicamento.(30) Um estudo comparando AMP 150mg IM a cada 90 dias com ACO de baixa dosagem associado a danazol, mostrou que o AMP foi melhor na redução da dismenorréia em período de 12 meses de observação e teve o benefício da amenorréia.(30) Ensaio clínico randomizado multicêntrico,(31) com "avaliador cego" envolvendo 274 mulheres com endometriose sintomática comparando AMP 104mg por via subcutânea com leuprorrelina 11,25mg por via intramuscular, demonstrou que o AMP obteve melhora equivalente a leuprorrelina na redução de dismenorréia, dispareunia, dor pélvica e sensibilidade pélvica. Em relação a DMO, o grupo leuprorrelina teve diminuições significativas na DMO em fêmur e coluna, enquanto que no grupo AMP esta redução ocorreu apenas na coluna, em 6 meses. No seguimento de 12 meses o grupo leuprorrelina continuou com redução significativa na DMO de fêmur (-1,3%) e coluna (-1,7%), enquanto que no grupo AMP 104 mg não se demonstrou redução significativa m ambos os sítios, respectivamente 0% e 0,2%. Resultados semelhantes foram encontrados em outro ensaio clínico(32) com 300 mulheres com endometriose sintomática onde o uso de AMP 104 mg ou de leuprorrelina obtiveram reduções equivalentes em pelo menos 4 categorias de avaliação de dor (p