Portaria SAS nº 143 de 31/03/2010
Norma Federal - Publicado no DO em 01 abr 2010
Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Acne Grave.
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a acne grave no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS/MS nº 10, de 07 de dezembro de 2009;
Considerando a Portaria SAS/MS Nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS; e
Considerando a avaliação do Departamento de Atenção Especializada - Secretaria de Atenção à Saúde,
Resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - ACNE GRAVE.
§ 1º O Protocolo, objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral da acne grave, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes;
§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação do medicamento nele previsto;
§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado para o tratamento da acne grave, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.
§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Portaria SAS/MS nº 389, de 19 de setembro de 2001, publicada no Diário Oficial da União - DOU de 21 de setembro de 2001, seção 1, página 84.
ALBERTO BELTRAME
ANEXOPROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS ACNE GRAVE
1. METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
A busca na literatura foi realizada avaliando os artigos publicados entre 1980 e setembro de 2009 com os termos MESH acne vulgaris e therapeutics e limitados a ensaios clínicos, meta-análise ou diretrizes terapêuticas, escritos na língua inglesa, estudos com humanos. Foram utilizados como base de dados o Medline/Pubmed, Cochrane e SCielo. A busca gerou 292 artigos, sendo que a grande maioria descrevia estudos com terapias tópicas, hormonais, laser entre outros. Quando a busca foi restringida ao tema de interesse do protocolo com os termos MESH acne vulgaris e isotretinoin foram encontrados 40 artigos. Foram excluídos na análise estudos que descreviam o uso da isotretinoína para outros fins terapêuticos, tratamento com fórmula de isotretinoína não disponível no Brasil (micronizada), tratamentos para acne que não incluíam a isotretinoína, estudos que somente avaliavam aspectos específicos dos efeitos adversos laboratoriais e moleculares do tratamento com isotretinoína. Desta seleção foram analisados 11 ensaios clínicos randomizados e 2 diretrizes terapêuticas utilizadas neste protocolo. No site Cochrane foram encontradas 4 revisões sistemáticas, mas apenas uma foi avaliada, visto que as demais eram referentes a tratamentos diversos para acne que não isotretinoína. Foram utilizados também os estudos não indexados pertinentes ao tema.
2. INTRODUÇÃO
A acne é uma dermatose extremamente comum na prática médica. Em recente levantamento epidemiológico realizado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, a acne foi a causa mais freqüente de consultas ao dermatologista, correspondendo a 14% de todos os atendimentos(1). Outros estudos epidemiológicos mostram que 80% dos adolescentes e adultos jovens entre 11 e 30 anos irão sofrer de acne(2). Seu tratamento justifica-se pela possibilidade de evitar tanto lesões cutâneas permanentes quanto o aparecimento ou agravamento de transtornos psicológicos, oriundos do abalo à auto-estima ocasionado pelas lesões(3-5).
Os principais fatores etiopatogênicos relacionados com a acne são: 1) produção de andrógenos pelo corpo, 2) produção excessiva de sebo, 3) alteração na descamação do epitélio do ducto da glândula sebácea, 4) proliferação de Propionibacterium acnes, 5) respostas inflamatórias e imunológicas do indivíduo(6).
3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
- L 70.0 Acne vulgar
- L 70.1 Acne conglobata
- L70.8 Outras formas de acne
4. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de acne é clínico e caracterizado por lesões cutâneas variadas como comedos abertos e fechados, pápulas inflamatórias, pústulas, nódulos, cistos, lesões conglobatas e cicatrizes. As lesões envolvem principalmente a face e dorso, mas podem estender-se para região superior dos braços e tórax anterior.
A acne pode ser classificada quanto a sua gravidade, o que se torna muito importante para tomada de decisões terapêuticas (6).
- Acne não-inflamatória: Acne comedônica (grau I): presença de comedos abertos
- Acne inflamatória:
- Papulopustulosa (grau II): pápulas inflamatórias ou pústulas associadas aos comedos abertos
- Nodulocística (grau III): lesões císticas e nodulares associadas a qualquer das lesões anteriores
- Conglobata (grau IV): presença das lesões anteriores associadas a nódulos purulentos, numerosos e grandes formando abscessos e fistulas que drenam material purulento.
Outras informações clínicas que determinam gravidade da acne são a extensão das lesões e a presença de cicatrizes.
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Devido ao seu potencial teratogênico e as várias reações adversas possíveis, o tratamento com isotretinoína oral para acne deve ser restrito aos casos mais graves e refratários a outras medidas terapêuticas, bem como àqueles pacientes em que se espera ótima adesão aos cuidados necessários durante o tratamento.
Para ser incluído neste protocolo de tratamento o paciente deverá apresentar pelo menos um dos itens abaixo e necessariamente o quarto:
- Acne nodulocística grave;
- Acne conglobata;
- Outras variantes graves de acne;
- Ausência de resposta satisfatória ao tratamento convencional, incluindo antibióticos sistêmicos administrados por um período de pelo menos 2 meses (6). Como exemplo de opção de antibiótico temos a doxiciclina na dose de 100mg/dia.
- Acne com recidivas freqüentes requerendo cursos repetidos e prolongados de antibiótico sistêmico (2,6-8).
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
- Gestação;
- Amamentação;
- Hipersensibilidade à isotretinoína, à vitamina A ou aos componentes da fórmula.
Seu uso deve ser evitado ou realizado com cuidado nos casos de:
- Insuficiência hepática - não há descrição na literatura de valores alterados de transaminases hepáticas que tornem o uso de isotretinoína contra-indicado;
- Pacientes menores de 15 anos;
- Alterações no metabolismo de lipídios expressas pelo nível sérico de triglicerídeos acima de 500mg/dl ou nível sérico de colesterol acima de 300mg/dl (9-12). Os pacientes excluídos por alteração alteração no metabolismo dos lipídios poderão ser incluídos neste protocolo após correção da dislipidemia por tratamento específico.
- Ausência de condições de compreender e executar as orientações médicas.
7. CASOS ESPECIAIS
7.1 GRAVIDEZ
Nas mulheres com potencial de gravidez o uso da isotretinoína está contra-indicada, exceto se preencherem todos os requisitos abaixo:
- apresentar acne nódulo-cística grave, refratária à terapia usual;
- mostrar-se confiável para compreender e executar as orientações dadas;
- ter recebido orientações verbais e por escrito sobre os riscos do uso de isotretinoína durante a gestação e riscos de possíveis falhas dos métodos contraceptivos utilizados;
- iniciar o tratamento no segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual regular.
Em mulheres com possibilidade de engravidar e que preencham as condições acima, recomenda-se o uso de dois métodos anticoncepcionais desde dois meses antes do tratamento até um mês após seu final. O teste sorológico de gravidez deve ser negativo antes do início e realizado mensalmente até 5 semanas após a última administração da isotretinoína (13).
8. TRATAMENTO
A escolha do tratamento para acne compreende uma série de opções que irão variar de acordo com a gravidade do quadro. Essas opções incluem o uso de substâncias de limpeza de pele, retinóides e fármacos antibacterianos tópicos para os casos mais leves até o uso de antibióticos sistêmicos, terapias hormonais e o uso da isotretinoína para casos mais graves e resistentes.
Os ensaios clínicos randomizados que avaliam o uso da isotretinoína oral para o tratamento da acne foram analisados em uma revisão sistemática realizada em 1999 (14), a única realizada até o momento com este fim. Esta revisão sistemática buscou ensaios clínicos randomizados com a palavra-chave acne e avaliou publicações de todos os tipos de tratamento para todos os graus de acne. Foram selecionados 250 artigos através desta análise, destes, apenas 9 estudavam o uso da isotretinoína oral, e serão descritos brevemente a seguir.
Peck et al (15) realizou um dos primeiros estudos, comparando isotretinoína oral com placebo em pacientes com acne grave. Ele avaliou 33 pacientes randomizados nos dois grupos, sendo que aqueles que receberam isotretinoína o fizeram em uma dose média de 0,65 mg/kg/dia por 16 semanas. Os resultados clínicos favoráveis ao uso da isotretinoína foram estatisticamente significativos, mas o estudo tem muitas limitações metodológicas, pois além de número pequeno de pacientes, cerca de metade daqueles no grupo placebo precisaram sair do estudo por piora clínica.
Estudos comparando isotretinoína oral com outras terapias sistêmicas foram feitas por Prendiville et al (16) e Lester et al (17) com dapsona e tetraciclina respectivamente. O primeiro estudo foi realizado com 40 pacientes com acne grave randomizados para receber isotretinoína 40mg/dia ou dapsona 100 mg/dia, acompanhados por 16 semanas. Ambos os grupos apresentaram melhora clínica significativa, porém no grupo da dapsona esta melhora foi mais tardia. Na comparação entre os grupos, aquele que recebeu isotretinoína teve melhora maior, mas a análise estatística não é descrita para todas as variáveis. Lester et al avaliou 30 pacientes randomizados para receber isotretinoína 1 mg/kg/dia ou tetraciclina 1.000mg/dia. Não houve diferença significativa entre os grupos na semana 12, porém, no seguimento pós terapia, os pacientes que usaram isotretinoína tiveram melhora significativa no número e tamanho dos cistos, assim como contagem de comedos e pústulas.
No início da década de 80 uma série de trabalhos foram feitos para avaliar a resposta clínica da acne a doses variadas de isotretinoína.
Em 1980 Farrel et al (18) publicou um ensaio clínico randomizado (ECR) com 14 pacientes divididos em 3 grupos para uso de isotretinoína 1,0; 0,5 e 0,1 mg/kg/dia por 12 semanas e mostrou diferença significativa em todos os pacientes em comparação ao estado basal, mas sem diferença entre os grupos. Logo após em 1982 King et al (19) avaliou por 16 semanas 28 pacientes randomizados em 3 grupos com as mesmas doses do estudo anterior e mostrou resultados semelhantes tanto na resposta clínica como na taxa de redução de sebo, sem diferença entre os grupos. Jones et al (20) em 1983 e Stewart et al (21) no mesmo ano, publicaram trabalho com metodologia similar e mostrou que num grupo de 76 e 22 pacientes, respectivamente, a taxa de excreção de sebo foi significativamente menor no grupo que recebeu 1 mg/kg/dia de isotretinoína comparado aos outros grupos, mas a avaliação clínica da acne não mostrou diferença entre eles. Em todos estes trabalhos, especialmente de Jones et al (20), que seguiu os pacientes por 16 semanas após término do tratamento, houve tendência a menos relapsos nos grupos com doses maiores de isotretinoína, mas estes dados não apresentaram análise estatística.
Van der Meerer et al (22) em 1983 mostrou através de ensaio clínico randomizado com 58 homens com acne conglobata que não houve diferença significativa na avaliação clínica da acne entre grupos que recebiam 0,5 ou 1 mg/kg de isotretinoína via oral. Este resultado foi avaliado após 12 semanas e mostrou que os efeitos adversos clínicos foram mais freqüentes e mais graves nos pacientes que receberam dose maior do medicamento.
Em 1984 foi publicado por Strauss et al (23) o maior ensaio clínico randomizado comparando doses de isotretinoína. Foram 150 pacientes alocados em caráter multicêntrico. Este foi o primeiro trabalho a mostrar diferença significativa na avaliação do grau de acne entre os grupos de 1 e 0,1 mg/kg/d já a partir da 4 semana após o término do tratamento. Mostrou também que apenas 10% dos pacientes que receberam a dose maior de isotretinoína necessitaram de re-tratamento, contra 42% dos que receberam a dose menor.
Baseados nestes estudos surgiram as considerações do uso de dose maior de isotretinoína com vistas a resposta clínica sustentada. Ainda que os efeitos adversos sejam mais freqüentes nestes pacientes, geralmente são efeitos adversos de pouca gravidade e reversíveis ao término da terapia.
Em 1993, com o objetivo de avaliar recidivas e necessidade de retratamentos, Layton et al (24) publicou estudo observacional com 88 pacientes após10 anos de uso de isotretinoína 0,5 a 1mg/kg/dia por 16 semanas ou até 85% de melhora clínica. Os achados foram que 61% estavam sem lesões, 16% necessitaram terapia complementar com antibióticos e 23% realizaram re-tratamento com isotretinoína.
Em 2001, Gollnick et al (25) realizou um ECR aberto com 85 pacientes do sexo masculino com acne grave (grau 4). Foram randomizados 50 pacientes para receber minocilina 100mg/dia + ácido azeláico 20% gel tópico e 35 pacientes para receber isotretinoína em doses regressivas iniciando com 0,8mg/kg/dia até 0,5mg/kg/dia. Os pacientes receberam os respectivos tratamentos por 6 meses e depois foram seguidos por mais 3 meses, sendo que o grupo da minociclina seguiu recebendo ácido azeláico tópico e o grupo da isotretinoína não. Ambos os tratamentos foram eficazes, porém a isotretinoína foi superior. Os efeitos adversos foram leves em ambos os grupos.
Kaymak et al (26) em 2006 avaliou em estudo observacional 100 pacientes em tratamento para acne com isotretinoína na dose de 100mg/kg/dose total com doses diárias de 0,5 a 1mg/kg/dia. Os desfechos foram melhora clínica e efeitos adversos: 91% dos pacientes tiveram cura das lesões e 9% melhora parcial. Apenas efeitos adversos mucocutâneos foram relatados, sendo que 100% dos pacientes apresentou queilite.
Akman et al (27), em 2007, realizou ECR para testar doses intermitentes de isotretinoína e compará-las com a dose padrão contínua. Sessenta e seis pacientes com acne moderada a grave foram divididos em 3 grupos para receber isotretinoína 0,5mg/kg/dia: nos primeiros 10 dias do mês por 6 meses (grupo 1), todos os dias do primeiro mês e depois nºs 10 primeiros dias de cada mês por 5 meses (grupo 2) ou diariamente por 6 meses (grupo 3). Todos os esquemas de tratamento foram eficazes (p