Portaria SAS nº 114 de 10/02/2012
Norma Federal - Publicado no DO em 17 fev 2012
Aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuitcas - Tratamento da Leucemia Mieloide Crônica de Criança e Adolescente com Mesilato de Imatinibe.
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a leucemia mieloide crônica e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade e precisão de indicação;
Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS/MS nº 4, de 25 de novembro de 2011.
Considerando o Registro de Deliberação nº 21/2011 da Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde; e
Considerando a avaliação do Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS,
Resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, as DIRETRIZES DIAGNÓSTICAS E TERAPÊUITCAS - TRATAMENTO DA LEUCEMIA MIELOIDE CRÔNICA DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COM MESILATO DE IMATINIBE.
§ 1º As Diretrizes, objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral da leucemia mieloide crônica, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, são de caráter nacional e devem ser utilizadas pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes.
§ 2º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento da leucemia mieloide crônica.
§ 3º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
HELVÉCIO MIRANDA MAGALHÃES JÚNIOR
ANEXODIRETRIZES DIAGNÓSTICAS E TERAPÊUTICAS
TRATAMENTO DA LEUCEMIA MIELÓIDE CRÔNICA DE CRIANÇA E ADOLESCENTE COM MESILATO DE IMATINIBE
1- METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Foi realizada busca no dia 15/8/2011 na base de dados Medline/Pubmed. Uma estratégia de busca ampla foi selecionada ("imatinib"[Supplementary Concept] OR "imatinib"[All Fields]) AND cml[All Fields] AND ("child"[MeSH Terms] OR "child"[All Fields] OR "children"[All Fields]), em virtude da exigüidade de estudos em buscas restritas para ensaio clínico randomizado e meta-análise, resultando em 97 artigos.
Os artigos provenientes destas buscas foram revisados individualmente e utilizados aqueles com dados primários de experimentos clínicos e série de casos. Nenhum estudo de fase III ou meta-análise sobre uso do imatinibe em crianças e adolescentes foi encontrado na literatura pesquisada.
Utilizaram-se outras fontes bibliográficas, como trabaho de revisão e recomendações, a classificação da Organização Mundial da Saúde dos tumores dos tecidos hematopoético e linfóide e portarias do Ministério da Saúde.
Três novas referências foram incluídas após a busca, a partir das contribuições dadas à Consulta Pública.
2 - INTRODUÇÃO
A Leucemia Mielóide Crônica (LMC) é uma doença mieloproliferativa clonal da célula precursora hematopoética, associada a translocação cromossômica 9;22, que resulta na formação do Cromossoma Philadelphia (1,2). A translocação do cromossoma 9 conduz à fusão entre a porção do gene BCR do cromossoma 22 e o segmento do gene ABL do cromossoma 9. Esse gene quimérico direciona a síntese de uma nova fosfoproteina com elevada atividade tirosinoquinase, responsável pela etiopatogenia da LMC(1).
A LMC tipicamente progride em três fases: fase crônica (FC), fase acelerada ou de transformação (FT) e uma fase terminal denominada fase aguda ou blástica (FB).
Em crianças a LMC é de ocorrência rara, representando menos do que 10% de todos os casos de LMC e menos de 3% de todas as leucemias na infância, com 0,7 casos/milhão/ano, na faixa etária entre 1 a 14 anos de idade. Essa incidência aumenta para 1,2 /milhão/ano na adolescência. O diagnóstico, em geral, é feito na idade entre 11 e 12 anos (variação de 1-18 anos), sendo que 10% dos casos encontram-se em fase avançada(3).
3 - CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10).
- C92.1 Leucemia Mieloide Crônica
4 - DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de LMC é dado mediante a anamnese, exame físico, hemograma, plaquetometria, mielograma ou biópsia de medula óssea e exame de citogenética positivo para o Cromossoma Philadelphia (Ph+) em amostra de medula óssea ou exame de biologia molecular positivo em sangue periférico para o oncogene BCR-ABL.
E os achados clínicos e laboratoriais caracterizam as fases evolutivas:
CLASSIFICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE DA LEUCEMIA MIELOIDE CRÔNICA(4):
A LMC-FC apresenta leucocitose (12-1.000x10 (9)/L, com mediana de 100x10 (9)/L). Não há displasia significativa da medula óssea. Blastos, geralmente, estão abaixo de 2% da leucometria global. Basofilia absoluta está presente e eosinofilia é comum. Monocitose absoluta pode estar presente, porém com monócitos abaixo de 3%, exceto nos raros casos associados com BCR-ABL1 p190, podendo confundir com a leucemia mielomonocítica crônica. A plaquetometria varia entre normal e valores acima de 1.000 x 10 (9)/L. Trombocitopenia não é comum. Na biópsia de medula óssea a celularidade está aumentada devido ao padrão de maturação semelhante ao do sangue periférico. Blastos estão, geralmente, abaixo de 5% das células da medula óssea na FC e se 10% ou mais é indicativo de progressão da doença. Embora os megacariócitos possam estar normais ou discretamente diminuídos em número, 40%-50% dos pacientes apresentam moderada a intensa hiperplasia megacariocítica. A biópsia inicial da medula óssea mostra moderada a marcada fibrose reticulínica em aproximadamente 30% dos casos, que é correlacionada com número aumentado de megacariócitos e aumento do volume do baço e relacionados com um pior prognóstico.
A LMC-FT é diagnosticada por: 1) aumento persistente da leucometria ou da esplenomegalia não responsivo à terapia; 2) trombocitose (plaquetas> 1.000 x 10 (9) L) não responsiva à terapia; 3) trombocitopenia persistente (< 100x10 (9) L) não relacionada à terapia; 4) evolução citogenética clonal ocorrendo após a cariotipagem diagnóstica; 5) 20% ou mais de basófilos no sangue periférico; e 6) 10%-19% de mieloblastos no sangue periférico ou na medula óssea. [A LMC-FT traduz a resistência à terapia convencional. Os critérios 1-4 estão mais associados à transição da FC para a FT, enquanto os critérios 5 e 6 são mais indicativos de uma transição entre a FT e a FB. Embora modificações e novas sugestões desses critérios venham sendo sugeridos, recomenda-se que sejam considerados como progressão de doença.]
A LMC-FB é diagnosticada quando: 1) a quantidade de blastos é igual ou maior do que 20% no sangue periférico ou ³ 20% das células nucleadas da medula óssea ou 2) quando há proliferação blástica extra-medular.
5 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos no protocolo de tratamento os pacientes que preencherem todos os critérios abaixo:
- Idade inferior 19 anos;
- diagnóstico firmado de LMC em qualquer das três fases, por hemograma, plaquetometria e mielograma ou biópsia de medula óssea;
- exame de citogenética positivo para o Cromossoma Philadelphia (Ph+) em amostra de medula óssea ou exame de biologia molecular positivo em sangue periférico para o oncogene BCR-ABL;
- exame de Beta-HCG negativo na suspeita de gravidez; e
- na primeira linha de tratamento de qualquer das três fases da LMC ou na recaída (hematológica, citogenética ou molecular) após transplante de células-tronco hematopoéticas ou na recaída (hematológica, citogenética ou molecular) ou na intolerância ao Interferon alfa.
6 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
- Paciente com resultado de negativo para o cromossoma Philadelphia no exame de citogenética ou seu correspondente BCR-ABL em exame de biologia molecular; ou
- paciente com teste de gravidez positivo. [O Interferon alfa é uma opção nesses casos.]
7 - CENTRO DE REFERÊNCIA
Recomenda-se que os doentes sejam atendidos em hospitais habilitados em oncologia com serviço de hematologia ou de oncologia pediátrica e com porte tecnológico suficiente para diagnosticar, tratar e realizar seu monitoramento laboratorial.
8 - TRATAMENTO
O transplante de medula óssea (TMO) continua a ser o único tratamento curativo da LMC. Entretanto, nem todos os pacientes dispõem de doadores.
O tratamento da criança ou adolescente com LMC-FC com Hidroxiuréia seguido por Interferon alfa com ou sem Citosina arabinosídio promove 58% de remissão hematológica completa (RHC), 50% de remissão citogenética major (RCM), 14% de remissão citogenética completa (RCC) e 60% de sobrevida global (SG) em 8 anos (3).
Nos últimos dez anos, o Mesilato de Imatinibe, um inibidor seletivo da BCR-ABL quinase, tem sido utilizado no tratamento no adulto com LMC no Brasil (2).
Uma revisão de quatro estudos (3), com um total de aproximadamente 150 crianças com LMC-FC que receberam imatinibe como primeira linha de tratamento, mostrou um percentual de RHC de 96% e de RCC de 69%, após 1 ano. O Children's Oncology Group (COG) foi o primeiro a relatar um estudo de fase I com 31 crianças e adolescentes que receberem imatinibe após falha ao Interferon alfa. Houve também resposta nas fases mais avançadas, mas essas respostas não foram prolongadas (3). Um estudo francês, de fase IV, com 44 crianças uma duração mediana de 16 meses (1-67 meses), relatou um percentual de RHC de 86% e 98% aos 3 meses e 6 meses, respectivamente, enquanto 62% dos pacientes apresentaram RCC aos 12 meses de tratamento (5).
Embora o Imatinibe tenha aumentado o tempo de fase crônica da LMC, ainda não existem evidências que este medicamento promova a cura da LMC.
8.1. FÁRMACO (1)
O Imatinibe é um derivado da fenilaminopirimidina e um inibidor seletivo da atividade da tirosinoquinase do gene de fusão BCR-ABL (oncoproteína), o produto do cromossoma Philadelphia. O Mesilato de Imatinibe também possui alta atividade de bloqueio da atividade da tirosinoquinase do c-kit (receptor do fator stem-cell - SCF) e do receptor do Fator de Crescimento Derivado das Plaquetas (PDGF). A capacidade do Imatinibe de inibir a atividade da tirosinoquinase do BCR-ABL está relacionada com sua ocupação no local da quinase na proteína, que bloqueia o acesso ao ATP e previne a fosforilação do substrato, inibindo a proliferação celular dependente de Bcr-Abl. O Imatinibe causa a apoptose ou parada de crescimento em células hematopoéticas que expressam BCR-ABL e é bem absorvido após a administração oral; níveis séricos máximos são alcançados com 2 a 4 horas após a administração. A vida-média de eliminação do Imatinibe e seu maior metabólito ativo, derivados Ndismetil, é aproximadamente de 18 e 40 horas, respectivamente. Cerca de 95% do Imatinibe são ligados a proteína, principalmente a albumina e glicoproteina alfa-1-ácida. A maior enzima responsável por seu metabolismo é o CYP3A4. Papéis menores no metabolismo são desempenhados pelos CYP1A2, CYP2D6, CYP2C9 e CYP2C19. Medicamentos metabolizados por estas mesmas enzimas devem ser evitadas ou usados com cautela, objetivando-se evitar indesejáveis interações medicamentosas. A eliminação é predominantemente nas fezes, a maioria como metabólitos.
8.2 - ESQUEMA DE ADMINISTRAÇÃO E DOSES
Após controle hematológico, com o uso da Hidroxiuréia por via oral na dose de 30-40mg/kg/dia, com ajustes da dose de acordo com a redução da leucometria global para aproximadamente 20.000/mm3, indica-se o Mesilato de Imatinibe nas seguintes posologias(3):
- LMC-Fase Crônica - 300mg/m2/dia (com arredondamento de dose para a centena mais próxima e dose máxima diária de 400mg) por via oral, 1 vez ao dia e após a maior refeição do dia.
- LMC-Fase de Transformação - 400mg/m2/dia (com arredondamento de dose para a centena mais próxima e dose máxima diária de 600mg) via oral, 1 vez ao dia e após a maior refeição do dia.
- LMC-Fase Blástica - 500mg/m2/dia (com arredondamento de dose para a centena mais próxima e dose máxima diária de 800mg quando não associado à quimioterapia endovenosa), por via oral, uma vez ao dia e após a maior refeição do dia.
8.3- RESPOSTA TERAPÊUTICA (6):
A avaliação da resposta terapêutica ao Mesilato de Imatinibe deve considerar os seguintes critérios e definições:
RESPOSTA HEMATOLÓGICA COMPLETA (RHC):
- Leucometria < 10 x 10 (9)/L
- Basófilos < 5%
- Nenhum mielócito, pró-mielócito ou mieloblasto na contagem diferencial.
- Contagem de plaquetas < 450 x 10 (9)/L
- Baço impalpável RESPOSTA CITOGENÉTICA (RC):
- Completa (RCC): ausência do cromossoma Ph+
- Parcial (RCP): 1% a 35% de metáfases Ph+
- Menor (RCm): 36% a 65% de metáfases Ph+
- Mínima (RCmin): 66% a 95% de metáfases Ph+
- Sem resposta:> 95% de metáfases Ph+
RESPOSTA MOLECULAR (RMo):
- Completa (RMoC): transcritos de RNAm do BCR-ABL indetectáveis pelo PCR Real Time ou Nested em duas amostras de sangue consecutivas de adequada qualidade (sensibilidade> 104).
- Major (RMoM): Razão BCR-ABL/ABL £ 0,1% na escala internacional.
DEFINIÇÕES DE RESPOSTA ÓTIMA AO IMATINIBE:
- Em 3 meses - Atingir RHC e RCm (Ph+ £ 65%).
- Em 6 meses - Atingir pelo menos RCP (Ph+ £ 35%).
- Em 12 meses - Atingir RCC.
- Em 18 meses - Atingir RMoM (BCR-ABL/ABL £ 0,1% (escala internacional).
- Em qualquer momento - Manter ou melhorar a RMoM.
DEFINIÇÕES DE RESPOSTA SUB-ÓTIMA AO IMATINIBE:
- Em 3 meses - sem resposta citogenética (Ph+> 95%).
- Em 6 meses - não atingir RCP (Ph+> 35%).
- Em 12 meses - RCP (Ph+ 1% a 35%).
- Em 18 meses - menos que RMoM.
- Em qualquer momento - perda da RMoM.
DEFINIÇÕES DE FALHA AO IMATINIBE:
- Em 3 meses - Não atingir RHC.
- Em 6 meses - Sem resposta citogenética (Ph+> 95%).
- Em 12 meses - Não atingir RCP (Ph+> 35%).
- Em 18 meses - Não atingir RCC.
- Em qualquer momento - perder RHC, perder RCC e aparecimento de alterações cromossômicas complexas/Ph+.
8.4 - EFEITOS ADVERSOS (3,5,7,8,9,10,11,12,13):
Comuns (21%-100%): náusea/diarreia, retenção hídrica, edema periférico, edema periorbitário, mielossupressão (neutrófilos/plaquetas), fadiga, rash, câimbras musculares, artralgia. Retardo do crescimento, principalmente em pacientes impúberes.
Ocasionais (5%-20%): febre, tremores e calafrios, síndrome tipo resfriado, dor abdominal, cefaleia, dor no peito, dispepsia/queimação, flatulência, vômitos, zumbidos, insônia, constipação, sudorese noturna, ganho de peso, disgeusia, anemia, anorexia, mialgia, hemorragia, disfagia, esofagite, odinofagia, mucosite/estomatite, tosse, epistaxe, prurido, ascite, neuropatia (motora ou sensorial) e, mais tardiamente despigmentação (vitiligo) e alopecia. Diminuição da densidade óssea e aumento do volume da trabécula óssea.
Raros (