Portaria SAS nº 111 de 10/03/2010
Norma Federal - Publicado no DO em 11 mar 2010
Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Puberdade Precoce Central.
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a Puberdade Precoce Central no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS nº 12, de 7 de dezembro de 2009;
Considerando a Portaria SAS/MS nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS; e
Considerando a avaliação do Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS,
Resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - PUBERDADE PRECOCE CENTRAL.
§ 1º O Protocolo objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral da Puberdade Precoce Central, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes.
§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação do medicamento nele previsto.
§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado para o tratamento da Puberdade Precoce Central o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.
§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
ALBERTO BELTRAME
ANEXOPROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS PUBERDADE PRECOCE CENTRAL
1. METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Para a análise do tratamento de puberdade precoce em crianças foram realizadas as buscas nas bases descritas abaixo até a data limite de 15 de outubro de 2009. Foram encontrados alguns ensaios clínicos randomizados para agonistas de GnRH, mas que não preencheram os critérios de inclusão neste protocolo, ou por não contemplarem a faixa etária adequada,(1,2) ou por indicação diversa de puberdade precoce3, ou por associarem outro medicamento ao tratamento, como hormônio do crescimento(4-7) ou ainda serem análises retrospectivas8. Estes estudos não foram, portanto, incluídos. Desta forma, foram avaliados os estudos mais relevantes disponíveis nas bases descritas, incluindo guidelines e consensos.
Na base Medline/Pubmed: "precocious puberty" and "diagnosis"; "precocious puberty" and "treatment"
Na base Embase: 'precocious puberty'/exp AND 'drug therapy'/exp
Na base Cochrane: "precocious puberty"
2. INTRODUÇÃO
A puberdade é o processo de maturação biológica que, através de modificações hormonais, culmina no aparecimento de caracteres sexuais secundários, na aceleração da velocidade de crescimento e, por fim, na aquisição de capacidade reprodutiva da vida adulta. É resultado do aumento da secreção do hormônio liberador de gonadotrofinas, o GnRH. Este hormônio estimula a secreção dos hormônios luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH), que por sua vez estimularão a secreção dos esteróides sexuais e promoverão a gametogênese.(9,10)
Considera-se precoce o aparecimento de caracteres sexuais secundários antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 anos em meninos.(11,12)
Em 80% dos casos, a precocidade sexual é dependente de gonadotrofinas (também chamada de puberdade precoce central ou verdadeira).(10) A puberdade precoce dependente de gonadotrofinas é em tudo semelhante à puberdade normal, com ativação precoce do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas. A manifestação inicial em meninas é o surgimento do botão mamário e em meninos o aumento do volume testicular Maior ou igual a 4ml. A secreção prematura dos hormônios sexuais leva à aceleração do crescimento e à fusão precoce das epífises ósseas, o que antecipa o final do crescimento e pode comprometer a estatura final. Porém, mesmo com início prematuro, em algumas crianças, a puberdade é de lenta evolução e não compromete a altura final. (9,13,14) Por isso, a avaliação da progressão por 3-6 meses pode auxiliar na definição de necessidade ou não de tratamento nos casos de estágio iniciais de puberdade especialmente em meninas entre 6-8 anos.(11)
A puberdade precoce é de 10 a 23 vezes mais freqüente em meninas que em meninos.(12, 15-17) A incidência verificada em um estudo populacional na Dinamarca é de 20 casos para cada 10.000 meninas e de 5 casos para cada 10.000 meninos.17 É freqüentemente associada a alterações neurológicas, como tumores do sistema nervoso central (SNC), hamartomas hipotalâmicos, hidrocefalia, doenças inflamatórias ou infecções do SNC. Em menina, a maior parte dos casos é idiopática. Em meninos, 2/3 dos casos estão associados a anormalidades neurológicas e destes, 50% dos casos estão relacionados a tumores (10,18).
Em um número menor de casos, a precocidade sexual decorre de produção de esteróides sexuais não dependente de gonadotrofinas. Nestes casos também há o aparecimento de características sexuais secundárias e aceleração de crescimento/idade óssea, porém não constitui puberdade precoce verdadeira. Pode ser decorrente de tumores ou cistos ovarianos, tumores testiculares, hiperplasia adrenal congênita, tumores adrenais, Síndrome de McCune Albright, hipotireoidismo grave, entre outras doenças.(11,12, 15,19, 20)
O desenvolvimento isolado das mamas (telarca precoce) ou dos pêlos pubianos (pubarca precoce) também é uma forma de precocidade sexual que não caracteriza puberdade. Todavia, em 18-20% dos casos, o aparecimento de mamas ou de pêlos pode ser o primeiro sinal de puberdade precoce verdadeira. Há indicação de acompanhamento da evolução destes quadros(11,12,15,20).
3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
- E22.8 Outras Hiperfunções da Hipófise - Puberdade Precoce Central
4. DIAGNÓSTICO
4.1. DIAGNÓSTICO CLÍNICO
Meninas: presença de mamas com ou sem desenvolvimento de pêlos pubianos ou axilares antes dos 8 anos; Meninos: aumento do volume testicular (Maior ou igual a 4ml) e presença ou não de pêlos pubianos ou axilares antes dos 9 anos;
Dependendo da etapa do desenvolvimento puberal em que a criança se encontra, observa-se aceleração do crescimento.
4.2. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
O diagnóstico laboratorial confirma a suspeita clínica de puberdade precoce. Utiliza-se a dosagem de LH, com limite de detecção de no mínimo 0,1IU/L.(11)
Em meninos, o LH basal>0,2IU/L por ensaio imunoquiminulométrico (ICMA) (21) e>0,6IU/L por ensaio imunofluorométrico (IFMA) (22) confirma o diagnóstico de puberdade precoce central.
Em meninas, como existe sobreposição importante de valores de LH basal pré-puberal e puberal inicial (11,21), é necessária a realização de teste de estímulo com GnRH, 100mcg EV, com aferições 0, 30' e 60' após. Este é considerado padrão-ouro para o diagnóstico, tanto em meninos, quanto em meninas acima de 3 anos de idade. Valores de pico do LH> 5,0 a 8,0IU/L confirmam o diagnóstico em ambos os sexos com os ensaios laboratoriais acima referidos (11,15, 23).
Alternativamente, na impossibilidade do teste do GnRH, existem sugestões de que possa ser usado o teste com um agonista do GnRH (leuprorrelina), 2h após 3,75mcg, com resposta puberal sugerida>10,0 IU/L (20,24)
A relação LH/FSH> 1 também é mais freqüente em indivíduos púberes e pode ser auxiliar na diferenciação entre puberdade precoce central progressiva de não progressiva. (11,20,27)
4.3. EXAMES DE IMAGEM
Radiografia de mãos e punhos para avaliação da idade óssea segundo método de Greulich-Peyle, considerando-se avanço de pelo menos 1 ano acima da idade cronológica.
Ecografia pélvica com tamanho uterino> 35mm de comprimento, volume> 2ml, aspecto piriforme e aumento da espessura endometrial (12,15) sugere estímulo estrogênico persistente. Ovários com volume> 1cm3 sugere fortemente estimulação gonadotrófica persistente. (11,26) Este dado é especialmente útil em meninas menores de 3 anos, quando os valores basais de LH e mesmo o teste de GnRH não são adequados.
Ressonância Magnética é recomendada para todos os meninos e para meninas menores de 6 anos, com diagnóstico clínico e laboratorial de puberdade precoce central. Em meninas entre 6-8 anos também deve ser realizado quando houver suspeita clínica de alteração do SNC (11).
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos neste tratamento pacientes que apresentarem uma das situações a seguir:
- Meninas < 3 anos: sinais clínicos de puberdade rapidamente progressiva, idade óssea avançada, aumento da velocidade de crescimento, LH em valores puberais, ecografia com aumento do tamanho ovariano e uterino;
- Meninas 3 - 6 anos: sinais clínicos de puberdade, idade óssea avançada, aumento da velocidade de crescimento, LH basal ou no teste de estímulo em nível puberal, ecografia com aumento do tamanho ovariano e uterino;
- Meninas 6 - 8 anos: sinais clínicos de puberdade rapidamente progressiva, idade óssea avançada, aumento da velocidade de crescimento, comprometimento da estatura final (abaixo do alvofamiliar), LH no teste de estímulo em nível puberal, ecografia com aumento do tamanho ovariano e uterino;
- Meninos < 9 anos: sinais clínicos de puberdade, aumento da velocidade de crescimento, idade óssea avançada, comprometimento da estatura final, LH basal ou no teste de estímulo em nível puberal.
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídos deste tratamento pacientes que apresentarem pelo menos uma das situações abaixo:
- Pubarca isolada precoce;
- Telarca isolada precoce;
- Produção de esteróides não estimulados por gonadotrofinas: tumores ou cistos ovarianos, tumores testiculares, hiperplasia adrenal congênita, tumores adrenais, Síndrome de McCune Albright;
- Puberdade precoce lentamente progressiva, sem comprometimento da estatura final, em meninas de 6-8 anos;
- Idade óssea acima de 12 anos em meninas e de 13 anos em meninos;
- Contra-indicação ou intolerância aos medicamentos especificados.
7. CENTROS DE REFERÊNCIA
Os doentes devem ter avaliação diagnóstica e acompanhamento terapêutico por endocrinologistas ou pediatras, cuja avaliação periódica deve ser condição para a dispensação do medicamento.
Pacientes com puberdade precoce central devem ser avaliados periodicamente em relação à eficácia do tratamento e desenvolvimento de toxicidade aguda ou crônica. A existência de centro de referência facilita o tratamento em si, bem como o ajuste de doses conforme necessário e o controle de efeitos adversos.
8. TRATAMENTO
Quando houver causa anatômica identificada (exemplo, tumores SNC), o problema deve ser manejado pelo especialista da área. Adicionalmente, e, quando não há causa anatômica identificada, utilizam-se agonistas de longa duração do GnRH. Estes medicamentos suprimem a secreção de gonadotrofinas hipofisárias e assim evitam a produção de esteróides sexuais(30). Estudos não comparativos longitudinais demonstraram que o tratamento promove a regressão das características sexuais secundárias (31)
A eficácia da nafarrelina não difere dos demais análogos, podendo ser considerada um medicamento "me-too", e o seu esquema posológico é muito inferior em relação aos demais análogos disponíveis, necessitando de duas aplicações diárias comparada com uma mensal ou trimensal dos demais.
Não há evidência de benefício ou ausência de efeitos adversos do uso do agonista de GnRH em crianças PIG (pequenas para idade gestacional), com autismo, em tratamento quimioterápico, com baixa estatura idiopática, com deficiência de GH ou com hipotireoidismo severo.(11) Portanto, não está indicado nestas situações.
8.1. FÁRMACOS E ESQUEMAS DE ADMINISTRAÇÃO
- Gosserrelina (implante subcutâneo): 3,6mg a cada mês ou 10,8 mg a cada 3 meses;
- Leuprorrelina: 3,75mg (IM) a cada mês ou 11,25mg a cada 3 meses;
- Triptorrelina: 3,75mg (IM) a cada mês ou 11,25mg a cada 3 meses;
Inexiste superioridade terapêutica do uso trimestral sobre a mensal. (11,12,15) Quando constatado bloqueio incompleto, pode-se indicar a redução do intervalo entre as doses ou o aumento das mesmas. (29).
8.2. BENEFÍCIOS ESPERADOS
- Regressão dos caracteres sexuais secundários (estágios de Tanner);
- Diminuição da velocidade de crescimento;
- Regressão dos níveis de gonadotrofinas para valores prépuberais;
- Não progressão da idade óssea.
8.3. TEMPO DE TRATAMENTO - CRITÉRIOS DE INTERRUPÇÃO
O tratamento é realizado do período do diagnóstico até idade cronológica normal para desenvolvimento de puberdade, com expectativa de altura final dentro do alvo familiar e com idade óssea entre os 12 e 12,5 anos na menina e entre os 13 e 13,5 anos no menino. (18,20)
9. MONITORIZAÇÃO
A monitorização do tratamento com agonistas de GnRH deverá ser realizada a partir de consultas clínicas com avaliação do estágio puberal (Tanner), avaliação do crescimento linear e da tolerância ou efeitos adversos do tratamento a cada 3 meses. (20) Devese realizar radiografia simples de mãos e punhos para monitorização da idade óssea a cada 12 meses. Nos primeiros 3-6 meses de tratamento (antes da dose seguinte), novas dosagens de LH após estímulo são recomendadas, com o objetivo de evidenciar o bloqueio da secreção de gonadotrofinas. Espera-se que o LH se encontre em níveis pré-puberais. Alguns pontos de corte são sugeridos: LH