Parecer Técnico nº 5 DE 27/02/2024
Norma Estadual - Pará - Publicado no DOE em 27 fev 2024
A panificação e o congelamento de alimentos realizados por supermercado não caracterizam processo de industrialização para fins de creditamento do ICMS incidente sobre a aquisição de energia elétrica consumida. Definição do art. 5º, inciso I, alínea “a”, do Decreto 4.544/02 (RIPI). Tema 242 STJ. Trânsito em julgado.
ASSUNTO: A panificação e o congelamento de alimentos realizados por supermercado não caracterizam processo de industrialização para fins de creditamento do ICMS incidente sobre a aquisição de energia elétrica consumida. Definição do art. 5º, inciso I, alínea “a”, do Decreto 4.544/02 (RIPI). Tema 242 STJ. Trânsito em julgado.
DA CONSULTA
A consulente acima identificada, pessoa jurídica de direito privado com estabelecimento neste Estado, solicita deste Fisco resposta na forma de consulta tributária para a situação fática abaixo descrita:
Relata a consulente que possui estabelecimento situado em Belém/PA e exerce atividade econômico principal de supermercado,com predominância na venda de alimentos (CNAE 46.39-7-01 - Comércio atacadista de produtos alimentícios em geral).
Informa que efetua mudanças, transformações e aperfeiçoamentos nos alimentos relativos ao setor de panificação e açougue, na fabricação de pães, doces, bebidas, kibes, coxinhas e recheios de quitutes. Para tanto, armazena e conserva insumos em câmaras frias.
Entende ser possível se creditar do ICMS relativo à energia elétrica consumida nessas operações, com base no art. 51, § 2º, II, “b”, do RICMS/PA.
Ao final de sua explanação, suscita a seguinte dúvida: “Na hipótese de direito ao crédito, a consulente questiona se a contratação de empresa especializada para elaboração de Laudo técnico, para medir a energia elétrica por equipamentos utilizado, é meio adequado para comprovar o consumo real nos setores em questão?”
Juntou aos autos (seq. 1 fls. 22/27)laudo técnico emitido por engenheiro eletricista, que visa evidenciar o consumo segregado de energia no setor supracitado.
DA LEGISLAÇÃO
- Lei Estadual n.º 6.182, de 30 de dezembro de 1998, que dispõe sobre os procedimentos administrativo-tributários do Estado do Pará.
- Decreto nº 428, de 4 de dezembro de 2019, que dispõe sobre os procedimentos administrativos relativos à Consulta Tributária.
- Decreto n.º 4.676, de 18 de junho de 2001, que aprova o Regulamento do ICMS (RICMS-PA).
- Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, que regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do IPI.
DA MANIFESTAÇÃO
A Lei nº 6.182/98, que regula os procedimentos administrativo-tributários no Estado do Pará, assegura ao sujeito passivo a formulação de consulta sobre a aplicação da legislação tributária, em relação a fato concreto de seu interesse.
A mesma lei impõe ao interessado obediência aos requisitos previstos nos artigos 54 e 55 da referida lei de regência, no intuito de garantir o atendimento do pleito na forma de solução às questões provocadas.
Inobstante o direito assegurado, tem-se que no presente caso a consulta sob exame não deve produzir os efeitos legais do art. 57 da mesma lei de procedimentos, pois não contém fato concreto, conforme determina o disposto no art. 58, inciso I, da referida Lei. Entende-se por fato concreto o evento ocorrido, a operação ou a prestação já iniciada, ainda que não concluídos, realizados pelo sujeito passivo, observadas as disposições específicas de cada tributo (art. 1º, § 1º, Decreto nº 428/19).
Para melhor esclarecimento, traz-se à baila os aludidos articulados:
Art. 54. É assegurado ao sujeito passivo que tiver legítimo interesse o direito de formular consulta sobre a aplicação da legislação tributária, em relação afato concreto de seu interesse.
[...]
Art. 55. A consulta será apresentada por escrito, na repartição fazendária que jurisdiciona o domicílio tributário do sujeito passivo, e conterá:
I - a qualificação do consulente;
II - a matéria de direito objeto da dúvida;
III - a data do fato gerador da obrigação principal ou acessória, se já ocorrido;
IV - a declaração de existência ou não de início de procedimento fiscal contra o consulente.
[...]
Art. 57. A consulta produz os seguintes efeitos, exclusivamente em relação à matéria consultada:
I - suspende o curso do prazo de recolhimento dos tributos não-vencidos à data em que for formulada;
II - adquire o caráter de denúncia espontânea em relação a débito vencido até a data da ciência de sua solução pelo sujeito passivo, desde que, no prazo de trinta dias da data da intimação da solução, o sujeito passivo adote as demais providências previstas no art. 7º;
III - exclui a punibilidade do consulente, no que se refere a infrações meramente formais;
IV - impede ação fiscal a partir da apresentação da consulta até trinta dias da data da ciência.
[...]
Art. 58.Não produzirão os efeitos previstos no artigo anterior a consulta:
[...]
I - formulada em desacordo com o previsto nos arts. 54 e 55; (grifo nosso)
Segundo a Lei Complementar nº 87/96, somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento quando consumida no processo de industrialização:
Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:
II – somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento:
b) quando consumida no processo de industrialização; (grifo nosso)
A partir do art. 33, II, b, faz-se necessário examinar se restou caracterizado o processo de industrialização prescrito na lei complementar, no tocante à fabricação de pães, doces, opções diversas de bebidas, kibes, coxinhas, recheios de quitutes, bem como na conservação de insumos em câmaras frias, a ensejar o direito ao crédito sobre a energia elétrica consumida nesses processos.
Para tanto, seria necessário analisar a legislação infraconstitucional pertinente, bem como o contexto fático em que essa produção ocorre. Isso porque o art. 33 da Lei Complementar nº 87/96 menciona processo, e não estabelecimento ou empresa industrial, o que poderia levar à conclusão de que o critério habilitador do crédito é a atividade de industrialização, que pode ser exercida em qualquer empresa, independentemente do seu objeto social:
industrial, comercial ou de prestação de serviços, desde que no estabelecimento se desenvolva uma atividade que se ajuste à definição legal de processo de industrialização.
Nessa hipótese, caberia ao contribuinte o ônus da prova da parte segregada da energia elétrica consumida no processo de industrialização, conforme regramento do creditamento previsto em regulamento do ICMS, observada também a proporcionalidade da saída tributada.
Art. 51. É assegurado ao contribuinte, salvo disposição expressa em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado e destacado em documento fiscal hábil, relativamente à mercadoria entrada, real ou simbólica, em seu estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação, em razão de prestações tributadas.
§ 2º Somente dará direito a crédito:
II - a entrada de energia elétrica no estabelecimento:
b) quando consumida no processo de industrialização; (grifo nosso)
Entretanto, o conceito de industrialização é dado pela legislação tributária infraconstitucional, em especial o Regulamento do IPI. O seu art. 5º, inciso I, alínea “a”, do Decreto nº 7.212/10, traz claramente dentre as hipóteses de exclusão que o preparo de produtos alimentares em padarias e semelhantes quando destinados a venda direta a consumidor não é considerado industrialização.
Art. 5º Não se considera industrialização:
I - o preparo de produtos alimentares, não acondicionados em embalagem de apresentação:
a) na residência do preparador ou em restaurantes, bares, sorveterias, confeitarias, padarias, quitandas e semelhantes, desde que os produtos se destinem a venda direta a consumidor; ou
II - o preparo de refrigerantes, à base de extrato concentrado, por meio de máquinas, automáticas ou não, em restaurantes, bares e estabelecimentos similares, para venda direta a consumidor. (grifo nosso)
Nesse contexto, verifica-se que a matéria se restringe ao âmbito infraconstitucional, de modo que a ofensa à Constituição, se existente, seria reflexa ou indireta.
Com efeito, a matéria já foi, inclusive, objeto de apreciação pelo STJ, no âmbito dos recursos repetitivos, no REsp 1.117.139 (tema 242). Nessa oportunidade, analisando o tema sob o prisma da legislação infraconstitucional, aquela Corte Superior concluiu que a atividade de panificação desenvolvida pelo supermercado não se afigura como processo de industrialização, à luz do disposto no art. 46 do CTN, em virtude da exceção prevista no art. 5º, inciso
I, alínea “a”, do Decreto 4.544/2002 (Regulamento do IPI), bem como que a atividade de congelamento de alimentos não se amolda aos critérios estabelecidos no art. 4º do citado regulamento:
Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 5.172, de 1966, art. 46, parágrafo único , e Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único)
I - a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);
II - a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);
III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);
IV - a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou
V - a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).
Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados.
Consequentemente, os processos de panificação e de congelamento de produtos perecíveis por supermercado não configuram processo de industrialização de alimentos, razão pela qual inexiste direito ao creditamento do ICMS cobrado na entrada da energia elétrica e consumida pelo supermercado. Abaixo trechos da decisão da Corte Superior:
“As atividades de panificação e de congelamento de produtos perecíveis por supermercado não configuram processo de industrialização de alimentos, por força das normas previstas no
Regulamento do IPI (Decreto 4.544/2002), razão pela qual inexiste direito ao creditamento do ICMS pago na entrada da energia elétrica consumida no estabelecimento comercial.”
“Com efeito, assim como a "panificação", as atividades de "rotisseria e restaurante", "açougue e peixaria" e "frios e laticínios", desenvolvidas pelo supermercado, encontram-se compreendidas no rol das operações não consideradas industrialização previsto no inciso I, alínea "a", do artigo 5º, do Regulamento do IPI.
[...]
Por seu turno, o julgado embargado assentou que a atividade de congelamento de alimentos não se amolda aos critérios estabelecidos no artigo 4º, do RIPI.” (grifo nosso)
DA RESPOSTA
Diante do exposto, sugere-se em resposta à pergunta da requerente a seguinte orientação:
“Na hipótese de direito ao crédito, a consulente questiona se a contratação de empresa especializada para elaboração de Laudo técnico, para medir a energia elétrica por equipamentos utilizado, é meio adequado para comprovar o consumo real nos setores em questão?”
Resposta: não há direito ao crédito do ICMS incidente na aquisição de energia elétrica consumida no setor em questão, por não se caracterizarem como processo de industrialização, ao que se refere o art. 33, inciso II, alínea “b” da Lei Complementar nº 87/96, a panificação e o congelamento de alimentos realizados por supermercado, conforme art. 5º, inciso I, alínea “a”,e inciso II, do Decreto nº 7.212/10 (RIPI), entendimento este firmado no tema 242 do STJ, transitado em julgado.
Explicitado o entendimento deste setor consultivo acerca da dúvida trazida à tona pela interessada, sugere-se, com base no inc. I do art. 58 da L. 6.182/98, que a consulta seja declarada ineficaz, porquanto o assunto não se tratar de fato concreto.
É a manifestação, S.M.J., a qual submetemos a apreciação superior.
Belém (PA), 11 de março de 2024.
EDUARDO TETSUO AMEKU, AFRE – CCOT/DTR
De acordo com a manifestação do Ilmo AFRE, que tem status de parecer técnico, forte no art. 8º do Dec. 428/19.
À consideração da Titular da DTR
ANDRÉ CARVALHO SILVA, Coordenador da CCOT;
Em juízo de Admissibilidade, motivado pelas razões de fato e de direito explanadas pela Célula de Consulta e Orientação Tributária, descaracteriza-se a petição como processo administrativo de consulta tributária, em razão de sua ineficácia, e recomenda-se, após a notificação do interessado, o encaminhamento do feito para CERAT- Belém para arquivamento do expediente, em obediência ao art. 58, I da Lei n.º 6.182/98 c/c art. 13 do Dec. 428/19.
SIMONE CRUZ NOBRE, Diretora de Tributação