Parecer AGU/MP nº 5 de 11/07/2001

Norma Federal - Publicado no DO em 01 ago 2001

Pagamento de precatórios

ANEXO AO PARECER GM-024, DE 30 DE JULHO DE 2001

PROCESSO nº 00405.000161/2001-30

ASSUNTO: Precatórios - Parcelamento determinado pelo art. 78 do ADCT, introduzido pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000.

EMENTA: Constituindo numerus clausus as exceções abertas no caput do art. 78 do ADCT, todos os demais precatórios ali mencionados sujeitam-se à regra geral de pagamento no prazo máximo de dez anos.

PARECER

De ordem do Exmo. Sr. Advogado-Geral da União, encarece-se seja examinada "a compatibilidade do item 2 do Ofício nº 787/2001-PGU/AGU, com a Nota nº AGU/LA-11/2000, aprovada pelo Senhor Advogado-Geral da União".

A questão diz respeito à interpretação do art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, introduzido pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, que tem o seguinte teor:

"Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor.

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse.

§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em casos de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação."

2. Instada a pronunciar-se sobre o significado dos termos "recursos liberados", constante do caput do artigo citado, ou por outra, quando se poderiam ter por liberados tais recursos, a AGU emitiu a Nota nº AGU/LA-11/2000, de 4 de dezembro de 2000, entendendo, depois de diversas considerações, que a liberação se dá com a expedição da ordem de pagamento da despesa, a que se refere o art. 64 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, verbis:

"Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga."

Portanto, além das demais exceções estabelecidas na primeira parte do art. 78, os precatórios cujos valores não tivessem sido objeto de autorização de pagamento ou não estivessem ainda depositados em juízo cairiam na vala comum e seriam parcelados em dez anos.

Esse entendimento que passou a ser seguido pela Administração federal chocou-se com a determinação de alguns tribunais que, em alguns casos e de forma até abusiva, ameaçaram com prisão os administradores que não liberassem os pagamentos por eles determinados.

Assim, diante de um caso concreto, o Exmo Sr. Procurador-Geral da União, que desconhecia o teor da nota nº AGU/LA-11/2000, de 4 de dezembro de 2000, no Ofício de nº 787/2001-PGU/AGU, de junho de 2001, dirigido ao Sr. Presidente do INCRA, ponderou:

"2. No que se refere ao pagamento de precatórios em até 10 parcelas anuais e sucessivas, lembramos que a Emenda Constitucional nº 30 é de 13.09.2000, vale dizer, foi promulgada já na fase final de execução do orçamento de 2000, aprovado anteriormente pelos valores integrais propostos e não mais passíveis de parcelamento, na forma da respectiva Lei de Diretrizes Orçamentárias para o Ano de 2000."

3. Foi para examinar a compatibilidade entre a Nota da AGU e o parágrafo acima transcrito que me foi remetido o processo.

4. Há conflito. E essa colisão entre os dois entendimentos tornou-se patente depois de conversa pessoal que mantive com o Exmo Sr. Procurador-Geral e especialmente depois da leitura da Nota Interna Nº 1407/2001-PGU/AGU, de 27 de junho de 2001, emitida pelo Dr. Raimundo da Cunha Abreu, que sua Exa. teve a gentileza de remeter-me.

5. Em resumo, eis as razões que levaram o douto parecerista e o Exmo. Sr. Procurador-Geral a entenderem que a liberação de recursos se dá em momento anterior ao apontado pela Nota da AGU, deixando escapar, portanto, todos esses casos ao prazo decenal previsto na Emenda Constitucional, isto é, enquadrando todos eles na exceção contida na primeira parte do art. 78 do ADCT:

a) Decisões judiciais - Diversos tribunais vêm discordando da interpretação dada pela AGU, citando-se como exemplo o entendimento do Juiz Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que acha, e assim tem decidido, que "a Emenda Constitucional nº 30 não alcança os precatórios cuja requisição de pagamento já tivesse sido encaminhada ao devedor, na data de sua promulgação":

"Vistos... Trata-se de precatório atualizado nesta Corte em 01.07.1999, cujo prazo para pagamento se esgotou em 31.12.2000 tendo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, depositado somente parte do valor devido, consoante faz prova por meio dos documentos de fls. 40/46. Na oportunidade a Autarquia justifica a insuficiência do valor depositado, alegando tratar-se de importância calculada de acordo com o 'percentual determinado pela Emenda Constitucional nº 30, de 13.09.2000'. Tal argumentação, entretanto, não há como prevalecer, visto que a requisição de pagamento do presente precatório já havia sido encaminhada ao devedor, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, conforme se verifica no Ofício nº 044/1999-SUFEP/SV, expedido por esta Presidência em 7 de julho de 1999 (fs. 35). Em tais condições, não há que se falar em pendência do pagamento do requisitório na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, considerando-se, assim, a impossibilidade de parcelamento do débito. Sendo assim, determino seja intimado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, para depositar, no prazo de 15 (quinze) dias, o débito remanescente, com vistas à quitação do presente precatório pelo seu valor integral."

b) A Lei orçamentária - Após a citação da decisão, argumenta o douto parecerista:

"Antes da promulgação da mencionada Emenda Constitucional nº 30, foi sancionada a Lei nº 9.969, de 20.05.2000, que fixou as despesas da União para o ano 2000, e que dispõe em seu art. 5º, §§ 3º e 4º, que os precatórios do exercício do ano 2000 seriam parcelados, se a Emenda fosse promulgada até 30.06.2000. Caso contrário estaria, o Poder Executivo, autorizado a abrir crédito suplementar para atender pagamento de sentenças judiciais transitadas em julgado."

E depois de transcrever os parágrafos mencionados, continua o autor:

"Numa interpretação mais objetiva, mas nem por isso menos técnica, poder-se-ia dar a seguinte conclusão prática aos mencionados §§ 3º e 4º, art. 5º da Lei nº 9.969/2000: O Congresso Nacional liberou 10% (dez por cento) do valor dos precatórios requisitados para pagamento no exercício do ano 2000, apenas na hipótese da Emenda Constitucional nº 30 ser promulgada até 30.06.2000. Se a EC-30 só viesse a ser promulgada após esta data, o Poder Executivo teria que abrir um crédito suplementar para pagar aqueles precatórios pelo seu valor integral. (Destaque do original)

Assim, como a EC-30 somente foi promulgada em 13.09.2000 (DOU 14.09.2000), os precatórios terão que ser pagos por seus valores integrais, inclusive, se o caso, mediante abertura de crédito suplementar."

c) O entendimento do Senador - Após essas considerações, lembra a parecerista que o art. 78 do ADCT prevê que os precatórios pendentes na data de sua promulgação seriam pagos no prazo máximo de dez anos, ressalvados aqueles cujos recursos já tivessem sido liberados ou depositados em juízo. Aí, chama a atenção para a interpretação dada pelo Dr. Luiz Alberto da Silva na Nota referida, que considerou "literal", e a ela contrapõe a interpretação que lhe teria dado o ilustre Senador Lúcio Alcântara:

"Eu não sei se S. Exa. colheu algum dado para que pudéssemos comparar entre a verba prevista e a efetivamente liberada, mas penso que, nos casos de precatórios, o Orçamento tem de ter um caráter imperativo, até porque a Constituição diz, na redação original e nesta que está sendo proposta diz: 'fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte'. Então o Poder Executivo não tem a capacidade de liberar, pois o que está ali tem de ser pago. É imperativo. Assim, não há como aceitar que não tenha sido liquidados em anos anteriores."

E em face, de duas interpretações: a da AGU, que considera "científica" e a do Senador, que ele denomina "teleológica", fica com a segunda. E assenta:

"Sem embargo quanto ao entendimento esposado na Nota nº AGU/LA-11/2000, quer nos parecer, que o legislador quis dizer, com o termo 'recursos liberados', que isto se dava com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do orçamento da União. A esta cabendo cumprir, de forma imperativa, aquela vontade democrática."

"Por tudo quanto restou demonstrado, conclui-se que não compete a qualquer Ordenador de Despesas, decidir pela forma de pagamento dos precatórios, mormente quando o orçamento da União foi aprovado pelo Congresso Nacional, para pagamento de todos eles, deforma integral, até o final do ano 2000."

d) O direito adquirido - Entende, finalmente, o douto parecerista que há direito adquirido, isto é, já não seria possível modificar-se a situação, sob pena de banalizarem-se as leis, a Constituição e as decisões judiciais:

"19. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 30, em 13.09.2000 (DOU 14.09.2000), o Poder Executivo ficou autorizado a abrir crédito suplementar para atender ao pagamento de sentenças judiciais transitadas em julgado, na forma do art. 100, § 1º, da Constituição Federal.

20. Uma vez liberado pelo Poder Legislativo, passou a integrar o patrimônio jurídico dos credores o direito de receber seus créditos até o dia 31.12.2000, constituindo-se em direito adquirido, protegido pelo manto constitucional capitulado no art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna.

21. Sem embargo quanto ao entendimento esposado na Nota nº AGU/LA-11/2000, quer nos parecer que o legislador quis dizer, com o termo 'recursos liberados', que isto se dava com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do orçamento da União. A esta cabendo cumprir, de forma imperativa, aquela vontade democrática.

22. Por tudo quanto restou demonstrado, conclui-se que não compete a qualquer Ordenador de Despesas, decidir pela forma de pagamento dos precatórios, mormente quando o orçamento da União foi aprovado pelo Congresso Nacional, para pagamento de todos eles, de forma integral, até o final do ano 2000.

22. Pagamento integral daqueles precatórios, efetivamente, colide com o entendimento resultante da reunião realizada em 07.12.2000, e com o teor da Nota nº AGU/LA-11/2000, mas é medida que se impõe, para que não se banalize a lei, a constituição, e as decisões judiciais, mormente quando contra estas não houve qualquer recurso."

d) E conclui:

"Respondendo, de forma direta ao questionamento destes autos, outra alternativa não resta àquela Secretaria, senão o depósito dos recursos para pagamento daqueles precatórios do ano 2000, solicitados pelos órgãos devedores, salvo óbice de outra ordem."

6. Feito o extrato desses tópicos da Nota Interna nº 1407/2001-PGU/AGU, de 27 de junho de 2001, a fim de traduzir o pensamento, quanto possível, exato do parecerista, cumpre apreciar cada um dos argumentos expendidos, na ordem em que foram externados.

7. A decisão do Presidente do TRF da 1ª Região - O art. 78 do ADCT, conquanto enformado em um único e demasiadamente longo período, não contém nenhuma obscuridade que não seja o entendimento do significado de liberar, no tocante aos créditos. Tirante essa questão, a que, por sinal a decisão do Sr. Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região não faz referência, o Constituinte derivado relacionou de forma exaustiva as hipóteses que escapam à regra geral de submeter todos os precatórios ao parcelamento. Curiosamente, porém, a decisão do Presidente do TRF da 1ª Região, que determina o pagamento integral do débito, não refere nenhuma das exceções que taxativamente a Constituição admitiu. Menciona apenas que "Tal argumentação (de que o crédito tem de ser parcelado), entretanto, não há como prevalecer, visto que a requisição de pagamento do presente precatório já havia sido encaminhada ao devedor, antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, conforme se verifica no Ofício nº 044/1999-SUFEP/SV, expedido por esta Presidência, em 7 de julho de 1999 (fls. 35). Em tais condições, não há que se falar em pendência do pagamento do requisitório na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 30, considerando-se, assim, a impossibilidade de parcelamento do débito." Portanto, conclui o magistrado, que sua requisição não está subordinada ao que consta da Constituição.

Mas não está subordinada por que? Haverá algum outro artigo, algum princípio constitucional, escrito ou não escrito, com que fundamente sua decisão?

8. No Parecer PGFN/CRJ/nº 476/2001, de 15 de março de 2001, emitido a propósito de mandado de segurança requerido para fugir ao prazo de dez anos, refere-se que a impetrante teria dito que "a Lei Constitucional nº 30 não alude expressamente a figura pendente de 'pagamento', mas tão-somente a precatório pendente". O argumento é o mesmo que foi utilizado pelo Juiz Presidente do TRF da 1ª Região e foi assim respondido pelo voto divergente do Dr. JIRAIR ARAM MEGUERIAM:

"Vossa Excelência entendeu que a expressão precatório pendente, no art. 78 do ADCT, por não completada com a palavra 'de pagamento' do art. 33 do mesmo Ato, não se refere a todos os precatórios que aguardavam o seu cumprimento na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 30/2000, de 14 de setembro de 2000, porém, apenas os que não estavam incluídos na lei orçamentária antes do seu advento, já que a inclusão, no entender do voto que nega provimento ao agravo regimental, traduz direito adquirido ao pagamento no exercício seguinte. (...)

Ora, o próprio texto, consentâneo com a premissa e objetivos já apontados, ao arrolar as situações excepcionais em que não poderá haver parcelamento do pagamento, define e aponta a direção do alcance da expressão 'precatórios pendentes', senão vejamos:

Ressalvam-se, ou seja, excluem-se

- Os créditos que serão definidos em lei como de pequeno valor § 3º do art. 100 da Constituição, na redação da Emenda 20/1998.

- Os de natureza alimentícia, art. 100 caput redação originária e § 1º-A acrescentada pela mesma Emenda 30/2000.

- Os do art. 33 do ADCT, ou seja, os anteriores a 05.10.1988 e suas complementações, e

- Os que já tiverem seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo.

Ora, nessa última exceção que entendo residir o alcance. Pelo voto de V. Exa. essa exclusão fica sem sentido, sem razão de ser, pois, o precatório pendente na definição dele jamais poderia abranger os com recursos liberados, já que sequer admite os já incluídos na lei orçamentária ainda aguardando liberação até o final do exercício de 2000, último prazo de pagamento.

Dessa forma, pretendesse o dispositivo transitório, com a expressão precatórios pendentes, sem a complementação 'de pagamento' conforme fizera o art. 33 do ADCT, só determinar ou permitir o parcelamento dos precatórios incluídos na lei orçamentária posterior a ela, Emenda 30/2000, não precisaria excluir os com os recursos já liberados na data de sua promulgação ou os com recursos já depositados em juízo."

9. A despeito da clareza de redação do artigo, nenhum mal faz submeter o período a uma simples análise sintática. Experimentemos inverter as orações, colocando a reduzida de particípio, depois da oração principal. Teríamos:

"Os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos, ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo."

A inversão das orações pode não ser boa do exclusivo ponto de vista gramatical, mas é ótima para salientar que "os precatórios pendentes" e os precatórios "que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999" constituem o sujeito do verbo "serão liquidados" (...), ação que será praticada na seguinte circunstância de tempo: "no prazo máximo de dez anos".

Os únicos precatórios que escapam à dilação temporal são os referentes a créditos:

a) de pequeno valor (conforme definido em lei);

b) de natureza alimentícia;

c) de que trata o art. 33 do ADCT (porque já foram parcelados em oito anos); e

d) aqueles cujos recursos tenham sido liberados ou depositados."

Portanto, os precatórios que não conseguirem enquadrar-se em nenhuma dessas quatro hipóteses caem na regra geral dos dez anos. É evidente que todos eles têm de ter sido remetidos anteriormente, senão sequer constariam do orçamento.

10. A Lei orçamentária - O segundo argumento constante do parecer invoca dispositivos da lei orçamentária que estariam a impedir a vigência de disposição contrária da Emenda Constitucional. Ora, há evidente inversão de valores, quando se dá primazia à lei ordinária em confronto com a Constituição, pois que Emenda Constitucional, uma vez aprovada, Constituição é. É de pouca importância que lei ordinária tenha disposto dessa maneira, porque a vigência posterior de Emenda Constitucional cassa-lhe o efeito, porque a derroga e não está sequer sujeita a respeitar o direito adquirido.

11. O Senador e o sentido de liberar - À interpretação "literal" do Dr. Luiz Alberto da Silva, embora "científica", opõe o douto parecerista o entendimento "teleológico" do Senador Lúcio Alcântara a que ele adere, acrescentando:

"Isso nos leva a concluir, e até mesmo em face das dúvidas surgidas na diferença do que seja 'liberar' e 'depositar', que ao Poder Legislativo compete 'liberar' os recursos, através da aprovação do orçamento, para que a União possa atender às despesas decorrentes de decisões judiciais, através de 'depósitos' à disposição do Tribunal competente."

No entender do douto parecerista, a liberação é feita pelo Poder Legislativo e se consuma com a aprovação do orçamento. Porém, a leitura mais atenta do texto do ilustre Senador, exatamente na parte citada no § 12 da Nota Interna nº 1407/2001-PGU/AGU, de 27.06.2001, sugere idéia um tanto diferente. É verdade que o parlamentar fala de liberar, mas preocupado com outro objetivo: o valor imperativo do orçamento. Embora diga ele com todas as letras que "O Poder Executivo não tem a capacidade de liberar", o que quer ele dizer, no primeiro tópico, é que não tem o Executivo o poder de "de-liberar" se efetua, ou não, o pagamento. Leia-se todo o período:

"Então o Poder Executivo não tem a capacidade de liberar, pois o que está ali tem de ser pago. É imperativo. Assim, não há como aceitar que não tenha sido liquidados em anos anteriores."

Aqui, o sentido do termo empregado pelo ilustre Senador é, nitidamente, de deliberar, de decidir se paga ou se não paga. E isso se confirma no parágrafo seguinte, embora use o termo liberar em sentido próprio:

"Então, em relação ao que estiver no Orçamento, tratando-se de precatório, o Poder Executivo não tem mais essa faculdade de liberar ou não. Era esse o ponto para o qual eu queria chamar atenção. Embora a Constituição já diga isso na própria elaboração e execução do Orçamento, A União não tem mais margem nenhuma para deixar de liberar . (O negrito não é do original)

Ora, se a União (leia-se: Poder Executivo) "não pode deixar de liberar", é que quem tem de liberar é ela. Colocada a frase na forma positiva, significa que o Poder Executivo tem de liberar. Se interpretarmos o termo liberar empregado no primeiro período com significado próprio, teríamos grosseira contradição entre os dois parágrafos: A União não tem capacidade de liberar, mas tem de liberar (=não pode deixar de liberar).

Portanto, sejamos justos com o ilustre Senador Lúcio Alcântara, entendo-lhe o pensamento: constante a verba do orçamento, não compete ao Executivo deliberar se paga ou deixa de pagar a dívida, tem ele de cumprir a lei orçamentária. Isso é o que quer dizer o ilustre Senador.

12. Feitas essas observações sobre o entendimento do ilustre homem público, é preciso lembrar que o orçamento em si não libera valores, nem poderia fazê-lo, porque, referindo-se ao exercício seguinte, a própria receita não terá sido ainda realizada e, portanto, não poderia liberar o que sequer existe. Assim, não há como pretender que a lei orçamentária libere valores. Ainda que se interprete a lei orçamentária como lei material e não como lei meramente formal, que realmente é, mesmo que ela tenha poder imperativo e não seja "ato parlamentar, mais administrativo do que legislativo", como já decidiu o STF, o máximo que poderá fazer será ordenar que o Executivo libere os pagamentos. Além do mais, como apenas o Executivo arrecada os impostos, é necessário que ele, por meio da Secretaria do Tesouro Nacional, nos termos do art. 168 da Constituição, disponibilize aos demais Poderes a parte de cada um. O art. 168 serve à prova de que não é a lei orçamentária que libera valores. Essa disponibilização, conforme informação obtida junto ao Dr. Sérgio José Américo Pedreira, faz-se, hoje, mediante outorga de limite mensal para saque, dentro do qual cada um dos órgãos fará suas despesas. Conforme o § 2º do art. 100, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, as dotações serão consignadas diretamente ao Poder Judiciário, "cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito".

Na prática, pois, sequer existe movimentação de numerário. O presidente do tribunal efetua os saques diretamente da conta única mantida pelo Tesouro no Banco Central. A liberação, portanto, dá-se com a assinatura do Secretário do Tesouro no documento que outorga ao tribunal a faculdade de saque. É a esse ordenador de despesa que se refere a Nota nº AGU/LA-11/2000, de 4 de dezembro de 2000. Conforme informações obtidas junto à Secretaria do Tesouro Nacional, no prazo máximo de vinte e quatro horas após a assinatura do documento pelo Secretário do Tesouro, aciona-se o sistema que permite, dentro do limite estipulado, o uso dos valores pelo presidente do tribunal. O processo altera-se ligeiramente quando se trata da Administração indireta, segundo a Coordenação-Geral de Programação Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional:

"7. O pagamento é a última fase da despesa. Consiste na entrega dos recursos equivalentes à dívida líquida, ao credor, mediante ordem bancária, emitida pelo ordenador de despesas. Essa etapa ocorre posteriormente à liberação de recursos pela Secretaria do Tesouro Nacional ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e deste para o órgão de administração federal responsável pelo pagamento, o INCRA."

Compete, pois, ao Executivo, e não ao Legislativo, tornar utilizáveis os recursos orçamentários, isto é, compete ao Executivo liberar os recursos depositando-os (ou outorgando limite) para que o Presidente do Tribunal possa determinar o pagamento.

13. O direito adquirido - Há que apreciar, por fim, a alegação de direito adquirido feita expressamente pelo douto parecerista e, com boa vontade, embutida no despacho do Presidente do TRF da 1ª Região.

De fato, não apenas a lei, mas a própria Constituição, no § 1º do art. 100 de sua parte permanente, ordenava que o pagamento dos precatórios cujo montante tivesse sido incluído no orçamento se fizesse até o final do exercício seguinte. O direito de ser pago decorria, portanto, da própria Constituição. Nada impedia, todavia, que por meio de alteração da Constituição, isto é, por meio de Emenda constitucional a norma fosse modificada. Esse entendimento é pacífico e é admitido até pelo próprio parecerista, quando interpretando a lei orçamentária, diz que, se a Emenda constitucional tivesse sido promulgada até 30.06.2000, poderia ela parcelar o crédito.

Ora, se editada antes de 30.06.2000 tinha a Emenda o poder de alterar a Constituição, por que motivo não o poderia depois dessa data? Só porque a lei orçamentária assim o previa? Teríamos, então, uma lei ordinária a impor limites ao próprio Poder Constituinte, ainda que derivado. E não é só: limitação ao Poder Constituinte quando a própria Constituição proíbe à lei orçamentária "conter dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa". (art. 165, § 8º)

Vê-se, portanto, que se nenhuma lei, de nenhuma espécie, pode impor limitação ao Poder Constituinte, mesmo, derivado, menos ainda o poderia a lei orçamentária a que a Constituição veda dispositivos estranhos ao ato de orçar.

14. Por todo o exposto, entendo que existe conflito entre a Nota nº AGU/LA-11/2000, de 4 de dezembro de 2000, aprovada por V. Exa. e o item 2 do Ofício nº 787/2001-PGU/AGU, de junho de 2001, do Exmo. Sr. Procurador-Geral da União; todavia, ainda pelas razões expostas, sou de opinião que deve prevalecer o entendimento da Nota. Embora não seja impossível o surgimento de outras situações peculiares, como no caso da Administração indireta, em que outras ordens intermediárias devam ser dadas, por liberação deve entender-se o ato do Sr. Secretário do Tesouro Nacional que torna disponível os valores para pagamento. Só a partir daí, ou do efetivo depósito desses valores em juízo, não será mais possível pensar em parcelamento do precatório.

É como me parece, S.M.J. de V. Exa.

Brasília, 11 de julho de 2001.

MIGUEL PRÓ DE OLIVEIRA FURTADO

Consultor da União

Adoto

GILMAR FERREIRA MENDES

Advogado-Geral da União

Aprovo

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Presidente da República