Parecer GEOT nº 305 DE 19/07/2016
Norma Estadual - Goiás - Publicado no DOE em 19 jul 2016
Inconstitucionalidade de benefícios fiscais instituídos à revelia de das disposições da LC nº 024/75.
...................., fundamentado no entendimento de que os benefícios fiscais, previstos na legislação tributária do Estado de Goiás, instituídos por meio de lei estadual, e à revelia das disposições da LC nº 24/75, afrontam a regra constitucional constante do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da CF/88, sendo, por isto, flagrantemente inconstitucionais. Em apoio aos seus argumentos, referência diversas Ações de Inconstitucionalidade já julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, STF, por meios das quais este Egrégio Tribunal tem declarado inconstitucionais todos os benefícios fiscais instituídos pelos estados, sem observância ao disposto no art.1º da LC nº 24/75.
Com base nesses fatos, o requerente alerta a Senhora Secretária de Estado da Fazenda de Goiás, sobre o que considera “fato gravíssimo”, que poderá ensejar a prática de crime de improbidade administrativa, na forma do art. 10 da Lei nº 8.429/92, e, dada a gravidade dos fatos, requer que a Secretária de Estado da Fazenda adote as seguintes providências:
1- Revogação de todos os Termos de Acordos Regime Especial -TARE- relativos a benefícios fiscais instituídos por lei ou decreto estadual sem a observância da LC nº 24/75;
2 - Que, doravante, abstenha de firmar qualquer TARE referente a benefício fiscal que não tenha fundamento na LC nº 24/75;
3 - Que determine ao Superintendente da Receita Estadual que, em observância aos efeitos vinculantes das decisões nas ADIs sobre a matéria, notifique os contribuintes sobre a necessidade cessação dos benefícios fiscais inconstitucionais, advertindo-os que a continuidade da fruição do benefício constitui prática ilegal, bem como determine aos Auditores Fiscais que promovam os lançamentos relativamente aos créditos tributários referentes à fruição de benefício fiscal inconstitucional;
4 - Que determine o lançamento do crédito tributário na hipótese de o contribuinte, mesmo após a notificação referida no item 3, insistir na fruição do benefício fiscal;
5 - Sejam expedidas as ordens de serviços para que os agentes do fisco goiano possam realizar auditorias e praticar os atos necessários à efetivação dos lançamentos fiscais;
6 - No caso de não atendimento aos pedidos formulados nos itens anteriores, requer sejam estes autos encaminhados à autoridade superior a fim de que se instaure o devido processo, nos moldes do art. 14 da Lei nº 8.429/92, devendo serem arrolados os terceiros que tenham emitido parecer ou orientação, na qual se ampare a decisão de não adotar as medidas requeridas;
7 - Se, na situação do item 06, a requerida optar por remeter os autos à autoridade imediatamente superior, requer-se que esta autoridade apresente ao requerente o levantamento mensal de todos os créditos tributários deduzidos ou suprimidos em razão da utilização dos benefícios fiscais instituídos em desacordo com a LC nº 24/75, que sejam posteriores à publicação do acórdão exarado no bojo da ADI nº 2.548-PR (DJ nº 159 de 17.07.2007);
8 - Que sejam encaminhados ao requerente os comprovantes dos protocolos dos processos de representação na forma requerida nos itens 06 e 07.
A Secretária de Estado da Fazenda de Goiás, após tomar conhecimento dos fatos, por meio do Despacho nº 058/2016-GSF, determinou:
I – a remessa dos autos ao Superintendente da Receita para que se providencie junto à Gerência de Tributação e Regimes Especiais a elaboração deparecer sobre a legalidade dos benefícios fiscais concedidos no âmbito do Estado de Goiás, implementados por Termo de Acordo de Regime Especial;
II - que o Superintendente da Receita se manifeste sobre todos os requerimentos feitos pelo interessado às fls. 09 e 10 dos autos;
III - que os autos sejam encaminhados ao Procurador do Estado que atua junto à SEFAZ-GO, para que o mesmo também possa manifestar quanto aos fatos narrados pelo requerente;
IV - que, após a retorno dos autos à Superintendência da Receita, o Superintendente providencie a divulgação dos pareceres em toda a estrutura da Receita Estadual, para todos os Auditores Fiscais, via memorando circular, destinado às Unidades centralizadas e descentralizadas de fiscalização;
V - que o interessado seja notificado pessoalmente do conteúdo dos pareceres;
VI - que, após tomadas as providências enumeradas nos itens anteriores, se restar configurado o excesso de exação, os autos sejam encaminhados pelo Superintendente da Receita à Corregedoria Fiscal desta Pasta, para as providências que o caso requer, inclusive para verificar/apurar a validade/legalidade da autuação da empresa AMBEV, procedida pelo interessado e que foi noticiada a este Gabinete.
Considerando que todas as solicitações do requerente, partem da premissa de inconstitucionalidade dos benefícios fiscais goianos, que alega terem sido instituídos à revelia das disposições do art. 155, § 2º, inciso I, da CF/88, se faz necessário tecer breves considerações sobre o sistema de controle de constitucionalidade em nosso país e, para isto, devemos referenciar algumas disposições constitucionais, doutrinárias e jurisprudenciais acerca da matéria, nos seguintes moldes:
- na forma do art. 102, inciso I, da CF/88, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe, dentre outros, processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
- por sua vez, o art. 97, da CF/88, estabelece a chamada cláusula de reserva de plenário, ao dispor que “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”;
- em respeito à disposição do referido art. 97, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº10 a qual dispõe que” Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte;
- o controle da constitucionalidade das normas, quanto ao momento, pode ser preventivo e repressivo: o controle preventivo busca evitar que sejam criadas normas inconstitucionais (ex.: análise pela Comissão de Constituição e Justiça - CCJ, ou veto do Chefe do Executivo), ao passo que o controle repressivo é realizado pelos órgãos jurisdicionais (Poder Judiciário) em relação às normas que estejam produzindo efeitos concretos, realizado pelo Supremo Tribunal Federal (controle concentrado) e o controle difuso, exercido pelos demais órgãos do Poder Judiciário (Tribunais e Juízes).
Veja-se que a CF/88, conforme os arts. 97 e 102, inciso I, trata do controle da constitucionalidade de forma bastante restrita, reforçando a presunção de constitucionalidade inerente às leis e aos atos normativos expedidos pelo Poder Público. Em face deste rígido sistema de controle da constitucionalidade, somente o Poder Judiciário tem competência para declarar inconstitucional a lei ou ato normativo do Poder Público ou deixar de dar aplicação por considerá-lainconstitucional.
Esta rigidez se faz necessária na medida em que a vida em sociedade exige que haja segurança jurídica, a qual será rompida se for permitido que qualquer órgão ou agente da administração pública possa recusar aplicação ou ignorar as disposições de uma lei, por considerá-la inconstitucional. Desse modo, até que sobrevenha decisão judicial emanada do órgão judicial competente, em controle concentrado, as leis que instituem benefícios fiscais no âmbito do Estado de Goiás estarão em plena vigência (art. 2º, caput, da Lei nº 4657/1942, devendo serem acatadas.
Tendo em vista as premissas anteriormente elencadas, verifica-se que a CF/88, relativamente ao exercício do controle da constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público, define objetivamente quais são os órgãos legitimados, bem como fixa o sistema de controle jurisdicional por via concentrada (art. 102, I, da CF/88) e por via difusa.
Neste contexto, a lei que tenha sido produzida segundo um processo legislativo regular goza de presunção de constitucionalidade, qualidade que somente pode ser afastada pelo órgão legitimado pela CF/88. Assim, não se cogita sobre a competência da autoridade administrativa para declarar uma lei inconstitucional nem há a possibilidade de servidor público deixar de dar aplicação à lei ou ao ato normativo do Poder Público, por entendê-lo inconstitucional. Nesta linha de pensamento é a lição de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino que, na obra intitulada DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO, Editora Método, 11ª ed., São Paulo, SP, pg. 801, ao tratar do Controle da Constitucionalidade das normas, consignam as seguintes lições:
“A segunda hipótese de fiscalização da constitucionalidade pelo Executivo diz respeito à possibilidade de inexecução pelo Chefe do Poder Executivo de lei por ele considerada inconstitucional”.
“Com efeito, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o Chefe do Poder Executivo pode determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considere inconstitucionais ¹³”.
Seguem estes prestigiados autores ensinando:“Ressalte-se, apenas que esta competência é exclusiva do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador ou Prefeito), o que veda é a possibilidade de qualquer funcionário administrativo subalterno descumprir a lei sob a alegação de inconstitucionalidade”.
Em harmonia com o disposto no art. 37, caput, da CF/88, o art. 2º da Lei Estadual nº13.800/01 impõe à administração pública estadual o dever de observância, dentre outros, ao princípio da legalidade. Por força desta regra, a autoridade administrativa ou agente administrativo que deixar de dar aplicação à lei estadual, ao argumento de que se trata de norma inconstitucional, pratica violação a princípio elementar da administração pública, ensejando a possibilidade de sujeitar-se às sanções de natureza administrativa, civil e penal.
Por meio da Súmula Vinculante nº 10, o Supremo Tribunal Federal declara inválida qualquer declaração de inconstitucionalidade, no controle difuso, efetuada por órgão fracionário de Tribunal. Ora, se mesmo os órgãos fracionários dos Tribunais de Justiça não possuem competência para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato do Poder Público, qual é o fundamento que poderá ser utilizado para justificar a validade do ato da autoridade administrativa ou do servidor público que deixar de aplicar uma lei estadual por entendê-la inconstitucional?
Ao tratar do Processo Administrativo Tributário, a Lei Estadual nº 16.469/09, art. 6º, § 4º, dispõe que “Não pode haver decisões que impliquem apreciação ou declaração de inconstitucionalidade de lei, decreto ou ato normativo expedido pela Administração Tributária”. Em razão desta regra, o próprio órgão administrativo competente para o exercício do controle da legalidade de questões de natureza tributária está impedido de manifestar-se sobre inconstitucionalidade de lei.
Sobre a impossibilidade de a autoridade fazendária desconsiderarbenefício fiscal instituído em lei estadual, por entender que esta norma é inconstitucional, a Gerência de Representação Fazendária da Superintendência da Receita consignou, por meio do texto publicado no BOLETIM INFORMATIVO DA REPRESENTAÇÃO FAZENDÁRIA, Ano VII, edição nº 22- fevereiro/2016, da lavra do Auditor Denilson Evangelista,a seguinte inteligência:
“ ..incumbe verificar se se revela possível, ou não,a autoridade fiscal levar a efeito lançamento tributário visando à exigência de ICMS em decorrência da fruição pelo contribuinte de benefício fiscal previsto em lei estadual goiana, sob o argumento de inconstitucionalidade de tal norma, com espequeem decisões proferidas m pelo Supremo Tribunal Federal, em ações diretas de inconstitucionalidade em controle concentrado, sobre leis materialmente idênticasà norma goiana, editadas por outras unidades da federação”.
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“ Em linhas gerais, o efeito vinculante de uma ADI se limita à parte dispositiva do julgado. Todavia, o STF entendia que essa eficácia vinculante incidiria também nos motivos determinantes (ratio decidendi), dos julgados, admitindo, portanto, a teoria da transcendência dos motivos determinantes...”.
“Neste contexto, a jurisprudência do STF era pacífica no sentido da admissão desta teoria, de modo que se o STF declarasse a inconstitucionalidade de uma lei de determinada Unidade Federada, a fundamentação utilizada nesta ação como razão de decidir (ratio decidendi) teria eficácia vinculante erga omnes (contra todos) e atingiria todas as leis materialmente iguais de outros Entes, sem a necessidade de se propor novas ações diretas”.
Sucede, porém, que a conclusão inicial não pode mais ser sustentada, em especial em virtude da análise dos inteiros teores dos acórdãos proferidos no STF nas reclamações n.ºs 11479 AgR (julgado pelo Pleno), 13300 AgR (julgado pelo Pleno) e 11478 AgR (julgado pela Primeira Turma).
A partir desses paradigmas, o Plenário do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente rejeitado a tese da eficácia vinculante e transcendente dos motivos determinantes das decisões proferidas em ações de controle abstrato de constitucionalidade (Rcl 2.475-AgR/MG, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio – Rcl 3.014/SP, rel. Min. Ayres Britto – Rcl 3.249-AgR/RN, rel. Min. Dias Toffoli – Rcl 6.204-AgR/AL, rel. Min. Eros Grau – Rcl 6.319-AgR/SC, rel. Min. Eros Grau –Rcl 9.778-AgR/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski – Rcl 11.831- -AgR/CE, rel. Min. Cármen Lúcia – Rcl 14.098/TO, rel. Min. Roberto Barroso – Rcl 14.111/DF, rel. Min. Teori Zavascki –Rcl 14.391/MT, rel. Min. Rosa Weber – Rcl 15.225/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Rcl 2.986/SE, rel. Min. Celso De Mello, Rcl 14.266/RJ, rel. Min. Luiz Fux, Rcl 13.185/DF, rel. Min. Rosa Weber – Rcl 14.101/RN, rel. Min. Cármen Lúcia – Rcl 14.258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski – Rcl 14.425/RS, rel. Min. Rosa Weber, Rcl 11.555/MG, rel. Min. Luiz Fux, Rcl 14.079/DF, rel. Min. Roberto Barroso, Rcl 11.479-AgR/CE, Re. Min. Cármen Lúcia, etc.).
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“Destarte, ainda que leis de outros Estados, eventualmente declaradas inconstitucionais, contenham artigos com redação idêntica aos de leis goianas, há a incontornável necessidade de propositura de novas ADI’s visando à manifestação do STF acerca da constitucionalidade ou não de nossas normas.
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“ Assim, o novel posicionamento do STF é conducente à conclusão no sentido de que, embora o cotejamento de diploma normativo goiano com lei editada por outro Estado, declarada inconstitucional em controle abstrato, releve inequívoca identidade material de conteúdo, não se afigura lícito invocar, na seara administrativa, a teoria da transcendência dos motivos determinantes, em ordem a subsidiar, sob o aspecto jurídico, a constituição de crédito tributário com arrimo na argumentação de que a lei goiana confrontaria entendimento já sufragado pelo STF.
No que concerne ao ICMS, convém ressaltar que ainda que determinada lei do Estado de Goiás concessiva de benefício fiscal, não submetido à aprovação do CONFAZ, contenha artigo com redação idêntica ao de lei editada por outro Estado, declarada inconstitucional pelo STF, não se pode invocar, na órbita administrativa, a teoria da transcendência dos motivos determinantes para efeito de fundamentação de lançamento do crédito tributário por suposta utilização indevida de benefício fiscal pelo contribuinte.
Destaque-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, nos termos delineados pela lei 9.868/99, pode fixar modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, em situações excepcionais, sobretudo por questões de segurança jurídica, de modo a estabelecer um marco temporal futuro a partir do qual a norma declarada inconstitucional perderá sua aplicabilidade, ou seja, o próprio STF permite, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, que a norma inconstitucional produza efeitos jurídicos durante determinado lapso temporal, como se constitucional fosse.
Por fim, não se pode olvidar que, inexistindo declaração de inconstitucionalidade pelo STF acerca da norma goiana vergastada, impõe-se sua incondicional observância, tal conclusão aliás é corolário lógico do princípio da legalidade, previsto expressamente no artigo 37 da Constituição de 1988, valendo salientar, outrossim, que a atividade administrativa do lançamento é plenamente vinculada (art. 142, § único, do CTN)”.
Neste mesmo sentido, o Procurador-Geral do Estado, Dr. Alexandre Eduardo Felipe Tocantins, expediu o Despacho “AG” nº 002729/2014 e o Despacho “AG” nº 000160/2016, sendo que no Item 3 deste encontra-se consignado que...”após explanação sobre os programas Fomentar e Produzir e os tipos de controle de constitucionalidade admitidos no nosso ordenamento constitucional, asseverou que o administrador público não tem liberdade para deixar de aplicar uma norma legal sob o fundamento da existência de vícios de inconstitucionalidade, sem a prévia manifestação, ainda que cautelar, do órgão jurisdicional competente e através dos instrumentos constitucionais”.
No caso em evidência, o requerente solicita à Secretária de Estado da Fazenda de Goiás que deixe de aplicar as leis instituidoras dos benefícios fiscais, ao argumento de que leis de outros estados, de conteúdos semelhantes às do Estado de Goiás, foram declaradas inconstitucionais pelo STF e que, nestas hipóteses, as decisões do Egrégio STF, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, vinculam a administração fazendária goiana. Assim, verifica-se que o pedido dorequerente está calcado na tese dos motivos determinantes, ou seja, de que os fundamentos da decisão do STF, em sede de controle constitucional concentrado, produz efeitos vinculantes, gravando de inconstitucionalidade a disposição legal que for igual ou semelhante àquela objeto da declaração de inconstitucionalidade.
Sobre este tema, transcrevemos os seguintes acórdãos:
Ementa: RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA ÀS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 849-5/MT, 1.779-1/PE e 3.715-3/TO. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. À míngua de identidade material entre os paradigmas invocados e os atos reclamados, não há como divisar a alegada afronta à autoridade de decisão desta Excelsa Corte, mormente porque a exegese jurisprudencial conferida ao art. 102, I, l, da Magna Carta rechaça o cabimento de reclamação constitucional fundada na tese da transcendência dos motivos determinantes. Agravo regimental conhecido e não provido.(Rcl 20727 AgR/PA; Relatora: Min. ROSA WEBER; Publicação: DJe-228DIVULG 12-11-2015 , PUBLIC 13-11-2015; Primeira Turma)
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Ementa: RECLAMAÇÃO. VALOR REFERENCIAL DE RPV FIXADO EM LEI LOCAL. ADI 2.868. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ESTRITA. JUROS E CORREÇÃO. OFENSA À CAUTELAR NA ADI 4.425. INOCORRÊNCIA. 1. A eficácia vinculante dos acórdãos proferidos em processos objetivos abrange apenas o objeto na ação. Inaplicabilidade da transcendência dos motivos determinantes. 2. A decisão reclamada não afastou os critérios previstos no art. 100, § 12, da Constituição. 3. Agravo regimental desprovido. (Rcl 18714 AgR/SP; Relator: Ministro ROBERTO BARROSO; Publicação; DJe-033, DIVULG 22-02-2016, PUBLIC 23-02-2016; Primeira Turma).
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Relatório
Extrai-se do Acórdão da lavra do Ministro Relator, ROBERTO BARROSO, exarado na mencionada Rcl 18714 AgR/SP, acima referenciado, a seguinte inteligência sobre os efeitos vinculantes das decisões do Supremo Tribunal Federal:
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7. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a eficácia vinculante dos acórdãos abrange apenas o objeto examinado pela Corte. Dessa forma, o que deve ser observado pelos demais órgãos não é a fundamentação dos julgados, mas apenas seu dispositivo, afastando-se a ‘teoria da transcendência dos motivos determinantes’. Nesse sentido: ‘Descabe formalizar reclamação a partir de fundamentos de decisão mediante a qual o Supremo veio a suspender a eficácia de ato de Tribunal de Justiça de estado diverso daquele envolvido no pedido.’ (Rcl 3.108 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio) ‘Agravo regimental na reclamação. ADI nº 4.015/PA- MC.
No mesmo sentido, decidiu a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em Acórdão assim ementado:
atórioEmenta: AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.715/TO, 1.779/PE e 849/MT. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE MATERIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I - A jurisprudência desta Corte é contrária à chamada “transcendência” ou “efeitos irradiantes” dos motivos determinantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas. Precedentes. II – O ato reclamado não guarda identidade material com as decisões apontadas como supostamente afrontadas. III - A reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo ou substitutivo de recurso próprio. Precedentes. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.(Rcl 11484 AgR/Ceará; Relator: Min. RICARDO LEWANDOSWSKI; Publicação: DJe-157DIVULG 14-08-2014PUBLIC 15-08-2014).
Pelo que se extrai dos julgados do Supremo Tribunal Federal acima referenciados, o fato de este Tribunal ter declarado a inconstitucionalidade de leis de outros estados ou do Distrito Federal, de teor semelhante às leis goianas instituidoras de benefícios fiscais, não repercute nestas, as quais continuam em plena vigência, vinculando a todos.
Neste contexto, por meio do Despacho nº 002729/2014-1, subscrito pelo Procurador-Geral do Estado, que acolheu o Parecer nº 001579/2014, da Procuradoria Tributária, emitido em resposta a uma consulta formulada pelo Conselho Administrativo Tributário, acerca da possibilidade ou não de se apreciar arguições de inconstitucionalidade em sede de processos administrativos, a Procuradoria Geral do Estado de Goiás exarou o entendimento de que não se pode deixar de dar aplicação à lei, ao singelo argumento de inconstitucionalidade desta, conforme o seguinte excerto extraído do referido Despacho:
“... não se pode olvidar que toda lei porta presunção de constitucionalidade, a qual se efetiva pela sanção do Chefe do Poder Executivo, nessa trilha, não é razoável o entendimento de que um tribunal administrativo possa afastá-la por considera-la inconstitucional. Repita-se, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei é atribuição exclusiva do Poder Judiciário. Caso esta providência fosse possível aos órgãos da administração, ainda que por aqueles considerados como “ tribunais administrativos”, isso traria a completa desordem no ordenamento jurídico”.
Ainda sobre a matéria em evidência, transcrevemos o seguinte excerto do Despacho “AG” nº 000160/2016-1, da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, que acolheu o Parecer nº 005978/2015, da Procuradoria Tributária:
“3. Acolho o Parecer nº 005978/2015, da Procuradoria Tributária, que após explanação sobre os programas Fomentar e Produzir e os tipos de controle de constitucionalidades admitidos no nosso ordenamento constitucional, asseverou que o administrador público não tem liberdade para deixar de aplicar norma legal sob o fundamento da existência de vícios de inconstitucionalidade, sem a prévia manifestação, ainda que cautelar, do órgão jurisdicional competente e através dos instrumentos constitucionais”.
Em face destas manifestações objetivas da Procuradoria Geral do Estado de Goiás a respeito da matéria tratada nos autos, entendemos que não se faz necessária a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Estado, conforme Item 3 do Despacho nº 058/2016, fls. 54 a 56, por se tratar de assunto exaurido no âmbito da Douta Procuradoria.
A alegada nulidade das leis que instituíram os benefícios fiscais vigentes no Âmbito do Estado de Goiás na atualidade, com base no disposto no art. 8º da LC nº 24/75, não prospera, porque a sanção de ineficácia da lei ou a nulidade do ato que instituir o benefício fiscal ao arrepio da LC nº 24/75, somente se materializa mediante a manifestação judicial sobre a respectiva lei, ou seja, enquanto não houver pronunciamento judicial reconhecendo a nulidade da lei estadual, esta continuará vigente e eficaz, devendo ser aplicada em sua plenitude.
A respeito do disposto no art. 32, inciso II, da LC nº 104/2013 (Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte no Estado de Goiás) que o requerente invoca, tem-se que, por se tratar de norma dirigida especificamente ao órgão competente para decidir sobre a legalidade das ações administrativas do fisco goiano, no âmbito do processo administrativo tributário, não repercute na seara de validade das demais leis estaduais e nem oferece qualquer óbice à aplicação destas.
Quanto à determinação constante do Item 3 do Despacho nº 058/2016-GSF, dispondo sobre a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, a fim de que esta especializada também se manifeste sobre a matéria em comento, entendemos que esta providência não se faz necessária, vez que a Douta Procuradoria já se manifestou sobre esta matéria em duas oportunidades, por meio do Despacho “AG” nº 002729/2014 e Despacho “AG” nº 000160/2016.
Após estas considerações e tendo em vista os pedidos feitos pelo requerente, bem como as determinações do Despacho nº 058/2016-GSF, consignamos os seguintes entendimentos sobre a matéria em epígrafe:
Item 1 - Não tendo, as leis instituidoras dos benefícios fiscais concedidos pelo Estado de Goiás sido declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, e considerando que os julgados deste Tribunal sobre leis de outros estados, com teor similar ao das referidas leis goianas, não produzem efeitos vinculantes, não há motivação jurídico-legal para que a Administração Tributária de Goiás revogue os Termos de Regimes Especiais - TAREs que permitem a fruição dos referidos benefícios fiscais;
Item 2- pelo fato de os benefícios fiscais combatidos terem sido instituídos por leis estaduais, que gozam de presunção de constitucionalidade, as quais estão produzindo seus efeitos normalmente, vinculando a todos, não há motivação para que a SEFAZ-GO deixe de celebrar novos TAREs com os contribuintes que atenderem às exigências legais;
Item 3 - considerando que as decisões do STF reconhecendo a inconstitucionalidade das leis de outros estados, instituidoras de benefícios fiscais similares aos instituídos pelo Estado de Goiás, não projeta efeitos jurídicos sobre as correspondentes leis goianas, estas continuam em plena vigência, não havendo fundamento jurídico-legal para a constituição de crédito tributário, relativamente aos valores dos benefícios fiscais instituídos por essas leis;
Item 4 - estando os benefícios fiscais goianos ancorados em leis que gozam de presunção de constitucionalidade, as quais estão em plena vigência e irradiando seus efeitos normalmente, não há justificativa legal para que se exija otributo cuja pagamento a lei dispensou;
Item 5 - não sendo possível promover lançamento fiscal exigindo pagamento de tributo que se encontra legalmente dispensado, não há motivação legal para que sejam expedidas ordens de serviços para a realização de auditorias que tenham por finalidade desconsiderar, sob alegação de inconstitucionalidade, benefícios fiscais legais;
Item 6 - no regular exercício das competências que lhe são atribuídas pelo art. 1º do Decreto nº 7.599/12- Regimento Interno da SEFAZ-GO, o Chefe desta Pasta é a autoridade máxima, não havendo previsão legal de submissão dos atos de sua competência à autoridade superior;
Item 7- prejudicado em razão da resposta apresentada ao item anterior;
Item 8 - a remessa dos autos ao Ministério Público deve ser efetivada nos casos em que a autoridade administrativa identificar ato de improbidade que cause lesão ao patrimônio público ou enseje enriquecimento ilícito (art. 7º da Lei nº 8.429/92). Considerando-se que, no caso em comento, não se identifica a hipótese de prática de qualquer crime previsto nesta lei, não há motivação para oferecer representação ao Ministério Público.
Quanto ao Item 3 do Despacho nº 058/2016-GSF, entendemos que, em face das manifestações objetivas da Procuradoria Geral do Estado de Goiás a respeito da matéria tratada nos autos, não se faz necessária a remessa dos autos a esta Procuradoria, porque exaurida a matéria.
Em relação à determinação constante do Item 6 do Despacho nº 058/2016-GSF, fl.54, por se tratar de matéria alheia à competência desta Gerência, sugerimos que sejam extraídas cópias destes autos, as quais devem ser remetidas à Corregedoria Fiscal, a fim de que esta possa, na forma do art. 6º do Decreto Estadual nº 7.599/12, averiguar se resta configurada alguma hipótese de infração administrativa e/ou crime de excesso de exação.
Relativamente à legalidade ou não dos eventuais autos de infração lavrados em desfavor de contribuintes beneficiários do FOMENTAR/PRODUZIR ou de outros benefícios fiscais, sob o argumento de que são benefícios ilegais ou inconstitucionais, tem-se que também foge à seara de competência desta Gerência, vez que tal matéria constitui prerrogativa exclusiva do Conselho Administrativo Tributário, na forma do art. 6º, inciso I, da Lei nº 16.469/09.
É o parecer.
Goiânia, 19de julho de2016.
GENER OTAVIANO SILVA
Assessor Tributário
CÍCERO RODRIGUES DA SILVA
Gerente de Tributação e Regimes Especiais