Parecer CECON nº 259 DE 01/03/2024

Norma Estadual - Ceará - Publicado no DOE em 01 mar 2024

ICMS. Consulta tributária. Operação realizada pela filial e transporte efetuado por veículo de propriedade da matriz. Transporte de carga própria. Inexistência de fato gerador do ICMS transporte. Art. 11, § 3.º, II, Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996. Art. 5 e 16 do Decreto Estadual n.º 33.327, de 30 de outubro de 2019.

ICMS. Consulta tributária. Operação realizada pela filial e transporte efetuado por veículo de propriedade da matriz. Transporte de carga própria. Inexistência de fato gerador do ICMS transporte. Art. 11, § 3.º, II, Lei Complementar n.º 87, de 13 de setembro de 1996. Art. 5 e 16 do Decreto Estadual n.º 33.327, de 30 de outubro de 2019.

I – DO RELATO:

A pessoa jurídica acima qualificada, que exerce a atividade econômica de comércio atacadista de aves vivas e ovos (CNAE – Fiscal 4633802), expõe os fatos abaixo para formalizar a consulta que se segue.

A consulente aduz que no desempenho das suas atividades de produção de venda de ovos, efetua a entrega de sua produção a seus clientes utilizando veículos adquiridos e registrados em nome da matriz e as respectivas notas fiscais emitidas pela matriz ou pela filial.

Eventualmente, a consulente indica a ocorrência de vendas realizadas pelas filiais e o transporte efetuado por veículo adquirido, contabilizado e registrado em nome da matriz.

A consulente afirma que vem suscitando dúvida quanto à correta aplicação da legislação do ICMS vigente no Estado do Ceará, uma vez que Postos Fiscais têm cobrado ICMS e ICMS com multa,
quando ocorre operação de venda por parte de suas filiais e o transporte da mercadoria é realizado com veículo da matriz ou vice-versa

Em questionamento direto, a consulente indaga sobre o procedimento consentâneo a ser adotado pelo contribuinte:

1. está correto o entendimento encampado pela Consulente segundo a qual não deve incidir ICMS quando do transporte de produtos comercializados por unidade filial, que seja efetuado por meio de veículo registrado em nome da matriz, tendo em vista tratar-se de transporte de carga própria?

2. em caso de resposta negativa à indagação acima, qual a fundamentação legal que ampara aquele suporto dever de efetuar o pagamento do ICMS no caso apontado (saída com diferimento do ICMS)

Instados a nos manifestar, proferimos o nosso parecer acerca da matéria sob análise.

II – DO PARECER:

A consulente questiona se um veículo registrado em nome de um dos estabelecimentos da empresa pode ser utilizado para transportar mercadorias objeto de vendas por parte das filiais e transportadas por veículos registrados em nome da matriz, sem configurar prestação de serviço.

No que tange aos aspectos tributários o que se mostra relevante é se a situação fática (transporte de carga) se enquadra na legislação do ICMS, ou seja, se há subsunção do fato à norma.

A dúvida é pertinente, pois a Lei Complementar nº 87/96 e o Decreto Estadual n.° 33.327, de 30 de outubro de 2019, consideram cada estabelecimento autônomo para fins do ICMS, mesmo pertencendo à mesma pessoa jurídica.

Lei Complementar nº 87/1996

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

(...)

§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:

(...)

II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; (...)

Decreto Estadual n.° 33.327, de 30 de outubro de 2019

Art. 16. Salvo disposição em contrário, considera-se estabelecimento autônomo, para efeito de emissão de documentos fiscais e sua escrituração, e, quando for o caso, para recolhimento do imposto relativo às operações e prestações nele realizadas, cada estabelecimento, ainda que do mesmo contribuinte. (grifo nosso)

O Decreto Estadual n.° 33.327, de 30 de outubro de 2019, em seu artigo 5.°, trata da não incidência sobre as prestações de serviço de transporte de carga própria e define o conceito de veículo próprio, vejamos:

Art. 5.º O ICMS não incide sobre prestações:

I – de serviço de transporte que destinem ao exterior mercadorias ou bens;

II – gratuitas de radiodifusão sonora e de televisão;

III – de serviço de transporte de carga própria, desde que se faça acompanhar da respectiva nota fiscal contendo os dados que comprovem tratar-se de veículo próprio ou locado e a expressão “Transporte de carga própria”;

IV – de transporte de pessoas não remunerado, efetuado por particulares.

§ 1.º Incluem-se nas prestações de que trata inciso I do caput deste artigo os serviços de transporte intermunicipal ou interestadual que se prestarem a viabilizar a remessa da mercadoria para o exterior.

§ 2.º Para os fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se veículo próprio, além do que se achar registrado em nome da pessoa, aquele por ela operado em regime de locação, entendendo-se este como um contrato que assegure ao locatário a posse contínua do veículo e que possa utilizá-lo como próprio durante todo o tempo de duração do contrato, nunca inferior a 30 (trinta) dias, constando, no mínimo:

I – qualificação dos contratantes;

II – identificação do veículo;

III – prazo de vigência do contrato; e

IV – condições de pagamento.

(grifo nosso)

Dito isso, necessário análise sobre o regramento jurídico da conduta realizada por parte da consulente.

Nas lições doutrinárias de Bernardo Ribeiro de Moraes “transportar é conduzir. Quem transporta leva pessoas ou coisas de um lugar a outro.

A ideia de dinamismo, de movimentação, percurso ou itinerário realizado, é inerente ao transporte. [...]. 

Assim, torna-se essencial para seu conceito os dois pontos diversos percorridos: o da partida ou expedição e o da chegada, destino ou de entrega. Transporte, portanto, vem a ser o ato ou o efeito de transportar, isto é, de deslocar pessoas ou coisas no espaço, de um ponto ao outro, mediante remuneração.

(Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviço. Ed. Revista dos Tribunais. 1984. Págs. 265, 270 e 271.) (grifo nosso)

Por sua vez, o Novo Código Civil, em seu artigo 730 estabelece que:

Art. 730. Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

O contrato de transporte é um acordo entre duas partes: o transportador e o contratante. O transportador se compromete a realizar o serviço de transporte, enquanto o contratante se compromete a pagar o valor estipulado pelo serviço. Ambas as partes têm obrigações: o transportador deve realizar o serviço de acordo com o contrato, e o contratante deve pagar o valor acordado.

De acordo com o artigo 110 do Código Tributário Nacional, para fins da legislação tributária do do Estado do Ceará, é considerado prestador de serviço de transporte o estabelecimento que realiza, de forma habitual e mediante contrato oneroso, o transporte de carga de terceiros. Isso significa que o transportador não pode ser o próprio remetente ou destinatário da carga.

Destarte, resta a ser esclarecido se a ocorrência de vendas realizadas pelas filiais e o transporte efetuado por veículo adquirido, contabilizado e registrado em nome da matriz, veículo este que
deve ser tratado como bem pertencente a estabelecimento autônomo, nos termos do disposto no art. 16 Decreto Estadual n.° 33.327, de 30 de outubro de 2019, ou à empresa como um todo.

Para auxiliar o entendimento, reproduzimos alguns dispositivos legais sobre a definição de estabelecimento.

De acordo com o Novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10.01.2002):

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Segundo Maria Helena Diniz (apud PEREIRA2, 2009), em seu livro CÓDIGO CIVIL ANOTADO, 9a. edição, 2003, Ed. Saraiva, São Paulo:

Estabelecimento é o complexo de bens de natureza variada, materiais (mercadorias, máquinas, imóveis, veículos, equipamentos etc.) ou imateriais (marcas, patentes, tecnologia, ponto etc.) reunidos e organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, por serem necessários ou úteis ao desenvolvimento e exploração de sua atividade econômica, ou melhor, ao exercício da empresa. [...] trata-se de elemento essencial à empresa, pois impossível é qualquer atividade empresarial sem que antes se organize um estabelecimento.

Ao tratar do balanço patrimonial da empresa, a professora sustenta que: Balanço Patrimonial é aquele que exprime, no exercício anual, com fidelidade e clareza, a situação real do patrimônio da empresa, indicando, distintamente, o ativo e o passivo, abrangendo todos os bens (móveis, imóveis ou semoventes), créditos e débitos, atendendo sempre às peculiaridades do tipo da empresa, inclusive se coligada, e às disposições contidas em leis especiais.

No Direito Civil, matriz e filial são considerados como estabelecimentos da mesma empresa, mesmo que sejam pessoas jurídicas distintas. Isso significa que, para fins legais, elas são tratadas como uma única entidade.

O Novo Código Civil, ao abordar as demonstrações financeiras e o balanço patrimonial, sempre se refere à empresa ou sociedade como um todo, e não aos seus estabelecimentos individuais. Ou seja, as demonstrações financeiras consolidam a situação patrimonial e o resultado econômico de toda a empresa, incluindo matriz e filiais, in verbis:

Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

(...)

Art. 1.184. No Diário serão lançadas, com individuação, clareza e caracterização do documento respectivo, dia a dia, por escrita direta ou reprodução, todas as operações relativas ao exercício da empresa.

(...)

Art. 1.188. O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.

O patrimônio da empresa é único e abrange todos os seus estabelecimentos, ou seja, os bens, direitos e obrigações da matriz e das filiais são somados para formar o patrimônio total da empresa.

Na legislação cearense, um veículo próprio é aquele registrado em nome de qualquer um dos estabelecimentos da empresa que esteja situado no estado. Isso significa que não importa se o veículo
está registrado em nome da matriz ou de uma filial, desde que pertença à mesma empresa e esteja no Estado do Ceará.

Entretanto, ressaltamos que, pelo princípio da autonomia dos estabelecimentos, cada um deles deverá fazer a apuração do ICMS individualmente, nos termos do que estabelece a legislação tributária.

Destarte, quando o estabelecimento matriz ou filial exerce a atividade de transporte de carga própria neste Estado, por meio de veículo registrado em um de seus estabelecimentos cearenses, não estará atuando como prestador de serviço de transporte, posto que ninguém presta serviço a si próprio, não se caracterizando fato gerador do ICMS Transporte.

Em resposta direta à consulente firmamos:

1. Está correto o entendimento encampado pela Consulente segundo a qual não deve incidir ICMS quando do transporte de produtos comercializados por unidade filial, que seja efetuado por meio de veículo registrado em nome da matriz, tendo em vista tratar-se de transporte de carga própria?

Resposta: Sim, por todo o fundamentado no presente parecer.

2. em caso de resposta negativa à indagação acima, qual a fundamentação legal que ampara aquele suporto dever de efetuar o pagamento do ICMS no caso apontado (saída com diferimento do ICMS)

Resposta: Resposta prejudicada em decorrência do questionamento 1.

Por oportuno, salientamos, ainda, que, no caso do Fisco Estadual vir a constatar eventual irregularidade nos documentos fiscais que acobertam as operações, o contribuinte estará sujeito às penalidades previstas na legislação estadual, inclusive quanto ao pagamento do ICMS porventura devido, com os acréscimos legais.

Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas apresentadas na consulta.

A resposta à Consulta Tributária aproveita a Consulente nos termos da legislação vigente, devendo atentar-se para eventuais alterações da legislação tributária tratada neste Parecer.

Sugere-se que seja dada ciência deste Parecer ao Núcleo de Postos Fiscais – NUPAF

É o Parecer, s.m.j.