Parecer CJ nº 2.532 de 08/08/2001

Norma Federal - Publicado no DO em 17 ago 2001

Concessão de benefício previdenciário por totalização

ASSUNTO: Contagem recíproca em concessão de benefício por totalização, nos termos dos acordos internacionais.

EMENTA: Direito Previdenciário. Acordo Internacional. Concessão de Benefício por Totalização. Aplicação do Instituto da Contagem Recíproca. Possibilidade. Princípio da Igualdade. Exigência de previsão expressa no texto do Acordo Internacional.

I - RELATÓRIO

1. Trata-se de consulta encaminhada pela Divisão de Acordos Internacionais da Assessoria de Assuntos Internacionais do MPAS a esta Consultoria Jurídica para pronunciar-se sobre a possibilidade de utilização do instituto da contagem recíproca de tempo de contribuição na hipótese de concessão de benefício por totalização, no âmbito dos acordos internacionais que a República Federativa do Brasil celebra com os demais Países.

2. A situação fática a ser disciplinada pode ser ilustrada da seguinte forma: uma pessoa foi segurada do RGPS por determinado tempo, em seguida, desvinculou-se deste regime e passou a contribuir para Regime Próprio de Previdência (Federal, Estadual ou Municipal) na qualidade de servidor público, posteriormente, desfiliou-se também deste regime e foi trabalhar em outro País com o qual a República Federativa do Brasil mantém acordo internacional de previdência social, onde contribuía para o Regime Geral de Previdência alienígena na qualidade de segurado. Em razão do tempo de serviço e de contribuição realizados para diversos regimes de previdência, o segurado pretende se aposentar naquele País.

II - FUNDAMENTAÇÃO

3. Pois bem, a questão a ser analisada resume-se na seguinte indagação: o tempo de serviço ou de contribuição realizado quando o interessado era servidor público, portanto, vinculado a regime próprio de previdência social (Federal, Estadual ou Municipal), pode ser contado como se fosse do RGPS para fins de concessão de benefício por totalização em outro país?

4. O instituto da contagem recíproca consiste na possibilidade de transportar o tempo de contribuição efetuado no RGPS para o Regime Próprio de Previdência para fins de aposentadoria, ou vice-versa, observadas as compensações devidas e a reciprocidade entre os regimes. O referido instituto tem bases constitucionais, eis que encontra-se previsto no § 9º do art. 201 da Constituição Federal, o qual estabeleceu que:

"Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei."

5. As normas que estabelecem os critérios para a utilização da contagem recíproca então dispostas nos arts. 94 a 99 da Lei nº 8.213, de 1991 (Plano de Benefício da Previdência Social), bem como nos arts. 125 a 135 do Decreto nº 3.048, de 1999 (Regulamento da Previdência Social).

6. O fenômeno da concessão de benefício por totalização consiste na possibilidade de utilização do tempo de serviço efetuado em um País, aproveitando-o para obtenção de benefício previdenciário em outro País, sem perder a qualidade de segurado. A contagem por totalização somente ocorre quando prevista em Acordo Internacional e deve obedecer estritamente as regras estabelecidas entre os Países especificadas no texto do referido acordo.

7. A contagem recíproca e a concessão de benefício por totalização são regras de exceção, tendo em vista a natureza contributiva e compensatória dos regimes previdenciários brasileiros, pois, o segurado somente se socorre a estes institutos quando não preenche (ou não será possível preencher) os requisitos exigidos pelo regime previdenciário ao qual está vinculado para obtenção do benefício.

8. Deste modo, a utilização da contagem recíproca na concessão de benefício por totalização tem despertado dúvidas no meio previdenciário. Os que são favoráveis, sustentam que:

a) a contagem recíproca é uma regra que veio a complementar os direitos dos segurados dos diversos regimes previdenciários;

b) não haverá ônus para a Previdência Social Brasileira sobre o tempo de contribuição no País Acordante, uma vez que o cálculo do benefício por totalização é proporcional ao tempo contribuído no Brasil em função do tempo total e sua base de cálculo será a parcela do benefício a cargo do Brasil;

c) a não aplicação da contagem recíproca, que está prevista na legislação do RGPS, no âmbito dos Acordos Internacionais de Previdência Social, configuraria discriminação e tratamento desigual aos segurados apenas por estarem residindo em outro País, ferindo o princípio da igualdade.

9. Os argumentos utilizados contra a aplicação da contagem recíproca no âmbito dos acordos internacionais são os seguintes:

a) para utilização da contagem recíproca seria necessário a existência de Acordo Internacional de Serviço Público;

b) o RGPS não poderia se responsabilizar, perante o país acordante, por um tempo considerado na certidão emitida por regime próprio de previdência social;

c) não há reciprocidade entre os regimes de previdência social do país acordante, o que impossibilita que o Brasil recepcione o tempo de contribuição para regime próprio de previdência social do referido país.

10. Pela simples confrontação dos argumentos supracitados, percebemos que a tese em favor da aplicação da contagem recíproca para concessão de benefício por totalização no âmbito dos acordos internacionais é mais sólida. Vejamos o porquê.

11. Para que seja possível a aplicação do instituto da contagem recíproca na concessão de benefício por totalização não há necessidade da existência de Acordo Internacional de Serviço Público, basta apenas que conste expressamente no texto do Acordo Internacional regra autorizando sua aplicação, tendo em vista que a legislação que os institui apenas complementa os direitos já assegurados por outras leis.

12. Quanto à alegação de que o RGPS não poderia se responsabilizar, perante o país acordante, pelo tempo em que o segurado estava vinculado a outro regime de previdência, temos as seguintes considerações a fazer. Aplicando-se a contagem recíproca, o referido tempo seria convertido para o RGPS mediante indenização ou compensação do regime próprio de previdência, conforme determina a lei, sem qualquer prejuízo para o RGPS, eis que se o segurado tivesse contribuído para este regime o tempo seria contado da mesma forma. A compensação existe justamente para produzir este efeito.

13. O argumento de que a inexistência de reciprocidade entre os regimes de previdência social do país acordante impossibilita que o Brasil recepcione o tempo de contribuição para regime próprio de previdência social do referido país não tem fundamento, tendo em vista que a questão da reciprocidade de regimes é solucionada interna corpus, ou seja, é regida pela legislação de cada país. Em nada prejudica os brasileiros a ausência de dispositivo legal estrangeiro que disponha sobre a reciprocidade de regimes do país acordante. Por outro lado, não existindo norma permitindo a reciprocidade entre os regimes de previdência do país acordante, nem mesmo aquele País poderá contar o tempo de serviço público no seu regime geral de previdência, conseqüentemente, também não será contado no Brasil.

14. Outrossim, os Acordos Internacionais de Previdência têm a finalidade de amparar os brasileiros que se encontram em outros países, estendendo-lhes os mesmos direitos concedidos aos brasileiros residentes no Brasil, em face do princípio da igualdade.

15. Portanto, para que seja possível a aplicação do instituto da contagem recíproca na concessão de benefício por totalização, basta apenas autorização no texto do acordo internacional celebrado pelo Brasil com os demais países.

16. Para exemplificar, vejamos o que dispõe o Protocolo Adicional (de 1974) ao Acordo de Migração entre Brasil e Itália (de 1960):

ARTIGO 1

1. O presente Protocolo Adicional aplicar-se-á:

I - na República Italiana, às normas concernentes:

a) ao regime geral sobre Previdência Social referente aos seguros de invalidez, velhice e morte;

b) ao regime de acidentes do trabalho e doenças profissionais;

c) ao regime referente ao seguro de doenças e maternidade;

d) ao regime de seguro contra tuberculose;

e) aos regimes especiais de previdência estabelecidos para certas categorias de trabalhadores, na parte em que respeitem aos riscos ou prestações cobertos pelos regimes enumerados nas alíneas precedentes.

II - na República Federativa do Brasil, ao regime de Previdência Social do Instituto Nacional de Previdência Social, no que disse respeito a:

a) assistência médica, incapacidade de trabalho temporária e permanente, acidentes de trabalho e doenças profissionais;

b) velhice;

c) invalidez;

d) morte.

ARTIGO 7

1. O trabalhador brasileiro ou italiano, que haja cumprido períodos de seguro sob a égide das legislações de ambos os Estados Contratantes, terá esses períodos totalizados para a concessão das prestações decorrentes de invalidez, velhice e morte.

2. Quando, nos termos das legislações dos Estados Contratantes, o direito a uma prestação depender dos períodos de seguro cumpridos em uma profissão regulada por um regime especial de Previdência Social, somente serão totalizados, para a concessão das referidas prestações, os períodos cumpridos na mesma profissão em um e outro Estado. Quando em um Estado Contratante não existir regime especial de Previdência Social para a referida profissão, só serão considerados, para a concessão das mencionadas prestações no outro Estado, os períodos em que a profissão tenha sido exercida no primeiro Estado sob o regime de Previdência Social nele Vigente. Se, todavia, o trabalhador não obtiver o direito às prestações do regime especial, os períodos cumpridos nesse regime serão considerados como se tivessem sido cumpridos no regime geral. (o destaque é nosso)

17. Deste modo, constata-se que o texto supracitado autoriza o interessado a utilizar-se do período em que ele esteve vinculado a regime especial de previdência, desde que não obtenha o direito às prestações do regime especial, ou seja, do Regime Próprio de Previdência. Por conseguinte, os períodos cumpridos nesse regime deverão ser considerados como se tivessem sido cumpridos no regime geral, conforme previsão constante do Protocolo Adicional supracitado.

18. Outrossim, para corroborar a assertiva exposta no parágrafo anterior, vejamos o que dispõe o Artigo 2 do Protocolo Adicional supracitado:

As legislações que prevêem os direitos enumerados no Artigo 1, vigentes respectivamente no Brasil e na Itália, aplicar-se-ão igualmente aos trabalhadores brasileiros na Itália e aos trabalhadores italianos no Brasil, os quais terão os mesmos direitos e as mesmas obrigações que os nacionais do Estado Contratante em cujo território se encontrem.

19. Diante de tal dispositivo, entende-se que todas as normas legais que regulamentam a concessão de benefício previdenciário são aplicáveis aos trabalhadores brasileiros residentes e em atividade na Itália, dentre as quais, a que prevê a aposentadoria por tempo de contribuição, tendo em vista que não houve nenhuma ressalva no texto do referido Acordo Internacional.

20. Por outro lado, não se pode esquecer que o acordo internacional celebrado pela República Federativa do Brasil com outro País, uma vez atestada sua aprovação pelo Congresso Nacional com a publicação do Decreto Legislativo e efetivada sua promulgação por meio de Decreto do Poder Executivo, incorpora-se ao sistema jurídico brasileiro com status de lei ordinária.

21. Importante ressaltar que, quando da concessão do benefício ao segurado, valendo-se da conversão do tempo de serviço ou contribuição do regime próprio para o Regime Geral de Previdência Social, por meio da contagem recíproca, deverá ser observado o sistema de compensação financeira entre os referidos regimes instituído pela Lei nº 9.796, de 5 de maio de 1999.

III - CONCLUSÃO

22. Em face do exposto, a Consultoria Jurídica do MPAS entende que não existe impedimento legal para aplicação do instituto da contagem recíproca quando da concessão de benefício por totalização no âmbito dos acordos internacionais que o Brasil celebra com os demais países, sendo indispensável apenas previsão no texto do referido acordo.

Brasília, 8 de agosto de 2001.

IDERVÂNIO DA SILVA COSTA

Assistente Jurídico da AGU

De acordo.

Brasília, 10 de agosto de 2001.

CARLOS AUGUSTO VALENZA DINIZ

3º Coordenador da Consultoria Jurídica

Aprovo.

Brasília, 13 de agosto de 2001.

ANTÔNIO GLAUCIUS DE MORAIS

Consultor Jurídico

Aprovo. Publique-se.

ROBERTO BRANT