Parecer ADI nº 2.130-3 de 22/03/2000

Norma Federal - Publicado no DO em 11 out 2001

Parecer. ADI 2130-3/600. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Diferenças de Remunetação.

PARECER ADI Nº 2.130-3-600
MANIFESTAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.130-3/600
Requerente: Governador do Estado de Santa Catarina
Requerido: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Relator: Exmº Senhor Ministro Celso de Mello

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

O Advogado-Geral da União, em atendimento ao Despacho datado de 15 de março de 2000 (fl. 300 dos autos), vem oferecer manifestação acerca da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade bem como do pedido de intervenção processual formulado pela Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC, nos termos do art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868, de 10 novembro de 1999. Recebidos os autos em 17 de março corrente, oferece-se, no prazo de três dias previsto no § 1º do art. 10 da Lei nº 9.868, de 1999, a manifestação solicitada.

Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Excelentíssimo Senhor Governador do Estado de Santa Catarina contra decisão proferida, no Processo Administrativo nº 99.009334-4, pelo órgão Especial do Tribunal de Justiça local, em que se deferiu pedido formulado por eminentes Desembargadores nos seguintes termos: "Em consideração que pela certidão de fls. 61, a remuneração dos Deputados Estaduais, em Santa Catarina, compreende além do subsídio, vantagem pecuniária em espécie, de caráter permanente e incondicional, impondo-se a adequação remuneratória aos parâmetros legais, desde a vigência da Lei nº 9.411/94, o órgão Especial defere e determina que o Sr. Presidente do Tribunal de Justiça efetue o pagamento da citada diferença, na forma requerida pelos Desembargadores Orli de Ataíde Rodrigues e José Trindade dos Santos, a partir do mês de junho de 1999, estendendo-se os respectivos efeitos aos demais Magistrados do Estado, ativos e inativos, no percentual postulado de 10%, incidente sobre os respectivos vencimentos; observada a necessária compensação, respeitados o escalonamento previsto na Lei nº 6.741, de 18.12.1989 e a disponibilidade orçamentária, abstraídas as parcelas prescritas" (fl. 17). Informa o Requerente que somente o valor devido em decorrência da retroação do aumento a 04 de janeiro de 1994 corresponde a R$ 41.855.140,11 (quarenta e um milhões, oitocentos e cinqüenta e cinco mil, cento e quarenta reais e onze centavos). Segundo o Requerente, entendeu o Tribunal que a ajuda de custo percebida pelos Deputados Estaduais no início e no final de cada Sessão Legislativa - correspondente a uma remuneração mensal de R$ 6.000,00 (seis mil reais) - deveria ser considerada para estabelecer-se a remuneração dos magistrados.

Aduz ainda a Requerente que a decisão estaria fundada "no princípio da equivalência remuneratória, decorrente do art. 37, XI da Constituição Federal, na sua original redação" em razão da ausência de auto-aplicabilidade dos arts. 37, XI, e 39, IV, da Carta Magna - com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998. Do mesmo modo, a Lei Estadual nº 9.411, de 04 de janeiro de 1994, estaria a legitimar a decisão ao estabelecer como limite máximo de remuneração dos Desembargadores do Tribunal de Justiça "os valores percebidos em espécie a qualquer título pelos Deputados Estaduais" (art. 1º), acrescentando que, respeitado tal limite, os reajustes dos Desembargadores serão fixados pelo Poder Judiciário (art. 2º). Essa prerrogativa constituiria igualmente direito adquirido de "toda a magistratura", preexistente à Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e já "consolidado" na data de promulgação da referida Emenda. Por fim, a extensão da ajuda de custo a toda a magistratura seria decorrência dos imperativos da isonomia - reiterados, de resto, em expressa disposição da Lei Estadual nº 9.411/94.

Impugna o Requerente a referida decisão do órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina por suposta violação aos arts. 2º, 37, X, 96, II, b, e 169 da Constituição Federal, requerendo seja concedida medida cautelar para suspender a eficácia da decisão objeto de controle e, a final, julgada procedente a Ação. Juntaram-se aos autos as Informações da autoridade responsável pela edição do ato (fls. 232-243). Solicitou a Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC admissão, na forma do § 2º do art. 7º da Lei nº 9.868, de 1999 (fls. 255-270). Após haver sido reiterado pedido de concessão da cautelar pelo Estado de Santa Catarina (informando, às fls. 295-298, a edição de Resolução nº 01/00 do Tribunal de Justiça local por meio da qual se determinou o acréscimo ao vencimento básico dos Desembargadores da vantagem denominada Auxílio-Moradia deferida aos Deputados Estaduais), exarou-se o Despacho em que se determinou a presente manifestação.

I - Do Papel do Advogado-Geral da União nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade

De início, cumpre tecer breve consideração sobre o papel reservado ao Advogado-Geral da União nos processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade. Ressalte-se inicialmente que esse momento processual em que se solicitou a manifestação do Advogado-Geral da União não corresponde ao prazo para defesa do ato impugnado.

A competência prevista no § 3º do art. 103 da Constituição Federal é interpretada por este Egrégio Supremo Tribunal Federal no sentido de constituir um munus indisponível. Com efeito, assentou a Corte no julgamento da Questão de Ordem na ADIN nº 72/ES:

"Ação Direta de Inconstitucionalidade. Advogado-Geral da União: indeclinabilidade da defesa da lei ou ato normativo impugnado (Cf. art. 103, § 3º). Erigido curador da presunção da constitucionalidade da lei. ao Advogado-Geral da União, ou quem lhe faça às vezes, não cabe admitir a invalidez da norma impugnada, incumbindo-lhe sim, para satisfazer requisitos de validade do processo da ação direta, promover-lhe a defesa, veiculando os argumento de disponíveis." (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 131/958)

No mesmo sentido, o decidido na Questão de Ordem na ADIN nº 97/RO - que orientou as considerações tecidas no julgamento da ADINQO 72/ES (RTJ 131/959) - possui a seguinte enunciação:

"Não existe contradição entre o exercício da função normal do Advogado-Geral da União, fixada no caput do art. 131, da Carta Magna, e o da de defesa de norma ou ato inquinado, em tese, como inconstitucional, quando funciona como curador especial, por causa do princípio da presunção de sua constitucionalidade." (Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 131/470)

Entendimento semelhante viu-se reiterado nos julgamentos do Agravo Regimental na ADINMC nº 1254/RJ (Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.09.1997, p. 45530) e da ADINMC 1434/SP (Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22.11.1996, p. 45684).

Parece oportuno ressaltar, contudo, o necessário reconhecimento de uma redução teleológica no alcance da norma inserta no § 3º do art. 103 da Constituição Federal. Com efeito, o Advogado-Geral da União, na condição de órgão constitucional, ostenta um "dever de fidelidade à Constituição" e, por conseguinte, o exercício de seu munus orienta-se igualmente por esse dever fundamental. A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal Federal reconhece que, ao apreciar a constitucionalidade de determinada norma, a Corte assim procede em face de toda a Constituição. Dessarte, afigura-se legítima a pressuposição de que, uma vez examinada determinada tese jurídica, foram esgotados os argumentos relativos a sua legitimidade em face da integralidade do parâmetro de controle consubstanciado, pelo texto constitucional ("2. ..., pois, havendo, nesse processo objetivo, argüição de inconstitucionalidade, a Corte deve considerá-la sob todos os aspectos em face da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor. 3. É de se presumir, então, que no precedente, ao menos implicitamente, hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual argüição de inconstitucionalidade, inclusive os apresentados na inicial da presente Ação:" ADIN 1896/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 18.02.1999, p. 4). Do mesmo modo, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante - que, como sustentamos, são próprios à natureza e ao caráter bivalente do controle abstrato de normas (isto é, incorporando tanto as ações diretas de inconstitucionalidade como as ações declaratórias de constitucionalidade: vide, a respeito, MENDES, Gilmar Ferreira, A Ação Declaratória de Constitucionalidade: a inovação da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, in MARTINS & MENDES, Ação Declaratória de Constitucionalidade, São Paulo, Saraiva, 1994, pp. 51-106) - impedem até mesmo o Advogado-Geral da União de recalcitrar na vinculação aos "fundamentos determinantes" das decisões anteriores e na sua observância quando da repetição de hipóteses normativas semelhantes. Por igual, é também o princípio da isonomia que impõe a aplicação da mesma orientação normativa - ou dos fundamentos determinantes da decisão aptos a caracterizar o efeito vinculante - às hipóteses normativas semelhantes. Por fim (e esta é a razão decisiva em face das exigências da jurisprudência desse Pretório Excelso), a existência de decisão anterior sobre a matéria elide a presunção de constitucionalidade da qual seria curador o Advogado-Geral da União.

Nessa medida, sustentar a obrigatoriedade de defesa do ato impugnado em havendo decisão anterior da Suprema Corte cujos fundamentos determinantes indicam a ilegitimidade do ato impugnado implicaria admitir a existência de um "Advogado da Inconstitucionalidade". Essa anomalia institucional é rigorosamente incompatível com os imperativos, a natureza e os efeitos da decisão típica do controle abstrato de normas - contrariando, de resto, o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais (CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional & Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 1998, 2ª ed., p. 1097). Haver-se-ia, por conseguinte, de reduzir o alcance das exigências do § 3º do art. 103 da Constituição Federal para aquelas hipóteses em que inexiste prévia manifestação do Supremo Tribunal Federal acerca das questões fundamentais versadas no processo de controle abstrato de normas. Em havendo decisão da Corte Constitucional sobre a matéria, impõe-se ao Advogado-Geral da União, no cumprimento de seu dever de fidelidade à Constituição (como órgão constitucional que é), a adução de um ótimo de informações relativas à jurisprudência constitucional sobre a matéria e a atuação apta a viabilizar a máxima eficácia da ordem constitucional - e, em especial, a realização da missão da jurisdição constitucional.

Assim devem ser entendidas as considerações a seguir expostas.

II - Da Intervenção de Terceiros

Como sabido, o caput do art. 7º da Lei nº 9.868, de 1999, veda a intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. Ressalte-se que a jurisprudência desta Excelsa Corte revelava-se já restritiva a esse respeito (AGRADIN 1286/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.10.1995, p. 22132; AGRADIN 575/PI, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 01.07.1994, p. 17495; AGREADIN 29/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.03.1991, p. 2462; ADIN nº 1254/RJ, Rel. Min. Celso de Mello; ADIN 459/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17.08.1999, p. 20). Nada obstante, no julgamento do Agravo Regimental na ADIN 784/RS, admitiu-se forma mitigada de participação no processo de ação direta de inconstitucionalidade: "Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. Os despachos de mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteúdo decisório, não são passíveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504)" (Rel. Min. Celso de Mello, DJ 18.11.1994, p. 31392). Em verdade, vigente a Lei nº 9.868, de 1999, o § 2º do seu art. 7º determina que o "relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades". Acrescente-se, por fim, que, além de ampliar os elementos de cognição, uma tal medida coaduna-se com as exigências da doutrina constitucional contemporânea no sentido da abertura e da pluralidade hermenêutica no controle abstrato de normas (vide, a respeito, o breve, mas decisivo, estudo de Peter Häberle: Hermenêutica constitucional - A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para uma interpretação pluralista e "procedimental" da constituição, Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1997).

Parece evidente, na espécie dos autos, a relevância da matéria - o que, de resto, viu-se já reconhecido no Despacho do Eminente Relator que determinou a presente manifestação. A isso, acrescente-se ser igualmente inquestionável a representatividade, no que toca tanto à pertinência temática em relação aos fins institucionais da entidade quanto ao conhecimento técnico e factual da matéria sob exame, da Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC em se tratando de questão relativa à legitimidade de decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina que concede vantagem pecuniária ao Judiciário local. Atendidos se encontram, destarte, os requisitos autorizadores da participação da Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC na forma do § 2º do art. 7º, observando-se inexistir a necessidade de concessão de prazo para manifestação uma vez que suas razões já se encontram nos autos.

III - Da Admissibilidade da Ação Direta de Inconstitucionalidade

Ao contrário do que sugere a Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC, o ato impugnado na presente Ação é ato normativo. Com efeito, ostenta este ato os atributos da denominada lei em sentido material, isto é, cuida-se de norma dotada de um mínimo de generalidade e abstração - ainda que circunscrita aos magistrados catarinenses. A alegação de que a vigência de sua disciplina é transitória não afasta, todavia, seu caráter normativo. Do mesmo modo, como ressalta o Requerente, o ato impugnado regula matéria para a qual a Constituição exige lei em sentido formal - ou, ao menos, expressa autorização legal. De resto, a jurisprudência desta Corte é vasta no reconhecimento do caráter normativo de inúmeros atos congêneres àquele ora impugnado (ADINMC 695/DF, Rel. Min. Célio Borja, RTJ 141/419; ADIN 663/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 27.10.1995, p. 36330; ADIN 666/PE, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 152/444; ADIN 683/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 10.09.1993, p. 17742, RTJ 150/50; ADIN 727, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 04.11.1994, p. 29828; ADIN 684, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 25.04.1997, p. 15196; ADINMC 1652/MS, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 10.10.1997, p. 50884; ADINMC 1801/PE, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 22.05.1998, p. 2; ADINMC 1797/PE, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 05.06.1998, p. 2; ADIN 658/PE, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 15.03.1996, p. 7201). Por todas elas, transcreva-se parte da Ementa da ADINMC 1614/MG, verbis: "Para a ilustrada maioria, configura ato normativo autônomo, passível de ser atacado mediante ação direta de inconstitucionalidade, decisão de Tribunal prolatada em processo normativo, reconhecendo o direito dos servidores e juízes a certo reajuste de vencimentos, uma vez estendida a todo o quadro funcional" (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 27.03.1998, p. 2). Todas essas razões implicam reconhecer a natureza de ato normativo do objeto de controle da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Igualmente inquestionável revela-se a legitimidade ativa ad causam, impondo-se, destarte, seja conhecida a presente Ação.

IV - Do Mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade

No que toca ao mérito da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, entende o Requerente violados os arts. 2º (princípio da divisão de poderes), 37, X (reserva legal para fixação de subsídios), 96, II, b (iniciativa para Propositura ao Poder Legislativo de disciplina remuneratória de suas atividades) e 169 (previsão orçamentária e limite de gastos públicos) da Constituição Federal.

Nas Informações, sustenta-se que haveria lei específica - respaldada na Constituição Estadual - a estabelecer o denominado "princípio da equivalência" entre a remuneração dos parlamentares e dos magistrados estaduais bem como a autorizar a fixação da remuneração dos magistrados, em obediência ao referido "princípio da equivalência", pelo Próprio Poder Judiciário. A isso, acrescenta-se que a ajuda de custo devida aos parlamentares estaduais não possuiria caráter indenizatório, mas, antes e simplesmente, caráter remuneratório. Sustenta-se ainda ser incabível, na espécie dos autos, a invocação do art. 96, II, b, da Constituição Federal, pois não se cuidaria de "aumento ou fixação de vencimentos de Magistrados, mas apenas de decisão reconhecendo o direito, à luz de legislação que vigorou no Estado sobre a isonomia, entre os vencimentos dos membros do Tribunal de Justiça e o percebido, a qualquer título, pelos Deputados Estaduais" (fl. 241). Igualmente impertinente seria o art. 37, X, pois não se trataria de revisão geral de remuneração dos servidores públicos, "mas de decisão de pleito de caráter administrativo, à luz da legislação aplicável ao caso". Afastar-se-ia ainda a incidência do art. 169, invocando-se ser ele insuficiente para negar eficácia a direitos de servidores (citados os RREE 201.866, Rel. Min. Moreira Alves, e 201.449, Rel. Min. Sepúlveda Pertence) bem como indicando-se o caráter reflexo de violação formal da Lei de Diretrizes Orçamentárias e a inviabilidade de comprometer-se a validade de norma onerosa para os cofres públicos na inexistência de previsão orçamentária. As Informações protestam, por fim, pela denegação da liminar bem como pela improcedência da ação.

A Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC resume, após sustentar não se cuidar de ato normativo mas de ato administrativo destinado a vigência temporária e ao pagamento de atrasados (questão já examinada acima), a controvérsia aos seguintes pontos: "a) a verba parlamentar pleiteada, correspondente a dois subsídios anuais recebidos pelos Deputados Estaduais catarinenses, integra, ou não, a remuneração destes, para efeitos de isonomia em relação aos vencimentos dos Magistrados?; e b) respondida afirmativamente a indagação anterior, possuem os Magistrados catarinenses direito adquirido à percepção daquela verba, a ser-lhes paga a título de atrasados, embora não o tenham exercido antes da Emenda Constitucional nº 19/98?". A Associação dos Magistrados Catarinenses - AMC entende serem afirmativas as duas respostas e, assim, legítimo o ato impugnado. Sustenta, por fim, a ausência dos requisitos para a concessão da cautelar e a existência de direito adquirido em favor dos Magistrados catarinenses - tal como decidido na decisão ora objeto de controle de constitucionalidade.

A alegação de direito adquirido bem como aquela fundada no princípio de equivalência constituem, portanto, questões prejudiciais àqueloutra relativa ao caráter indenizatório ou remuneratório da ajuda de custo devida aos Srs. Deputados Estaduais. Em verdade, a liminar concedida pelo Ministro Nelson Jobim, Eminente Relator, neste Egrégio Supremo Tribunal Federal, da Ação Originária nº 6309/DF - embora não invocada em nenhuma peça anterior da presente Ação - tomou como pressuposto e razão de decidir a equivalência entre a remuneração de parlamentares e magistrados federais, determinada pela Lei nº 8.448, de 21 de julho de 1992, para indagar acerca do caráter indenizatório ou remuneratório do Auxílio-Moradia devido aos Deputados Federais. Parece legítimo supor, por conseguinte, cuidar-se da existência de um princípio de equivalência como pressuposto da indagação acerca da natureza da verba devida aos parlamentares e da viabilidade de sua extensão aos magistrados.

Com efeito, vigora para a concessão de acréscimos remuneratórios o princípio da legalidade. Tal afirmação viu-se reiterada à exaustão pela jurisprudência desta Excelsa Corte: "2. ... O que houve foi aumento de salários sem lei que o autorizasse. 3. Ação Direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a conseqüente ineficácia, desde a sua edição, das decisões do Tribunal que concederam o reajuste" (ADIN 727/PB, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 04.11.1994, p. 29828). Assim, exigir-se-iam circunstâncias normativas excepcionais para afastar-se essa regra geral e autorizar-se a concessão de vantagens por órgãos judiciários.

Com relação à reforma constitucional recentemente levada a efeito, assentou o Supremo Tribunal Federal na decisão administrativa de 24.06.1998, relativamente aos arts. 37, XI, e 39, § 4º da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998:

"(...) O Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa, presentes os Senhores Ministros Celso de Mello (Presidente), Moreira Alves, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Nelson Jobim, resolveu: 1) deliberado, por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que não são auto-aplicáveis as normas do art. 37, XI, e 39, § 4º, da Constituição, na redação que lhes deram os arts. 3º e 5º, respectivamente, da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, porque a fixação do subsídio mensal, em espécie, de Ministro do Supremo Tribunal Federal - que servirá de teto - nos termos do art. 48, XV, da Constituição, na redação do art. 7º da referida Emenda Constitucional nº 19, depende de lei formal, de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Em decorrência disso, o Tribunal não teve por auto-aplicável o art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98, por depender, a aplicabilidade dessa norma, da prévia fixação, por lei, nos termos acima indicados, do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Por qualificar-se, a definição do subsídio mensal, como matéria expressamente sujeita à reserva constitucional de lei em sentido formal, não assiste competência ao Supremo Tribunal Federal, para, mediante ato declaratório próprio, dispor sobre essa específica matéria. Deliberou-se, também, que, até que se edite a lei definidora do subsídio mensal a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os tetos estabelecidos para os Três Poderes da República no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior à que lhe foi dada pela EC 19/98, vale dizer: no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração paga a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União, o teto corresponderá à remuneração paga aos Membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá à remuneração paga, atualmente, a Ministros do Supremo Tribunal Federal. (...)."

Em sessão administrativa datada de 18 de agosto de 1992 (invocada na decisão concessiva de liminar na Ação Originária nº 630-9/DF), o Supremo Tribunal Federal decidiu: "... determinar seja computada, como parcela autônoma, na retribuição dos membros da Corte, o valor relativo a essa diferença (CR$ 10.476.525,47), para que se cumpra o preceito da equivalência de remuneração previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, e parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.448/92". É tal, pois o sentido da disposição contida no art. 37, XI, da Constituição Federal em sua redação original - a ser observada até que venha a ser editada a lei reclamada na decisão administrativa de 24.06.1998 acima transcrita. Assim, a equivalência deverá decorrer da integração do sentido normativo do inciso XI do art. 37 da Constituição Federal em sua redação original - até que se edite a lei reclamada para a plena eficácia do texto constitucional alterado - por meio do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.448, de 1992.

No que concerne ao princípio da equivalência, exige o Supremo Tribunal esteja ele consagrado em Lei estadual, a exemplo do que ocorre no âmbito federal, para que seja possível a concessão de acréscimos remuneratórios pelo próprio Tribunal - reiterando-se que a liminar concedida pelo STF na Ação Originária 630/DF, além de haver sido concedida em processo judicial e não administrativo, fundou-se em equivalência assentada na Lei nº 8.448, de 1992. Afirmou o Egrégio Supremo Tribunal Federal:

"Certamente com vistas à simplificação da complexa tarefa, o legislador, no âmbito federal, por meio da Lei nº 8.448, de 21.07.1992, ao regulamentar os arts. 37, XI e 39, § 1º, acima enfocados, estabeleceu que os valores percebidos pelos membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal serão sempre equivalentes (art. 1º, parágrafo único), autorizando, por esse modo, a dispensa de edição de lei, no que tange ao Poder Judiciário, para fim de majoração dos vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal, cada vez que for elevada a remuneração dos Ministros de Estado.
A partir da edição da referida norma, de caráter permanente, e justamente em face dela, considerou o Supremo Tribunal Federal dispensável a edição de leis especiais para fim de preservação do princípio da equivalência, sempre que estiver diante de elevação da remuneração dos Ministros de Estado e dos membros do Congresso Nacional, procedendo, para esse fim, por meio de ato administrativo.
A orientação do legislador federal, entretanto, não vincula os Estados, daí a necessidade de lei da mesma natureza, ditada pela respectiva Assembléia Legislativa, para que a equivalência de remuneração entre Secretário de Estado, Deputado Estadual e Desembargador, possa ser posta em prática, independentemente da exigência de legislação especial, autorizadora das majorações de vencimentos dos Desembargadores, sempre que se registrar elevação da remuneração de Secretários e Deputados Estaduais, ressalvados, obviamente, os casos de revisão geral da remuneração dos servidores públicos." (ADIN 1.097, Rel. Min. Ilmar Galvão, RTJ 160/133-134)

Tal circunstância deixa claro que, ainda que se entenda aplicável o princípio da equivalência após a edição da EC nº 19, de 1998, sua eficácia está a depender da existência, em Lei Estadual, de disposição expressa semelhante àquela constante, na esfera federal, do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.448, de 1992.

Na hipótese dos autos, inexiste norma estadual apta a autorizar a incidência do princípio da equivalência. De fato, o inciso II do art. 23 da Constituição do Estado de Santa Catarina, de 1989, continha norma semelhante àquela inserta no art. 37, XI, da Constituição Federal. O sentido dessa norma constitucional estadual era integrado por meio do inciso III do mesmo art. 23 da Constituição Estadual, verbis: "III - para a efetividade do disposto no inciso II, é assegurada isonomia entre o subsídio de Deputado Estadual e o vencimento de Desembargador e Secretário de Estado, na forma da lei". Tal inciso III do art. 23 da Constituição Estadual, contudo, viu-se revogado pela Emenda Constitucional Estadual nº 05, de 1993, suprimindo a referência à isonomia (e nesse ponto não há dissenso entre o Requerente, o Requerido e a AMC). Por fim, a Lei Estadual nº 9.411, de 04 de janeiro de 1994, invocada como o expresso suporte legal indispensável à legitimidade da decisão impugnada, determina:

"Art. 1º Fica estabelecido como limite máximo de remuneração dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, os valores percebidos em espécie a qualquer titulo pelos Deputados Estaduais.
Art. 2º Respeitada a disposição do artigo anterior, os reajustes dos Desembargadores serão fixados pelo Poder Judiciário.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, retroagindo seus efeitos a partir de 1º de setembro do corrente ano.
Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário."

Tal norma, à evidência, não institui o princípio da equivalência, de modo a consubstanciar a expressa autorização legal exigida pelo Supremo Tribunal Federal para autorizar-se concessão de vantagem por ato administrativo de Tribunal. Cuida-se tão-somente de norma relativa a limite remuneratório. Essa circunstância inviabiliza igualmente o reconhecimento de um direito adquirido decorrente da Lei Estadual nº 9.411, de 1994, pois tal Lei não ampara a pretensão, não determina a equivalência remuneratória e, conseqüentemente, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não autoriza o Tribunal Estadual a disciplinar a matéria por ato administrativo. Com efeito, a única norma estadual que estabelecia a equivalência foi deliberada e expressamente revogada já em 1993, por meio da Emenda Constitucional Estadual nº 05. Dito isso, é forçoso reconhecer que, pelo menos desde de 1993, inexiste equivalência remuneratória - para a qual exige o STF expressa determinação em lei estadual - entre magistrados e parlamentares em Santa Catarina e, conseqüentemente, carece o Tribunal da atribuição para conceder acréscimos remuneratórios nela fundados. De resto, a inocorrência da equivalência pretendida prejudica, como acima sugerido, o exame da natureza - remuneratória ou indenizatória - da ajuda de custo devida aos parlamentares estaduais.

Finalmente, afigura-se oportuno frisar que, ainda que se reconheça, nos termos da jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal, que a previsão orçamentária é mera condição de eficácia e não de validade de atos concessivos de vantagens ou acréscimos remuneratórios (vide, a respeito, ADINMC nº 1243/MT, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 27.10.1995, p. 36331, e ADINMC 484/PR, Rel. Min. Célio Borja, RTJ 137/1076), parece legítimo supor que o pagamento de valores atrasados sem previsão orçamentária - quer em momento anterior quer no momento presente - constitui prática vedada pelo art. 169 da Constituição Federal. Por fim, assevere-se que não se trata de opor o art. 169 à eficácia de direitos de servidores públicos, pois, na espécie dos autos, como acima demonstrado, inexistem tais direitos e carece de competência normativa o Tribunal Estadual para vir a concedê-los mediante ato administrativo - lembrando-se que o precedente federal consubstanciado na liminar concedida na Ação Originária 630 do STF, além de expressamente fundado em Lei federal cuja literalidade fixa a equivalência, constitui provimento judicial e não administrativo.

V - Conclusão

Tendo em vista as considerações acima (e a despeito da interpretação conferida por esta Corte ao § 3º do art. 103 da Constituição Federal), não se pode deixar de afirmar a aparente ilegitimidade do objeto de controle da presente Ação. O dever de fidelidade constitucional do Advogado-Geral da União obrigou-o a expor as razões de fato e de direito relativas ao mérito da presente Ação - em particular aquelas decorrentes da jurisprudência, para todos vinculante, desse Egrégio Supremo Tribunal Federal no controle abstrato de normas. Assevere-se que, dados a relevância da matéria (já reconhecida, como dito, no Despacho de fl. 300) e das teses jurídicas implicadas na impugnação (como acima exposto), a repercussão financeira da decisão para o Estado, o caráter unissubsistente dos atos de pagamento dos valores pretendidos e o fato de que a possível irreversibilidade seria configurada mais intensamente em desfavor do Erário, a concessão da cautelar pleiteada - caso assim decida esse Egrégio Supremo Tribunal Federal - haveria de ser dotada de efeito ex tunc. Em verdade, seria essa a única medida apta a impedir a consumação - ainda que parcial - de eventual lesão ao Erário decorrente da alegada violação da ordem constitucional. A possibilidade de concessão de efeito ex tunc em medida cautelar, além de expressamente prevista no § 1º do art. 11 da Lei nº 9.868, de 1999, viu-se reconhecida em inúmeras decisões, em hipóteses em tudo similares, deste Pretório Excelso (vide, entre outras, ADINMC 1652/MS, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 10.10.1997, p. 50884; ADINMC 1797/PE, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 05.06.1998, p. 2). Eram essas, Senhor Relator, as considerações que julguei cabíveis em atendimento ao Despacho de fl. 300 e cuja juntada aos autos ora se requer.

Brasília, 22 de março de 2000.

GILMAR FERREIRA MENDES

Advogado-Geral da União