Lei nº 19450 DE 05/09/2025

Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 09 set 2025

Dispõe sobre os princípios e as diretrizes para o uso da inteligência artificial no âmbito da Administração Pública Estadual.

O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Ficam estabelecidos princípios e diretrizes para o uso responsável da inteligência artificial no âmbito da Administração Pública estadual, com o objetivo de impulsionar o processo de inovação e resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Parágrafo único. Os órgãos e entidades do Estado de Santa Catarina, vinculados à Administração Direta ou Indireta, deverão observar as disposições desta Lei.

Art. 2º Para os fins dispostos nesta Lei, consideram-se as seguintes definições:

I – sistema de inteligência artificial: sistema baseado em processo computacional que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos pelo ser humano, fazer previsões, recomendações ou tomar decisões que influenciam ambientes reais ou virtuais;

II – inteligência artificial generativa: sistema computacional inteligente com a capacidade de gerar conteúdos novos, tais como textos, imagens, vídeos, áudios, códigos ou dados sintéticos;

III – algoritmo: sequência finita de instruções executadas por um programa de computador, com o objetivo de processar informações para um fim específico;

IV – discriminação: qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos ou liberdades previstos no ordenamento jurídico, em razão de características pessoais como origem geográfica, raça, cor ou etnia, gênero, orientação sexual, classe socioeconômica, idade, deficiência, religião ou opiniões políticas;

V – discriminação indireta: discriminação que ocorre quando normativa, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar desvantagem para pessoas pertencentes a um grupo específico ou colocá-las em desvantagem, a menos que essa normativa, prática ou critério tenha algum objetivo ou justificativa razoável e legítima, à luz do direito à igualdade e dos demais direitos fundamentais;

VI – dado pessoal: informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável; e

VII – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou à organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural identificada ou identificável.

Art. 3º Na interpretação desta Lei, serão levados em conta, além dos fundamentos, objetivos e princípios previstos, a relevância da inteligência artificial para a inovação, o aumento da competitividade, o crescimento econômico sustentável e inclusivo e a promoção do desenvolvimento humano e social, sempre com vistas à possibilidade de expansão do uso de sistemas de inteligência artificial para promover a desburocratização e a simplificação de processos de registros ou autorizações para uso.

Art. 4º O desenvolvimento, a implementação e o uso de sistemas de inteligência artificial pelo Estado observarão parâmetros éticos adequados e os seguintes princípios:

I – crescimento inclusivo, desenvolvimento sustentável e bem-estar;

II – autodeterminação e liberdade de decisão e de escolha;

III – participação humana no ciclo da inteligência artificial e supervisão humana efetiva;

IV – não discriminação;

V – justiça, equidade e inclusão;

VI – transparência, explicabilidade, inteligibilidade e auditabilidade;

VII – confiabilidade e robustez dos sistemas de inteligência artificial e segurança da informação;

VIII – devido processo legal, contestabilidade e contraditório;

IX – rastreabilidade das decisões durante o ciclo de vida de sistemas de inteligência artificial como meio de prestação de contas e atribuição de responsabilidades a uma pessoa natural ou jurídica;

X – prestação de contas, responsabilização e reparação integral de danos;

XI – prevenção, precaução e mitigação de riscos sistêmicos derivados de usos intencionais ou não intencionais e de efeitos não previstos de sistemas de inteligência artificial;

XII – não maleficência e proporcionalidade entre os métodos empregados e o direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial;

XIII – proteção de dados, nos termos da Lei federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)).

Art. 5º As pessoas afetadas por sistemas de inteligência artificial têm os seguintes direitos, a serem exercidos na forma e nas condições descritas nesta Lei:

I – direito à informação prévia quanto às suas interações com sistemas de inteligência artificial;

II – direito à explicação sobre a decisão, a recomendação ou a previsão tomada por sistemas de inteligência artificial;

III – direito de contestar decisões ou previsões de sistemas de inteligência artificial que produzam efeitos jurídicos ou que impactem de maneira significativa os interesses do afetado;

IV – direito à determinação e à participação humana em decisões de sistemas de inteligência artificial, levando-se em conta o contexto e o desenvolvimento tecnológico;

V – direito à não discriminação e à correção de vieses discriminatórios diretos, indiretos, ilegais ou abusivos; e

VI – direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, nos termos da legislação pertinente.

§ 1º Fica assegurado o direito de correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados utilizados por sistemas de inteligência artificial, assim como o direito de solicitar a anonimização, o bloqueio ou a eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com a legislação, nos termos do art. 18 da Lei federal nº 13.709, de 2018, e da legislação pertinente.

§ 2º O direito à contestação previsto no inciso III deste artigo abrange também decisões, recomendações ou previsões amparadas em inferências discriminatórias, irrazoáveis ou que atentem contra a boa-fé objetiva, assim compreendidas as inferências que:

I – sejam fundadas em dados inadequados ou abusivos para as finalidades do tratamento;

II – sejam baseadas em métodos imprecisos ou estatisticamente não confiáveis; ou

III – não considerem, de forma adequada, a individualidade e as características pessoais dos indivíduos.

Art. 6º Constituem diretrizes para a atuação do Estado em relação ao uso da inteligência artificial:

I – promover e incentivar investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento de inteligência artificial;

II – promover um ambiente favorável à implantação dos sistemas de inteligência artificial, com a revisão e a adaptação das estruturas políticas e legislativas necessárias à adoção de novas tecnologias;

III – promover a interoperabilidade tecnológica dos sistemas de inteligência artificial, de forma a permitir o intercâmbio de informações e a celeridade de procedimentos;

IV – adotar preferencialmente tecnologias, padrões e formatos abertos e livres, no setor público e no privado;

V – capacitar e preparar recursos humanos para a reestruturação do mercado de trabalho, à medida que a inteligência artificial for implantada; e

VI – estabelecer mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do Governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica.

Art. 7º O Poder Público facilitará a adoção de sistemas de inteligência artificial na Administração Pública e na prestação de serviços públicos, visando à eficiência e à redução dos custos.

§ 1º É dever do Estado promover a gestão estratégica e emitir orientações quanto ao uso transparente e ético de sistemas de inteligência artificial no setor público.

§ 2º A Administração deverá realizar avaliações periódicas dos sistemas de inteligência artificial em operação, verificando sua eficácia, eficiência e conformidade com as diretrizes estabelecidas nesta Lei.

Art. 8º O Poder Executivo poderá autorizar o funcionamento de ambiente regulatório experimental para inovação em inteligência artificial, para as entidades que o requererem e preencherem os requisitos especificados em regulamento.

Art. 9º As normas previstas nesta Lei não excluem a aplicação de outras integrantes do ordenamento jurídico pátrio, inclusive por incorporação de tratado ou convenção internacional de que a República Federativa do Brasil seja parte.

Art. 10. Para fins desta Lei, no que se refere às tecnologias que utilizam inteligência artificial, poderão ser estabelecidas diretrizes e critérios técnicos e tecnológicos em regulamentação específica e/ou por meio de decreto, com o objetivo de assegurar seu uso ético e responsável, bem como a conformidade com as legislações nacionais aplicáveis.

Art. 11. O disposto nesta Lei não incide sobre o desenvolvimento, uso ou aplicação dos sistemas de inteligência artificial pela iniciativa privada ou pessoas naturais.

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Florianópolis, 5 de setembro de 2025.

JORGINHO MELLO

Clarikennedy Nunes

Edgard Novuchy Pereira Usuy