Lei nº 19061 DE 17/05/2023

Norma Municipal - Recife - PE - Publicado no DOM em 18 mai 2023

Institui o "Protocolo Violeta", com o objetivo de prevenir e combater a violência e a importunação sexual nos estabelecimentos especificados.

A Prefeita da Cidade do Recife:

Faço saber que a Câmara Municipal do Recife decreta e eu sanciono a seguinte Lei.

Art. 1º Fica instituído o "Protocolo Violeta", com o objetivo de prevenir e combater a violência e a importunação sexual, bem como o de promover o acolhimento da pessoa em situação de violência, no município do Recife.

Parágrafo único. Deverão adequar-se ao disposto nesta Lei os seguintes estabelecimentos:

I - bares;

II - restaurantes;

III - hotéis;

IV - motéis;

V - casas noturnas; e

VI - academias de ginástica.

Art. 2º Para fins desta Lei, compreendem-se por:

I - violência sexual: qualquer conduta que constranja a pessoa a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, conforme a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006; e

II - importunação sexual: prática contra alguém e sem a sua anuência de ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, conforme a Lei Federal nº 13.718, de 24 de setembro de 2018.

Art. 3º São princípios regentes do "Protocolo Violeta":

I - a atenção à pessoa em situação de violência;

II - o respeito às decisões da pessoa em situação de violência;

III - a repreensão à atitude do agressor e o distanciamento da pessoa em situação de violência; e

IV - a garantia da privacidade e da presunção de inocência da pessoa em situação de violência.

Art. 4º Para o cumprimento do "Protocolo Violeta", os estabelecimentos devem adotar ações de acordo com os seguintes eixos:

I - ações de prevenção e capacitação:

a) afixar cartazes informando que o estabelecimento adere ao "Protocolo Violeta" e divulgando formas de pedir ajuda e denunciar a violência, com dimensões mínimas de 0,29m x 0,42m (vinte e nove centímetros por quarenta e dois centímetros);

b) promover formação destinada aos funcionários do estabelecimento para saber como proceder em casos de violência e importunação sexual; e

c) promover formação destinada aos funcionários do estabelecimento para a igualdade de gênero e o respeito à diversidade;

II - ações de acolhimento à pessoa em situação de violência:

a) assumir como verdadeiro o relato da pessoa em situação de violência;

b) direcionar a pessoa em situação de violência para local reservado e seguro;

c) manter em sigilo a identidade da pessoa em situação de violência;

d) garantir distanciamento entre a pessoa em situação de violência e a(s) pessoa(s) indicada(s) como agressor(as), removendo-a(s) do estabelecimento caso necessário; e

e) sugerir as seguintes medidas a serem avaliadas pela pessoa em situação de violência:

1. encaminhamento a serviço de saúde especializado em violência sexual; e

2. acionamento da autoridade policial;

f) buscar a identificação de:

1. pessoa(s) indicada(s) como agressor(as); e

2. testemunhas.

III - ações após o acolhimento à pessoa em situação de violência:

a) garantir que todo o registro de vídeos captados por câmeras de segurança, em estabelecimentos que possuam sistema de videomonitoramento, seja armazenado pelo prazo mínimo de 180 (cento e oitenta) dias após a ocorrência do caso; e

b) caso a pessoa em situação de violência seja uma mulher, notificar a ocorrência do caso à Rede de Atenção à Mulher em Situação de Violência.

Parágrafo único. Na implementação das ações especificadas neste artigo, deve-se dar atenção redobrada a casos em que há um agravo da violência pela situação de vulnerabilidade da vítima relacionada a:

I - identidade de gênero;

II - orientação sexual;

III - raça;

IV - deficiência física, mental, intelectual ou sensorial; e

V - efeito de álcool ou outras substâncias.

Art. 5º O Poder Público Municipal deverá:

I - regulamentar o "Protocolo Violeta";

II - (VETADO)

III - (VETADO)

IV - fiscalizar o cumprimento do "Protocolo Violeta".

Art. 6º O descumprimento do Protocolo estabelecido nesta Lei sujeita os estabelecimentos infratores ao pagamento de multa nos seguintes valores:

I - R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento das ações de prevenção e capacitação especificadas no inciso I do art. 4º; e

II - R$ 10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento das ações especificadas nos incisos II e III do art. 4º, durante e após o acolhimento à pessoa em situação de violência.

Parágrafo único. O valor proveniente do pagamento das multas será revertido para o Fundo Municipal de Política para a Mulher (FMPM), conforme a Lei Municipal nº 18.690, de 16 de março de 2020.

Art. 7º Os estabelecimentos elencados no art. 1º deverão adequar-se ao disposto nesta Lei no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após sua publicação oficial.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Recife, 17, de maio de 2023; 486 anos da fundação do Recife, 206 anos da Revolução Republicana Constitucionalista de 1817 e 200 anos da Independência do Brasil.

ISABELLA MENEZES DE ROLDÃO FIORENZANO

Prefeita do Recife (Em exercício)

ESTA LEI FOI ORIGINADA PELO SUBSTITUTIVO Nº 01/2023, DE AUTORIA DAS VEREDORAS ANDREZA ROMERO E CIDA PEDROSA, AO PROJETO DE LEI Nº 106/2021, DE AUTORIA DA VEREADORA ANDREZA ROMERO

Ofício nº 032 GP/SEGOV

Recife, 17 de maio de 2023.

Excelentíssimo Senhor

VEREADOR HÉLIO GUABIRABA

Presidente da Câmara Municipal do Recife (Em exercício)

Senhor Presidente,

Cumprimentando Vossa Excelência e usando da prerrogativa que me é conferida pelo Art. 54, inciso V, da Lei Orgânica, venho comunicar ter decidido VETAR PARCIALMENTE, por razões de constitucionalidade, o Substitutivo nº 01/2023 do Projeto de Lei nº 106/2021, que institui o "Protocolo Violeta", com o objetivo de prevenir e combater a violência e a importunação sexual nos estabelecimentos especificados.

É de se elogiar a preocupação e cuidados do Parlamentar ao propor projeto de lei que tem por objetivo, nos termos da sua justificativa, constitui mais uma ferramenta para tentar coibir a violência que as mulheres sofrem em estabelecimentos como bares, restaurantes, casas noturnas, casas de eventos e afins.

Indiscutivelmente, a iniciativa se enquadra no conceito de matéria de interesse local, sendo, portanto, de competência legislativa municipal.

Contudo, em que pese a importância e relevância do tema para o Recife, o artigo 5º, II e III, do Substitutivo nº 01/2023 ao projeto de lei em análise invade campo de regulamentação reservado exclusivamente ao Poder Executivo (Princípio da Reserva da Administração).

Com efeito, iniciativas de lei que visem não só fixar atribuições a órgãos da administração pública, como também dispor sobre sua organização e funcionamento, são de competência exclusiva do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, "e" e art. 84, II e VI, "a" todos da Constituição Federal , aplicáveis aos municípios, por simetria:

"Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

II - disponham sobre:

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

VI - dispor, mediante decreto, sobre

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;"

Da forma como se encontra a redação do artigo 5º, II e III, do Substitutivo nº 01/2023 da iniciativa parlamentar, haveria a criação de uma série de obrigações, totalmente gerenciadas pelo Poder Executivo, em manifesta afronta aos dispositivos acima transcritos.

Vejamos o Parecer nº 635/2023 da Procuradoria Geral do Município, cujos fundamentos utilizo também fundamentar a presente exposição:

"(.....)

Preliminarmente, impende observar que, a despeito de não se referir expressamente ao Poder Executivo, o Projeto de lei em questão intenta fixar atribuições para os órgãos da Administração Pública. E, no caso dos autos, verifica-se incorrerem no referido óbice os incisos II e III do citado art. 5º, que determinam ao Poder Público, respectivamente, o desenvolvimento de cartilha e o fornecimento de cursos de formação nos termos que especificam. Assim, enquanto as atribuições citadas nos incisos I e IV do citado artigo decorrem das competências constitucionais do Poder Executivo, aquelas citadas nos incisos II e III incorrem em óbices de natureza constitucional intransponível, nos termos acima demonstrados.

Com efeito, embora não se vislumbrem óbices formais ou materiais no que tange à instituição do mencionado "Protocolo Violeta", por projeto de lei de iniciativa parlamentar, medida aplicável a estabelecimentos privados e com vistas à prevenção e repressão de situações de violência sexual e importunação sexual, tem-se por inviável a especificação, em preposições dessa natureza, de obrigações a serem implementadas pelo Poder Executivo. A inconstitucionalidade de medidas desse jaez, advindas da iniciativa do Poder Legislativo, é absolutamente patente, ofensiva ao princípio da separação de Poderes (art. 2º, CF) e à autonomia administrativa conferida ao Executivo pelo art. 84, VI, "a" e seus consectários no campo do processo legislativo."

Diante disso, pelas razões expostas, não há outra alternativa, senão a prerrogativa ao Veto Parcial incidente sobre o artigo 5º, II e III do Substitutivo nº 01/2023 do projeto de lei em tela, o qual, contudo, será objeto de análise pela Secretaria competente, a fim de que a matéria possa ser regulamentada por ato adequado, de iniciativa do Executivo, tendo em vista a sua inegável conveniência para os interesses da cidade.

Na certeza da compreensão do acima exposto, renovo a Vossa Excelência, votos de elevada estima e consideração a essa Casa Legislativa.

Atenciosamente,

ISABELLA MENEZES DE ROLDÃO FIORENZANO

Prefeita do Recife (Em exercício)