Lei nº 1904 DE 19/06/2015

Norma Estadual - Amapá - Publicado no DOE em 19 jun 2015

Dispõe sobre atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.

O Governador do Estado do Amapá,

Faço saber que a Assembleia Legislativa do Estado do Amapá aprovou e eu, nos termos do art. 107 da Constituição Estadual, sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso aos serviços de assistência social.

Art. 2º Considera-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida.

Art. 3º O atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede do SUS, compreende os seguintes serviços;

I - diagnóstico e treinamento das lesões físicas no aparelho genital e nas demais áreas afetadas;

II - amparo médico, psicológico e social imediatos;

III - facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual;

IV - VETADO;

V - profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST;

VI - coleta de material para realização do exame de HIV para posterior acompanhamento e terapia;

VII - fornecimento de informações às vítimas sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis.

§ 1º Os serviços de que trata esta Lei são prestados de forma gratuita aos que deles necessitam.

§ 2º No tratamento das lesões, caberá ao médico preservar materiais que possam ser coletados no exame médico legal.

§ 3º Cabe ao órgão de medicina legal o exame de DNA para identificação do agressor.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor após decorridos 90 (noventa) dias de sua publicação.

Macapá, 19 de junho de 2015

ANTÔNIO WALDEZ GÓES DA SILVA

Governador

MENSAGEM Nº 026/15-GEA VETO PARCIAL AO PROJETO DE LEI Nº 0015/2015-AL

Senhor Presidente:

Tenho a elevada honra de dirigir-me a Vossa Excelência e aos demais Deputados que integram essa Casa Legislativa e comunicar que, na conformidade do disposto nos §§ 1º e 2º, do Art. 107, da Constituição do Estado do Amapá, vetei parcialmente o Projeto de Lei nº 0015/2015-AL, de autoria da Deputada Cristina Almeida, que dispõe sobre atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.

RAZÕES DO VETO:

Em resumo, o projeto, de autoria parlamentar, cuida da lei que cria regime obrigatório para atendimento de vítimas de violência sexual na rede pública estadual de saúde.

O projeto em análise encontra amparo nos preceitos da Constituição do Estado do Amapá e da Constituição Federal.

O artigo 24, inciso XII, da Carta Magna, estatuiu que, compete à União, aos Estados, e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

XII - previdência social proteção e defesa da saúde;

O projeto em que pese o relevante benefício que trará à sociedade não contém diretrizes necessárias para o alcance da norma.

É de se ressaltar que a norma para alcançar o fim que se busca deve primar pelo alcance certo e determinado, a não trazer lacunas, interpretações díspares e acabar por induzir a erro o destinatário da norma.

Nesse sentido, como tal projeto de lei não é novidade e já é lei na esfera federal, por meio da Lei nº 12.845 de 1º de agosto de 2013, há de se observar as diretrizes que devem constar no projeto de lei.

É sabido que as consequências da violência sexual são desastrosas. Basta observar o dia-a-dia dos atendimentos de urgência, que ocupa equipes inteiras de médicos, enfermeiros, auxiliares e gasto com materiais, medicamentos e hospedagem, para atender vítimas. Pode-se observar também o atendimento policial, nas delegacias de plantão. Lance-se ainda um olhar no atendimento do Poder Judiciário, onde juízes, promotores, escrivães, assistentes sociais e muitos outros ocupam-se de problemas decorrentes dos crimes resultantes dessas violências.

A Organização Mundial da Saúde (2002) considera violência contra a mulher qualquer ato que cause ou tenha alta probabilidade de causar dano físico, sexual, mental ou sofrimento, incluindo as ameaças desses atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, independentemente de se ocorrida na vida pública ou privada. A violência sexual se caracteriza por qualquer contato sexual não consentido, tentado ou consumado ou qualquer ato contra a sexualidade de uma pessoa com o uso de coerção, perpetrado por qualquer pessoa em qualquer ambiente. Inclui o estupro mediante intimidação por força física ou não, para fins de penetração da vagina ou do ânus com o pênis, outra parte corporal ou objeto.

O Ministério da Saúde (2011) reconhece a violência sexual como questão de saúde pública e aponta que uma em cada quatro mulheres no mundo e vítima de violência de gênero com perda de um ano de vida potencialmente saudável a cada cinco anos. No Brasil, 70% dos crimes contra a mulher acontecem no ambiente doméstico e são praticados, na sua maioria, pelos parceiros íntimos.

No Brasil, o Ministério da Saúde (2011) delineia os impactos que a violência sexual acarreta para as vítimas. Entre as principais consequências estão lesões físicas, gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e o impacto psicológico. Também são citados os danos à saúde mental, como ansiedade, depressão e suicídio. Mattar et al. (2007) acrescentam outros aspectos, como sentimentos de medo da morte, sensação de solidão, vergonha e culpa. Na mesma direção, Drezett (2000) relata que podem ocorrer transtornos da sexualidade, incluindo vaginismo, dispareunia, diminuição da lubrificação vaginal e perda do orgasmo, que podem evoluir para a completa aversão ao sexo.

A violência sexual pode gerar outras consequências, conforme ressaltado por Mattar et al. (2007), como problemas familiares e sociais, abandono dos estudos, perda do emprego, separação conjugal, abandono da casa e prostituição, como parte dos problemas psicossociais relacionados a essa dinâmica.

A situação de violência sexual pode envolver agressão, ameaças, intimidação psicológica, ferimentos e invasão do corpo e acarretar provável trauma psicológico.

Mulheres que sofrem violência sexual apresentam índices mais severos de transtornos e consequências psicológicas, como TEPT, depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios sexuais e distúrbios do humor. Outras variáveis podem ser agregadas, como maior consumo ou abuso de álcool e de drogas, problemas de saúde, redução da qualidade de vida e comprometimento do sentimento de satisfação com a vida, o corpo, a vida sexual e os relacionamentos interpessoais. Existe significativa associação entre violência sexual e altos índices do TEPT, com sintomas que incluem dissociação, congelamento e hipervigilância e podem permanecer por muito tempo.

A par dessas considerações, denotou-se que o inciso IV do artigo 3º do Projeto de Lei dispôs que o atendimento imediato, obrigatório em todos os hospitais integrantes da rede SUS compreende os seguintes serviços:

.....

IV - profilaxia da gravidez

Nesse sentido, de melhor exegese que seja suprimida a expressão "profilaxia da gravidez", visto que o dispositivo cabeça e seus demais incisos contemplam o caráter obrigatório dos procedimentos em todos os hospitais da rede do SUS, ferindo o princípio constitucional da ''objeção de consciência" inscrito na Carta Magna (art. 5º, VIII), vez que o referido inciso, em outras palavras, determina a·prescrição médica da "pílula do dia seguinte" a mulheres vítimas de violência sexual.

É de conhecimento público, laico e médico, que este medicamento, quando ingerido após a fecundação, evento que pode ocorrer poucas horas depois do ato sexual e impossível de ser determinado nesse momento, atua pela alteração da parede do útero, impedindo a implantação ou nidação do embrião, sendo, portanto, abortivo.

Esta obrigatoriedade fere a Constituição Federal ao impor, a quem quer que seja, mas, em especial, aos agentes de saúde, a prescrição deste medicamento, como medida profilática de gravidez, ou seja, antes mesmo de constatar a sua existência, uma vez que para ser eficaz deverá ser ingerido pela vítima no período máximo de até setenta e duas horas.

Portanto, a referida profilaxia da gravidez tem como objetivo a interrupção da mesma, caso tenha havido a fecundação. A priori tal procedimento levará à prescrição generalizada deste medicamento antes mesmo da vítima ter tempo de decidir se quer ou não levar adiante a possível gestação, o que contrasta com o princípio constitucional de que ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF).

Dessa maneira, da forma como está inserido o dispositivo na lei não se mostra condizente com o texto constitucional, dada a obrigatoriedade, pois cabe à vítima decidir antecipadamente se quer ou não se valer de algum medicamente interruptivo de gravidez.

Assim,·veta-se o inciso IV do artigo 3º do Projeto de Lei, em decorrência dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade que o maculam.

Nesse sentido, nos termos do artigo 107, § 2º da Constituição do Amapá, o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, inciso ou alínea.

Com razão merece destaque os ensinamentos de Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (Tutela Jurisdicional e Estado Democrático de Direito: por uma compreensão constitucionalmente adequada do mandado de injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998) e de Jorge de Hage (Omissão Inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999), os quais elucidam que a competência legislativa é responsabilidade imposta ao legislador manifesta pela obrigação de empreender as providências essenciais reclamadas. Não basta a concretização genérica com lacunas ou corrigir defeitos identificados na legislação vigente.

O Legislativo deve exercer uma regulação hábil ao exercício de direitos que tenham alcançado o patamar constitucional, ao qual corresponde a um direito à legislação.

Apesar de ser o processo legislativo essencialmente político, a dialética que lhe é própria não legítima o desrespeito à vinculação constitucional. Não é a Constituição que se submete aos poderes constituídos, ao revés, a esses últimos competem cumprir o desígnio de garantir, sua supremacia.

Dessa ótica se concluí que legislar não e uma faculdade ou prerrogativa, posto que há limitação. As omissões legislativas inconstitucionais decorrentes da inação legítima, ainda que violação reflexa a Carta Magna são verificáveis no plano constitucional no qual se correlacionam o dever estatal a uma prestação normativa e o direito do cidadão à emissão de normas.

Então, conclui-se que a constituição dos direitos fundamentais não se faz pela estipulação de direitos subjetivos públicos aos indivíduos, sejam estes de liberdade ou de prestação (poder de ação) senão também mediante estabelecimento de deveres públicos, desde que a norma seja clara, precisa e determinada.

São estas as razões pelas quais, veto parcialmente o Projeto de Lei nº 0015/2015-AL, de autoria da Deputada Cristina Almeida, que dispõe sobre atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual.

Palácio do Setentrião, 19 de junho de 2015

ANTÔNIO WALDEZ GÓES DA SILVA

Governador