Lei nº 18166 DE 19/07/2021

Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 20 jul 2021

Institui o procedimento de notificação compulsória de obra pública ou de serviços de engenharia paralisados no Estado de Santa Catarina.

O Governador do Estado de Santa Catarina

Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica determinada a notificação compulsória de obra pública ou de serviços de engenharia em obra pública paralisados por mais de 30 (trinta) dias consecutivos, no Estado de Santa Catarina.

Parágrafo único. Não será considerada obra pública, para os efeitos desta Lei, a iniciada ou executada por pessoa jurídica de direito privado sem participação do Estado em seu quadro social, quando decorrente de concessão, permissão ou autorização de prestação de serviço público.

Art. 2º (Vetado)

I - (Vetado)

a) (Vetado)

b) (Vetado)

c) (Vetado)

d) (Vetado)

e) (Vetado)

f) (Vetado)

g) (Vetado)

h) (Vetado)

i) (Vetado)

II - (Vetado)

III - (Vetado)

IV - (Vetado)

V - (Vetado)

VI - (Vetado)

VII - (Vetado)

VIII - (Vetado)

IX - (Vetado)

§ 1º (Vetado)

§ 2º (Vetado)

Art. 3º (Vetado)

Parágrafo único. (Vetado)

Art. 4º (Vetado)

Art. 5º (Vetado)

Art. 6º Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação.

Florianópolis, 19 de julho de 2021.

CARLOS MOISÉS DA SILVA

Eron Giordani

Marisa Zikan da Silva

Thiago Augusto Vieira

MENSAGEM Nº 775

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE, SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO

No uso da competência privativa que me é outorgada pelo § 1º do art. 54 da Constituição do Estado, comunico a esse colendo Poder Legislativo que decidi vetar os arts. 2º, 3º, 4º e 5º do autógrafo do Projeto de Lei nº 230/2020, que "Institui o procedimento de notificação compulsória de obra pública ou de serviços de engenharia paralisados no Estado de Santa Catarina", por serem inconstitucionais, com fundamento no Parecer nº 322/2021, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

Estabelecem os dispositivos vetados:

Arts. 2º, 3º, 4º e 5º

"Art. 2º Verificada a ocorrência de paralisação, por mais de 30 (trinta) dias consecutivos, de obra pública ou de serviços de engenharia em obra pública, o fiscal da obra deverá notificar compulsoriamente o seu superior hierárquico, por intermédio de relatório específico, contendo, no mínimo, as seguintes informações:

I - motivo da paralisação, especificando-o de acordo com as seguintes categorias:

a) abandono pela empresa executora;

b) falta de licença ambiental;

c) disputa de titularidade da terra;

d) necessidade de desapropriação de terras;

e) decisão judicial;

f) insuficiência orçamentário-financeira;

g) decisão de órgãos de controle;

h) ordem técnica; ou

i) outros;

II - detalhamento do motivo categorizado no inciso I do caput deste artigo;

III - data inicial da interrupção;

IV - estimativa de prazo para retorno aos trabalhos;

V - ações necessárias a serem adotadas pela Administração Pública para a retomada da obra;

VI - ações preventivas a serem adotadas na obra pública paralisada e em similares obras futuras;

VII - falhas no planejamento inicial que possam ter ensejado a paralisação;

VIII - razões complementares do motivo de paralisação; e

IX - consequências técnicas da paralisação.

§ 1º A notificação compulsória poderá conter imagens e/ou documentos para subsidiar os fatos narrados.

§ 2º O procedimento estabelecido no caput deste artigo deverá ocorrer sem prejuízo de outras comunicações e competências atribuídas ao fiscal da obra.

Art. 3º Recebida a notificação, o superior hierárquico terá o prazo de 15 (quinze) dias para examinar a sua regularidade, determinando, quando necessário, a retificação da informação equivocada.

Parágrafo único. No caso de haver a retificação prevista no caput deste artigo, a versão inicial da notificação deverá ser encaminhada junto com a versão final.

Art. 4º Constatada a regularidade da notificação, o superior hierárquico do fiscal da obra respectiva a encaminhará ao Secretário de Estado responsável pela obra, e este, por sua vez, à Assembleia Legislativa, ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público.

Art. 5º O descumprimento da presente Lei será apurado e repreendido na forma da Lei Complementar nº 491, de 20 de janeiro de 2010, que criou o Estatuto Jurídico Disciplinar no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado de Santa Catarina, sem prejuízo de outras sanções civis, administrativas e criminais."

Razões do veto

O art. 2º, ao especificar de forma excessivamente detalhada o conteúdo do relatório a ser elaborado pelo fiscal da obra, e os arts. 3º e 4º, ao criarem atribuições a órgão do Poder Executivo, estão eivados de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, uma vez que compete ao Chefe do Poder Executivo legislar sobre a organização e o funcionamento da Administração Pública, e de inconstitucionalidade material, dado que contrariam o princípio da independência e harmonia dos Poderes, ofendendo, assim, o disposto no art. 32 e no inciso VI do § 2º do art. 50 da Constituição do Estado.

E o art. 5º, ao não tipificar claramente a conduta sujeita a punição, está eivado de inconstitucionalidade material por violar o princípio do devido processo legal, ofendendo, assim, o disposto no inciso LIV do caput do art. 5º da Constituição da República. Outrossim, o art. 5º está eivado de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, uma vez que compete ao Chefe do Poder Executivo legislar sobre o regime jurídico de servidores públicos, e de inconstitucionalidade material, dado que contraria o princípio da independência e harmonia dos Poderes, ofendendo, assim, o disposto no art. 32 e no inciso IV do § 2º do art. 50 da Constituição do Estado.

Nesse sentido, a PGE recomendou vetá-los, manifestando-se nos seguintes termos:

Para acarretar mácula no limiar do processo, a proposta deve ter o condão de abalar a autonomia do Poder Executivo e o próprio exercício da função administrativa.

Na espécie, no entanto, é forçoso reconhecer que existe invasão na esfera de atuação do Executivo, fulminando a Reserva de Administração, como deflui da redação do art. 2º [.....].

Segundo Rafael Carvalho Rezende, há duas espécies de reserva de administração: uma geral e outra específica. A primeira, associada à ideia de separação de poderes, pauta-se na vedação às invasões de um Poder no núcleo essencial das funções típicas de outro. Decorre da reserva geral a proibição voltada ao Legislativo e ao Judiciário para que esses Poderes, a pretexto de atuar no âmbito de suas funções típicas, não adentrem no campo da função administrativa, notadamente no mérito administrativo. Por sua vez, a reserva específica de administração configura-se quando o ordenamento jurídico - sobretudo, a Constituição - destacar determinada matéria da seara do Parlamento, atribuindo a competência para normatizá-las exclusivamente ao Poder Executivo.

Por meio dessa reserva, é defeso ao Poder Legislativo (ou quem exerça atipicamente a função legislativa) invadir o campo da execução de lei, próprio da Administração Pública. Em outras palavras, não é possível, a pretexto de se exercer a função legislativa, a invasão do espaço da função administrativa, seja pela utilização desnecessária e abusiva de leis de efeito concreto ou leis de caráter específico (afastando-se do caráter geral e abstrato dos atos legislativos), seja pela regulamentação legal exacerbadamente minuciosa nos campos em que se requer maior margem de atuação da Administração - por atos abstratos ou mesmo concretos. A razão a ser observada é que não se poderia adentrar em um "domínio de execução", de modo a "executar legalmente a lei".

Logo, extrai-se da reserva geral de administração um impedimento ao legislador de editar uma lei com descrição normativa excessivamente detalhada a ponto de inviabilizar o exercício da função administrativa, seja engessando indevidamente a atuação da administração pública em concreto (não dando abertura para a atuação do poder discricionário, quando recomendável), seja por perder a lei, sem motivo justificável, seu caráter material de ato geral e abstrato, ou ainda por restringir o campo do poder regulamentar, quando esse for recomendável.

Nessa toada, a proposição retira do Executivo qualquer discricionariedade, pois esmiúça exaustivamente o conteúdo do ato administrativo enunciativo a ser elaborado pelo fiscal, ainda que a título de conteúdo mínimo.

O tema já foi enfrentado pelo STF, na ocasião foi sedimentada a inconstitucionalidade da declaração, pelo Legislativo, da nulidade de concurso público realizado pelo Executivo por suposta violação às normas legais, pois uma declaração dessa natureza revelaria o exercício de autotutela que só poderia ser exercida com exclusividade por quem realizou o certame (ADI MC 776/RS):

"O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes.

Não cabe ao Poder Legislativo, sob pena de desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais.

Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação 'ultra vires' do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.

Não se revela constitucionalmente lícito, ao Legislativo, decretar a nulidade do procedimento administrativo do concurso público, sob pretexto de infringência, por órgãos do Poder Executivo, de prescrições legais."

No que tange aos artigos 3º e 4º, há intromissão na reserva específica da Administração.

Explica-se.

[.....] observa-se que com os art. 3º e 4º o superior hierárquico do fiscal terá, em cada ocasião, a nova função de editar específico ato administrativo de aprovação, por força de lei de origem parlamentar, em manifesto confronto com as normas encartadas no art. 61, § 1º, da CF/1988 e no art. 50, § 2º, da Constituição do Estado de Santa Catarina. O que se obtém da doutrina renomada guia essa compreensão:

"A aprovação é o ato administrativo discricionário que controla, preventiva ou repressivamente, outro ato administrativo (ex.: aprovação de projeto para execução de uma obra). A autoridade competente aprova a edição de determinado ato (controle prévio) ou concorda com o conteúdo do ato já editado (controle posterior)."

A jurisprudência não destoa:

"A educação a distância é modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação (art. 1º, Resolução nº 01/2016, do Conselho Nacional de Educação). Trata-se de sistema de ensino cada vez mais utilizado pelo Poder Público e pelo mercado privado, principalmente no cenário da pandemia da COVID-19. A Lei nº 8.030/2018, do Estado do Rio de Janeiro, é fruto de iniciativa parlamentar. Esta Corte consolidou jurisprudência no sentido de que o art. 61, § 1º, I, da CF/1988 confere ao Chefe do Poder Executivo a competência privativa para inaugurar o processo legislativo que disponha sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos ou aumento de sua remuneração (v. RE 554536, Rel. Min. Eros Grau). Desse modo, a lei impugnada, ao atribuir qualquer função na educação a distância aos professores e ao estender o piso regional do magistério aos tutores, invadiu a reserva de iniciativa do Governador do Estado do Rio de Janeiro para propor leis que versem sobre criação de cargos e aumento de sua remuneração". [ADI 5.997, rel. p/ o ac. min. Roberto Barroso, j. 19.04.2021, P, DJE de 25.05.2021]

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 8.865/2006 do Estado do Rio Grande do Norte. Obrigação de a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte prestar serviço de assistência judiciária, durante os finais de semana, aos necessitados presos em flagrante delito. (.....)

Os arts. 2º e 3º da Lei nº 8.865/2006, resultante de projeto de lei de iniciativa parlamentar, contêm, ainda, vício formal de iniciativa (art. 61, § 1º, II, 'c', CF/1988), pois criam atribuições para a Secretaria de Estado da Educação, Cultura e dos Desportos (art. 2º), para a Secretaria de Estado de Defesa Social e Segurança Pública (art. 2º) e para a Polícia Civil (art. 3º), sem observância da regra de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo estadual". [ADI 3.792, rel. min. Dias Toffoli, j. 22.09.2016, P, DJE de 01.08.2017]

[.....]

Portanto, ao carrear aos agentes públicos novas funções, os indigitados artigos não superam o crivo da constitucionalidade formal subjetiva.

Debruçando-se sobre o art. 5º, visualiza-se uma ofensa à Separação de Funções do Estado, visto que apenas ao Chefe do Executivo é dado descerrar o processo legislativo referente ao regime jurídico de servidores, deveres e responsabilidades (art. 61, § 1º, da CF/1988 e art. 50 , § 2º, da Constituição do Estado de Santa Catarina). Nessa trilha o STF:

"Legislação estadual paulista de iniciativa parlamentar que trata sobre a vedação de assédio moral na administração pública direta, indireta e fundações públicas. Regulamentação jurídica de deveres, proibições e responsabilidades dos servidores públicos, com a consequente sanção administrativa e procedimento de apuração. Interferência indevida no estatuto jurídico dos servidores públicos do Estado de São Paulo. Violação da competência legislativa reservada do chefe do poder executivo. Descumprimento dos arts. 2º e 61, § 1º, II, 'c', da Constituição Federal". [ADI 3.980, rel. min. Rosa Weber, j. 29.11.2019, P, DJE de 18.12.2019]

Como é consolidado o entendimento de que "a organização da relação estatutária dos servidores públicos é atribuição reservada do Poder Executivo, não competindo a outro Poder interferência indevida no espaço decisório acerca dos comandos da administração pública" (ADI 3.980, rel. min. Rosa Weber, j. 29.11.2019, P, DJE de 18.12.2019), padece de vicio formal o texto investigado.

Por fim, o art. 5º também comporta juízo acerca da constitucionalidade material, pois, genericamente, fixa que o descumprimento da lei "será apurado e repreendido na forma da Lei Complementar (LC) nº 491, de 20 de janeiro de 2010, que criou o Estatuto Jurídico Disciplinar no âmbito da Administração Direta e Indireta do Estado de Santa Catarina, sem prejuízo de outras sanções civis, administrativas e criminais".

É imperioso rememorar que na seara do direito sancionador as garantias individuais possuem a mais alta calibração e os dispositivos constitucionais devem ter sua interpretação norteada pelo Princípio da Máxima Efetividade, mormente porque a "investidura em cargo público não afasta a incidência dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Carta Magna, consoante já definido pelo Plenário desta Corte mesmo no âmbito militar" (ADPF 291, Relator Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 28.10.2015).

[.....]

Nesse viés, sem tipificar qualquer artigo, tampouco regra de conduta obrigada ou proibida com liame para sanções da LC estadual, é cristalino o desapego ao Princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV, da CF/1988) e, por consequência, a inconstitucionalidade material.

Pelo esposado, opina-se pela constitucionalidade do art. 1º e pela inconstitucionalidade dos art. 2º, 3º, 4º e 5º.

Essas, senhores Deputados, são as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais submeto à elevada apreciação dos senhores Membros da Assembleia Legislativa.

Florianópolis, 19 de julho de 2021.

CARLOS MOISÉS DA SILVA

Governador do Estado