Lei nº 18090 DE 29/01/2021
Norma Estadual - Santa Catarina - Publicado no DOE em 01 fev 2021
Dispõe sobre os cuidados obrigatórios nos procedimentos de impermeabilização de bens móveis com produtos à base de solvente inflamável, no Estado de Santa Catarina.
O Governador do Estado de Santa Catarina
Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembleia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º As pessoas físicas e jurídicas estabelecidas no Estado de Santa Catarina que operam com serviços de impermeabilização de bens móveis à base de solvente inflamável devem aplicar o produto apenas em sede própria da empresa, adequada para tal fim, incluindo sistemas especiais de ventilação e segurança contra incêndio compatíveis com o risco da atividade.
Parágrafo único. É permitida a impermeabilização de bens móveis em locais diversos do citado no caput desde artigo, desde que o produto utilizado não contenha solvente inflamável em sua composição.
Art. 2º (Vetado)
Art. 3º (Vetado)
I - (Vetado)
II - (Vetado)
Parágrafo único. (Vetado)
Art. 4º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.
Art. 5º Esta Lei entra em vigor data de sua publicação.
Florianópolis, 29 de janeiro de 2021.
CARLOS MOISÉS DA SILVA
Eron Giordani
Celso Lopes de Albuquerque Júnior
Charles Alexandre Vieira
MENSAGEM Nº 639
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE, SENHORAS E SENHORES DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
No uso da competência privativa que me é outorgada pelo § 1º do art. 54 da Constituição do Estado, comunico a esse colendo Poder Legislativo que decidi vetar os arts. 2º e 3º do autógrafo do Projeto de Lei nº 228/2019, que "Dispõe sobre os cuidados obrigatórios nos procedimentos de impermeabilização de bens móveis com produtos à base de solvente inflamável, no Estado de Santa Catarina", por serem inconstitucionais, com fundamento no Parecer nº 21/2021, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), e no Ofício nº 03/2021, da Diretoria de Segurança contra Incêndio do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de Santa Catarina (CBMSC).
Estabelecem os dispositivos vetados:
Arts. 2º e 3º
"Art. 2º Caberá ao Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, através do seu departamento próprio de segurança contra incêndio, exercer a fiscalização do fiel cumprimento desta Lei.
Art. 3º O descumprimento do disposto nesta Lei sujeitará o infrator às seguintes penalidades:
I - advertência por escrito, na primeira autuação, pela autoridade competente; e
II - multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por infração, dobrada no caso de reincidência, a qual será reajustada, anualmente, com base na variação do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M/FGV), ou por índice que vier a substituí-lo.
Parágrafo único. O Poder Executivo definirá por decreto a destinação dos recursos oriundos da arrecadação das multas."
Razões do veto
O art. 2º, ao atribuir ao CBMSC a fiscalização do uso de solvente inflamável na impermeabilização de bens móveis, está eivado de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, uma vez que compete ao Chefe do Poder Executivo legislar sobre a organização e o funcionamento do CBMSC, e de inconstitucionalidade material, dado que contraria o princípio da independência e harmonia dos Poderes, ofendendo, assim, o disposto no art. 32 e nos incisos I e VI do § 2º do art. 50 da Constituição do Estado. Já o art. 3º, ao estabelecer penalidades e a destinação dos recursos oriundos das multas na forma que especifica, afronta os arts. 56 e 57 da Lei federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), de observância obrigatória pelos demais entes da Federação.
Nesse sentido, a PGE recomendou vetá-los, manifestando-se nos seguintes termos:
[.....] o art. 2º do Projeto de Lei define que cabe ao Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, através do seu departamento próprio de segurança contra incêndio, exercer a fiscalização do fiel cumprimento desta Lei.
Ocorre que a competência para dispor sobre a organização do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina está inserida entre as matérias de iniciativa privativa do Excelentíssimo Governador do Estado.
Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 reservou ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para tratar de determinados assuntos via projeto de lei, o que inclui a criação, estruturação ou extinção de órgãos administrativos [.....].
A Constituição do Estado de Santa Catarina, em resguardo ao Princípio da Simetria, refere quais são as matérias de iniciativa privativa do Governador do Estado, dentre as quais se inclui a criação e extinção de órgãos da administração pública, in verbis:
"Art. 50. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(.....)
§ 2º São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que disponham sobre:
I - a organização, o regime jurídico, a fixação ou modificação do efetivo da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, o provimento de seus cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva; [.....]
VI - a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 71, IV."
Ademais, é conhecida a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal no sentido de que "Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos" (TEMA 917).
No caso in concreto, a fiscalização quanto ao fiel cumprimento da Lei não pode ser atribuída, com exclusividade, ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado, ainda mais através de proposição de iniciativa parlamentar, sob pena de violação ao Princípio da Separação de Poderes. A competência legislativa para tratar da organização e funcionamento do referido Órgão é privativa do chefe do Poder Executivo Estadual.
Portanto, verifica-se a existência de vício de inconstitucionalidade formal na proposição, mormente porque define previamente o órgão fiscalizador, através de lei de iniciativa parlamentar, consistente no "Departamento Próprio de Segurança Contra Incêndio, do Corpo de Bombeiros Militar''.
[.....]
Por sua vez, o art. 3º do Projeto de Lei define a aplicação da penalidade de advertência, por escrito, na primeira autuação, e de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por infração, dobrada no caso de reincidência, a ser reajustada, anualmente, pelo IGPM/FGV.
O parágrafo único do dispositivo refere que a destinação dos recursos oriundos da arrecadação das multas será definido por decreto do Poder Executivo.
Ocorre que o escopo primordial do Projeto de Lei é a proteção e defesa dos consumidores, em especial, dos contratantes do serviço de impermeabilização de bens móveis, os quais se expõem ao risco à saúde e, até mesmo, à própria vida.
[.....]
Neste diapasão, o Código de Defesa do Consumidor define quais são as sanções administrativas a que os infratores das normas de defesa do consumidor ficam sujeitos, entre as quais, multa, apreensão do produto ou inutilização, suspensão do fornecimento de produto ou serviço, suspensão temporária da atividade, interdição, total ou parcial, de estabelecimento, obra ou atividade, entre outras (art. 56).
A pena de multa deve ser graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, através de processo administrativo, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, revertendo os valores ao Fundo de que trata a Lei nº 7.347 , de 24 de julho de 1985, no caso da União, ou para os fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.
Portanto, o art. 3º da proposição, salvo melhor juízo, afronta a legislação federal, em especial os artigos 56 e 57 do Código de Defesa do Consumidor , na medida em que fixa o valor da multa sem a observência dos parêmetros definidos pela norma federal.
O Decreto Federal nº 2.181, de 20 de março de 1997, refere que a multa de que trata o inciso I do art. 56 do CDC reverterá para o Fundo pertinente à pessoa jurídica de direito público que impuser a sanção, gerido pelo respectivo Conselho Gestor.
As multas arrecadadas serão destinadas ao financiamento de projetos relacionados com os objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, com a defesa dos direitos básicos do consumidor e com a modernização administrativa dos órgãos públicos de defesa do consumidor, após aprovação pelo respectivo Conselho Gestor, em cada unidade federativa.
A destinação dos recursos arrecadados com as multas aplicadas pelo PROCON Estadual deve se dar ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, o qual ainda não foi criado no âmbito estadual, e constitui-se em objeto do Projeto de Lei nº 398.3/2019. Por ora, em Santa Catarina, as multas arrecadadas pela atuação do PROCON Estadual são revertidas ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL), gerenciado pelo Ministério Público do Estado (MPSC).
De forma que a competência para a fiscalização dos prestadores do serviço de impermeabilização de bens móveis é concorrente entre os Estados e os Municípios, sendo incumbência do Chefe do Poder Executivo regulamentar a atuação dos órgãos estaduais, em consonância com a legislação federal e estadual específicas.
Ante o exposto, não se constata vício formal na apresentação do Projeto de Lei em análise, mormente porque a matéria não se insere entre aquelas de iniciativa privativa do Governador do Estado (§ 2º, art. 50, CE).
Por outro lado, sugere-se a aposição de veto aos artigos 2º e 3º da proposição, em razão da interferência na organização administrativa do Órgão Estadual, matéria que se insere na competência legislativa privativa do Excelentíssimo Governador do Estado, e pela violação à legislação federal (Lei nº 8.078/1990 e Decreto nº 2.181/1997 ), na forma da fundamentação supra.
E o CBMSC, por intermédio de sua Diretoria de Segurança contra Incêndio, também apresentou manifestação contrária à sanção dos dispositivos em questão, nos seguintes termos:
Sabidamente são inúmeras as empresas que prestam o serviço de impermeabilização de bens móveis em Santa Catarina. Como é de conhecimento comum, esse serviço (seja na residência do contratante, por exemplo, ou não) é finalizado em alguns minutos ou em poucas horas a depender da área total a ser impermeabilizada. Como evidente, a fiscalização ostensiva desse tipo de prestação de serviço é totalmente inviável.
Portanto, a verificação ocorreria, ao que tudo indica, por meio de denúncia. No ínterim entre o denunciante desconfiar que o produto utilizado na sua residência possui solvente inflamável, entrar em contato para denunciar e uma viatura do CBMSC (ou outro órgão) deslocar-se até o local o serviço já estará, na grande maioria das vezes, finalizado. Ainda que chegue a tempo, o fiscal possivelmente se limitaria a verificar o rótulo do impermeabilizante utilizado, registrar a sensação olfativa que percebeu e recolher amostra para posterior análise e identificação dos componentes do produto.
Rótulo e cheiro seriam unicamente indícios, somente uma pesquisa aprofundada sobre o material coletado poderia formalizar o desrespeito à lei se confirmado solvente inflamável na composição do produto. Feito isso e confirmada a ilegalidade, uma punição poderia ser emitida. Ainda que a fiscalização dessa forma seja a intenção do legislador, essa demanda de atender denúncia, investigar o produto, emitir sanções é algo que o CBMSC não tem capacidade de absorver. Com a alta demanda dessa corporação, acumular funções diversas às suas tantas originais seria descabido.
Vale ainda lembrar que a empresa prestadora desse serviço desloca-se a diversos lugares que o cliente solicite: apartamento, casa, residência unifamiliar, loja, escritório, etc. O CBMSC não tem permissão para adentrar esses locais sem autorização adequada por conta da inviolabilidade domiciliar prevista na Constituição Federal. Além disso, edificações unifamiliares estão fora da alçada de competência do Corpo de Bombeiros e não seriam fiscalizadas como esclarece o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 16.157/2013 [.....].
Criar a lei que impeça utilização de impermeabilizantes compostos por solvente inflamável no interior de residências ou outros locais inapropriados tem sentido, mas transformar isso em objeto de fiscalização permanente e atribuir tal função a um único órgão já tão sobrecarregado é seguramente desapropriado.
Supondo que um incêndio ou explosão aconteça no local, o CBMSC será sempre o órgão acionado para uma posterior investigação, afinal essa é uma atribuição do CBMSC definida em Constituição Estadual [.....].
Em situações como essa o CBMSC identifica as causas que motivaram o incêndio ou explosão e coleta amostras para identificar compostos envolvidos. Se identificados solventes inflamáveis em possíveis produtos para impermeabilização, o Corpo de Bombeiros informaria a Justiça.
Para investigações posteriores ao sinistro o CBMSC tem capacitação. Todavia para investigações preventivas e punitivas como pretende o PL 228/2019 reforça-se que o CBMSC não possui treinamento adequado, habilidade técnica, capacidade operacional, não dispõe de materiais apropriados ou estudos relacionados.
[.....]
Ademais, as punições previstas no PL 228/2019 estão em desacordo com o previsto na Lei estadual nº 16.157/2013 , Decreto estadual nº 1.957/2013, Decreto estadual nº 347/2019, Instrução Normativa nº 1 do CBMSC e Instrução Normativa nº 2 do CBMSC. Por exemplo, a advertência descrita no inciso I do artigo 3º do projeto não condiz com o auto de infração advertência já utilizado para outras irregularidades relacionadas à segurança contra incêndio. A advertência está retratada como uma espécie de notificação na primeira autuação e o artigo não esclarece o que deve ser praticado ao, possivelmente, identificar uma segunda irregularidade.
O que o PL pretende considerar reincidência também não está esclarecido. Seria reincidência a irregularidade praticada pela mesma empresa ainda que em local distinto da prestação de serviço residencial? Ou seria reincidência do proprietário do imóvel residencial que, por exemplo, durante 2 anos seguidos contratou empresas que utilizam produtos à base de solventes para impermeabilizar seus bens móveis? O PL pretende que o infrator seja o contratante ou o contratado?
O projeto de lei carece de ajustes e de identificar outra forma de fiscalização desobrigando o CBMSC, visto que tal incumbência seguramente não compete a essa corporação. O Corpo de Bombeiros pode estabelecer em norma as exigências para sede (edificação) da empresa que deseja trabalhar com impermeabilizantes à base de solvente inflamável, estudar sistemas preventivos e de combate a incêndio cabíveis às especificidades do local, determinar rotas de fuga para os habitantes, exigir determinados materiais de revestimento e acabamento, enfim questões relacionadas ao objetivo de "Segurança Contra Incêndio" como já é praticado em diversos outros imóveis. Também ao CBMSC cabe investigar se solventes inflamáveis foram causa de possíveis incêndios ou explosões ocorridas, o que já é protocolo para todos os demais incêndios ou explosões.
Diante do exposto, a DSCI recomenda o veto dos artigos 2º e 3º do projeto de lei nº 228/2019.
Essas, senhores Deputados, são as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais submeto à elevada apreciação dos senhores Membros da Assembleia Legislativa.
Florianópolis, 29 de janeiro de 2021.
CARLOS MOISÉS DA SILVA
Governador do Estado