Despacho FUNAI nº 19 de 08/05/2008

Norma Federal - Publicado no DO em 12 mai 2008

Aprova as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhece os estudos de identificação da Terra Indígena PIRAI de ocupação do grupo tribal Guarani Mbyá, localizada no município de Araquari, Estado de Santa Catarina.

O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, tendo em vista o que consta no Processo nº FUNAI/BSB/3151/1999, e

Considerando o Resumo do Relatório de Identificação, de autoria da antropóloga Marianna Assunção Figueiredo Holanda que acolhe, face às razões e justificativas apresentadas, decide:

1. Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena PIRAI de ocupação do grupo tribal Guarani Mbyá, localizada no município de Araquari, Estado de Santa Catarina.

2. Determinar a publicação no Diário Oficial da União e Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, do Resumo do Relatório Circunstanciado, Memorial Descritivo, Mapa e Despacho, na conformidade do § 7º do art. 2º do Decreto nº 1.775/1996.

3. Determinar que a publicação referida no item acima, seja afixada na sede da Prefeitura Municipal da situação do imóvel.

ANEXO
RESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA PIRAÍ/SC

Referência: Processo FUNAI/BSB/nº 086203151/99. Terra Indígena Piraí, município de Araquari, Estado de Santa Catarina. Superfície: 3.017 hectares e perímetro 35 km. Povo indígena: Guarani-Mbyá. População: 42 pessoas (2003). Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pela Portaria nº428/PRES, de 15 de maio de 2003, alterada pela Portaria nº634/PRES/03, de 30 de junho de 2003, coordenado pela antropóloga Maria Janete Albuquerque de Carvalho.

INTRODUÇÃO

O processo de regularização fundiária no litoral norte de Santa Catarina teve seu início em 1996, quando foi constatado pelo então Departamento de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente - DEPIMA - que o EIA/RIMA da duplicação da BR 101, trecho Guaruva-Palhoça, não abordava a questão indígena de modo satisfatório. Situação que induziu a constituição de um Grupo de Trabalho para realizar estudos complementares do componente indígena. O resultado foi o "Relatório sobre as áreas e Comunidades Guarani afetadas pelas obras de duplicação da BR 101 no Estado de Santa Catarina, Trecho Garuva-Palhoça", que detalhou a história de ocupação Guarani no litoral norte do Estado, bem como os desafios crescentes para a continuidade do modo de vida e sistema de ocupação territorial devido a intensificação das relações com não-índios. Desse contexto formou-se um GT para levantamento da situação fundiária dos Mbyá de Santa Catarina que conclui pela eleição de três Terras Indígenas: Piraí, Pindoty e Tarumã, em 1998 e Morro Alto, em 2002. Entretanto, o parecer dos Relatórios indicou que eles apresentavam dados que comprovavam o uso tradicional de pelo menos duas Terras: Piraí e Tarumã. Mais tarde, a eleição de Pindoty e Tarumã foi questionada pelos próprio Guarani e novos estudos foram solicitados para verificar a tradicionalidade do uso da terra pelos Mbyá de Santa Catarina. Daí surge o GT de identificação e delimitação de quatro Terras Indígenas: Piraí, Pindoty, Tarumã e Morro Alto. Os resultados desses trabalhos demonstraram que tanto o sul quanto o litoral do sudeste do Brasil podem ser considerados parte do território histórico dos Guarani. O Relatório Circunstanciado de Piraí foi apresentado, em versão final, em fevereiro de 2008 e aprovado pela Coordenação de Delimitação e Análise no mesmo mês.

I - DADOS GERAIS

Os Guarani são povos das terras baixas da América do Sul que há cinco séculos resistem à presença cada vez mais intensa de não-índios em seu território tradicional, preservando seu modo de ser e viver. Sua língua advém da família Tupi-Guarani, Tronco Tupi e se divide nos dialetos mbyá, kaiowá e nhandevá. No Brasil, a ocupação do território pelos Tupi-Guarani se dá no primeiro milênio da nossa era e segue até os dois primeiros séculos do segundo milênio. Com o processo de conquistas de terras no novo mundo, os Guarani no litoral foram uns dos primeiros povos autóctones a ser contactados. Nessa época, mais de vinte mil pessoas falavam Guarani no (hoje) sul do Brasil. Esse território foi alvo de disputas entre espanhóis e portugueses afetando os povos originários da região. As missões acabaram por se tornar a alternativa mais viável para os Guarani, que se associavam aos jesuítas para resistir aos conflitos. Aparentemente passivos e de fácil submissão - considerados como um povo "dócil e hospitaleiro" -, esses ascendentes dos atuais Guarani desenvolveram, ao longo do tempo, mecanismos e estratégias particulares para preservar seu modo de ser frente aos problemas enfrentados desde a chegada dos conquistadores até as relações inter-étnicas de hoje. No século XVII, as reduções providenciaram a transferência dos índios capturados para outros territórios, visando desarticular seu vínculo com a terra tradicional. Esse processo de desapropriação dos Guarani prosseguiu nos séculos XVIII e XIX, mas não sem resistência. Com a presença dos encomienderos espanhóis e das missões jesuíticas, muitos Guarani buscaram refúgio nos montes e nas matas subtropicais da região do Guaíra paraguaio e dos Sete Povos, chegando também à Mata Atlântica do litoral catarinense. Após séculos de esbulho vem sofrendo hoje as conseqüências da construção e duplicação das BR 101 e 280, que impulsionou o crescimento econômico regional, gerando uma ocupação humana progressiva e desordenada. A partir do início do século XX, os estudos etnográficos e bibliográficos permitiram uma maior compreensão a respeito da resistência lingüística, religiosa e política dos Guarani bem como das especificidades de sua cultura material. Terra, para os Guarani, é vida.

Migrações:

Não é possível falar de vida Mbyá sem suas andanças. A realidade Guarani não é estática. As relações de distanciamento e aproximação entre pessoas e famílias é o que dá vida ao social Mbyá, elas estão em continuidade com o tempo. Advém daí o valor cosmogônico da migração, o processo de elaboração da pessoalidade, do ser Mbyá. Vale notar ainda que essas dinâmicas mostram a luta dos Mbyá pela continuidade da sua mobilidade característica cada vez mais restrita devido ao esbulho crescente do território tradicional. As "rotas de dispersão" apresentadas no Relatório permitem visualizar os caminhos tradicionais que percorridos historicamente pelos Mbyá, demonstrando que sua mobilidade não é aleatória, mas está circunscrita a um espaço-tempo que eles configuram como social. As migrações são guiadas pelos Nhanderu - líderes espirituais - e os Caciques, em busca de solo mais férteis e matas virgens, para viver o "ser" Guarani. Rezando e praticando diversos exercícios espirituais, movimentam-se em busca da Terra sem Mal, o lugar onde os Mbyá podem realizar de forma plena o modo de ser verdadeiro, o tekó. É nele que o Guarani deve nascer e ser enterrado. Os lugares eleitos como ideais para viver e reproduzir o tekó são os Tekohá, eleitos por meio de sonhos em regiões entre a Mata Atlântica e o litoral. Dentro do território reconhecido pelos Mbyá, como sendo Guarani, existem diversos Tekohá, que também são fruto da dinâmica que compõem os Mbyá, e as famílias migram entre esses espaços. Mesmo se deixado por um grupo, outra família, senão a mesma, voltará a ocupar a região; o movimento é o ser Mbyá. Contudo, o crescente cerceamento pela povoação não-índia das terras tradicionais dos Guarani têm dificultado, e mesmo impossibilitado, que eles percorram os caminhos ancestrais. Na fala do cacique da TI Piraí, Artêmio Brizola, fica claro; "Guarani não fica no mesmo lugar, antigamente principalmente não parava mesmo, agora que tem que parar, ficar" (2003). Aqui ele se refere à impossibilidade de viver o sistema de ocupação territorial do modo Guarani, que implica uma mobilidade entre os diversos Tekoá, dentro do ambiente que compreendem como social.

II - HABITAÇÃO PERMANENTE

Toda a região litorânea de Santa Catarina está inserida no território histórico dos Guarani e sua forma de ocupação do solo está relacionada à reciprocidade entre famílias extensas. É dentro deste espaço que eles procuram fundar suas aldeias, onde reconhecem como de uso tradicional. Para os Mbyá, o Tekoá deve estar deve combinar o ambiente da Mata Atlântica e a proximidade do litoral, onde se reúnem as condições de viver segundo seus usos, costumes e tradições. Entretanto, com a desconfiguração do território Guarani, é cada vez mais difícil lugares propícios para serem Tekohá. A Terra Indígena Piraí situa-se à beira da BR 280, e fica a 2,5 km da BR 101. Possui uma única aldeia chamada Tiaraju, composta de diferentes famílias extensas que possuem vínculos de consangüinidade, matrimoniais e/ou de afinidade. No levantamento das rotas de passagem e moradia das famílias que integram hoje a TI Piraí, foi possível perceber que a presença dos Mbyá no local é indissociável do histórico de formação e ocupação de outros aldeamentos Mbyá. Foi a partir dos relatos, das histórias de vida e de andanças dessas famílias, que se traçou um "mapa" das ocupações, respeitando a concepção Guarani de espaço e manejo da terra. Ela ultrapassa os limites territoriais da sociedade nacional e é revelada pela categoria guará - conjunto de aldeias unidas por laços de parentesco e reciprocidade. A aldeia Tiaraju tem uma população de 42 pessoas, formada por nove famílias, com quatro núcleos familiares. As moradias estão concentradas na porção norte da TI. Não pelos critérios tradicionais mas pelo fato de este ser o único lugar que lhes foi permitido - pelos proprietários e fazendeiros da região - construir as casas e morar. Mesmo assim, a distribuição das casas se baseia no modo Guarani de apropriação do espaço; numa situação ideal, um tekohá procura abrigar um número de moradias idêntico ao de famílias elementares. Além disso, em Tiaraju, as casas se distanciam, preferencialmente, de modo proporcional à distância de relações de parentesco e/ou afinidade, que unem seus moradores. A reciprocidade é um valor entre os povos Guarani do litoral catarinense. Fica clara a presença de uma grande rede de parentesco, alianças matrimoniais, prestações rituais, tornando o contato e as trocas corriqueiros, e que garantem a mobilidade essencial aos Guarani. Trata-se "da interdependência entre os tekohá".

III - ATIVIDADES PRODUTIVAS

A agricultura é a atividade estrutural da vida comunitária. Sua centralidade parte de um sistema mais amplo que envolve aspectos da organização social. Mas após os contatos cada vez mais estreitos com a sociedade nacional, uma profunda alteração na economia tradicional foi ressaltada: a quantidade cada vez menor de terras adequadas para a agricultura tradicional, limitando o sistema de queima e pousio, imprescindível para a reprodução física e cultural Guarani e a manutenção ambiental da região. Além da agricultura, também a caça é regida por regras e significados, dependendo da continuidade das espécies, cada vez mais escassas. Importante não apenas como alimento, destes animais aproveita-se pele, unha e dentes para fabricar artesanatos, além da utilização de propriedades medicinais. É praticada principalmente em áreas próximas aos núcleos residenciais: planícies e morros. A pesca é uma das alternativas para a carência de alimentos, mas é insuficiente. O ponto preferido pelos Mbyá é o rio Piraí, que cruza a TI. Além disso, coleta-se nas poucas áreas de mata preservadas, além de frutas e alimentos, plantas para uso terapêutico e/ou como matéria-prima do artesanato. Contudo, os dados indicam uma dependência crescente de produtos industrializados. Resultado da proximidade da cidade e da crescente escassez de áreas de caça, coleta e plantio, que tem conduzido os Mbyá de Piraí a comprar alimentos para sobreviver. Deve-se enfatizar que não são raros os conflitos devido a hostilidade dos moradores das cidades do entorno, muitas vezes carregados de total desconhecimento dos direitos e legislação pertinentes. Outra adaptação surgiu do contato intenso com os turistas da região, que permitiu aos Mbyá de Piraí adquirirem uma nova perspectiva financeira via artesanato. Essa atividade deixou, gradualmente, de ser complementar e vem ganhando visibilidade e importância, inclusive colaborando para o resgate de práticas abandonadas, como a confecção de arcos e flechas. Parte da escassa renda para a compra de produtos citadinos se origina da venda de artesanatos nas cidades próximas e, principalmente, nas margens da BR 280. Outros fatores que os conduzem os Mbyá às cidades do entorno são as aposentadorias, a busca por atendimento médico - para as doenças que não pertencem à sócio-lógica Mbyá - além dos encontros entre organizações indígenas e dos jogos de futebol, bastante freqüentados pelos mais novos.

IV - MEIO AMBIENTE

Os Guarani costumam viver em ambientes com clima úmido, preferencialmente às margens de rios e lagoas e perto do litoral. Os Mbyá de Piraí habitam uma típica região subtropical, inserida no domínio da Mata Atlântica. Com base nisso, as áreas imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao bem estar econômico e cultural Mbyá deve englobar planícies aluviais - grande número de bacias hidrográficas independentes - e ambientes de transição marinho-continental com planos, bacias, declividades diversas, baixos platôs e colinas, o que foi contemplado pelos limites propostos na delimitação. A TI encontra-se em área de influência das bacias Parati e Piraí. 1) Face norte-noroeste: essa é uma área propícia para a manutenção de espécies vegetais caras à cosmogonia Mbyá. Além das planícies permitirem o plantio do milho, da batata e demais alimentos tradicionais, cultivados por meio do sistema de roças alternadas, a manutenção do sistema de agricultura Mbyá possibilita a reconstituição da biomassa e recuperação do solo. É também nesse ambiente, áreas de morro e planícies, que ainda se encontram animais de pequeno porte para a caça e onde os Mbyá coletam espécies da flora nativa para confecção de artesanato, cobertura de casas, finalidades medicinais e alimentação. Essa riqueza da região e sua facilidade de acesso, devido à proximidade dos núcleos residenciais, permite aos Mbyá de Piraí um uso intensivo da área. Contudo, dependem da permissão de alguns ocupantes tanto para a coleta como para locomoção de uma localidade a outra.Várias intervenções antrópicas foram descritas na face norte: cultivo de arroz, plantações de eucalipto, aterros, agropecuária, ramal do Gasoduto Brasil-Bolívia, além das BR 101 e 280; 2) Face leste-nordeste: é a área apontada pelos Mbyá como ideal para construir novas casas, de acordo com os critérios Guarani já expostos. É também um local propício para a casa de reza (Opy), que ainda não existe na aldeia, levando os Mbyá de Piraí a compartilhar a Opy inserida nos limites da Terra Indígena Pindoty. A Opy é o centro religioso da aldeia. Sua presença, junto com o xamanismo, atestam a realização de um modelo cultural considerado ideal pelos Guarani, daí a importância de um local propício para sua construção; 3) Face oeste-sudoeste: trata-se de um fragmento florestal isolado, que apresenta ciclos de alagamento, circundado por diversas atividades antrópicas que têm modificado o regime hídrico originário, sobretudo devido às obras de drenagem para o aproveitamento do solo. Antes houve extensa exploração de madeira e palmito na área, contudo, ela ainda mantém uma estrutura de mata madura - provavelmente a única restante hoje na região. Essa é a argumentação central para a inclusão dessa face: a importância ambiental da preservação desta área é incalculável, sendo uma solução coerente incluí-la à TI, não só com o intuito de resguardar a vegetação como visando áreas de uso futuro Mbyá - considerando ainda o crescimento populacional e a importância cosmogônica, tanto da mobilidade quanto da migração, para sua reprodução física e cultural. A propósito, alguns locais dessa região foram apontados pelos Guarani de Piraí como áreas utilizadas de forma tradicional há cerca de 20 anos, mas o crescimento exacerbado de intervenções antrópicas na área tem dificultado o acesso indígena à região. O que indica que a presença Mbyá nesta área de Mata Atlântica só depende da garantia de seu direito à Terra Indígena.

V - REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL

O Relatório indica uma grande perspectiva de crescimento populacional. O crescente contingente de crianças vem demandando um maior desempenho econômico e, conseqüentemente, condições ambientais propícias à reprodução do grupo segundo seus usos, costumes e tradições. O tekó, o modo de ser Mbyá, precisa de matas preservadas, da família, da casa de reza, dos animais, dos rios e do cemitério. A maior causa de morte em Piraí são as rodovias federais cuja área de influência afeta diretamente os Mbyá (BR 101 e 280) e, entre as crianças, a subnutrição - sendo comuns também desidratação, gripe, pneumonia e verminose. A subnutrição é conseqüência direta da escassez de terras para o cultivo, fato que desencadeou a necessidade de alimentos industrializados, na maioria caros e menos nutritivos. O Relatório sobre o impacto da duplicação da BR 101, de 1996, já apresentava dados sobre a deterioração gradativa da qualidade de vida dos Guarani, que tiveram que se adaptar à nova configuração espacial, o que dificulta viverem segundo seus costumes e tradições. A religião entre os Mbyá é de extrema importância para a sua identidade enquanto grupo social, e está diretamente associada à medicina Guarani e à busca ritual da Terra Sem Males - principal motivo para as migrações Guarani. As plantas ete, aquelas consideradas "verdadeiras" pelos Mbyá, acompanham seus constantes deslocamentos; são usadas para dietas específicas, cura, artesanato, peças utilitárias, alimentação e, sobretudo, rituais religiosos - como a aquisição dos nomes-almas e o batismo do milho. Apesar do Tekoá ser o lugar onde Guarani deve nascer e ser enterrado, não existe cemitério em Piraí. Os mortos são enterrados no cemitério municipal devido à pressão da Prefeitura e, sobretudo, a uma decisão dos Mbyá: por ainda não terem a configuração legal da terra, não há a garantia de que a área será respeitada, tampouco seus mortos. Estão presentes na delimitação áreas de grande importância social na vida dos Mbyá: trilhas que ligam as aldeias, as áreas de mata que são "lugar bom pra rezar", os rios e os núcleos habitacionais, como mostra o mapa da página 116. A maioria das espécies nativas utilizadas para finalidades medicinais são encontradas ao longo da TI Piraí delimitada, principalmente nas áreas onde a mata encontra-se menos devastada. O traçado, obtido em conjunto com as indicações Mbyá, "foi feito a partir da identificação das áreas de uso, tanto para sustento físico da aldeia, quanto para a vivência social do grupo, além de esboçar, a partir de um crescimento presumível da população, um uso futuro".

VI - LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO

É a partir dos séculos XVI e XVII que se registrou históricos de ocupação, colonização e ciclos econômicos em Santa Catarina, bem como seus reflexos no uso de recursos naturais da região. O surgimento dos primeiros povoamentos e a colonização no litoral passaram a ser implementados durante a instalação das colônias no início do século XIX. No caso específico da região nordeste de Santa Catarina, esses processos iniciaram-se com a formação de uma das primeiras povoações do litoral catarinense: Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco - hoje município de São Francisco do Sul e intensificaram-se a partir da instalação da Colônia Dona Francisca, em 1851. Do período das implantações das Colônias até o final do século XIX, destaca-se na economia de Santa Catarina e região a exportação de produtos advindos de atividades com base extrativista e agrícola como: madeiras e minerais e exportação de erva-mate e de produtos como farinha, arroz, couro, banha, toucinho, café, fumo e outros. A partir da segunda metade do século XX, Santa Catarina inicia a sua participação na produção e comércio industrial, sobretudo na área têxtil. Tais empreendimentos, difundidos posteriormente para as indústrias de madeira, alimentação, metal-mecânica e plásticos são destaques, até os dias de hoje, na atual economia do Estado. Registros apontam a década de 1980 como um marco na implantação de atividades econômicas que geraram significativas alterações e reduções das formações vegetais naturais, podendo ser destacado: extração de palmito e madeira (das formações florestais maduras), expansão da agropecuária comercial (desmatamento para a formação de pastagens de latifúndios), da silvicultura (desmatamento para a introdução e dispersão espacial de espécies exógenas como o pinus e eucalipto). Atualmente a economia da região caracteriza-s e por um pólo industrial, atividades agrícolas, pecuária e grandes plantações de pinus e eucalipto. As propriedades cadastradas no levantamento fundiário estão localizadas dentro do município de Araquari e Guaramiranga/SC, inseridos dentro de um imóvel denominado como Domínio Dona Francisca (conforme mapa no anexo 03), recebido por herança da Princesa Dona Francisca e do Príncipe Joinville em inventários sucessivos, compostas por lotes urbanos e rurais localizados nos quatro municípios descritos anteriormente.

Foram cadastrados 14 (catorze) ocupantes não-índios. A área total das propriedades cadastradas atingiram cerca de 5.186,67 hectares, o que excede o total de área superficial estimada para a Terra Indígena Piraí (3.017ha) prevista no estudo de identificação. Isso indica que uma grande parte da área cadastrada está localizada fora dos limites da terra indígena. Das áreas previstas dentro da TI, em sua maioria, são áreas de mata ou proteção permanente, evitando-se assim as benfeitorias dos não-índios.

Segue a relação de ocupantes não indígenas (Nome do Ocupante; Localidade; Nome do Imóvel; Área do Imóvel na TI em ha): Tadeu Rogério de Morais; SC 301, km 07; Morro Grande; 5,47 - Ademir Ribeiro; Morro Grande; 2,30 - Suzana Alves; Morro do Jacu; Morro do Jacu; 66,00 - Mário Vieira; Corveta; Poço Grande; 19,00 - Franzner Representação e Participações Ltda; Morro do Jacu; Morro do Jacu; 200,00 - Adolar Oldenburg; Lagoa Nova; 80,00 - Dionysio Pisa; Estrada Municipal de Guamiranga; Guamiranga; 24,42 - Nilcione de Fátima Vieira; BR 280; São Miguel; 0,50 - Florestan Indústria de Madeira e Agropecuária Ltda; 1.558,44 - Nelson Antrak; Paço Grande; Poço Grande; 18,77 - Zouhair Hursen Haidar - Espólio de Hugo Ernesto Sievert; Piraí; Corveta; 4,07 - José Facchini; Rio das Antas; Rio das Antas; 52,08 - Weg Industria S.A.; BR 280; Poço Grande; 350,00.

VI - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO

Os trabalhos dos GT de identificação e delimitação demonstraram que a região estudada é habitada em caráter permanente há pelo menos vinte anos pelos Guarani Mbyá. O forte vínculo que une todas as famílias que vivem na região indica que todo o litoral norte de Santa Catarina é terra tradicional Mbyá. Deve-se considerar que a terra é fundamental para a caracterização do Guarani enquanto povo, o envolvimento dos Mbyá com o território delimitado se dá de maneira sócio-espiritual. A área delimitada em conjunto com os Guarani de Piraí é terra de uso tradicional assim como a área de Mata Atlântica abrangida é a mais indicada para seu uso futuro, de acordo com a perspectiva Mbyá. Considerando ainda que a ocupação de um território pelos Guarani não é aleatória, mas segue os preceitos da Tekoá, tanto as áreas de uso atual, como as de uso futuro, seguem o art. 231 da Constituição Federal, quanto aos critérios que caracterizam a tradicionalidade de uma Terra Indígena. Lembrando ainda que o conceito "tradicional" não remete a uma circunstância temporal ou a uma imemorialidade, mas ao modo de ocupação, toda a documentação etno-histórica e antropológica sobre a presença Guarani no litoral catarinense apresentadas no Relatório também justifica a delimitação da área.

Marianna Assunção F. Holanda

Antropóloga - CGID

DESCRIÇÃO DO PERÍMETRO

NORTE: partindo do Ponto P-01 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'19,6" S e 48º49'22,4" WGr., localizado no entroncamento de dois córrego sem denominação, deste segue por uma linha reta, até o Ponto P-02 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'14,9" S e 48º48'50,3" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-03 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'22,3" S e 48º48'38,7" WGr., localizado no entroncamento de dois córregos sem denominação; daí, segue pela margem esquerda de um dos córregos, a montante, até o Ponto P-04, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'35,3" S e 48º48'58,5"WGr, localizado na cabeceira do referido córrego; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-05 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'37,5" S e 48º48'57,6" WGr., localizado no bordo direito da faixa de domínio da Rodovia Federal BR-280, sentido Araquari; daí, segue, pelo referido bordo, até o Ponto P-06 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'26,4'' S e 48º48'29,3'' WGr., localizado no entroncamento do referido bordo com um córrego sem denominação; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-07, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'42,2" S e 48º48'08,2" WGr., localizado na cabeceira de um córrego sem denominação; LESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem direita do referido córrego, a jusante, até o Ponto P-08, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'22,2" S e 48º48'18,4" WGr., localizado no entroncamento do referido córrego com o Rio Piraí; daí, segue pela margem esquerda do referido rio, a jusante, até o Ponto P-09, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'58,9" S e 48º48'07,2" WGr., localizado na margem esquerda do Rio Piraí; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-10, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'03,6" S e 48º48'07,9" WGr., localizado no entroncamento do bordo esquerda da Rua Ferreira, sentido Rodovia BR-280 com um canal de drenagem; daí, segue pelo referido canal de drenagem, até o Ponto P-11, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'10,7" S e 48º48'17,4" WGr., localizado no entroncamento deste com outro canal de drenagem; daí, segue por uma linha reta até o Ponto P-12, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'28,4" S e 48º48'09,1"WGr., localizado no bordo da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-13, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'40,1" S e 48º47'52,8" WGr., localizado no bordo da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-14, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'53,4" S e 48º47'47,9"WGr., localizado no bordo da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-15, de coordenadas geográficas aproximadas 26º29'27,3" S e 48º47'14,1" WGr., localizado no bordo da mata; SUL: do ponto antes descrito, segue por uma linha reta até o Ponto P-16, de coordenadas geográficas aproximadas 26º30'07,7" S e 48º48'17,8" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-17, de coordenadas geográficas aproximadas 26º30'04,0" S e 48º48'54,6" WGr., localizado no final de um canal de drenagem; daí segue por uma linha reta, até o Ponto P-18, de coordenadas geográficas aproximadas 26º30'29,1" S e 48º50'14,2" WGr., localizado na deflexão de um canal de drenagem; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-19, de coordenadas geográficas aproximadas 26º31'02,6" S e 48º50'32,5" WGr., localizado no final de um canal de drenagem; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-20, de coordenadas geográficas aproximadas 26º31'16,6" S e 48º51'03,7" WGr., localizado no final de um canal de drenagem; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-21, de coordenadas geográficas aproximadas 26º31'18,6" S e 48º51'15,2" WGr., localizado no canto da mata; OESTE: do ponto antes descrito, segue por uma linha reta, até o Ponto P-22, de coordenadas geográficas aproximadas 26º30'17,1" S e 48º52'36,9" WGr., localizado no canto da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-23, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'46,5" S e 48º50'42,6" WGr, localizado no canto da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-24, de coordenadas geográficas aproximadas 26º29'04,3" S e 48º50'23,2" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-25, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'50,"2 S e 48º49'50,1" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-26, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'40,4" S e 48º49'31,4" WGr; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-27, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'05,1" S e 48º49'16,1" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-28, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'48,2" S e 48º49'34,7" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-29, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'40,1" S e 48º49'24,9" WGr., localizado no canto da mata; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-30, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'43,5" S e 48º48'41,8" WGr., localizado no bordo direito da Rua Ferreira, sentido Rodovia BR-280; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-31, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'28,5" S e 48º48'34,8" WGr., localizado na margem esquerda do Rio Piraí; daí, segue pela margem esquerda do referido rio, a montante, até o Ponto P-32, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'07,0" S e 48º49'17,0"WGr., localizado na margem esquerda do referido rio; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-33, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'01,1" S e 48º49'21,8" WGr, localizado no entroncamento da estrada de acesso a propriedade do Sr. Kienen, com outra estrada; daí, segue pelo bordo direito da referida estrada, sentido BR-280, até o Ponto P-34, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'54,0" S e 48º49'23,5" WGr., localizado no referido bordo; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-35, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'52,3" S e 48º49'14,1" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-36, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'47,7" S e 48º49'15,0" WGr., localizado no bordo direito da faixa de domínio Rodovia Federal BR-280, sentido Guaramirim; daí, segue pelo referido bordo, até o Ponto P-37, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'49,4" S e 48º49'24,7" WGr., localizado no bordo direito da faixa de domínio Rodovia Federal BR-280, sentido Guaramirim; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-38, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'42,5" S e 48º49'28,4" WGr., localizado na margem esquerda de um córrego sem denominação; daí, segue pela margem esquerda, a montante, até o Ponto P-39, de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'40,3" S e 48º49'23,0" WGr., localizado no entroncamento do referido córrego com outro córrego sem denominação; daí, segue pela margem esquerda do referido córrego sem denominação até o Ponto P-01, início desta descrição. OBS: 1 - Base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: SG.22-Z-B-II-3 e SG.22-Z-BV- 1 - Escala 1: 50.000 - IBGE-1981. 2 - As coordenadas geodésicas citadas neste memorial descritivo são referenciadas ao Datum Horizontal SAD-69. Responsável pela Identificação dos Limites: Elder Carlos Capellato, Engenheiro Agrimensor, CREA 5.061.117.836/D - SP.

MÁRCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA