Despacho FUNAI nº 16 de 08/05/2008
Norma Federal - Publicado no DO em 12 mai 2008
Aprova as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhece os estudos de identificação da Terra Indígena TARUMÃ de ocupação do grupo tribal Guarani Mbyá, localizada nos municípios de Araquari e Balneário Barra do Sul, Estado de Santa Catarina.
O PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI, tendo em vista o que consta no Processo FUNAI/BSB/3152/1999, e considerando o Resumo do Relatório de Identificação, de autoria da antropóloga Marianna Assunção Figueiredo Holanda que acolhe, face às razões e justificativas apresentadas, decide:
1. Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena TARUMÃ de ocupação do grupo tribal Guarani Mbyá, localizada nos municípios de Araquari e Balneário Barra do Sul, Estado de Santa Catarina.
2. Determinar a publicação no Diário Oficial da União e Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, do Resumo do Relatório Circunstanciado, Memorial Descritivo, Mapa e Despacho, na conformidade do § 7º do art. 2º do Decreto nº 1.775/1996.
3. Determinar que a publicação referida no item acima, seja afixada nas sedes das Prefeituras Municipais da situação do imóvel.
ANEXORESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA TARUMÃ/SC
Referência: Processo FUNAI/BSB/nº 3.152/1999. Terra Indígena Tarumã, municípios de Araquari e Balneário Barra do Sul, Estado de Santa Catarina. Superfície: 2.172 ha e perímetro: 24 km.
Povo indígena: Guarani Mbyá. População: 17 pessoas (2003). Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 428/PRES, de 15 de maio de 2003, alterada pela Portaria nº 634/PRES/03, de 30 de junho de 2003, coordenado pela antropóloga Maria Janete Albuquerque de Carvalho.
INTRODUÇÃO
O processo de regularização fundiária no litoral norte de Santa Catarina teve seu início em 1996, quando foi constatado pelo então Departamento de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente - DEPIMA - que o EIA/RIMA da duplicação da BR 101, trecho Guaruva-Palhoça, não abordava a questão indígena de modo satisfatório. Situação que induziu a constituição de um Grupo de Trabalho para realizar estudos complementares do componente indígena. O resultado foi o "Relatório sobre as áreas e Comunidades Guarani afetadas pelas obras de duplicação da BR 101 no Estado de Santa Catarina, Trecho Garuva-Palhoça", que detalhou a história de ocupação Guarani no litoral norte do Estado, bem como os desafios crescentes para a continuidade do modo de vida e sistema de ocupação territorial devido a intensificação das relações com não-índios. Desse contexto formou-se um GT para levantamento da situação fundiária dos Mbyá de Santa Catarina que conclui pela eleição de três Terras Indígenas:
Piraí, Pindoty e Tarumã, em 1998 e Morro Alto, em 2002. Entretanto, o parecer dos Relatórios indicou que eles apresentavam dados que comprovavam o uso tradicional de pelo menos duas Terras: Piraí e Tarumã. Mais tarde, a eleição de Pindoty e Tarumã foi questionada pelos próprio Guarani e novos estudos foram solicitados para verificar a tradicionalidade do uso da terra pelos Mbyá de Santa Catarina. Daí surge o GT de identificação e delimitação de quatro Terras Indígenas:
Piraí, Pindoty, Tarumã e Morro Alto. O resultado desses trabalhos demonstrou que tanto o sul quanto o litoral do sudeste do Brasil podem ser considerados parte do território histórico dos Guarani. O Relatório Circunstanciado de Tarumã foi apresentado, em versão final, em fevereiro de 2008 e aprovado pela Coordenação de Delimitação e Análise no mesmo mês. A TI Tarumã, assim com a TI Piraí, é uma das ocupações mais antigas, documentadas, da presença Guarani no litoral norte de Santa Catarina. E a história de Tarumã é a história de vida e de andanças dos Mbyá pela região, território tradicional. A ocupação em Tarumã é resultado da história de vida e migração de famílias extensas em busca de um lugar melhor para viver, longe de esbulhos, a busca pela Terra Sem Males. Esse movimento propiciou uma (re)ocupação de aldeias, de antigos Tekohá, escolhidos por meio da maneira Mbyá de ocupação.
I - DADOS GERAIS
Os Guarani são povos das terras baixas da América do Sul que há cinco séculos resistem à presença cada vez mais intensa de não-índios em seu território tradicional. Sua língua advém da família Tupi-Guarani, Tronco Tupi, e se divide nos dialetos mbyá, kaiowá e nhandevá. Para os Guarani, a língua, ou, melhor, a palavra, assume relevância cosmológica e religiosa, é um elemento essencial no processo de elaboração da pessoa Guarani. No Brasil, a ocupação do território pelos Tupi-Guarani se dá no primeiro milênio da nossa era e segue até os dois primeiros séculos do segundo milênio. Com o processo de conquistas de terras no "novo mundo", os Guarani que viviam no litoral foram uns dos primeiros povos autóctones a ser contactados. Nessa época, mais de vinte mil pessoas falavam Guarani no (hoje) sul do Brasil. Esse território foi alvo de disputas entre espanhóis e portugueses afetando, sobremaneira, os povos originários da região. As missões acabaram por se tornar uma alternativa para os Guarani, que se associavam aos jesuítas para resistir aos conflitos.
Aparentemente passivos e de fácil submissão - considerados como um povo "dócil e hospitaleiro"-, esses ascendentes dos atuais Guarani desenvolveram, ao longo do tempo, mecanismos e estratégias particulares para preservar seu modo de ser frente aos problemas enfrentados desde a chegada dos conquistadores até as relações inter-étnicas de hoje. No século XVII, as reduções providenciaram a transferência dos índios capturados para outros territórios, visando desarticular seu vínculo com a terra tradicional. Esse processo de desapropriação dos Guarani prosseguiu nos séculos XVIII e XIX, mas não sem resistência. Muitos Guaranis se esquivaram dos encomienderos espanhóis e das missões jesuíticas, buscando refúgio nos montes e nas matas subtropicais da região do Guaíra paraguaio e dos Sete Povos, chegando também à Mata Atlântica do litoral catarinense. A partir do início do século XX, os estudos etnográficos e bibliográficos permitiram uma maior compreensão a respeito da resistência lingüística, religiosa e política dos Guarani bem como das especificidades de sua cultura material. Terra, para os Guarani, é vida. E após séculos de esbulho e o exacerbado crescimento econômico das suas terras tradicionais impulsionado pela presença das BRs 101 e 280, temos atualmente uma ocupação humana progressiva e desordenada nas terras Guarani da região.
Migrações:
Não é possível falar de vida Mbyá sem suas andanças. A realidade Guarani não é estática. As relações de distanciamento e aproximação entre pessoas e famílias é o que dá vida ao social Mbyá, e elas estão em continuidade com o tempo. Advém daí o valor cosmogônico da migração, o processo de elaboração da pessoalidade, do ser Mbyá. As "rotas de dispersão" apresentadas no Relatório permitem visualizar os caminhos tradicionais que, percorridos historicamente pelos Mbyá, demonstram que sua mobilidade não é aleatória, mas está circunscrita a um espaço-tempo configurado como social. As migrações são guiadas pelos Nhanderu - líderes espirituais - e os Caciques, em busca de solos mais férteis e matas virgens, para viver o "ser" Guarani. Rezando e praticando diversos exercícios espirituais, movimentam-se em busca da Terra sem Mal, o lugar onde os Mbyá podem realizar de forma plena seu modo de ser verdadeiro, o tekó. É nele que o Guarani deve nascer e ser enterrado. Os lugares eleitos como ideais para viver e reproduzir o tekó são os Tekohá, eleitos por meio de sonhos em regiões entre a Mata Atlântica e o litoral. Dentro do território reconhecido pelos Mbyá, como sendo Guarani, existem diversos Tekohá, que também são fruto da dinâmica que compõem os Mbyá, das famílias que migram entre os Tekohá.
Mesmo se deixado por um grupo, outra família, senão a mesma, voltará a ocupar a região; este movimento é o que elabora o ser, a pessoa Mbyá. Vale notar ainda que essas dinâmicas mostram a luta dos Mbyá pela continuidade da sua mobilidade, apesar do progressivo esbulho. O crescente cerceamento pela povoação não-índia das terras tradicionais dos Guarani têm dificultado, e mesmo impossibilitado, que eles percorram os caminhos ancestrais.
II - HABITAÇÃO PERMANENTE
Toda a região litorânea de Santa Catarina está inserida no território histórico dos Guarani e sua forma de ocupação do solo está relacionada à reciprocidade entre famílias extensas. É dentro deste espaço que eles procuram fundar suas aldeias, onde reconhecem como de uso tradicional. Para os Mbyá, o Tekoá deve combinar o ambiente da Mata Atlântica e a proximidade do litoral, onde se reúnem as condições de viver segundo seus usos, costumes e tradições.
Entretanto, com a desconfiguração do território Guarani, é cada vez mais difícil lugares propícios para serem Tekohá. A Terra Indígena Tarumã recebeu esse nome devido à uma árvore localizada na porção central da aldeia; é composta de uma gleba que faz divisa com a TI Pindoty, cujo limite é delimitado pelo rio Una. Atualmente possui um único núcleo populacional, localizado a oeste, Corveta 1.
Foi uma região que sofreu forte processo de esbulho, forçando os Mbyá, ao longo do tempo, a sair da região. A (re)ocupação de Tarumã inicia-se na década de 1980 e é marcada por dois momentos: Corveta 2 e Corveta 1. Corveta 2 foi construída pelo encontro de duas famílias extensas, uma delas, transferida de Tiaraju - hoje TI Piraí.
Segundo os relatos Guarani, os primeiros anos em Corveta 2 foram pacíficos. As plantações eram variadas, as casas eram construídas no modelo tradicional e de acordo com a distribuição espacial adequada, e o núcleo habitacional contava com uma casa de reza - Opy - local privilegiado para a realização de ritos religiosos, como o batismo das crianças e a festa do Nimongarai. Contudo, os Mbyá causavam incômodos, a ponto dos índios passarem a ser ludibriados, embebedados e ameaçados de morte pelos ocupantes de suas terras e moradores do entorno. Essa tensão é reflexo da crescente especulação imobiliária no litoral norte de Santa Catarina e em particular, na área onde incidia Corveta 2. A principal conseqüência para os Guarani foi a expulsão das famílias mbyá, em 1989. Suas casas foram incendiadas e a região foi comprada, posteriormente, pela empresa Karsten Têxtil. Estas famílias movimentaram-se em busca de um lugar que atendesse os preceitos Mbyá: algumas se estabeleceram na Terra Indígena Piraí, outros iniciaram uma nova (re)ocupação em Tarumã, Corveta 1, local onde estão até hoje. Outros integrantes da família extensa foram para a atual TI Pindoty, formando a aldeia Tekohá 22 de maio, gleba Conquista. Essa mobilidade entre os espaços tradicionais tidos como sociais - os Tekohá - é uma característica constitutiva da pessoalidade Mbyá. Pelo levantamento das rotas e locais de passagem e moradia das famílias que integram a terra foi possível perceber que a presença dos Mbyá no local é indissociável do histórico de formação de outros aldeamentos, ou seja, do histórico de ocupação de outras famílias Guarani Mbyá na região nordeste de Santa Catarina, bem como em outras localidades. Foi a partir de relatos, histórias de vida e de andanças dessas famílias, que se traçou um "mapa" das ocupações, respeitando a concepção Guarani de espaço e manejo da terra; ela ultrapassa os limites territoriais da sociedade nacional e é revelada pela categoria guará - conjunto de aldeias unidas por laços de parentesco e reciprocidade. Em 1996 uma equipe da UFSC mapeou a localidade Corveta 1 e concluiu que ela era habitada, há pelo menos 20 anos, por Mbyá, resistentes à pressão de não-índios e aos conflitos subseqüentes. Entretanto é imprescindível relatar que embora Corveta 1 apresente aspectos de um Tekohá, e faça parte do território histórico Guarani, não possui a idealidade de Corveta 2. Nesta localidade havia fartura de caça e muitas áreas de coleta, além de terras "boas pra plantar". Corveta 2 possuía todos os elementos para ser considerada uma terra de ocupação e uso tradicional, inserida dentro dos limites do grande território histórico Guarani, só foi desocupada pela expulsão violenta dos Mbyá. Atualmente, Corveta 1 conta com uma população de 17 pessoas, com 5 habitações que formam três pequenos núcleos. São Mbyá integrantes de diferentes famílias extensas com vínculos de consangüinidade, matrimoniais e/ou de afinidade com outras famílias Mbyá da região.
Foi a partir de relatos, histórias de vida e de andanças dessas famílias, que se traçou um "mapa" das ocupações, respeitando a concepção Guarani de espaço e manejo da terra; ela ultrapassa os limites territoriais da sociedade nacional e é revelada pela categoria guará - conjunto de aldeias unidas por laços de parentesco e reciprocidade.
Embora as formas de ocupação da área tenham características diferentes, todas as aldeias são denominadas pelos Guarani como Tekohá, que faz parte de um todo, um grande território Guarani que está sendo (re)descoberto pelos Mbyá. A distribuição das casas se baseia no modo Guarani de apropriação do espaço; numa situação ideal, um tekohá procura abrigar um número de moradias idêntico ao de famílias elementares. As casas se distanciam, preferencialmente, de modo proporcional à distância de relações de parentesco e/ou afinidade, que unem seus moradores. São casas pequenas, de madeira com cobertura de barro e cortas por palha. Essa formação aliada ao chão de terra batida permite a presença do fogo no interior das casas, muito comum em Tarumã. O fogo é aceso para cozinhar, para espantar mosquitos e também para aquecer a casa em dias frios. Além disso, a proximidade das casas é um mecanismo de defesa, uma estratégia para evitar novas incursões de não-índios. Mas, assim como as demais aldeias do litoral norte de Santa Catarina, tal distribuição está prejudicada pelos impedimentos de terceiros, como "proprietários" na região. É a recente história da expulsão e situação tensa de conflitos eminentes que impede a construção de uma Opy em Tarumã.
Desde a expulsão de Corveta 2, os Mbyá consideram que não há um local seguro, com garantia da tranqüilidade necessária para abrigar a casa de reza e tornar-se o centro de uma aldeia. O tekó - modo de ser Guarani - só se realizará plenamente com a regularização fundiária e a fiança de uso exclusivo de suas terras tradicionais.
III - ATIVIDADES PRODUTIVAS
Diante das restrições impostas pela ocupação desenfreada da TI por terceiros com obstruções da livre circulação Mbyá por suas terras e da utilização do meio para as atividades produtivas tradicionais a vivência do Tekó tem sido ameaçada. Antes da expulsão de Corveta 2, essa realidade era vivida por meio das plantações de milho, cana, feijão, aipim, batata-doce, abóbora, melancia, "porongo"
- sempre em roças nucleares - e também pela disponibilidade constante de caça. Apesar das dificuldades vividas em Corveta 1, atualmente, as atividades desenvolvidas são de fundamental importância para sua reprodução cultural, a saber: agricultura, caça, pesca, coleta e artesanato. A agricultura é a atividade estrutural da vida comunitária.
Sua centralidade parte de um sistema mais amplo que envolve aspectos da organização social. Mas após os contatos cada vez mais estreitos com a sociedade nacional, uma profunda alteração na economia tradicional foi ressaltada: a quantidade cada vez menor de terras adequadas para a agricultura tradicional, limitando o sistema de queima e pousio, imprescindível para a reprodução física e cultural Guarani e a manutenção ambiental da região. É praticada em torno dos núcleos residenciais, em áreas denominadas kaaguy karapeí - ambientes com formações florestais em estágio inicial e médio de regeneração. Em Tarumã, a agricultura praticada é de pequena escala e caracteriza-se, sobretudo, pela manutenção de várias plantas secularmente cultivadas pelos Guarani, denominadas eté, verdadeiras. O relatório ambiental indica grande diversidade de plantas cultivadas, garantida pela transferência de conhecimento entre gerações, condições ambientais que dão a possibilidade de efetuar as redes de troca e cultivares entre parentes. Além da agricultura, também a caça é regida por regras e significados, dependendo da continuidade das espécies, cada vez mais escassas. É praticada principalmente em áreas próximas aos núcleos residenciais, com auxílio de armadilhas como mundéus e laços, cada vez mais necessárias devido à escassez dos animais e restrição da área. Muitos proprietários do entorno têm proibido a passagem de índios pelas suas terras, o que impossibilita as saídas para caça com arco, flecha e ajuda de cachorros. A ausência de grandes mamíferos também é resultado da perda significativa e crescente da mata nativa, quadro comum às outras terras indígenas da região, fazendo com que esses animais só sejam encontrados em áreas próximas à Serra do Mar. A pesca costuma ser realizada com a vara, a linha e anzol ou com rede e tarrafa. O ponto preferido pelos Mbyá de Tarumã para a pesca é o rio Una, limite norte, divisa com a TI Pindoty. A atividade de coleta em Tarumã envolve uma ampla diversidade de espécies - o GT registrou mais de 30. Coleta-se, nas poucas áreas de mata preservadas, além de frutas e alimentos, plantas para uso terapêutico e/ou como matéria-prima para a construção de casas, armadilhas e confecção de artesanato. Contudo, a degradação ambiental restringiu o acesso a algumas espécies, como o kurupikay - madeira usada para confecção de artesanato - a uma região específica, na parte sul da TI delimitada. Os empecilhos citados têm propiciado uma dependência crescente, pelos Mbyá, de produtos industrializados.
Resultado da proximidade da cidade e da crescente escassez de áreas de caça, coleta e plantio. Além da escassez de áreas propícias para a plena reprodução física e cultural, enfatizamos a dificuldade imposta pelos ocupantes não-índios para a realização das atividades produtivas tradicionais. Por outro lado, deve-se notar as estratégias de resistência cultural Guarani. O contato intenso com os turistas da região permitiu aos Mbyá adquirirem uma nova perspectiva financeira via artesanato. Essa atividade deixou, gradualmente, de ser complementar e vem ganhando visibilidade e importância, inclusive colaborando para o resgate de práticas abandonadas, como a confecção de arcos. A produção de artesanato gira em torno de colares, arcos e flechas de diversos tamanhos, chocalhos, abanadores e cestarias. Outro item bastante produzido são os "bichinhos", réplicas de animais encontrados na área ou durante as andanças Guarani. Parte da renda se origina da venda de artesanatos nas cidades próximas - Joinville e São Francisco do Sul, onde o número de turistas é maior.
A venda de artesanato também se dá às margens da BR 101, na parte sul da TI. Outros fatores que conduzem os Mbyá às cidades são a busca por atendimento médico, as doações que recebem das cidades do entorno e prestação de serviços diversos.
IV - MEIO AMBIENTE
Os Mbyá estão diretamente ligados ao ambiente em que vivem; costumam viver em ambientes com clima úmido, preferencialmente às margens de rios e lagoas e perto do litoral. A TI Tarumã encontra-se inserida na Região Hidrográfica Catarinense, Baixada Norte, área de influência de Macro Bacias dos rios Cubatão e Itapocu.
Região nordeste do Estado de Santa Catarina, o clima é marcado por duas estações: verão - com altas temperaturas e chuvas intensas - e o inverno - quando cai a temperatura devido às massas polares e à frente atlântica, apresentando também queda de pluvosidade. Essa região está inserida no domínio da Mata Atlântica, cujo solo depende fundamentalmente para da cobertura vegetal para a sua estabilização.
Contudo, o isolamento e a pequena extensão dos fragmentos de vegetação nativa resultaram na inclusão da maioria das espécies de fauna e flora na lista de espécies ameaçadas de extinção; condição que faz imprescindível a garantia de condições para o sistema de agricultura tradicional, com rotatividade do solo e pousio, bem como um estancamento da exploração destrutiva na região. A estrada do inferninho, que corta a Tarumã pode ser considerada como um referencial latitudinal (leste - oeste), no que diz respeito as condições ambientais e intervenções presentes na TI. 1) Face norte: único resquício de mata ciliar preservada presente do lado oeste da TI, já no limite divisor com a TI Pindoty. É onde se encontram as formações florestais mais maduras, em estágio médio de regeneração, às margens do rio Una. Entretanto, várias atividades têm incidido no local e alterando o ambiente: plantações de pinus, extração de areia, madeira, palmito e samambaias, musgos e liquens além da criação de abelhas. Essas porções de mata não contíguas são intercaladas por grande talhões de pinus e eucaliptos, áreas de pastagens e clareiras abertas; 2) Face noroeste: próxima ao rio Una, trata-se do principal ponto de pesca de Tarumã, e onde encontram-se as únicas formações florestais maduras incidentes na parte oeste da TI Tarumã. É nesta porção que se encontra Corveta 2, utilizada hoje em dia para caça e coleta; 3) Face oeste: encontra-se no limite divisor da TI se encontra o atual núcleo residencial da TI Tarumã - além de outras residências do bairro Coqueiro / Corveta. É nesta parte que a influência da BR 101 se faz mais presente, já que, para o acesso à face leste, onde se faz os tratamentos espirituais, é necessário que se atravesse a BR; 4) Face sul: lá incidem lotes residenciais, as sedes de empreendimentos incidentes na TI, como a Fazenda Karsten, a Mineração Nilson Ltda, a Mineração Veiga, a Granja Sinuelo, entre outros. É na área próxima as estruturas físicas das mineradoras que se encontra um fragmento de mata bastante utilizado pelos Mbyá, tanto de Tarumã quanto de Pindoty. Mas a área incidente nos limites da TI é de mata, ou reflorestamento, com grandes possibilidades de regeneração; 5) Face sudeste: única localidade onde ainda se encontra o kurupikay - espécie arborácea utilizada na confecção de artesanato e 6) Face leste = Ao longo da margem leste da estrada do inferninho há área com formações vegetais - florestais ou não - em estágio pioneiro de regeneração, porém com incidência de plantações de pinus e eucalipto.
É nesta face, lado direito da estrada do inferninho, que há menos intervenções antrópicas e que os Guarani aspiram utilizar.
V - REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL
Para os ascendentes dos atuais Guarani a única liderança era o líder religioso, Nhanderu. Com a intensificação das relações com não-índios surgiu uma nova faceta da liderança - a política - hoje exercida, geralmente, pelo chefe da família extensa. Até a década de 1990 era comum o líder religioso exercer a chefia política, mas os diversos problemas impostos pela sociedade envolvente têm propiciado a presença cada vez mais comum de dois líderes: o espiritual e o religioso. A iniciação à religiosidade pode ser considerada o primeiro evento social formal para os Guarani. A religião caracteriza a maneira de ser, interagir e elaborar o mundo. A religião entre os Mbyá é de extrema importância para a sua identidade enquanto grupo social, e está diretamente associada à medicina Guarani e à busca ritual da Terra Sem Males - principal motivo para as migrações.
Outro importante instrumento usado pelos Guarani na vida diária e nos rituais é o chimarrão, erva sagrada. A presença da Opy e a prática xamanística atestam a realização de um modelo cultural considerado ideal pelos Guarani. Mas lembremos que não há uma Opy em Tarumã desde a expulsão das famílias de Corveta 2. A presença da mitologia na vida cotidiana Mbyá é forte. Foi partindo do princípio da busca por Yvy Mara Ey - a Terra Sem Mal - que se deu a ocupação de Corveta 2, seguida de Corveta 1, consideradas Tekohá. Apesar do Tekohá ser o lugar onde Guarani deve nascer e ser enterrado, não existe cemitério em Tarumã, assim como nas demais terras indígenas do litoral norte de Santa Catarina. Os mortos são enterrados no cemitério municipal devido à pressão da Prefeitura e, sobretudo, a uma decisão dos Mbyá: por ainda não terem a configuração legal da terra, não há a garantia de que a área será respeitada, tampouco seus mortos. Uma interface forte da religião é sua associação à medicina Guarani. De acordo com os Mbyá, um grande número de doenças são causadas devido ao não cumprimento de certas prescrições sociais.
São as doenças da alma, que podem ser curadas do modo tradicional.
Mas a estreita relação com as cidades do entorno aumentou o número de males que atingem os Mbyá. As doenças que Nhanderu não consegue curar - aquelas que não são espirituais - são encaminhadas para os postos de saúde da Funasa; dentre as mais comuns, estão subnutrição, desidratação, gripes, pneumonias e verminoses. A subnutrição é conseqüência direta da escassez de terras para o cultivo, fato que desencadeou a necessidade de alimentos industrializados, na maioria caros e menos nutritivos. O Relatório sobre o impacto da duplicação da BR 101, de 1996, já apresentava dados sobre a deterioração gradativa da qualidade de vida dos Guarani, que tiveram que se adaptar à nova configuração espacial, o que dificulta viverem segundo seus costumes e tradições. Apesar dessas "novas" doenças, a maior causa de morte entre os Mbyá de Tarumã são os atropelamentos, sobretudo na "estrada do inferninho", estrada vicinal que liga as BRs 101 e 280 e que corta as Terras Indígenas Tarumã e Pindoty ao meio. Transtorno comum às demais terras indígenas da região. Porém, mesmo com esse histórico de invasão e resistência os dados recolhidos em campo indicaram uma grande perspectiva de crescimento populacional. O crescente contingente de crianças vem demandando um maior desempenho econômico e, conseqüentemente, condições ambientais propícias à reprodução do grupo segundo seus usos, costumes e tradições. O Tekó, o modo de ser Mbyá, precisa de matas preservadas, da família, da casa de reza, dos animais, dos rios e do cemitério. Estão presentes na delimitação áreas de grande importância social na vida dos Mbyá: trilhas que ligam as aldeias, as áreas de mata preservada, os rios e os núcleos habitacionais, além das antigas terras da qual foram expulsos e onde havia a Opy. O traçado, obtido em conjunto com as indicações Mbyá, foi feito a partir da identificação das áreas de uso, tanto para sustento físico da aldeia, quanto para a vivência social do grupo, além de esboçar, a partir de um crescimento presumível da população, um uso futuro. Embora Corveta 2 não seja habitada hoje pelos índios isso se deve às obstruções de terceiros. Corveta 2 é um Tekohá, possui todos os elementos para ser considerada parte imprescindível da terra indígena de ocupação e uso tradicional e parte do grande território histórico dos Guarani. Corveta 1 também faz parte desse território e é onde os Mbyá puderam se manter enquanto povo desde a década de 1980.
VI - LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO
É a partir dos séculos XVI e XVII que se registrou históricos de ocupação, colonização e ciclos econômicos em Santa Catarina, bem como seus reflexos no uso de recursos naturais da região. O surgimento dos primeiros povoamentos e a colonização no litoral passaram a ser implementados durante a instalação das colônias no início do século XIX. No caso específico da região nordeste de Santa Catarina, esses processos iniciaram-se com a formação de uma das primeiras povoações do litoral catarinense: Nossa Senhora da Graça do Rio de São Francisco - hoje município de São Francisco do Sul e intensificaram-se a partir da instalação da Colônia Dona Francisca, em 1851. Do período das implantações das Colônias até o final do século XIX, destaca-se na economia de Santa Catarina e região a exportação de produtos advindos de atividades com base extrativista e agrícola como: madeiras e minerais e exportação de erva-mate e de produtos como farinha, arroz, couro, banha, toucinho, café, fumo e outros. A partir da segunda metade do século XX, Santa Catarina inicia a sua participação na produção e comércio industrial, sobretudo na área têxtil. Tais empreendimentos, difundidos posteriormente para as indústrias de madeira, alimentação, metal-mecânica e plásticos são destaques, até os dias de hoje, na atual economia do Estado. Registros apontam a década de 1980 como um marco na implantação de atividades econômicas que geraram significativas alterações e reduções das formações vegetais naturais, podendo ser destacado: extração de palmito e madeira (das formações florestais maduras), expansão da agropecuária comercial (desmatamento para a formação de pastagens de latifúndios), da silvicultura (desmatamento para a introdução e dispersão espacial de espécies exógenas como o pinus e eucalipto).
Atualmente a economia da região caracteriza-se por um pólo industrial, atividades agrícolas, pecuária e grandes plantações de pinus e eucalipto. A delimitação da Terra Indígena Tarumã foi feita visando o sustento do Tekó. Para tanto é necessário a desobstrução de terceiros da área delimitada. Atualmente a economia da região caracteriza-se por um pólo industrial em implantação e atividades agrícolas - com destaque para o arroz irrigado - pecuária, e grandes plantações de pinus e eucalipto. Além disso, há áreas de mineração e o destaque para o turismo como grande fonte de renda do Estado. As propriedades cadastradas no levantamento fundiário estão localizadas dentro do município de Araquari e Balneário Barra do Sul. Foram cadastrados 11 ocupantes não-índios. Das áreas previstas dentro da TI, em sua maioria, são áreas de mata ou proteção permanente, evitando-se assim as benfeitorias dos nãoíndios. Segue a relação de ocupantes não indígenas :LV; NOME: 6; Ibere Alcebiades Duarte - 11; Celso Vieira Coelho - 12; Karsten As - 13; Ulisses Molon / Pedro Molon - 14; Tacolinder Participacões Ltda - 20; Maria Justina Miguel - 27; Tupy Agroenergética Ltda/Projeto Pinheiro - 28; Dominio Dona Francisca - 30; Comfloresta / Uma - 31; R. Bittencourt Construtora e Incorp Ltda. - 32; Rede Ferroviária Federal S.A.
VII - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO
Os trabalhos dos GT de identificação e delimitação demonstraram que a região estudada é habitada em caráter permanente há pelo menos vinte anos pelos Guarani Mbyá. O forte vínculo que une todas as famílias que vivem na região indica que todo o litoral norte de Santa Catarina é terra tradicional Mbyá. Deve-se considerar que a terra é fundamental para a caracterização do Guarani enquanto povo, o envolvimento dos Mbyá com o território delimitado se dá de maneira sócio-espiritual. A área delimitada em conjunto com os Guarani de Tarumã é terra de uso tradicional, a despeito da degradação ambiental em estado tão avançado e que põe em risco a reprodução física e cultural dos Mbyá. Considerando ainda que a ocupação de um território pelos Guarani não é aleatória, mas segue os preceitos da Tekohá, tanto as áreas de uso atual, como as de uso futuro, seguem o artigo 231 da Constituição Federal, quanto aos critérios que caracterizam a tradicionalidade de uma Terra Indígena. E, lembrando que o conceito "tradicional" não remete a uma circunstância temporal ou a uma imemorialidade, mas ao modo de ocupação, toda a documentação etno-histórica e antropológica sobre a presença Guarani no litoral catarinense apresentadas no Relatório justifica a delimitação da área como Terra Indígena Guarani-Mbyá.
Marianna Assunção F. Holanda Antropóloga - CGID
DESCRIÇÃO DO PERÍMETRO
NORTE: partindo do Ponto P-01 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'48,2" S e 48º44'20,8" WGr., localizado na margem esquerda do Rio Una, segue por este a montante, até o Ponto P-02 de coordenadas geográficas aproximadas 26º26'34,0" S e 48º41'38,5" WGr., localizado na sua cabeceira; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-03 de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'25,1" S e 48º40'16,3" WGr., localizado na cabeceira do Rio Perequê; LESTE: do ponto antes descrito, segue pela margem direita do referido rio, a jusante, até o Ponto P-04 de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'25,9" S e 48º40'19,9" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-05 de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'55,5" S e 48º40'52,1" WGr., localizado na cabeceira do Ribeirão Cardoso; daí, segue pela margem direita do referido ribeirão, a jusante, até o Ponto P-06 de coordenadas geográficas aproximadas 26º29'19,3'' S e 48º41'16,9'' WGr.; SUL: do ponto antes descrito, segue por uma linha reta, até o Ponto P-07 de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'45,4" S e 48º41'49,2" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-08 de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'46,3" S e 48º42'39,1" WGr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto P-09, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'56,9" S e 48º42'39,6" WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-10 de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'57,7" S e 48º44'00,0" WGr.; OESTE: do ponto antes descrito, segue por linha seca até o Ponto P-11, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'40,3" S e 48º44'17,3" WGr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto P-12, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'43,6" S e 48º44'28,3"WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-13, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'02,3" S e 48º44'37,2"WGr, localizado em um canto de divisa; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-14, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'06,5" S e 48º44'42,2"WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-15, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'05,3" S e 48º44'43,5"WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-16, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'06,2" S e 48º44'44,5"WGr., localizado no bordo direito da faixa de domínio da Rodovia BR-101, sentido Joinville; daí, segue pela referida faixa de domínio, até o Ponto P-17, de coordenadas geográficas aproximadas 26º28'01,6" S e 48º44'49,4"WGr., localizado no bordo direito da faixa de domínio da Rodovia BR-101, sentido Joinville; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-18, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'30,8" S e 48º44'26,8"WGr.; daí, segue por uma linha reta, até o Ponto P-19, de coordenadas geográficas aproximadas 26º27'07,6" S e 48º44'01,3"WGr.; daí, segue por uma linha reta até o Ponto 01, início desta descrição. OBS: 1 - Base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: SG.22-Z-B-II-4 e SG.22-Z-B-V-2 - Escala 1: 50.000 - IBGE-1981. 2 - As coordenadas geodésicas citadas neste memorial descritivo são referenciadas ao Datum Horizontal SAD-69. Responsável pela Identificação dos Limites: Sérgio de Campos, Engenheiro Agrimensor, CREA nº 40.231/D - SP.