Despacho FUNAI nº 15 de 19/04/2011

Norma Federal - Publicado no DO em 20 abr 2011

Aprova as conclusões objeto do citado resumo para, afinal, reconhecer os estudos de identificação e delimitação da terra indígena GUANABARA, de ocupação tradicional do grupo indígena Kokama, situada no município de Benjamin Constant, estado do Amazonas.

O Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, tendo em vista o que consta no Processo 08620.2389/2008, e considerando o resumo do relatório de identificação e delimitação de autoria da antropóloga PRISCILA MATTA, que acolhe face as razões e justificativas apresentadas,

Decide:

1. Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para, afinal, reconhecer os estudos de identificação e delimitação da terra indígena GUANABARA, de ocupação tradicional do grupo indígena Kokama, situada no município de Benjamin Constant, estado do Amazonas.

2. Determinar a publicação no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do estado do Amazonas, do resumo do relatório circunstanciado, memorial descritivo, mapa e despacho, na conformidade do § 7º do art. 2º do Decreto nº 1.775/1996.

3. Determinar que a publicação referida no item acima seja afixada na sede das prefeituras municipais da situação do imóvel.

MÁRCIO AGUSTO FREITAS DE MEIRA

ANEXO
RESUMO DO RELATÓRIO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA GUANABARA

Referencia: Processo nº 08620.002389/08 Terra Indígena: Guanabara. Localização: Município de Benjamin Constant, Estado do Amazonas. Superfície: 15.600 ha. Perímetro: 103 km. Sociedade Indígena: Kokama. Família lingüística: Tupi-Guarani. População: 395 habitantes (02/2004). Identificação: Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 499/PRES, de 09 de junho de 2003 e nº 572/PRES, de 17 de junho de 2003, coordenado pela antropóloga: Priscila Matta.

APRESENTAÇÃO

O relatório a que se refere esse resumo fundamenta a proposta de limites da Terra Indígena Guanabara, reivindicada pelo povo Kokama e localizada no município de Benjamin Constant, região sudoeste do Estado do Amazonas.

Este trabalho teve como referência o disposto pelo Titulo III - Das Terras dos Índios da Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, o art. 231 e parágrafos da Constituição Federal de 1988, o Decreto nº 1.775, de 08 de janeiro de 1996 e a Portaria MJ nº 14, de 09 de janeiro de 1996.

Na definição dos limites consideramos os conhecimentos técnicos dos participantes do GT, documentos e material bibliográfico sobre a região e sobre os Kokama e a proposta e conhecimentos dos moradores das Comunidades de Guanabara II e Nova Terra, identificados como Kokama e habitantes do que delimitamos como Terra Indígena Guanabara. Com superfície e perímetro aproximados de 15.600 ha (quinze mil e seiscentos hectares) e 103 km (cento e três quilômetros) respectivamente, conta com uma população de 395 pessoas distribuídas majoritariamente nas comunidades Guanabara II e Nova Terra.

O grupo técnico foi então composto por Luis Mauro Gomes Ferreira, ambientalista, Reginaldo de Oliveira Carvalho, responsável pela parte cartográfica, Josemar Araújo Andrade, técnico agrícola do quadro da FUNAI e José Jurimar da Silva Maia, técnico agrícola lotado na unidade do INCRA de Benjamin Constant, encarregados do levantamento fundiário, e a antropóloga-coordenadora, Priscila Matta.

Este estudo de campo e os levantamentos realizados para identificação e delimitação dessa terra indígena seguiram as Portarias nº 499/PRES de 09 de junho de 2003 e nº 572/PRES de 17 de junho de 2003, com duração de 09 de junho a 16 de julho de 2003 - incluindo deslocamentos e estudos da Terra Indígena Sururuá.

Ocorreram reuniões no centro comunitário da comunidade para discutirmos a metodologia e o andamento dos trabalhos de campo e contamos com o acompanhamento, de pelo menos um membro do grupo, nas visitas às casas dos moradores, às roças, às áreas de coleta e uso dos recursos naturais e nas coletas de pontos de GPS para a identificação dos limites propostos.

I - DADOS GERAIS

Os Kokama estão distribuídos ao longo do Alto e Médio Amazonas até o vale do Rio Ucayali, no Peru. A língua Kokama pertence à família lingüística TupiGuarani, tronco Tupi.

Os depoimentos dos cronistas. das primeiras expedições a explorarem o Alto Amazonas indicam que, no século XVI, a língua dos Kokama e dos Omáguas era muito próxima da Tupinambá (família Tupi-Guarani, tronco Tupi) falada na costa brasileira, sendo produto de trocas, inclusive lingüísticas, não havendo uma relação de natureza originária.

No Brasil, os dados demográficos somavam cerca de 1395 indivíduos, em 1998. Estes são números aproximados uma vez que há um movimento crescente de reconhecimento da identidade indígena apoiado pela organização indígena OGCCIPC - Organização Geral dos Caciques das Comunidades Indígenas do Povo Cocama, além de haver kokamas que moram em cidades do Alto Solimões, e não foram contabilizados por esse levantamento, e outros que negam a identidade indígena.

A ocupação do alto Solimões ocorreu, principalmente, a partir de metade do século XVII. Parte da história do alto Solimões é descrita por cronistas dos séculos XVI e XVII que encontram uma população numerosa, distribuída em povoados extensos, que produzia excedentes que circulavam intensamente fomentando um comércio de produtos primários e manufaturados entre os povos.

Chegaram à região comerciantes, missionários espanhóis, coletores de drogas, tropas e missionários portugueses. O avanço dessas empresas significou dispersão dos povos que lá habitavam, reordenação dos padrões de relações e das composições territoriais, ocorrendo inclusive o apresamento de grande parte dessas populações ribeirinhas. Nos últimos anos do século XVII, a várzea amazônica estava com uma população reduzida que lidava também com epidemias letais trazidas pelos brancos. Em decorrência do despovoamento da várzea, povos da terra firme ocuparam esse território, como os Ticuna, e as populações ribeirinhas que então eram majoritárias, acabaram sendo tratadas como extintas, como é o caso dos Kokama.

No século XVIII, a região do Alto Amazonas foi caracterizada pelo recrutamento e servidão de mão-de-obra indígena nas vilas e fazendas portuguesas, processos marcados por combates, massacres e fugas de muitos índios para o interior, terra firme ou para o Peru. O final do século XIX foi marcado pelo ciclo da borracha, instituído sob o sistema de servidão.

Há um hiato em relação à documentação sobre os Kokama, mas o que percebemos com esse movimento recente de reconhecimento da identidade é que ficaram de certa forma "escondidos", e agora estão sentindo um momento mais propício ao "aparecimento".

Os Kokama estavam (e estão) distribuídos no Alto e Médio Amazonas, sendo em muitos momentos sua história confundida com a dos Omágua.

Há referências de viajantes que afirmam ter encontrado Kokama e Omágua no alto Solimões, vindo também a relatar o processo de colonização e a atuação dos missionários que incentivaram a miscigenação entre os Kokama com os Omágua. Assim fica apontado o território Kokama, que além de indicar a ocupação tradicional a partir da perspectiva histórica, é utilizado, até os dias de hoje, como habitação permanente.

Até os anos 1970, os Kokama eram apontados como extintos. Em 1983, Antônio Samia, com alguns capitães Ticuna, entra em contato com os direitos dos povos indígenas e dos Kokama. Desde então, Antônio Januário Samias e Francisco Guerra Samias, seu filho, começam a organizar os moradores de Sapotal em torno da discussão da identidade Kokama, fortalecendo a organização dos Kokama na região, passando muitas pessoas e até comunidades inteiras, a assumir a identidade indígena e a lutar pelos respectivos direitos.

Atualmente, seguindo um padrão migratório, os Kokama estão realizando uma andança no sentido leste. Os Kokama foram marcados por um processo migratório sentido leste-oeste, no começo da colonização e, atualmente, estão caminhando em sentido inverso, inclusive motivados pelas designações de um suposto messias, que percorreu a região décadas atrás.

Hoje estão distribuídos, no Brasil, nos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Tonantins, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Fonte Boa, Jutaí e Tefé. Segundo Cristóvão Moçambite, Presidente da OGCCIPC, há no alto Solimões 42 comunidades Kokama.

Houve uma adesão por grande parte dos Kokama à Ordem Cruzada Católica Apostólica e Evangélica, conhecida como a Irmandade da Santa Cruz (ISC), por remeter ao seu sistema de representação religiosa. Na década de 70, esse movimento de caráter milenarista, fundado por Francisco José da Cruz, atraiu a adesão de povos indígenas e ribeirinhos da região amazônica e encontra, até os dias de hoje, seguidores ortodoxos, inclusive os Kokama de Guanabara II e de Nova Terra.

II - HABITAÇÃO PERMANENTE

Na Terra Indígena Guanabara duas comunidades Kokama: Guanabara II, com uma população de 328 pessoas e Kunumituiuca - conhecida também como Nova Terra - com 54 habitantes, além de haver 9 moradores da comunidade São Sebastião e 4 moradores de Nova União que se identificaram como Kokama, estando estas últimas localizadas nas imediações de Guanabara II e de Nova Terra. Ambas as comunidades foram formadas na beira do rio Solimões, em locais de terra firme.

A população da Terra Indígena Guanabara é composta por 395 pessoas, cujas comunidades estão localizadas na beira do rio Solimões. Estarem próximas a cursos d'água é um dos critérios para a ocupação e formação das comunidades por ser uma população ribeirinha que vive essencialmente dos recursos dos rios e da floresta. O modo de vida dessas pessoas está principalmente relacionado ao rio Solimões, seja como caminho natural, por onde estabelecem vínculos de parentesco, religiosos, econômicos ou comerciais, como importante fonte piscosa fornecedora da base alimentar Kokama, ou mesmo como acesso às cidades de Benjamin Constant e de Tabatinga e aos serviços por elas oferecidos.

No âmbito simbólico e cultural, o principal motivo para a fixação das comunidades foi o movimento da cruzada, que "plantou" uma cruz na entrada da Igreja, localizada no centro da comunidade - no caso, Guanabara II -, consagrando o local. Aliado à movimentação em busca da "cruz", os laços de parentesco são também elementos fundamentais para a "atração" dos parentes e constituição das comunidades.

O padrão de ocupação almejado seria a construção das casas acompanhando a margem do rio, visando ficarem com fácil acesso às áreas produtivas e aos locais de pesca. Com o crescimento da população, tanto pelo nascimento como pela chegada de grupos domésticos, e as limitações espaciais, tanto à montante como à jusante, pela existência de localidades não-indígenas e de Terras Indígenas, a tendência foi adentrar compassadamente na mata virgem.

A Comunidade Guanabara II possui 328 pessoas distribuídas em 45 casas, formando uma unidade em relação às comunidades vicinais. O referencial comunitário está fundamentado em uma organização política, social e religiosa próprias, sedimentado pelos laços de parentesco. Os Kokama estabeleceram redes de relações com as comunidades do Alto Solimões e com o município de Benjamin Constant.

O principal elemento de formação dessa comunidade foi a reunião de grupos domésticos dispersos em torno do movimento da Cruz. Os primeiros moradores que formaram a comunidade de Guanabara II vieram de locais próximos, há cerca de 23 anos.

A migração ocorre, em geral, pela mudança das famílias extensas para locais que possuam vínculo de parentesco e que disponham de terra suficiente para o desenvolvimento do trabalho agrícola familiar.

A maioria dos moradores se auto-identificam e são identificados como Kokama, havendo uma pequena parcela de Ticuna, casados com Kokama, e alguns não-índios também casados com Kokama, declarando serem as gerações descendentes desses intercasamentos Kokama.

A comunidade está passando por um sério problema. Localizada entre a Terra Indígena Lauro Sodré e a comunidade não indígena Guanabara I, está com falta de espaço para a plantação das roças tendo que depender da boa vontade dos moradores daquelas comunidades em ceder terra para o cultivo visando ao abastecimento doméstico.

A comunidade mais conhecida como Nova Terra, também denominada Kunumituiuca, formou-se após desentendimento com parte das pessoas que moravam em Nova União, localizada ao lado, sentido jusante, em decorrência dos atuais moradores de Nova Terra terem se identificado como Kokama.

Formavam uma única comunidade, fundada a cerca de quatro anos. Alguns moradores de Nova União, ao tomar conhecimento do movimento Kokama na região, identificou-se como pertencente a esse grupo indígena. Os moradores de Nova União são "cruzadores" e alguns passaram a não autorizar a entrada na igreja daqueles que se identificavam como Kokama.

No mês de dezembro de 2002, aqueles que se identificaram como Kokama, transferiram-se então para um lote de terra de 400m X 1000m denominado Nova Terra.

III - ATIVIDADES PRODUTIVAS

As atividades produtivas estão baseadas principalmente na agricultura e pesca, na extração de produtos da floresta e na caça. As relações comerciais com as cidades de Benjamin Constant e de Tabatinga são destinadas à complementação de produtos básicos utilizados pelas famílias e ocorrem constantemente.

Habitam o ecossistema de terra firme, cultivam plantações temporárias na várzea da ilha Aramaçá, situada no rio Solimões em frente as comunidades Guanabara II e Nova Terra. Dependem essencialmente do rio Solimões para subsistência e como via de transporte, tendo também grande importância cultural e social.

Os ciclos das águas e os índices pluviométricos condicionam e indicam a seqüência das atividades de produção, organizando um calendário anual de atividades e consumo, garantindo, em decorrência dos valores e sistemas de cultivo próprios, o abastecimento anual das comunidades.

São povos agricultores e consideram a terra firme como o local mais apropriado para a realização das roças, as quais têm como produtos principais os de cultura temporária e as "plantas de raiz", os tubérculos.

Os Kokama valorizam o cultivo de árvores frutíferas, madeireiras e de espécies com propriedades medicinais, vindo assim a conservar uma importante fonte de produtos agroflorestais. Com isto, garantem a disponibilidade de alimentos durante o ano, podendo, eventualmente, estes produtos configurarem como fonte de renda pela troca do excedente nas cidades próximas.

A unidade produtiva está centrada na família nuclear.

O espaço para o cultivo é o grande impasse de Guanabara II, que possui apenas um terreno frontal de cerca de um quilômetro, estando limitado não somente o crescimento da comunidade como o desenvolvimento de atividades produtivas.

Os Kokama são exímios pescadores, cuja subsistência e modo de vida estão totalmente ligados a essa atividade, realizada no rio Solimões, nos rios, igarapés e lagos localizados nas proximidades das comunidades Guanabara II e Nova Terra.

As atividades de pesca são reguladas pelo ciclo fluvial que determina os locais de pesca e tipos de peixe encontrados. As localidades utilizadas para as atividades pesqueiras são o rio Solimões, rio Javari, igapós, igarapés e lagos da Ilha Aramaçá. A época de maior abundância de peixes no rio Solimões é no período de estiagem. Pescam também no rio Javari.

Na T.I. Guanabara não há igarapés próximos à beira do rio Solimões com porte suficiente que propiciem a pesca, mas os igarapés e recursos hídricos localizados nas imediações da terra indígena já citada, como o igarapé Crajari e Veneza - limites a montante da Terra Indígena Lauro Sodré - e igarapé Palhau - limite da Terra Indígena Guanabara, ao sul, e divisa oeste da Terra Indígena São Leopoldo, Ticuna - são importantes estoques de peixes, por isso a necessidade de assegurarmos a proteção de suas cabeceiras.

A coleta é atividade praticada intensivamente por todos os membros do grupo, em grande parte da extensão do território identificado, sendo fundamental para sua subsistência física e cultural. Os produtos coletados são utilizados na alimentação, como remédios naturais, como combustíveis, para a construção de casas, canoas, remos, móveis, artefatos utilitários e objetos produzidos para serem comercializados, além da extração de frutos e mel de jandaíra.

O ciclo ecológico determina os locais e os produtos a serem coletados, sendo o conhecimento transmitido através das gerações. Classificam, em direção ao sul, o território em capoeira e terra bruta ou mata virgem, sendo a distribuição dos produtos ordenada de acordo com essa divisão. Na capoeira encontram-se árvores frutíferas, remédios naturais, madeira de lei, palhas diversas, cipós e fibras. Na terra bruta, sentido igarapé Palhal - limite sul da terra indígena -, encontram esses produtos em maior abundância, havendo na mata virgem, segundo os Kokama, uma diversidade bem maior do que na capoeira.

A caça é uma atividade masculina, realizada durante todo o ano, geralmente com freqüência mensal, sendo praticada predominantemente nos meses de cheia do rio devido à diminuição de oferta de peixes nessa época.

As caçadas são realizadas em toda a área. Praticam caçadas diurnas e noturnas, cujo método e período variam conforme o tipo de animal que se pretende capturar. Na terra firme prevalecem os animais de maior porte e mais difíceis de encontrar, caçam também aves e animais de pequeno porte.

Realizadas em pequenos grupos de três a quatro pessoas, ou mesmo individualmente, chegam a caminhar mais de cinco quilômetros sentido mata virgem procurando local mais farto para a caçada noturna. Indicam como área de caça de animais terrestres de pequeno, de grande porte e de aves as imediações do igarapé Palhau, abaixo da Terra Indígena Porto Espiritual. O igarapé Palhau, os igapós das imediações e os lagos da Ilha Aramaçá são usados para caçar tartaruga, tracajá, jacaré e aves. Na capoeira, cerca de dois quilômetros de caminhada entrando na terra indígena, caçam também aves, paca, tatu e cutia.

Ao ser delimitada a porção sul da Terra Indígena Guanabara garante-se não somente a área utilizada para caça, como também, preserva-se as cabeceiras dos igarapés, fontes de recursos para os Kokama, Ticuna e para os animais. Assim, assegura-se uma reserva natural marcando também a territorialidade e a esfera de trânsito desses animais.

Há uma relação direta com as cidades próximas onde, vendem produtos derivados da agricultura, da pesca e da coleta, e compram mantimentos manufaturados como açúcar, café, óleo, sal, roupas, alguns medicamentos, gasolina e óleo para abastecer o motor de rabeta das canoas.

Com as comunidades vizinhas, tanto nas comunidades Guanabara III e São Luís - Ticuna - como em Guanabara I e São Sebastião - não-indígena - estabeleceram relações de afinidade e amizade, além de realizarem raramente algum tipo de comércio.

IV - MEIO AMBIENTE

As áreas imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao bem estar físico, econômico e cultural desse grupo englobam a faixa da "beira" do rio Solimões e a região denominada "centro" - coberta pela mata virgem, sentido sul da terra indígena -; conseguimos assim condições de sustentabilidade da população atual e futura evitando o esgotamento dos recursos.

Consideramos os limites propostos como áreas imprescindíveis à preservação dos recursos necessários ao bem estar econômico e cultural dos Kokama da T.I. Guanabara, levando em conta o crescimento populacional e eventuais chegadas de novos grupos domésticos. Dessa forma, é essencial assegurar uma extensão de faixa marginal, tendo em vista o acesso ao rio e aos lagos, a própria formação das comunidades, e a vida cotidiana dos moradores na margem do rio Solimões. Estando limitada pela Terra Indígena Lauro Sodré e pelo seminário Ticuna OMITTAS, reservamos uma faixa marginal possível, prevendo inclusive um crescimento demográfico.

Por ser evidente a falta de espaço para o cultivo de roças, fator relacionado à subsistência, fica patente que devemos estender o limite norte da Terra Indígena Lauro Sodré - vizinha da comunidade Guanabara II - até o igarapé Quinino - próximo de Nova Terra -, garantindo assim acesso ao mesmo, além de área para o cultivo.

Devido ao fato de não existir rios perenes no interior dessa terra é importante assegurar o acesso parcial, ao menos lateral, ao igarapé Palhal, que faz fronteira com a Terra Indígena São Leopoldo. O processo de identificação e delimitação pretende também preservar uma área de caça, de reprodução e preservação dos animais, a disseminação de sementes, nos fundos da terra indígena, bem como estabelecer uma continuidade entre as Terras Indígenas Lauro Sodré, Guanabara e São Leopoldo, visando assegurar a conservação, o acesso e o uso dos recursos extrativistas fundamentais para os Kokama.

Quanto aos recursos hídricos, procuramos proteger a cabeceira do igarapé Palhau e do igarapé Veneza, garantindo também a existência de seus afluentes inclusive por ter pequenos igarapés, no fundo da terra indígena, que abastecem principalmente o igarapé Palhau e a área de caça dos Kokama.

V - REPPRODUÇÃO FISICA E CULTURAL

A organização social dos Kokama está baseada na existência de grupos domésticos formados através de descendência bilateral.

Com os Kokama da T.I. Guanabara, percebe-se que há uma incorporação de pessoas e famílias vindas de outros locais, tanto para morar nas comunidades quanto na formalização e instituição de novas relações de afinidade. Ticuna e não-índios casados com os Kokama são aceitos na comunidade e tratados como parentes.

A transmissão de sobrenomes configura como elemento de identidade, seja através da descendência uterina ou agnática. Independente de haver uma relação de parentesco linear ou colateral direta, reconhecem o pertencimento ao grupo pessoas que possuem sobrenomes como Moçambite, Pacaio, Samias, Chota, Amia, Auanari, Corintima, entre outros.

Percebe-se que a maior concentração populacional, 72,0%, está entre a população infantil, jovem e recém-casada, evidenciando um potencial crescimento populacional vigoroso que soma-se às ondas migratórias ligadas a Irmandade da Santa Cruz; de relações de parentesco, laços de amizade e compadrio.

A relação da comunidade de Guanabara II com o local onde moram tem um marco cultural e simbólico ligado à cosmologia dos moradores à "Cruz plantada" no centro da comunidade.

Há uma dicotomia, para os moradores de Guanabara II e de Nova Terra, entre índio civilizado e índio bravo. Kokama é índio civilizado; índio bravo identificam com os índios do Vale do Javari, com contato mais recente com a sociedade local. Nesse ponto considero haver uma forte relação com a tarefa de domesticação dos quintais e das roças, característica bem marcante dos Kokama. Ser "índio civilizado" está relacionado ao processo de adquirir conhecimento. Investir no cultivo garante certa independência com relação aos centros comerciais locais e proporciona aos Kokama a participação ativa nesse processo, como compradores e, sobretudo, vendedores de produtos.

Definem-se como comunidades indígenas que estão construindo um devir comum pautado nas relações de parentesco e no vínculo estabelecido pelos cruzadores.

A faixa marginal delimitada, localizada na margem do rio Solimões, é importante tanto para a reprodução física como cultural do grupo. É o local onde cultivam as roças e onde a cruz - vinculada à Irmandade da Santa Cruz -, está "plantada", fixada, importante marco simbólico.

Delimitar em direção ao sul, significa garantir alimento e, conseqüentemente, a reprodução física do grupo. Garantir as nascentes que abastecem o igarapé Palhau e outros igarapés significa preservar o estoque de peixes desses locais, bem como o abastecimento dos animais que se encontram nos locais de caça.

A mata virgem e o rio Solimões também são referências da simbologia e da crença dos Kokama relacionadas ao sistema de saúde e doença expresso nos encantos e vinculado aos seres que habitam esses locais. Conhecimentos tradicionais relativos às curas de doenças estão vinculados tanto à mata, quanto ao rio, bem como o conhecimento de remédios naturais que é passado através das gerações.

VI - LEVANTAMENTO FUNDIARIO

Na faixa marginal delimitada como Terra Indígena Guanabara há a comunidade não-indígena Guanabara I, São Sebastião e Nova União, além de existirem duas propriedades, de Lázaro Fernandes da Silva - localizada entre Guanabara I e São Sebastião - e de João Ferreira Lima Filho- situada entre Nova terra e Nova União.

Realizamos reuniões em todas as comunidades, esclarecendo sobre os procedimentos da identificação, delimitação, demarcação de terra indígena, e sobre a condução do levantamento fundiário. Esclarecemos tanto os direitos das populações indígenas, quanto dos não-índios; informamos e distribuímos o Decreto nº 1775 e as portarias que nos indicavam para a realização do trabalho.

Explicamos, no dia 19 de junho, na comunidade São Sebastião sobre o presente estudo de identificação e delimitação e o trabalho fundiário a ser realizado, ficando acordado a realização do levantamento fundiário. Reunimos em Guanabara I, no dia 22 de junho, na escola, onde nos informaram haver 132 moradores, distribuídos em 17 famílias, que residem há cerca de 65 anos na comunidade. Foi realizado o levantamento fundiário com autorização dos moradores da comunidade. Fizemos uma reunião em Nova União, e os moradores não aceitaram fazer o levantamento fundiário por estarem reticentes com relação à questão da identidade Kokama.

Nº  NOME DO OCUPANTE  LOCALIDADE  NOME DO IMÓVEL  ÁREA DO IMÓVEL NA TI (ha)  
01  Afonso Soares Malafaia  Guanabara I  Sem Denominação  25,5 
02  Antenor Epifanio Soares  São Sebastião  São Sebastião  4  
03  Antonio José Soares  São Sebastião  São Sebastião  
04  Arleison Oliveira da Silva  Guanabara I  Sem Denominação  25 
05  Cosme Araújo Azevedo  São Sebastião  São Sebastião  2  
06  Delmiro Pereira Alencar  Guanabara I  Sem Denominação  28 
07  Delton Soares Lucas  Guanabara I  Sem Denominação  
08  Francisco Chagas Aparicio  Guanabara I  Sem Denominação  75  
09  Francisco de Souza Azevedo  São Sebastião  São Sebastião  1,5 
10  Francisco Malafaia  Guanabara I  Sem Denominação  26 
11  Humberto Pernunxxer  Guanabara I  Sem Denominação  
12  Jardel Soares Moraes  São Sebastião  São Sebastião  
13  João Ferreira Lima Filho  Nova Terra  São Francisco  30 
14  João Soares Lucas  Guanabara I  Sem Denominação  
15  José Rodrigues da Silva  Guanabara I  Sem Denominação  26  
16  Laurindo Rodrigues de Souza  Guanabara I  Sem Denominação  26  
17  Lázaro Fernandes da Silva  Guanabara I  Sem Denominação  100 
18  Manoel Moraes Ataíde  São Sebastião  São Sebastião  
19  Maria Socorro Ramos Ramires  Guanabara I  Sem Denominação  0,5 
20  Mauro Malafaia Soares  Guanabara I  Sem Denominação  
21  Moisés Milton  São Sebastião  São Sebastião  2,5 
22  Raimundo de Lima Soares  Guanabara I  Sem Denominação  26 
23  Sebastião da Silva Lima  Guanabara I  Sem Denominação  
24  Sérgio Soares da Lima  Guanabara I  Sem Denominação  25  
25  Wilson Malafaia Soares  Guanabara I  Sem Denominação  25 

VII - CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO

Concluímos que a terra indígena identificada e delimitada é caracterizada como terra tradicionalmente ocupada pelas comunidades Guanabara II e Nova Terra, constituindo unidades sociais que satisfazem aos preceitos constitucionais do § 1º do art. 231 da Constituição Federal de1988.

A terra indígena identificada e delimitada é ocupada em caráter permanente pelo grupo indígena Kokama. A identificação e a delimitação propostas visou garantir para a reprodução física e cultural do grupo, a realização das atividades produtivas e a preservação dos recursos naturais imprescindíveis ao bem estar dos kokama. O território proposto também buscou garantir a proteção das nascentes d'água que abastecem os igarapés de pequeno e médio porte localizados nas imediações e nos limites dessa terra indígena, com vistas inclusive para o estoque de peixes e as reservas de caça que utilizam essas águas para sobreviver. Dessa forma, assegura-se a própria dinâmica e manejo dos recursos naturais, tendo como horizonte tanto a preservação dos mesmos como a reprodução física e cultural do grupo.

Estender o território em direção ao sul propicia acesso parcial ao igarapé Palhal, importante recurso hídrico, uma vez que não há rio perene no interior da Terra Indígena Guanabara, e também, garante as atividades produtivas do grupo, além do uso e preservação dos recursos naturais. Esta delimitação também propicia a formação de um corredor ecológico interligando, na porção sul, as Terras Indígenas Lauro Sodré, Guanabara e São Leopoldo; além de uma porção da face leste fazer fronteira com a Terra Indígena Porto Espiritual.

Assegurar uma extensão possível de faixa marginal - da Terra Indígena Lauro Sodré ao igarapé Quinino - permitirá o acesso ao rio e aos lagos, a formação de novas comunidades, prevendo aumento populacional, a garantia das atividades produtivas e estabelecimento de comércio com outras localidades, em decorrência do fácil acesso ao rio Solimões. Essa faixa também propiciará novas e essenciais áreas de cultivo, visando a sustentabilidade atual e futura dos Kokama, além de resguardar o marco simbólico e sagrado, local onde está "plantada" a cruz na comunidade Guanabara II.

A definição dos limites levou em consideração o atendimento básico dos dispositivos constitucionais, os limites das terras indígenas Ticuna e a condição das comunidades ribeirinhas vizinhas, no sentido de compatibilizar os interesses, quando possível, na tentativa de visualizar a situação fundiária local. Este processo foi acompanhado, durante as atividades de campo, pelos Kokama, que, em reunião, anuíram a identificação e delimitação propostas pelo grupo de trabalho.

PRISCILA MATTA

Antropóloga-coordenadora

DESCRIÇÃO DO PERIMETRO

NORTE: partindo do Marco SAT-01, de coordenadas geográficas 04º 24'18,1492"S e 69º 54'51,0149"WGr., localizado na margem direita do Rio Solimões, segue pela citada margem, a jusante, até o Ponto-01, de coordenadas geográficas aproximadas 04º 24'24,8"S e 69º 53'06,3"WGr., localizado na confluência do Rio Solimões com o Igarapé Quinino. LESTE: do ponto antes descrito, segue pelo referido igarapé, a montante, até o Ponto-02, de coordenadas geográficas aproximadas 04º 25'03,4"S e 69º 52'42,1"WGr., localizado em sua margem esquerda; daí, segue por uma linha reta até o Ponto-03, de coordenadas geográficas 04º 25'22,2782"S e 69º 51'37,3689"WGr., localizado na linha reta que parte da confluência do Rio Solimões com o Igarapé Furtuoso; daí, segue por esta linha reta até o Marco SAT- 1076, de coordenadas geográficas 04º 31'09,8570"S e 69º 49'38,4990"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MO-07, de coordenadas geográficas 04º 31'12,143"S e 69º 49'38,752"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco ME-06, de coordenadas geográficas 04º 32'01,874"S e 69º 49'44,235"WGr., situado na cabeceira de um Igarapé sem Denominação; daí, segue pelo referido igarapé, a jusante, até a o Ponto Digitalizado P-04, de coordenadas geográficas 04º 31'28,540"S e 69º 47'40,755"WGr., localizado na confluência com Igarapé Palhal (Do ponto Ponto-03 ao Ponto Digitalizado P-04 confronta-se com a Terra Indígena Porto Espiritual). SUL: do ponto antes descrito segue pelo referido igarapé, a montante, até o Marco 54, de coordenadas geográficas 04º 44'37,862"S e 69º 54'03,367"WGr., localizado na cabeceira do mesmo (do ponto P-04 ao Marco 54 confronta-se com a T. I. São Leopoldo). OESTE: do marco antes descrito, segue por linha reta até o Marco SAT-38, de coordenadas geográficas 04º 34'12,5660"S e 69º 55'41,9461"WGr., localizado na margem do Igarapé Crajarí; daí, segue por linha reta até o Marco MP-43, de coordenadas geográficas 04º 33'59,3356"S e 69º 55'12,0892"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-44, de coordenadas geográficas 04º 33'46,7063"S e 69º 54'43,5988"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-45.de coordenadas geográficas 04º 33'33,3116"S e 69º 54'13,3886"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-46, de coordenadas geográficas 04º 33'21,3040"S e 69º 53'46,3146"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco SAT-48, de coordenadas geográficas 04º 33'08,3641"S e 69º 53'17,1520"WG.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-52, de coordenadas geográficas 4º 32'55,5455"S e 69º 52'48,2559"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-53, de coordenadas geográficas 04º 32'40,5477"S e 69º 52'14,4386"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-54, de coordenadas geográficas 04º 32'26,2397"S e 69º 51'42,1592"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-55, de coordenadas geográficas 04º 32'13,7855"S e 69º 51'14,0566"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco SAT-58, de coordenadas geográficas 04º 32'04,4384"S e 69º 50'52,9607"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-88, de coordenadas geográficas 04º 31'43,7740"S e 69º 51'01,9903"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-87, de coordenadas geográficas 04º 31'13,8982"S e 69º 51'15,0403"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-86, de coordenadas geográficas 04º 30'43,8632"S e 69º 51'28,1549"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-85, de coordenadas geográficas 04º 30'13,9430"S e 69º 51'41,2190"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-84, de coordenadas geográficas 04º 29'44,2110"S e 69º 51'54,2009"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-83, de coordenadas geográficas 04º 29'14,3427"S e 69º 52'07,2397"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco SAT-78, de coordenadas geográficas 04º 28'44,4041"S e 69º 52'20,3056"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-77, de coordenadas geográficas 04º 28'19,2250"S e 69º 52'30,7422"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-76, de coordenadas geográficas 04º 27'49,8638"S e 69º 52'42,9041"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-75, de coordenadas geográficas 04º 27'17,6063"S e 69º 52'56,2548"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-74, de coordenadas geográficas 04º 26'47,5553"S e 69º 53'08,6817"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco MP-73, de coordenadas geográficas 04º 26'33,6411"S e 69º 53'37,2004"WGr.; daí, segue por linha reta até o Marco SAT-68, de coordenadas geográficas 04º 26'19,2499"S e 69º 54'06,7013" WGr, localizado na cabeceira do Igarapé Guanabara; daí, segue por este, a jusante, até o Marco SAT-07, de coordenadas geográficas 04º 24'45,2453"S e 69º 54'58,1393"WGr., localizado na margem direita do Igarapé Guanabara; daí, segue por uma linha reta até o Marco SAT-01, início da descrição deste perímetro. OBS: 1 - Base Cartográfica utilizada na elaboração deste memorial: SB.19-V-B - RADAM - 1978 - Escala 1:250.000. 2 - As coordenadas geográficas citadas neste memorial descritivo são referenciadas ao Datum horizontal SAD-69. Responsável Técnico pela Identificação dos Limites: Reginaldo de Oliveira Carvalho, Engenheiro Agrimensor, CREA nº 71.729/D - MG.