Despacho FUNAI nº 107 de 07/10/2011

Norma Federal - Publicado no DO em 10 out 2011

Aprova as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena MARÓ de ocupação dos grupos indígenas Borari e Arapium, localizada no município de Santarém, Estado do Pará.

O Presidente da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, em conformidade com o § 7º do art. 2º do Decreto nº 1775/1996 , tendo em vista o Processo FUNAI/0294/2010 e

Considerando o Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de autoria da antropóloga Geórgia da Silva, que acolhe, face às razões e justificativas apresentadas, bem como

Considerando a Decisão do Juízo Federal da Seção Judiciária do Pará, Subseção de Santarém exarada nos autos da Ação Civil Publica nº 2010.39.02.000249-0

Decide:

Aprovar as conclusões objeto do citado resumo para afinal, reconhecer os estudos de identificação da Terra Indígena MARÓ de ocupação dos grupos indígenas Borari e Arapium, localizada no município de Santarém, Estado do Pará.

MÁRCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA

ANEXO
RESUMO DO RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA TERRA INDÍGENA MARÓ/PA

REFERÊNCIA: Processo FUNAI/BSB/294/10.

Denominação: Terra Indígena Maró.

Localização: Município de Santarém,

Estado: Pará.

Superfície aproximada: 42.373 hectares.

Perímetro aproximado: 131 km.

Povos indígenas: Borari e Arapium.

Família Lingüística: Língua Portuguesa.

População: 239 pessoas (2008).

Identificação e Delimitação: Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 775/PRES de 16.07.2008 e complementado pela Portaria n.1155/PRES de 10.08.2010 coordenado pela antropóloga Georgia da Silva.

PARTE I
- DADOS GERAIS

A Terra Indígena Maró tem ocupação tradicional permanente dos povos indígenas Borari e Arapium ligados por relações de parentesco e redes de reciprocidade. Consta no Sistema de Terras Indígenas da Diretoria de Proteção Territorial/Funai o nome Terra Indígena Rio Maró, contudo, a escolha dos Borari e Arapium para referenciarem-se a seu espaço de ocupação é somente Maró e, assim, definiram coletivamente pelo nome de Terra Indígena Maró em reunião durante o trabalho de campo do Grupo Técnico em 2008. O processo de reivindicação territorial e étnica dos Borari e Arapium data de 2000 (31.12.2000) com carta endereçada ao Ministério Público Federal assinada pelos indígenas da região do Baixo Tapajós.

Os Borari e os Arapium estão localizados nas comunidades de Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III, na margem esquerda do rio Maró, afluente do rio Arapiuns, Gleba Nova Olinda I, em frente a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. È preterido o uso de comunidade em detrimento de aldeia por ser o modo como os Borari e Arapium determinam seus espaços de residência, compreendendo que comunidade também é referência a uma unidade sociopolítica para além da referência territorial. Os Borari e Arapium são falantes somente do português, tendo referência memorial e pequeno uso do nheengatu (língua derivada da família lingüística Tupi) por um de seus membros. A região do Baixo Tapajós apresenta descrições de ocupação Tupi desde o século XVII, onde os Arapium e seus etnômios são descritos como residentes primeiro na margem direita do rio Tapajós e em seguida na margem esquerda do rio Arapiuns.

Ao longo dos séculos XVII e XVIII a região foi marcada por frentes de expansão coloniais, epidemias e políticas indigenistas que causaram depopulação das sociedades indígenas, esmorecimento das práticas culturais e afrouxamento das redes sociais. A implantação do nheengatu como língua franca e posteriormente a língua portuguesa nos aldeamentos pluriétnicos ao longo do rio Tapajós e afluentes e a escravidão indígena para obtenção das chamadas drogas do sertão são exemplos das práticas que fomentaram mudanças nas territorialidades indígenas na Amazônia já no século XIX - que buscaram no interior dos rios possibilidades de manutenção de modos de vida frente às práticas integracionistas do estado nacional.

A idéia sobre deslocamentos é apresentada hoje como modelo para pensar o pertencimento regional dos Borari e Arapium e dar sentido a fixação territorial na área de ocupação permanente tradicional no rio Maró. As histórias de migração entre os grandes rios, Arapiuns, Tapajós e Inambu contam sobre a territorialidade extensa, os antepassados indígenas e as relações entre humanos e não humanos, onde o índice de pertencimento está no rio e não na terra, relação apontada pelos velhos (as) Borari e Arapium, enquanto as pequenas migrações, no próprio rio Maró e igarapés, como o Igarapé da Raposa e o Igarapé do Cachimbo, apresentam a fixação territorial relacionado ao conhecimento ambiental, as práticas produtivas, as relações de parentesco e a práxis xamânica, para falar sobre o pertencimento a área de ocupação permanente tradicional, a Terra Indígena Maró. Os Borari e Arapium além do casamento entre as famílias, intra e intercomunidades, mantém práticas de reciprocidade para construir e firmar alianças. As expressões sociais utilizadas para as construção e manutenção de relações de afinidade são o puxirum, os eventos parturiais e o batismo de casa.

A partir do final do século XIX inicio do século XX que podemos unir os dois sentidos de pertencimento, os rios e a terra tradicionalmente ocupada, através das narrativas das famílias Alves de Souza, Bagata e Costa, que contam sobre prática extrativista do látex, a Cabanagem, os casamentos por meio de puxiruns e as pequenas migrações promovidas por atuação permanente de seres socioespirituais. O território Borari e Arapium é povoado de seres socioespirituais que dotam de sentido o pertencimento social a determinados locais, como Igarapé da Raposa, Igarapé do Cachimbo, a cachoeira em frente à comunidade Cachoeira do Maró e o Beiju-Açu. Assim, a reprodução física e cultural desses povos depende da manutenção e preservação tanto de bens materiais quanto bens imateriais.

Contudo, a terra, a Gleba Nova Olinda I, nas duas últimas décadas, sofre pressões da nova frente de expansão na Amazônia, a da indústria madeireira, que está incidindo sobre o território Borari e Arapium, tendo como possibilidade a perda de signos culturais fundamentais para os povos indígenas. Os Borari e os Arapium desde então lutam para garantir o acesso e uso coletivo do território, um modo radicalmente distinto da forma de uso e ocupação territorial vivenciada pelas comunidades ribeirinhas da Gleba Nova Olinda I.

Deve-se considerar então que os eventos ocorridos no Baixo Tapajós - fruto de uma realidade política integracionista também vivenciada em todo o território brasileiro- confluíram para a realidade das populações indígenas atuais. Durante quatro séculos os povos indígenas do Baixo Tapajós passaram por várias frentes de expansão, relações marginalizantes e obscurecimento das identidades indígenas. Somente com a Constituição de 1988, em que se reconhece um Estado pluriétnico e se asseguram os direitos aos povos indígenas é que as populações da Cachoeira do Maró, Novo Lugar e São José III, tiveram um contexto histórico mais favorável para desvelar suas narrativas de pertencimento e dar sentido a sua própria história.

PARTE II
- HABITAÇÃO PERMANENTE

O território Borari e Arapium é pensado em três campos de ocupação permanente - as colônias, as vilas e a mata, espaços que estão em interação na cosmografia local. As vilas abrigam as residências de moradia permanente, a escola ou salas de aula, campo de futebol, igreja e barracões comunitários, ou seja, edificações de uso individual e coletivo e de caráter permanente. São nas vilas que os indígenas passam o maior tempo anual. As colônias são os espaços onde se concentram os roçados de maior extensão com ou sem construção residencial permanente e a mata é o local onde são extraídos os recursos madeireiros e não-madeireiros, são realizadas caça e pesca e, também, é morada dos seres socioespirituais que promovem um ordenamento sociocosmológico. As vilas estão localizadas de frente para o Rio Maró, próximas ou ao porto principal ou aos portos "particulares", as vilas são espaços mais públicos em comparação às colônias, que têm acesso mais restrito e se encontram no interior do território de ocupação permanente.

A disposição e a estrutura das construções (casa, cozinha e casa de farinha) existentes nas colônias e nas vilas são semelhantes, diferenciando apenas quanto ao material das casas, que nas colônias geralmente são de palha e nas vilas são de madeira - geralmente de itaúba (Mezilaurus spp), considerada madeira de alta resistência, também utilizada para embarcações. As casas são cobertas por recursos não-madeireiros como o cipó-ambé (Philodendron sp) e o curuá (Attalea microcarpa), utilizando-se o cipó-titica (Heteropsis off. Spruceana Schott) para amarração. Todos esses recursos são retirados da mata. Friza-se que o cipó-titica, fundamental para as edificações indígenas, é somente encontrado nas mediações do na Resex Tapajós-Arapiuns ou no Igarapé do Cachimbo, apresentando assim uma importante justificativa para a presença do Igarapé do Cachimbo nos limites da Terra Indígena Maró.

As cozinhas estão dispostas ao lado das casas, sem paredes e com cobertura de palha, assemelhando-se aos jiraus - denominação não utilizada pelos Arapium e Borari - de outras populações indígenas amazônicas. Não existem cozinhas internas nas casas, mas os dois espaços podem estar ligados por um corredor coberto. As casas de farinha, tanto das vilas quanto das colônias, dispõem de casco (local onde se coloca massa de mandioca para secar) de itaúba, chapa de metal ou de madeira para torrar a farinha, prensa e tipiti. Cada comunidade apresenta uma configuração espacial diferente. Novo Lugar tem as residências mais próximas umas as outras, Cachoeira do Maró apresenta uma dispersão eqüidistante, chegando a formar ruas e São José III tem uma maior dispersão territorial das residência.

Entre as vilas e as colônias, ou ainda num espaço posterior ou sobreposto às colônias, tem a mata, - local de extração de espécies vegetais, cipós e madeira, coleta de frutas e caça. Os indígenas têm alta dependência alimentar e medicinal dos recursos da mata, com grande consumo de caça e de espécies medicinais não-cultivadas que a das chamadas plantas de terreiro, que são cultivadas perto das casas. É na mata que se encontra e reside grande parte dos encantados, os seres socioespirituais. Ela acolhe o curupira, os pretos e encantados, que podem ter características humanas e não-humanas, geralmente mamíferos de grande porte, como a paca e o queixada. A mata também abriga as cabeceiras dos igarapés, que é o local de moradia de encantados e onde estão fincados os vínculos de alguns xamãs vivos e mortos, como o Igarapé da Raposa e o Igarapé do Cachimbo.

Ratifica-se que os Borari e Arapium possuem alta dependência dos recursos ambientais para garantia de sua segurança alimentar, por isso, fazem uso de um extenso território que possibilite atividades de caça, pesca, agricultura e coleta de recursos de madeireiros e não-madeireiros. O uso regular desse território tem sido afetado nas duas últimas décadas pela fixação de grandes produtores agrícolas e da indústria madeireira na região, que segundo as narrativas indígenas têm obstruído o curso de igarapés importantes do complexo hídrico de uso permanente, assim como tem impedido a circulação dos indígenas para realização de suas atividades de reprodução física e cultural.

Os corpos d´água são fundamentais na cosmografia Borari e Arapium e são garantidos na Terra Indígena Maró. No Igarapé do Cachimbo se encontram as maiores porções de mata, onde se mantém a maior parte das espécies vegetais utilizadas para fins medicinais e também é o local onde residem os encantados. O Igarapé do Cachimbo, Igarapé do Arraia e Igarapé da Raposa são pontos de pesca, focos de caça e coleta de frutos e material vegetal para fins artesanais e medicinais. O Igarapé da Raposa, próximo a Novo Lugar, é intensamente utilizado pelos Borari, no entanto, sua cabeceira foi prejudicada pela ação dos madeireiros, segundo os indígenas, por meio do fechamento da cabeceira para transporte de madeiras retiradas dos PMF´s dos lotes permutados pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa) por meio do Decreto Estadual nº 2.472 de 29 de setembro de 2006.

Assim como o Cachimbo, o Igarapé da Raposa também suporta as noções cosmológicas dos Borari, cuja área é de propriedade de encantados e de um sacaca. Ao lado do Igarapé da Raposa, estão localizados os campos de natureza, lugares considerados sagrados e que não sofrem modificação humana. Já o Igarapé do Arraia, utilizado principalmente pelos moradores da Cachoeira do Maró e São José III tem seu uso concentrado para a pesca. Os Igarapés do Castanhal, Tirirical e Patauzal formam importante complexo hídrico que abastece o consumo da comunidade de Novo Lugar. Foram contabilizados 26 lagos de uso compartilhado com os moradores da Resex Tapajós-Arapiuns. É importante ressaltar que os indígenas são usuários da Unidade da Conservação, no entanto, não foram observadas ou relatadas disputas por recursos ambientais dentro da Unidade. Alguns espaços e lagos de uso compartilhado, como o Campo do Meri (desova de peixes e tracajá), Lafo do Meri (presença de piranha, acará-preto e tracajá), Campo da Raposa (tracajá), Lago da Raposa (tucunaré, pacu e piranha) e Lago do Espeto estão presentes na proposta de limites territoriais da Terra Indígena Maró.

PARTE III
- ATIVIDADES PRODUTIVAS

Os roçados são a principal atividade produtiva na TI Maró, onde é empregada a agricultura de coivara. A mandioca é a base alimentar e o gênero alimentar mais produzido pelos indígenas. Mantém-se ao menos uma roça de mandioca, embora boa parte dos indígenas mantenha uma roça madura (replanta), uma antiga e uma nova, além de um sem número de capoeiras, representando roças utilizadas em anos anteriores.

A escolha entre começar uma nova roça em uma capoeira ou em uma mata virgem passa por uma série de considerações. Para uma denominada de mata virgem é necessário o auxílio das relações de afinidade e a realização de puxiruns de derrubada. Essas roças tem cerca de dois a cinco hectares em Novo Lugar, enquanto nas outras comunidades possuem roças menores que variam entre dois e três hectares. O plantio de capoeiras é mais freqüente em comparação ao da mata e, uma das respostas para a escolha, é o tempo de colheita da mandioca inferior das capoeiras, de 09 meses, em comparação ao um ano e meio da colheita na mata. Devido à baixa fertilidade do solo onde se encontram hoje os roçados, fora das terras pretas, os indígenas têm que comprar gêneros alimentícios que anteriormente eram por eles cultivados, como arroz, feijão e cana-de-açúcar, gerando um aumento no custo de vida.

Os roçados são constituídos por bases de unidades familiares, realizados na maioria das vezes por meio do puxirum, principalmente as atividades de roçar, derrubar e plantar. Homens, mulheres e crianças participam das atividades no roçado. Aos homens são exclusivas aquelas relacionadas à derrubada e à coivara. As mulheres começam a intervir no roçado a partir do plantio e trabalham em todas as outras etapas. As crianças em geral participam das atividades que envolvem o fabrico da farinha e seus derivados, como a colheita e o descasque da mandioca.

Na mata, nas mediações dos maiores corpos d´água, encontram-se as frutas, as quais são coletadas em períodos específicos conforme a época reprodutiva das espécies. Como o consumo de vegetais, fora os tubérculos, ricos em carboidratos, não é comum entre os indígenas, as frutas coletadas na mata provavelmente constituem a principal fonte de vitaminas e fibras no local. Foram citadas 55 espécies distintas de frutas que ocorrem naturalmente no ambiente. Existe ainda o cultivo de frutas introduzidas, como a laranja, a manga e o limão, o que não parece diminuir a dependência e a exploração de frutas nativas, como o açaí, a bacaba, o cacau, o cupuaçu, o muruci do mato, a peroba, o uxi curuba e o uxi liso. O uxi curuba parece ocorrer somente em uma região muito específica, o Igarapé da Raposa, local reconhecido como de mata virgem e refúgio das últimas árvores de grande porte.

A área de ocupação permanente dos indígenas engloba uma série de formações vegetacionais e ambientes distintos, como igapó, campos e mata e são explorados tanto para a caça de mamíferos e aves, que se dá predominantemente com o uso de espingardas. A caça é sem dúvida a atividade mais prestigiada entre os Borari e os Arapium e tem se dado de maneira mais intensa nos últimos anos, estimulada pela proximidade de mamíferos de porte médio (cotia, paca, tatu). Este avanço se deve, segundo os indígenas, à construção de ramais (estradas), ao alto tráfego de caminhões escoadores de madeira e ao desmatamento das áreas de habitação tradicional de tais espécies. Os mamíferos de grande porte (porcos, veado e anta) não são mais encontrados com tanta facilidade, assim como os felinos, maracajás e jaguatiricas, que foram caçados ostensivamente nas décadas de 1960 e 1970. Os indígenas apresentam cinco métodos de caça que distinguem no modo, tipo de caça e técnicas empregadas.

As atividades de caça necessariamente diminuem durante a seca, quando a pesca se torna mais fácil. Muitas vezes, a pesca nesse período é uma atividade menos exaustiva e de sucesso mais garantido, porque os peixes estão retidos em corpos d'água delimitados.

A divisão sexual do trabalho também é observada na caça. Somente os homens caçam e invariavelmente se reúnem para iniciar esta atividade. Na maioria das vezes, a perseguição e o abate de animais são realizados por um indígena sozinho ou em dupla. A caça é repartida primeiramente entre a família nuclear (marido, esposa e filhos) e depois com a família extensa (mãe, irmãos e afins) - neste caso, quando são abatidos mamíferos de grande porte. As mulheres ficam encarregadas de escaldar a caça (retirada dos pêlos ou penas) e fazer os cortes para divisão familiar. A preparação para a caçada inclui alguns procedimentos importantes para garantir a boa desenvoltura do caçador e a qualidade da caça. Banhos e proibições sexuais, por exemplo, contribuem para o sucesso da atividade, assim como os constantes acordos com o curupira dentro da mata. O não cumprimento de determinadas prescrições pode causar mal-estares e enfermidades sanadas apenas com o auxílio do sacaca ou do curandeiro. Considerando que os não-humanos, como os grandes mamíferos, podem ser encantados e distrair ou mesmo provocar doenças como a olhada de bicho no caçador, as práticas de prevenção tradicionais são objeto constante de narrativas sobre caçada.

O conceito de panema, presente na região do Tapajós e também encontrada sob outras nominações entre outros povos amazônicos, envolve alguma das práticas prescritivas para o exercício de atividades de caça e pesca. Panema é uma condição. Ser panema indica a não potencialidade para o exercício de alguma tarefa ou a impossibilidade de realização de algum ato, cujos principais indicadores são a baixa ou nula reprodução familiar e baixo ou nulo modos de manutenção da reprodução familiar, especialmente a atividade de caça.

Apesar da extensão territorial necessário para busca de caça, os indígenas não percorrem mais todo o espaço antes utilizado para as caçadas, porque temem a ação dos madeireiros e grileiros. Nos mapeamentos participativos e em conversas informais, foi relatada uma prática dos homens entre 50 e 60 anos, não mais realizada atualmente, que consistia em passar cerca de duas semanas caçando, chegando até as margens do rio Mamuru e retornando com carnes secas para as famílias. Ressalta-se que essa prática não é mais recorrente devido ao sufocamento territorial que essas populações vêm sofrendo com o avanço da indústria madeireira e dos planos de manejo irregulares segundo Relatório do Ibama produzido em 2007 sobre a Gleba Nova Olinda I. As mediações do Igarapé do Cachimbo, Igarapé da Raposa e Igarapé do Arraia são os principais locais utilizados pelos indígenas para caça.

Em relação à pesca, o rio Maró, apesar de suas águas pretas, com baixa diversidade de espécies e poucos nutrientes, é a principal fonte de pescados. De acordo com os indígenas, quando o rio não está seco, os peixes encontram mais facilidade para se esconder em igarapés e igapós, dificultando o trabalho de captura. Eles comentam que, mesmo em épocas de rio seco, a pesca não assume tanta importância como a caça para obtenção de alimentos. Ao todo, foram identificados 26 lagos e enseadas na região, e outras cabeceiras e igarapés de importância para a pesca, migração e reprodução de peixes.

Foram identificados também locais que os indígenas consideram primordiais para passagem. O rio Maró é o local considerado mais importante para a passagem de peixes (durante a migração/piracema) e também para reprodução. Além dele, igarapés como Olaia e Raposa, especialmente mais próximos de suas cabeceiras, também são relevantes, especialmente para desova de peixes.

Foram relacionadas 95 etnoespécies de peixes de interesse alimentar dos indígenas. Algumas espécies são classificadas como reimosas, assim como em relação aos mamíferos, em especial os peixes lisos ou de couro. A noção de reima está associada a evitações/prescrições de consumo de determinados alimentos considerados perigosos para o bem-estar ou algo que deve ser mantido sob custódia para a prevenção da saúde e, por esse caráter profilático, é que a categoria de reimoso não é fixa, os alimentos são reimosos na medida em que o sujeito está numa condição de vulnerabilidade segundo os conceitos locais, como na gestação, puerpério (resguardo) e enfermo. A noção de reima, encontrada em diversas sociedades indígenas, está intrinsecamente vinculada a medicina tradicional indígena.

Na pesca predomina o uso da zagaia, através do facheado, do caniço e de redes malhadeiras, no tempo da seca. Métodos como tarrafa, arco e flecha e linhada são também bastante citados como os mais utilizados na seca. Já na cheia, caniço é o mais citado, mostrando-se também relevante o espinhel e arco e a flecha. Há ainda métodos locais, com um longo histórico de ocorrência no Baixo Tapajós como o panelão, narrado por Barbosa Rodrigues no século XIX.

As outras atividades produtivas relacionadas à alimentação como criação de animais, consumo de répteis e invertebrados também são realizadas pelos indígenas, mas em menor escala.

Da perspectiva do uso de recursos não madeireiros e madeireiros a maioria das espécies vegetais utilizadas é retirada da mata, e a maioria é elemento da medicina tradicional dos Borari e Arapium. Os cipós, além de utilizados na medicina tradicional também são empregados na amarração tanto das casas quanto na fabricação dos utensílios domésticos como paneiros e jamanxim (cestos cargueiros), peneiras e tipiti, que são produzidos pelos próprios indígenas, formando o arsenal de cultura material local. Entre os cipós mais usados, estão o cipó titica e a envira.

As atividades relacionadas informam sobre os modos e formas de uso dos recursos ambientais pelos Borari e Arapium e possibilitam a compreensão sobre elementos da vida social indígena, tornando os recursos naturais não apenas substrato da subsistência e segurança alimentar, mas ícones cosmológicos. A manutenção de técnicas e práticas de caça, agricultura, pesca e extrativismo propiciam a sobrevivência física dos indígenas assim como os meios e estratégias das e para as relações sociais. Assim como os indígenas elaboram formas de relacionamento e sociabilidade interna também o fazem com os não-indígenas. Os indígenas atualmente necessitam dos auxílios governamentais para complementação de recursos alimentares e aquisição de materiais indispensáveis para as atividades produtivas. Os principais benefícios recebidos são as aposentadorias como trabalhadores e trabalhadoras rurais e o Programa Bolsa Família. Nas comunidades ainda existem quatro assalariados: dois professores, Agente Comunitário da Saúde e um auxiliar de serviços gerais contratado para realizar a manutenção da escola da Cachoeira do Maró. A maioria dos indígenas estabelece alguma relação mercantil com marreteiros (comerciantes) vendendo ou trocando farinha de mandioca e artesanato por outros produtos ou comerciando no município de Santarém.

A integração dos indígenas na sociedade envolvente através da comercialização de produtos como a farinha é descrita pelos cronistas que passaram pelo Baixo Tapajós nos séculos XVII e XVIII, e permanece até os dias atuais. Ressalta-se que a diferença latente para os Borari e os Arapium nessa relação interétnica é o modo coletivizado de uso da terra e de sua produção agrícola, muito distinta das que estão sendo requeridas por outras populações vizinhas do oeste paraense.

PARTE IV
- MEIO AMBIENTE

Os Borari e Arapium estão localizados na porção central da Bacia Sedimentar do Amazonas, aflorando uma seção da Formação Altér do Chão, no rio Maró. O rio Maró é um rio bastante estreito e pequeno para os parâmetros locais, o que leva os moradores a comumente se referirem a ele como igarapé. O rio Maró é um dos tributários do rio Arapiuns, o qual, por sua vez, é o principal afluente do Rio Tapajós. Tanto Tapajós quanto Arapiuns são rios de água clara, enquanto o rio Maró possui águas pretas, embora suas águas sejam consideradas relativamente pretas. Os rios de águas pretas, como o Rio Negro, nascem nos escudos das Guianas e Brasil Central ou nas terras baixas dos sedimentos terciários da bacia Amazônica. Devido ao relevo suave, esses rios recebem poucos sedimentos, o que deixa as suas águas transparentes. A cor preta é provocada pelos ácidos húmicos e fúlvicos dissolvidos na água, provenientes da decomposição de matéria orgânica oriunda da floresta, na forma de matéria vegetal que cai na água. Os rios de águas pretas possuem níveis muito reduzidos de nutrientes e sais minerais, sendo que suas águas são ácidas devido à falta de cálcio e magnésio nas formações geológicas da drenagem, além da produção de substâncias húmicas, por essa razão são reconhecidamente rios de pobreza na diversidade aquática, em termos de riqueza e abundância de espécies e são menos produtivos que rios de água clara e água branca.

A área residencial dos Borari e Arapium (vilas) tem predominância de planícies aluviais, solos arenosos, lâminas isoladas de argila e várzea, com espaços de terra preta, fundamental para conservação das peças cerâmicas produzidas por antepassados e tidas como signos diacríticos de etnicidade para os indígenas. Os campos de natureza de Novo Lugar, espaço considerado sagrado pelos Borari e que não pode ser manipulado por humanos, as colinas suaves abrangem toda a sua extensão. O topo máximo é de cerca de 38 metros de altitude, apresentando alguns taludes com declives de inclinação mais acentuada nas porções próximas às margens dos igarapés, particularmente nos igarapés do Castanhal, Tirirical, Patauazal e Beiju-Açu. A área de ocupação permanente dos Borari e Arapium tem cobertura vegetal composta por quatro tipos de formações vegetais (subgrupos) bastante distintas entre si: floresta equatorial subperenifólia e cerrado equatorial subperenifólio, na terra firme, floresta equatorial higrófila de várzea e campos equatoriais higrófilos de várzeas, nas áreas sujeitas a inundação.

A região apresenta características gerais de clima quente e úmido, com temperaturas médias, máximas e mínimas anuais que oscilam, respectivamente, entre 25 e 26ºC, 30 e 31ºC e 21 e 23ºC, enquanto que a precipitação pluviométrica apresenta valores anuais oscilantes em torno de 2.000 mm, com distribuição irregular durante os meses, mostrando a ocorrência de dois períodos nítidos de chuvas, com o mais chuvoso abrangendo o período de dezembro a junho, concentrando em mais de 70% a precipitação anual.

Este complexo ambiente é domesticado e organizado pelos Borari e Arapium, onde espaços, espécies vegetais e animais e humanos interagem na constituição de uma relação social. O equilíbrio dos entes materiais e imateriais influirão sobre a vida dos povos indígenas residentes. Dessa maneira, constituem-se como principais espaços para manutenção e preservação do modo de vida dos Borari e Arapium: o Igarapé do Arraia e Igarapé do Cachimbo como pontos focais de caça e pesca, coleta de recursos madeireiros para edificações e recursos não madeireiros para edificações, artesanato, fins medicinais e xamânicos, assim como são locais de residência de encantados. São nas mediações do Igarapé do Cachimbo que estão concentradas as áreas de matas primárias e florestas antigas, locais fundamentais de reprodução das espécies animais utilizadas para alimentação dos Borari e Arapium, no entanto, ali é que estão centradas as atividades de exploração madeireira.

O Igarapé da Raposa também é fundamental e é utilizado para os mesmos fins acima descritos, constituindo importante ponto de caça de pacas e cotias, como também tem significância cosmológica para os Borari, tanto por ser abrigo de encantados e local de domínio xamânico quanto por ter nas suas mediações campos de natureza. Os Igarapés do Castanhal, Tirirical e Patauzal formam importante complexo hídrico que abastece o consumo da comunidade de Novo Lugar.

PARTE V
- REPRODUÇÃO FÍSICA E CULTURAL

A cosmografia Borari e Arapium aponta os corpos d´água como os principais índices cosmológicos. Rio, igarapés, lagos são residências de seres socioespirituais, são locais percorridos pelo sacaca em viagens xamânicas e são fontes de poder. A medicina tradicional indígena pode ser um viés interessante para compreensão do complexo mosaico de relações entre seres, coisas e ambientes. Já foi descrita a grande dependência das espécies vegetais não cultivadas para fins medicinais, contudo mais que saberes botânicos (domínio e classificação de espécies vegetais), a medicina tradicional indígena pressupõe teses e práticas sobre o estar no mundo, noções de doença, saúde e cura e uma estrutura teórica nosológica e profilática.

Os principais atores dessas inter-relações são os terapeutas locais, chamados de sacaca e curandeiro e correspondem aos pajés (xamãs) das comunidades. Essas figuras políticas estabelecem a conexão entre os planos de existência do universo Borari e Arapium e transitam cotidianamente entre eles. Tanto o sacaca quanto o curandeiro domina um determinado espaço e interage de modo distinto com ele. Esses espaços de interação dos pajés são povoados por seres socioespirituais, os encantados.Ambos os terapeutas têm encantados acompanhantes para distintos fins, como curar, benzer e proteger. Os encantados são donos de lugares, em especial as cabeceiras de igarapés e rios, e ali permanecem. Os humanos usufruem desses locais e a eles são vinculados. Assim, cada sacaca tem não apenas seus encantados, mas seus lugares e quando da morte do terapeuta seu corpo deve ser jogado na água, e ele mesmo irá encontrar seu lugar de pertencimento para viver pós-morte.

O sacaca percorre planos simultâneos e complementares para sanar pequenas enfermidades e travar batalhas xamânicas: o fundo do rio, a terra e a mata. Os encantados são os donos dos locais e eles têm ampla ação sobre a vida dos indígenas. Muitas narrativas sobre pessoas que foram encantadas, objetos e locais encantados são relatados, principalmente pelos mais velhos que não restringem suas narrativas à área de ocupação permanente tradicional, mas contemplam o universo do rio Maró, do rio Arapiuns e do rio Inambu, sinalizando a ampla ocupação e relacionamento cosmográfico.

Os encantados, então, participam em certa medida na ordem sociopolítica dos Borari e Arapium. Além dos encantados, os indígenas também têm a presença dos entes do catolicismo cristão - visto a entrada das Comunidades Eclesiais de Base na década de 1950 na região - e atualizam sua crença realizando festas de santo. As festas de santo são os eventos privilegiados para manutenção dos laços intercomunitários, seja com comunidades do rio Maró, Tapajós ou Arapiuns, e também se mostram como importantes espaços de sociabilidade que podem levar a diversos tipos de aliança, como casamentos.

Outros espaços destacados como importantes para os indígenas são os pequenos locais de terra preta, pois neles é possível achar cacos de cerâmica (vasos, potes, panelas) e ferramentas (rochas lixadas para machadinhas e facas) que remetem a um processo de ocupação mais antigo dos indígenas da região. As terras pretas estão presentes nas proximidades das casas na Cachoeira do Maró e em Novo Lugar. O Beiju- Açu, local sagrado para os Borari, é uma terra preta, e é limite territorial da Terra Indígena Maró com a comunidade vizinha, Fé em Deus.

PARTE VI
- LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO

A Gleba Nova Olinda I, área de terras públicas sob jurisdição do Estado do Pará, e território de onde está encravada a TI Maró, apresenta grandes atrativos para o agronegócio, como o alto potencial de recursos naturais (fauna e flora). A Gleba possui muitos recursos madeireiros, que, além de terem alto valor comercial e ecológico, são fonte de renda para as comunidades locais, por favorecerem a produção de óleos e resinas. Reconhece-se, sobretudo, o valor comercial das espécies de madeira existentes na região, que atraem a exploração madeireira desprovida de planos de sustentabilidade e respeito à legislação ambiental. A Gleba Nova Olinda I sofre pressões da indústria madeireira e grilagem e, desde 2008, tem passado por um processo de reordenamento e regularização territorial através do Iterpa. Indícios de irregularidades em relação a Planos de Manejo Florestais Sustentáveis (PMFS) realizados na Gleba Nova Olinda foram averiguados pelo IBAMA em 2007.

Sobre a presença da Aspit na região, há o contrato da permuta entre o Governo do Pará e os empresários (Decreto Estadual nº 2.472 de 29 de setembro de 2006) para locação de novos lotes em decorrência da expansão da TI Kaiapó (Portaria FUNAI nº 220 de 13 de março de 1990) no município de São Félix do Xingu, Gleba Altamira IV. Os lotes de permuta ficam ao sul e oeste da área de ocupação permanente dos Borari e Arapium, inclusive incidindo sobre espaços fundamentais para a reprodução física e cultural dos indígenas. Os lotes permutados estão nas mediações do Igarapé do Cachimbo, já referenciado como área utilizada até recentemente para caça pelos indígenas, antes das pressões e ameaças que os indígenas narram sofrerem por parte dos madeireiros e grileiros da região. A atuação da indústria madeireira já tem causado assoreamento de cabeceiras de igarapés como o Tirirical, Tobias e Raposa. O comprometimento destas cabeceiras tem conseqüências negativas relevantes, especialmente para a aldeia de Novo Lugar, local onde todas estas desembocam. No entanto, por ser esta a comunidade localizada à montante, certamente as demais também sofrerão com a diminuição do fluxo do rio Maró e destruição de locais importantes para a reprodução de peixes.

É importante destacar que cientes do processo de usurpação de sua área de ocupação permanente, os Borari e Arapium em 2005 realizaram a primeira autodemarcação de seus limites territoriais em projeto conjunto entre Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns e Programa Saúde Alegria. Em 2007 foi realizado o georeferenciamento dos pontos identificados. Os limites apresentados no mapa de autodemarcação, em alguns momentos, contrastam com as narrativas proferidas pelos indígenas quando da entrada na mata e da utilização dos recursos naturais lá existentes. Alguns igarapés (especialmente suas cabeceiras), como o do Cachimbo e do Arraia, são tidos pelos indígenas como importantes, mas não aparecem nos limites geográficos. Lendo o mapa de autodemarcação é possível perceber que todos os pontos de conflito e na qual os indígenas se sentem pressionados em seu território não são contemplados, numa nítida reação de medo as ameaças sofridas. Assim, esse estado de tensão instaurado pelo conflito agrário na região da Gleba Nova Olinda I está, de alguma forma, expresso no processo de autodemarcação, com os limites apontados pelos indígenas como sendo aqueles necessários para a delimitação da Terra Indígena também respondem aos limites postos (e impostos) pelos conflitos agrários. Locais sempre utilizados para a caça e pesca hoje têm cercas e portões, coibindo a entrada de "estranhos" e atividades produtivas. A cabeceira do Igarapé do Cachimbinho está fechada com uma porteira.

A ida à mata (como elemento constituinte do processo de autodemarcação para os indígenas, já que concretiza um plano) configura-se como a experiência das comunidades da TI Maró. Ao mesmo tempo em que elas se uniram em torno de um mesmo ideal - membros das três comunidades adentraram na mata pelo mesmo objetivo -, também acionaram uma série de lembranças coletivas que os ligam a um passado comum. Este passado é trazido nas narrativas sobre a autodemarcação como um aspecto que estimula reflexões sobre a reivindicação, já que os mais velhos contam aos mais moços como os limites hoje impostos pela expansão agrícola-extrativista eram utilizados permanentemente e constituem os locais da memória grupal.

A autodemarcação reforçou um sentimento de pertença a um espaço comum, a partir de narrativas dos mais velhos sobre o uso do espaço e dos recursos há mais de uma década. A autodemarcação, como campo de experiência, também legitima o processo de reivindicação política territorial, pois demonstra que os hábitos e costumes mantidos pelas gerações passadas ainda são praticados pelas mais jovens. Esses sinais apontam para a construção coletiva do território e para o modo de ocupação radicalmente distinto das outras populações e pessoas residentes na Gleba Nova Olinda I.

Como o mapa de autodemarcação se constitui como uma referência política, simbólica e principalmente de reconhecimento dos espaços de significação territorial dos indígenas, este foi usado como suporte para pensar a TI Maró, pois imprime os principais vértices de reconhecimento territorial dos Borari e Arapium. O mapa de delimitação da TI Maró confirma a importância dos locais destacados como limites apontados no mapa de autodemarcação, contudo, revisa suas dimensões, considerando a cosmografia Borari e Arapium, expandindo a área, considerando a sustentabilidade física e cultural dos povos indígenas e as áreas "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar" (Portaria 14/MJ/1996).

PARTE VII
- CONCLUSÃO E DELIMITAÇÃO

A proposta de limites da Terra Indígena Maró foi elaborada de acordo com estudos antropológicos e ambientais, estabelecendo como critérios os usos sociais e ambientais dos indígenas Borari e Arapium, num espaço cosmográfico reconhecido como terra tradicionalmente ocupada. A relação entre população e território pode ser vislumbrada no padrão de uso de recursos naturais com implícitos princípios cosmológicos, como a relação de "dono". A manutenção da TI Maró como ambiente, além da manutenção de um padrão de uso tradicional, é fruto da negociação entre humanos e não-humanos, mediada pelos terapeutas locais, principalmente o sacaca, que realiza viagens ao fundo do rio ou ao interior da mata.

As atividades produtivas dos Borari e Arapium são baseadas na agricultura familiar, com a predominância do cultivo da mandioca, seguido da caça (inverno), da pesca (verão), coleta de frutos e retirada de madeiras. Os principais recursos utilizados são a mandioca, a invirataia, sucuuba e preciosa (medicina tradicional, extrativismo), uxi, açaí e bacaba (coleta de frutos), itaúba (madeira), inambus, jacus e mutuns (aves), macacos, cutias, veados e tatus (mamíferos) e acarás, aracus, tucunarés e pacus (peixes). As principais unidades de recursos utilizadas são as capoeiras (coleta de frutos silvestres ou plantados, caça, plantas medicinais); árvores frutíferas (pontos de caça, pesca e retirada de frutos), lagos e pequenos igarapés (pesca e caça nas margens) e trechos de mata primária ou antiga (retirada de madeira). As atuais atividades de pesca ocorrem em todos os lagos e igarapés da região, além do próprio rio Maró. Já as áreas de caça espalham-se por boa parte da região de ocupação permanente dos Borari e Arapium, seja em seu uso atual ou passado.

Os limites da Terra Indígena Maró são ao norte o Igarapé do Arraia e as Comunidades Sociedade dos Parentes, Sempre-Serve, São Luiz, Novo Paraíso, São Francisco e São Raimundo; ao sul tem-se a Comunidade Fé em Deus e áreas permutadas da Gleba Nova Olinda I; ao leste o rio Maró e à oeste as áreas de permutas da Gleba Nova Olinda I. Os limites da Terra Indígena Maró, descritos no Memorial Descritivo e representados no Mapa a seguir, são, portanto, plenamente justificados no Relatório Circunstanciado, que apresenta a ocupação permanente tradicional dos Borari e Arapium, subsumidos pelos critérios do art. 231 da Constituição Federal , em demonstração das áreas por eles habitadas em caráter permanente, as indispensáveis as suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural. Este relatório circunstanciado, formatado nos moldes estabelecidos na Portaria nº 14/MJ , mostra-se, pois, peça técnica consistente para subsidiar as etapas subsequentes do procedimento demarcatório, em conformidade com o disposto no Decreto nº 1775/1996 .

GEORGIA DA SILVA

Antropóloga-Coordenadora do GT

DESCRIÇÃO DO PERÍMETRO

Inicia-se a descrição deste perímetro no ponto P-01, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 40'24,1" S e 55º 38'52,2" WGr, localizado no limite com a Comunidade dos Parentes, daí segue por uma linha reta até o ponto P-02, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 40'34,5" S e 55º 38'49,7" WGr, localizado na margem esquerda do Rio Maró, daí segue pelo referido rio a montante até o ponto P-03, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 49'08,7" S e 55º 41'45,0" WGr, localizado na margem esquerda do Rio Maró, daí segue por uma linha reta até o marco CM4-M-1280, de coordenadas geográficas 02º 49'07,921" S e 55º 41'48,210" WGr, localizado no limite com a Comunidade Fé em Deus, daí segue confrontando com a comunidade passando pelos seguintes marcos com suas respectivas coordenadas geográficas: CM4-M-1265, 02º 49'11,166" S e 55º 42'16,447" WGr; CM4-M-1241, 02º 49'38,537" S e 55º 43'20,102" WGr; CM4-M-1240, 02º 49'23,753" S e 55º 43'25,199" WGr; CM4-M-1291, 02º 49'34,846" S e 55º 44'27,239" WGr; CM4-M-1290, 02º 49'35,918" S e 55º 44'33,072" WGr; CM4-M-1279, 02º 49'37,099" S e 55º 44'39,580" WGr; CM4-M-1278, 02º 49'38,532" S e 55º 44'47,616" WGr; CM4-M-1277, 02º 49'40,422" S e 55º 44'58,383" WGr; CM4-M-1276, 02º 49'41,750" S e 55º 45'06,350" WGr; CM4-M-1275, 02º 49'43,612" S e 55º 45'16,549" WGr; CM4-M-1274, 02º 49'45,0779" S e 55º 45'24,840" WGr; CM4-M-1273, 02º 49'45,930" S e 55º 45'29,635" WGr; CM4-M-1300, 02º 50'11,014" S e 55º 45'30,126" WGr; CM4-M-1301, 02º 50'11,014" S e 55º 45'30,126" WGr; CM4-M-1289, 02º 50'14,759" S e 55º 45'50,108" WGr; CM4-M-1288, 02º 50'16,415" S e 55º 45'59,083" WGr; CM4-M-1286, 02º 50'20,612" S e 55º 46'20,985" WGr; CM4-M-1284, 02º 50'22,545" S e 55º 46'31,242" WGr; CM4-M-1285, 02º 50'23,464" S e 55º 46'36,377" WGr; CM4-M-1283, 02º 50'25,481" S e 55º 46'48,017 WGr; CM4-M-1302, 02º 50'26,954" S e 55º 46'55,302" WGr; CM4-M-1282, 02º 50'29,112" S e 55º 47'05,874" WGr; CM4-M-1281, 02º 50'31,839" S e 55º 47'20,256" WGr; CM4-M-1269, 02º 50'35,163" S e 55º 47'37,731" WGr; CM4-M-1267, 02º 50'39,228" S e 55º 47'58,603" WGr; CM4-M-1266, 02º 50'48,661" S e 55º 48'47,490" WGr; localizado no limite com áreas devolutas, daí segue por uma linha reta até o marco AL5-M-4812, de coordenadas geográficas 02º 51'25,209" S e 55º 51'09,077" WGr, daí segue por uma linha reta até marco AL5-M-4805, de coordenadas geográficas 02º 52'52,391" S e 55º 52'24,645" WGr, daí segue por uma linha reta até o ponto P-04, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 52'54,6" S e 55º 52'27,7" WGr, localizado no Igarapé Cachimbo, daí segue por vários seguimentos de retas pelo divisor de águas da bacia do Cachimbo passando pelos seguintes pontos e suas respectivas coordenadas geográficas aproximadas: P-05, 02º 52'47,4" S e 55º 54'02,9" WGr; P-06, 02º 52'24,5" S e 55º 55'18,2" WGr; P-07, 02º 51'57,4" S e 55º 55'59,0" WGr; P-08, 02º 52'03,4" S e 55º 57'35,4" WGr; P-09, 02º 51'24,9" S e 55º 58'28,1" WGr; P-10, 02º 49'46,9" S e 55º 58'29,7" WGr; P-11, 02º 47'56,8" S e 55º 56'51,7" WGr; P-12, 02º 47'56,4" S e 55º 56'51,3" WGr; P-13, 02º 47'35,7" S e 55º 56'43,8" WGr; P-14, 02º 46'49,6" S e 55º 56'27,3" WGr, localizado em uma estrada vicinal, daí segue pela estrada no sentido norte/oeste até o marco M-0007, de coordenadas geográficas 02º 42'43,822" S e 55º 53'03,630" WGr, localizado na mesma estrada vicinal, daí segue pela estrada passando pelos seguintes marcos com suas respectivas coordenadas geográficas: M-0006, 02º 42'37,087" S e 55º 52'53,821" WGr; M-0012, 02º 42'31,136" S e 55º 52'43,338" WGr; M-0011, 02º 42'22,783" S e 55º 52'24,791" WGr; M-0010, 02º 42'13,357" S e 55º 52'09,613" WGr; M-0009, 02º 41'54,951" S e 55º 52'01,114" WGr; localizada no cruzamento com outra estrada vicinal, daí segue por esta outra estrada no sentido sul até o ponto P-15, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 43'24,3" S e 55º 51'33,4" WGr, localizado na margem direita do Igarapé Arraia, daí segue pelo referido igarapé a jusante até o ponto P-16, de coordenadas geográficas aproximadas 02º 41'41,9" S e 55º 42'41,5" WGr, localizado na margem direita do Igarapé Arraia, daí por uma linha reta até o marco CM4-M-1114, de coordenadas geográficas 02º 41'46,229" S e 55º 42'37,699" WGr, localizado no limite com a Comunidade dos Parentes, daí segue confrontando com a comunidade passando pelos seguintes marcos com suas respectivas coordenadas geográficas: CM4-M-1115, 02º 41'45,866" S e 55º 42'12,279" WGr; CM4-M-1116, 02º 41'53,106" S e 55º 41'45,819" WGr; CM4-M-1117, 02º 40'32,984" S e 55º 41'25,814" WGr; CM4-M-1118, 02º 40'31,490" S e 55º 41'00,531" WGr; CM4-M-1119, 02º 40'34,917" S e 55º 40'35,734" WGr; CM4-M-1120, 02º 40'39,941" S e 55º 40'10,686" WGr; CM4 - M - 11 2 1, 02º 40'37,575" S e 55º 39'45,293" WGr; P-17, 02º 40'27,5" S e 55º 39'25,9" WGr; CM4-M-1122, 02º 40'23,520" S e 55º 39'05,302" WGr; P-01, inicial da descrição deste perímetro. OBS: 1- Base cartográfica utilizada na elaboração deste memorial descritivo: SA.21-Z-A-VI (MI-526) - Escala 1:100.000. 2- As coordenadas geográficas citadas neste memorial descritivo são referenciadas ao Datum horizontal SAD 69. Responsável Técnico pela Identificação dos Limites: Emerson Rodrigues, Engenheiro Agrimensor, CREA nº 11.058/D - DF.