Consulta de Contribuinte nº 185 DE 22/10/2018
Norma Estadual - Minas Gerais - Publicado no DOE em 22 out 2018
ICMS - INCIDÊNCIA - INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA - A industrialização realizada sobre determinada mercadoria, ainda que sob encomenda, na cadeia de industrialização ou comercialização, encontra-se incluída no campo de incidência do ICMS, conforme determinação constitucional de repartição de competência tributária. Caso o encomendante da industrialização seja consumidor ou usuário final, ficará caracterizada a prestação de serviço tributável pelo ISSQN, se houver previsão na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
EXPOSIÇÃO:
A CONSULENTE, optante pelo regime Simples Nacional, exerce como atividade econômica principal informada no cadastro estadual, o alvejamento, tingimento e torção em fios, tecidos, artefatos têxteis e peças do vestuário (CNAE 1340-5/02) e, como atividade secundária, a tinturaria (CNAE 9601.7/02).
Informa que realiza procedimento por encomenda como etapa do processo de industrialização de um cliente. Para tanto, emitiu nota fiscal, modelo 55, com débito de ICMS, que foi aproveitado pelo destinatário.
Acrescenta que, em 2009, a Prefeitura Municipal de Divinópolis exigiu o recolhimento do ISSQN sobre essa atividade, sendo que essa cobrança se arrasta judicialmente até a presente data, conforme processo nº 0232685-64.2014.8.13.0223.
Ressalta que os pareceres judiciais são favoráveis à Prefeitura e o requerimento para depósito judicial do valor do ICMS que efetuou também foi indeferido, conforme Autos nº 5006851-50.2017.8.13.0223.
Com dúvida sobre a correta interpretação da legislação tributária, formula a presente consulta.
CONSULTA:
1 - A operação deverá ser tributada pelo ICMS ou pelo ISSQN?
2 - No caso da obrigatoriedade de recolhimento do ISSQN, as notas fiscais modelo 55, já emitidas, podem ser consideradas fato gerador do imposto municipal, sendo que o crédito do ICMS foi aproveitado pelo destinatário?
RESPOSTA:
1 - A Constituição de 1988, ao repartir a competência tributária, deixou a cargo dos estados e do Distrito Federal a instituição do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação - ICMS, e dos municípios o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN.
Nesse contexto, verifica-se que a atividade realizada pela CONSULENTE, a princípio, enquadra-se no conceito de industrialização na modalidade beneficiamento, considerada como tal qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoe para o consumo, conforme estabelecido na alínea “b” do inciso II do art. 222 do RICMS/2002.
Segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, a atividade industrial exercida sobre mercadoria em etapa da cadeia de circulação constitui hipótese de incidência de ICMS, não carecendo de ressalva na Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. Aos municípios, por sua vez, compete instituir o ISSQN sobre as prestações de serviços, a consumidor final, expressamente previstas na referida Lista.
Isso decorre da própria disposição constitucional de que as operações de circulação de mercadorias estão sujeitas ao ICMS, cujo sujeito ativo para a sua exigência é o estado e não o município, ou seja, etapas intermediárias de circulação em que valores são agregados aos produtos, antes que estes estejam prontos para a venda ao consumidor final, estarão sujeitas sempre ao imposto estadual e se tratam de etapas de industrialização.
Em regra, uma industrialização envolve a realização de serviços numa mercadoria objetivando o seu beneficiamento, transformação, montagem etc., enfim, o seu aperfeiçoamento para o consumo. O que diferencia tal prestação de serviço de uma outra de mesma natureza executada para um particular é estar o bem ou não no comércio, numa etapa intermediária de circulação, como é o caso descrito pela CONSULENTE.
Vale ressaltar que este entendimento se aplica tanto à vigência do item 72 do Decreto-Lei nº 406/1968, que fazia ressalva expressa, na hipótese de beneficiamento, para não-incidência do ISSQN em relação a objetos destinados à industrialização ou comercialização, quanto à redação do subitem 14.05 da Lei Complementar nº 116/2003, que não estabelece expressamente essa ressalva.
Dessa forma, resultaria inadequada a interpretação no sentido de considerar que, após ser suprimida do subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/2003, a expressão “não destinados à industrialização ou comercialização” , ou seja, para consumidor final, os Estados e o Distrito Federal não tenham competência para instituir o imposto sobre as operações relativas à circulação de mercadorias sobre tais fatos, haja vista que, na hipótese em comento, ainda não se completou o ciclo dessa circulação, pois que a mercadoria encontra-se em processo de industrialização.
Nos dizeres de Bernardo Ribeiro de Moraes (MORAES. Bernardo Ribeiro. Doutrina e Prática do ISS, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 360):
"Devemos observar que o beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, acondicionamento e operações similares, para constituir fato gerador do imposto sobre serviços, deve ser, sempre, de objetos não destinados a comercialização ou industrialização. O ISS não incide sobre serviços que constituam etapa do ciclo de industrialização ou comercialização do produto.” (Destacou-se)
Aos municípios, por sua vez, compete instituir o ISSQN sobre as prestações de serviços, a consumidor final, expressamente previstas na Lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003. É o que se extrai da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal:
ARE 839976 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL
AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO
Julgamento: 10/02/2015 Órgão Julgador: Primeira Turma
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. ETAPA INTERMEDIÁRIA DA CADEIA DE PRODUÇÃO. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS ATESTADAS PELA ORIGEM. INOCORRÊNCIA DA MATERIALIDADE ATRIBUÍDA AO ISSQN. Nas hipóteses de conflito entre os fatos imponíveis do ICMS e do ISS, não se pode desconsiderar o papel da atividade exercida no contexto de todo o ciclo produtivo. Sob tal perspectiva, cabe ao intérprete perquirir se o sujeito passivo presta um serviço marcado por um talento humano específico e voltado ao destinatário final, ou desempenha atividade essencialmente industrial, que constitui apenas mais uma etapa dentro da cadeia de circulação. Perfilhando esta diretriz, não é possível fazer incidir o ISS nas hipóteses em que a atividade exercida sobre o bem constitui mera etapa intermediária do processo produtivo. Quanto ao valor arbitrado a título de verba honorária, considerando a possibilidade de fixação com base na apreciação equitativa do magistrado (art. 20, § 4º, do CPC), fica a condenação reduzida para o montante apontado nas razões de decidir. Agravo regimental parcialmente provido tão somente para o fim de reduzir o valor da verba honorária arbitrada. (Destacou-se)
AI 803296 AgR / SP - SÃO PAULO
AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI
Julgamento: 09/04/2013 Órgão Julgador: Primeira Turma
EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário. Serviço de composição gráfica com fornecimento de mercadoria. Conflito de incidências entre o ICMS e o ISSQN. Serviços de composição gráfica e customização de embalagens meramente acessórias à mercadoria. Obrigação de dar manifestamente preponderante sobre a obrigação de fazer, o que leva à conclusão de que o ICMS deve incidir na espécie. 1. Em precedente da Corte consubstanciado na ADI nº 4.389/DF-MC, restou definida a incidência de ICMS “sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria”. 2. A verificação da incidência nas hipóteses de industrialização por encomenda deve obedecer dois critérios básicos: (i)verificar se a venda opera-se a quem promoverá nova circulação do bem e (ii) caso o adquirente seja consumidor final, avaliar a preponderância entre o dar e o fazer mediante a averiguação de elementos de industrialização. 4. À luz dos critérios propostos, só haverá incidência do ISS nas situações em que a resposta ao primeiro item for negativa e se no segundo item o fazer preponderar sobre o dar. 5. A hipótese dos autos não revela a preponderância da obrigação de fazer em detrimento da obrigação de dar. Pelo contrário. A fabricação de embalagens é a atividade econômica específica explorada pela agravante. Prepondera o fornecimento dos bens em face da composição gráfica, que afigura-se meramente acessória. Não há como conceber a prevalência da customização sobre a entrega do próprio bem. 6. Agravo regimental não provido. (Destacou-se)
A análise sobre o processo de industrialização ou de circulação de mercadoria foi, também, uma diretriz firmada no julgamento da ADI nº 4389 MC/DF. Vejamos:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1º, CAPUT E § 2º, DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003 E O SUBITEM 13.05 DA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Até o julgamento final e com eficácia apenas para o futuro (ex nunc), concede-se medida cautelar para interpretar o art. 1º, caput e § 2º, da Lei Complementar 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços anexa, para reconhecer que o ISS não incide sobre operações de indsutrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS. (Destacou-se)
(STF. ADI nº 4389 MC/DF. Relator Ministro Joaquim Barbosa. Julgado em 13.04.2011. Publicado em 25.05.2011)
Em vista da citada decisão na Medida Cautelar na ADI 4389, recentemente, quando do julgamento do AgRg no REsp 1310728/SP, julgado em 02/06/2016, DJe 13/06/2016, o STJ alterou sua posição, adotando a linha de julgamento do STF. Eis a ementa do julgado:
TRIBUTÁRIO. ICMS E ISS. SERVIÇOS DE COMPOSIÇÃO GRÁFICA. SÚMULA 156 DO STJ. ADEQUAÇÃO AO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 4389-MC. 1. A Primeira Seção do STJ, em 11.3.2009, no julgamento do REsp 1.092.206/SP, de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, submetido ao rito dos recursos repetitivos nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ, consolidou entendimento segundo o qual "as operações de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados e sob encomenda, são de natureza mista, sendo que os serviços a elas agregados estão incluídos na Lista Anexa ao Decreto-Lei 406/68 (item 77) e à LC 116/03 (item 13.05).Consequentemente, tais operações estão sujeitas à incidência de ISSQN (e não de ICMS), Confirma-se o entendimento da Súmula 156/STJ: "A prestação de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda, ainda que envolva fornecimento de mercadorias, está sujeita, apenas, ao ISS". 2. Contudo, em 13.4.2011 o Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar na ADI 4389, Rel. Min. Joaquim Barbosa, reconheceu que não incide ISS sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. 3. Ante a possibilidade de julgamento imediato dos feitos que versem sobre a mesma controvérsia decidida pelo Plenário do STF em juízo precário, é necessária a readequação do entendimento desta Corte ao que ficou consolidado pelo STF no julgamento da ADI 4389-MC. 4. Hipótese em que o Tribunal de origem manifestou-se no mesmo sentido do entendimento exarado pelo STF, não merecendo reforma o acórdão estadual. Agravo regimental provido. (Destacou-se)
Esta Superintendência de Tributação tem se posicionado neste sentido em diversas oportunidades, conforme Consultas de Contribuinte nos 030/2018, 093/2017, 160/2016, 127/2013, 013/2013, 132/2012 e 193/2011, dentre outras.
2 - Prejudicada
Na hipótese de a CONSULENTE ter efetuado procedimentos em desacordo com o exposto, poderá, mediante denúncia espontânea, procurar a repartição fazendária de sua circunscrição para comunicar falha, sanar irregularidade ou recolher tributo não pago na época própria, observado o disposto no Capítulo XV do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos - RPTA, aprovado pelo Decreto nº 44.747/2008.
Por fim, se da solução dada à presente consulta resultar imposto a pagar, o mesmo poderá ser recolhido sem a incidência de penalidades, observando-se o prazo de 15 (quinze) dias contados da data em que a CONSULENTE tiver ciência da resposta, desde que o prazo normal para seu pagamento tenha vencido posteriormente ao protocolo desta Consulta, observado o disposto no art. 42 do RPTA.
DOT/DOLT/SUTRI/SEF, 22 de outubro de 2018.
Malu Maria de Lourdes Mendes Pereira
Assessora
Divisão de Orientação Tributária
Nilson Moreira
Assessor Revisor
Divisão de Orientação Tributária
Ricardo Wagner Lucas Cardoso
Coordenador
Divisão de Orientação Tributária
De acordo.
Ricardo Luiz Oliveira de Souza
Diretor de Orientação e Legislação Tributária
De acordo.
Marcelo Hipólito Rodrigues
Superintendente de Tributação