Consulta de Contribuinte SEFAZ nº 126 DE 03/06/1998
Norma Estadual - Minas Gerais - Publicado no DOE em 03 jun 1998
CONSIGNAÇÃO MERCANTIL
CONSIGNAÇÃO MERCANTIL - O conceito de "consignação mercantil" não alcança a operação de compra e venda de mercadoria a ser utilizada pela adquirente, oportuna e paulatinamente, na fabricação de seus produtos, ainda que o contrato celebrado entre as partes estabeleça modalidade especial de pagamento. Dessa forma, não se aplica à hipótese descrita nos autos o tratamento tributário específico previsto para a espécie, devendo a consulente observar as normas tributárias aplicáveis às operações comuns de circulação de mercadorias.
EXPOSIÇÃO:
A consulente informa que dedica-se à fabricação e comercialização de inúmeros produtos de limpeza, entre os quais o detergente "OMO", em cuja composição são utilizadas, entre outras, as matérias-primas "TINOPAL DMS" e "TINOPAL CBS", que são regularmente adquiridas da CIBA Especialidades Químicas Ltda, estabelecida no Estado do Rio de Janeiro.
Afirma a consulente que ela e sua fornecedora pretendem operar em um sistema semelhante ao da consignação mercantil, procedendo conforme se segue:
1) a CIBA remete-lhe as matérias-primas, a título de consignação mercantil, emitindo as notas fiscais com o lançamento normal do ICMS e do IPI;
2) a consulente lança as notas fiscais em seu Livro Registro de Entradas, creditando-se do valor do imposto nelas destacado;
3) semanalmente, a consulente informa a CIBA sobre a quantidade consumida no período, para que esta emita nota fiscal de simples faturamento, sem destaque do imposto;
4) a consulente lança essas notas fiscais de venda no Livro Registro de Entradas, nas colunas "Documento Fiscal" e "Observações", mencionando nesta que se trata de "Compra em consignação - NF nº ..., de .../.../...".
Sustenta a consulente que o sistema adotado difere da consignação mercantil apenas em relação ao fato de que a matéria-prima recebida não será revendida e sim consumida em seu processo industrial.
Isso posto, o contribuinte
CONSULTA:
1 - Os procedimentos descritos estão corretos ?
2 - Caso não estejam, quais procedimentos devem ser adotados ?
RESPOSTA:
1 e 2 - Não é possível ao Estado vedar a realização entre particulares de qualquer negócio lícito. Somente lhes fica vedado o que a lei assim dispuser.
Dessa forma, não importa, para fins tributários, o tipo de contrato celebrado entre as partes (no caso, a consulente e seu fornecedor) ou a denominação jurídica que se lhe atribua.
Não obstante, conforme leciona Orlando Gomes, em "Contratos", Editora Forense, 11ª edição, 1986, fl. 262:
" O contrato estimatório, também conhecido como venda emconsignação, é o negócio jurídico pelo qual uma das partes consigna à outra determinadas coisas móveis para que as venda pelo preço estimado, com a condição de devolver as que não vender no prazo estipulado, como no caso do livreiro que recebe cem exemplares de uma obra e pode devolver oitenta que não conseguiu colocar no mercado.
Sua natureza é controvertida. Consideram-no, alguns, modalidade de compra e venda, outros, de comissão.
Embora o consignatário venda, em seu próprio nome, as coisas entregues pelo consignante, age, para alguns, como se fora comissário. Outros, porém, vêem, na entrega das coisas, o cumprimento de obrigação oriunda de contrato de compra e venda, nada importando que possam ser devolvidas as que não vender. Trata-se de venda sob a condição de que o comprador revenda em certo prazo - venda a que se adjetivaria o pacto de se desfazer, se o comprador não conseguir vender as coisas recebidas.
No contrato estimatório, a obrigação do consignatário de pagar o preço estimado cumpre-se ao expirar o prazo. Nessa ocasião paga as que vendeu e devolve as outras. Do preço global deduz-se, em suma, a parcela correspondente às coisas restituídas.
Não está obrigado a vender pelo preço estimado pelo consignante, a menos que a obrigação seja expressamente estabelecida no contrato, mas, ordinariamente, não interessa a este que o consignatário venda por mais, ou menos, senão que lhe pague o preço ajustado.
Ao contrato estimatório aplicam-se, no que couber, as regras da compra e venda."
Já Waldírio Bulgarelli assim se manifesta sobre a matéria em seu "Contratos Mercantis", 9ª edição, Editora Atlas S.A., 1997, fls. 260/264:
"Ligada à prática da compra e venda, constata-se no comércio, desde há muito, a remessa de mercadorias pelo fabricante ou comerciante a outro comerciante, que fica obrigado a pagar o preço convencionado. Essa remessa de mercadorias nas condições referidas chama-seCONSIGNAÇÃO, como também o próprio negócio. Deve-se bem entender que essa consignação de mercadorias a um comercianteé para que ele a venda; se não o conseguir, devolverá as mercadorias, no todo ou em parte (se vendeu algumas) e pagará ao consignante o preço acordado. Muito comum é esse negócio no mercado livreiro,............
Vê-se, portanto, que o significado de consignação está ligado essencialmente àremessa de mercadorias (cf. a propósito, também o art. 113 do Código Comercial) e tambéma entrega de mercadorias (arts. 170 a 173 do Código Comercial), e neste caso, não no sentido detradição (decorrente de venda, locação, etc.) mas para ser vendida, guardada, despachada (consignação de transporte), transportada etc.
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Em recente tese de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP, o prof. Antonio Martins logrou demonstrar que a obrigação do devedor é uma só, no contrato estimatório: a de pagar o preço, dela, podendo se liberar se devolver as mercadorias.
Por ser a entrega da mercadoria essencial à formação do contrato, é considerado real, e também unilateral, posto que gera obrigações apenas para o consignatário; considera-o também a doutrina italiana, ao teor do art. 1.557 do Código Civil de 1942, como aleatório.
O Projeto do Código Civil brasileiro (634/75) consagrou-o, na linha do Código Civil italiano, como contrato típico, nos arts. 531 a 534. É, assim, o contrato estimatório aquele em que o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, dentro do prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada. Vê-se, assim, o caráter real decorrente da entrega do bem; a autorização para disporda coisa móvel, ou seja, vendê-la, ou devolvê-la - portanto, a faculdade alternativa de pagamento. O caráter de aleatoriedade é dado pelo fato de que, segundo o art. 532, "o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável". E o art. 533 manteve a reserva por assim dizer da propriedade do consignante sobre a coisa consignada, ou oproduto da sua venda, ao estabelecer a impenhorabilidade ou sequestro pelos credores do consignatário, enquanto o consignante não estiver pago integralmente do preço.
Por seu turno, o consignante, após a entrega da coisa ao consignatário, não pode dispor dela antes de lhe ser restituída, ou de lhe ser comunicada a restituição (art. 534 do Projeto)."
Concluímos, assim, dos ensinamentos retrotranscritos que a consignação mercantil pode ser definida como um contrato, onde o consignante entrega mercadoria a outro, o consignatário, para que este a venda, sob determinadas condições preestabelecidas, como por exemplo, o preço e o prazo. O consignatário, por sua vez, disporá da mercadoria e a negociará, em seu nome e por sua conta, como se fosse sua.
No caso exposto pela ora consulente, tal não acontece. Na realidade, a consulente recebe as mercadorias de seu fornecedor, a CIBA Especialidades Químicas Ltda, estabelecida no Estado do Rio de Janeiro, não com o objetivo de negociá-las com terceiros, mas para serem utilizadas, oportuna e paulatinamente, como matéria-prima na fabricação de seus produtos.
Não estando a consulente incumbida de promover negócios com os produtos remetidos pelo fornecedor, resta desfigurado o contrato de consignação mercantil, ficando evidenciado, na hipótese, um contrato de compra e venda de matéria-prima, com modalidade especial de pagamento acordada entre as partes.
Dessa forma, a remessa de matérias-primas da CIBA para a GESSY, ainda que, indevidamente, tenha recebido a denominação jurídica de "consignação mercantil", não poderá receber o tratamento tributário específico disciplinado, a nível nacional, pelo Ajuste SINIEF nº 02/93, incorporado à legislação tributária do Estado de Minas Gerais no Capítulo XXX (artigos 271/272) do Anexo IX ao RICMS/96.
Isso posto, esclarecemos que a situação relatada nos autos está sujeita às normas tributárias aplicáveis às operações comuns de circulação de mercadorias.
Assim, quando da entrada dos insumos em seu estabelecimento, a consulente deverá lançar a crédito o ICMS destacado na nota fiscal emitida pelo fornecedor e, quando da saída do produto industrializado, deverá escriturar e recolher o ICMS incidente sobre a operação, na forma e prazo regulamentares.
Observe-se que a eventual devolução, por qualquer motivo, de matéria-prima não utilizada no processo industrial, ou a sua remessa a terceiros, constitui fato gerador do ICMS, devendo a consulente, também nessa hipótese, se debitar pelo imposto devido, haja vista o disposto nos artigos 6º, § 8º, item "1", alínea "a" da Lei 6763/75 e 4º, inciso I, alínea "a" do RICMS/96.
Esclarecemos, afinal, que, para fins de tributação pelo ICMS, faz-se dispensável que o contribuinte fluminense emita, periodicamente, notas fiscais de simples faturamento correspondentes às parcelas de matérias-primas efetivamente consumidas no período.
DOT/DLT/SRE, em 03 de junho de 1998.
Rita de Cássia Dias Mota - Assessora
Sara Costa Felix Teixeira - Coordenadora da Divisão
Antonio Eduardo M. S. de Paula Leite Júnior - Diretor da DLT